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segunda-feira, 20 de junho de 2011

20 de junho 2011 - VALOR ECÔNOMICO


AVIAÇÃO
Ásia deve dominar pedidos em feira de aviões

Le Bourget (França)

Um pedido recorde de 200 aviões de empresas aéreas asiáticas com grandes orçamentos indica que elas devem dominar a bolsa de apostas de contratos nesta semana durante o Paris Air Show, numa clara evidência da rápida recuperação da indústria global, segundo fontes ouvidas pela Reuters.
Com investimentos em aviões militares de países ocidentais declinando, os olhos dos representantes da indústria de aviação que estarão na feira em Paris na próxima quinta-feira se voltam para a Ásia. Segundo o analista Peter Arment, da Gleacher & Co, dentre os pequenos espaços no mercado mundial, há muitos na região Ásia-Pacífico e nos países emergentes.
A região já é considerada o principal mercado de viagens civis. Prova disso é o acordo de US$ 17 bilhões que a companhia malasiana AirAsia está firmando com a Airbus para adquirir os modelos novos do jato A320. Acredita-se que essa compra deve ultrapassar a feita pela companhia indiana IndiGo em janeiro deste ano, quando foram encomendadas 180 aeronaves A320 da Airbus.
Espera-se que o acordo da AirAsia seja assinado na feira, mas, independentemente, a Airbus pretende vender 500 aeronaves. Entre os compradores do A320 estão a indiana Go Air, que encomendou 72 aviões no valor de US$ 7,2 bilhões, e a GE Capital Aviation Services Limited (GECAS), unidade de leasing de aeronaves comerciais da General Eletric.
O que provavelmente não será respondido no evento é quanto as fabricantes estão ganhando com a venda dos aviões. Com o mercado ainda comprimido, a concorrência entre as fabricantes está cada vez mais acirrada. Segundo apurou a Reuters, as companhias tiveram que baixar muito seus preços no período recessivo para poder manter sua carteira de negócios. Uma fonte disse que a Boeing chegou a oferecer desconto de 50%, além de treinamento, para conseguir bater sua concorrente Airbus. A empresa não quis comentar o assunto.
O Boeing 747-8, a nova versão alongada do legendário jumbo, fez a sua estreia internacional no domingo, mostrando sua distinta silhueta fora dos Estados Unidos pela primeira vez. O pouso do novo avião no Paris Air Show, três meses após seu primeiro voo, marca um show de engenharia desenvolvida pela Boeing. O primeiro 747 fez seu voo inaugural há 42 anos. Desde então, o jumbo, com sua distinta corcunda, se tornou o mais reconhecível avião em todo o mundo. O 747 foi o maior avião comercial do mundo até 2005, quando a Airbus anunciou o A380.


REFORMA AGRÁRIA
Caos fundiário atrapalha vizinhos de Belo Monte
Desenvolvimento: Fundado há 20 anos, o município de Brasil Novo só tem 15% de área regularizada

André Borges | De Brasil Novo (Pará)

Quando foi criado, 20 anos atrás, Brasil Novo recebeu o nome inspirado nos anseios de mudança que se desenhavam para a região amazônica. De uma pequena vila, uma agropólis do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a região foi convertida em município, somando pedaços de cidades vizinhas, no sudoeste do Pará. Hoje, duas décadas depois, Brasil Novo - município vizinho de Belo Monte - não passa de uma caricatura mal feita do projeto que a inspirou, um retrato de velhas mazelas das quais o Brasil já deveria ter se livrado há muito tempo.De seu território de 6,4 mil quilômetros quadrados, nem mil têm documentação em ordem. O caos fundiário chega a tal ponto que a própria prefeita interina do município, Fátima Rocha (PTB), admite que nem mesmo ela tem a escritura de sua terra. "A situação fundiária aqui é esse absurdo, eu mesma tenho terrenos que não têm nenhum documento. Nós queremos resolver isso de uma vez por todas", diz Fátima.
Moradora da região há 34 anos, a prefeita de origem baiana conta que chegou ao Pará com a leva de imigrantes insuflada pelo antigo slogan do governo federal, que na década de 70 prometia a entrega de "Terra sem homens, para homens sem terra".
Nas beiras da rodovia Transamazônica, pequenos vilarejos foram se formando, com a promessa de um dia criar um imenso cordão de integração e desenvolvimento na Amazônia. "Naquela época, a ordem do governo era desmatar. Você ganhava um terreno de cem metros, desde que desmatasse 80 metros. Viemos para cá sob essa condição. Hoje não podemos mais fazer isso e temos que cumprir a legislação ambiental. Mas também não podemos ser simplesmente abandonados", diz a prefeita.
O desmatamento já varreu cerca de 40% das terras de Brasil Novo. Para chegar à cidade, só por meio da Transamazônica, estrada que continua a ser uma sequência de terra e buracos, com algum asfalto em pequenos trechos. Há 3 mil quilômetros de obras de pavimentação por fazer no município, mas a prefeitura não tem recursos nem equipamentos para isso. Para a segurança de toda Brasil Novo, a polícia local conta com dois carros, nenhum deles com tração, item básico numa região em que o barro simplesmente para tudo em época de chuva.
Em 2008, o governo federal informou que o Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), vinculado ao ministério da defesa, daria uma força para monitorar a situação ambiental da região. Uma antena para transmissão de dados seria instalada na cidade. "Fizemos uma fundação de concreto para receber o equipamento. Até hoje essa base está lá, esperando. A antena nunca apareceu", diz Fernando Rocca de Araújo, que acumula os cargos de secretário da agricultura, mineração, meio ambiente e turismo de Brasil Novo.
Até o dia 30 deste mês, a prefeitura da cidade teria de estar com o seu cadastro ambiental rural concluído, para acelerar a regularização de terras. Há cerca de 2 mil propriedades rurais para serem cadastradas, mas até agora nenhum cadastro foi feito porque, segundo a prefeita Fátima Rocha, o Incra não liberou o sistema de cadastramento. Quando o governo lançou os programas Arco de Fogo e o Arco Verde - ações que têm a missão de desenvolver novos modelos de exploração econômica na região, além de combater o aumento de desmatamento ilegal -, fez um alvoroço na região, diz Fátima. "Depois veio o programa Terra Legal, com a promessa de que iria corrigir os erros do passado. A verdade é que está tudo parado. O Incra também não tem ajudado. Nossa realidade é triste, vivemos numa área esquecida pelo poder público", diz a prefeita.
Fátima Rocha, que também representa o poder público, estará prefeita de Brasil Novo até o fim deste mês, quando então voltará para a presidência da Câmara Municipal. Os problemas de Brasil Novo, afinal, não se limitam a conflitos fundiários e ambientais. Em 2009, a liderança da Câmara teve de assumir a prefeitura, porque o prefeito e o vice-prefeito da cidade, José Carlos Caetano (PR) e Osias Sperotto (PTB), respectivamente, foram cassados pela Justiça Eleitoral, acusados de compra ilegal de votos. Só neste mês é que uma nova eleição foi realizada, na qual a maioria dos 19 mil habitantes da cidade elegeu o candidato Alexandre Lunelli (PT) para tocar o resto do mandato, até o fim do ano que vem.
A dura realidade fundiária e ambiental de Brasil Novo se alastra por todo o Pará, o segundo maior Estado do país, que nas últimas semanas foi cenário de uma vários assassinatos de ambientalistas e líderes extrativistas. Para tentar dar um rumo à situação, o ministério do Desenvolvimento Agrário (Mda) informou que foram criados 12 grupos de trabalho para acompanhar projetos socioambientais. No plano ideal, o governo quer ter nas mãos um levantamento ocupacional detalhado da região e um mapeamento georreferenciado das terras ocupadas e públicas. Com isso, quer evitar o aumento de grilagem de terras e definir áreas para novos assentamentos. O ministério da Justiça informou que colocou a Polícia Federal para investigar os conflitos e encontrar seus autores.
Em meio ao seu dilema fundiário, a população do Pará terá de decidir, em dezembro, se o Pará será mesmo dividido em três, o que criaria os novos Estados de Tapajós e Carajás. O plebiscito, conforme previsto pelo Tribunal Superior Eleitoral, vai ouvir a opinião de mais de 3 milhões de eleitores paraenses. Especialistas que já se debruçaram sobre a proposta alertam que os novos Estados nasceriam gerando mais dívidas que receita, ou seja, teriam de se apoiar em verba federal para vingar.
Apesar das dificuldades, a situação está mudando, diz Shirley Anny Abreu do Nascimento, coordenadora do programa Terra Legal, do Mda. "É preciso reconhecer que passamos quase 30 anos sem um trabalho de regularização fundiária massiva na região amazônica", comenta ela. "Durante todo esse período, vivemos a lógica da colonização, que criou esse caos fundiário que temos hoje."


Ministério programa ação para regularizar terras na região

O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) programou uma força-tarefa para iniciar a titulação de terras em alguns municípios que fazem parte do complexo Xingu, no Pará. Em entrevista ao Valor, a coordenadora do programa Terra Legal Amazônia, do Ministério de Desenvolvimento Agrário, Shirley Anny Abreu do Nascimento, afirmou que, na semana passada, conversou com os prefeitos das cidades de Brasil Novo, Uruará e Pacajá para fazer a entrega de títulos de posse a partir de julho. "Ficaremos dez dias na região. Vamos pegar cerca de 1 mil propriedades que já foram cadastradas e georreferenciadas para regularizar a situação", comentou.
Criado em 2009, o programa Terra Legal tem a função de fazer a regularização fundiária de posseiros que vivem em terras públicas federais não destinadas, ou seja, áreas que não sejam reservas indígenas, florestas públicas, unidades de conservação, áreas de fronteira ou reservadas à administração militar. A ação é dividida, basicamente, em três etapas: cadastramento das famílias, mapeamento de suas posses e análise de documentação para titular a terra. Uma série de problemas, no entanto, atrasou o início das operações, comenta Shirley. "Fizemos chamadas de empresas para fazer georreferenciamento na região e descobrimos que não tinha gente preparada para fazer isso. Muitos começaram a prestar o serviço e abandonaram, simplesmente porque não conheciam a região e suas peculiaridades. Tivemos que criar um novo mercado", diz.
A sobreposição de títulos de terra é outro problema. "Isso atrasou muito nosso trabalho. No Mato Grosso, por exemplo, a situação é complicada, tem cinco andares de títulos", afirma a coordenadora do Terra Legal. "Passamos um ano e meio realizando coleta de dados em cartórios dos Estados. Agora tudo isso terá de ser digitalizado e confrontado com a base de dados do Incra."
Com orçamento anual de R$ 110 milhões e 207 funcionários, o Terra Legal atua na região do Amazonas, Acre, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Tocantins. As ações de georreferenciamento tiveram início, de fato, em setembro do ano passado. De lá para cá 14 mil ocupações foram medidas e localizadas. É menos de 10% do que se prevê ao longo de cinco anos de trabalho, quando espera-se que 180 mil ocupações estejam regularizadas.
Até dezembro, o MDA pretende ter 50 mil ocupações georreferenciadas. Esse trabalho de mapeamento é feito por lotes. Na semana passada, o ministério publicou um edital para contratar a medição de mais 143,1 mil quilômetros lineares em 218 municípios de sua área de cobertura. Atualmente há cerca de 300 pessoas em campo coletando as informações sobre a demarcação de terras, mas até o fim do ano estão previstos cerca de 900 agentes em operação.
Perguntada sobre o aumento de conflitos na região, Shirley Anny Abreu do Nascimento afirma que a maior parte dos embates tem ocorrido em áreas já destinadas pelo governo, isto é, muitas vezes não se trata de disputas por terras para agricultura, por exemplo, mas sim ações para roubar madeira. "Estão entrando na floresta e matando pessoas que são os verdadeiros donos, que vivem em áreas que já foram destinadas. São assentados e extrativistas que receberam do Estado o direito de usar a terra", comenta Shirley. "Isso não significa, porém, que não seja um problema do Terra Legal, não podemos nos eximir em relação a isso. Mas acima de tudo, é uma questão de Estado."
Para ter direito ao título da terra, documento que será impresso em papel moeda, o posseiro tem de atender a uma série de requisitos, entre eles não ser proprietário de terra em qualquer outro local do país, ser brasileiro e comprovar que sua posse é anterior a 2004, ano que ficou marcado com o pico do desmatamento da Amazônia. Hoje a checagem é feita de forma manual, mas a expectativa do governo é que, com a digitalização do banco de dados do Incra, cartórios, prefeituras e documentação da população, boa parte do processo seja automatizada. Neste caos de informação há espaço para todo o tipo de comprovante de posse, dos chamados "títulos pombalinos" no Pará (referência ao Marquês de Pombal) aos "títulos bolivianos", emitidos há mais de 200 anos na fronteira do Acre.
AB


DANOS AO MEIO AMBIENTE
Estrutura de controle
Papel do Ministério Público na área ambiental interfere na agenda das empresas e do governo.

Sergio Adeodato | Para o Valor, de São Paulo

Ao articular frigoríficos, produtores rurais e prefeituras no pacto para a pecuária sem desmatamento, o procurador da República Daniel Azeredo não imaginava o grande novelo a desenrolar. Seus telefones não param de tocar no segundo andar do prédio do Ministério Público Federal (MPF), em Belém, no Pará. São fiscais de órgãos ambientais à procura de dados para o controle da ilegalidade, prefeitos que não querem o município na lista negra, empresários interessados em seguir as regras para manter o negócio e até açougues perguntando se o fornecedor está dentro da lei. A rotina inclui lidar com vereadores, fazendeiros, sindicatos e até padres do interior paraense para o acordo sair do papel, evitando o embargo comercial à carne da região por redes de supermercado. Como resultado, em menos de dois anos o número de fazendas com Cadastro Ambiental Rural, indispensável ao licenciamento, aumentou de 600 para 50 mil e 86 municípios assinaram o compromisso de regularizar as propriedades.
"Mesmo com a retomada do desmatamento na Amazônia nos primeiros meses deste ano, o problema no Pará diminuiu", comemora Azeredo, que aos 30 anos representa a nova geração do Ministério Público com a visão de "conciliar economia e meio ambiente, com base na legislação". A barreira, segundo ele, é vencer "a burocracia do governo e a resistência de setores retrógrados, mas muitos empresários descobriram vantagens competitivas no pacto".
Na sala ao lado, o procurador Bruno Valente acumula pilhas de processos sobre a mesa. Ele fez uma recomendação formal à Secretaria de Meio Ambiente do Pará com 43 pontos para o melhor controle eletrônico da produção e comércio de madeira, coibindo fraudes. "Se nada mudar até julho, entraremos com ação contra o Estado", promete o procurador. Apesar das falhas que persistem, nos últimos dois anos o cerco aos esquemas clandestinos contribuiu para mudar a curva da produção de madeira ilegal e predatória.
O Ministério Público começou a atuar na área socioambiental com a Lei 7.374, de 1985, que criou a ação civil pública para punir quem causa danos ao meio ambiente, ao patrimônio público e ao consumidor, entre outros temas. Na Constituição de 1988, seu papel tomou corpo e hoje as cobranças por medidas para redução ou compensação de impactos pautam investimentos e interferem na gestão das empresas. "Com apoio técnico, aos poucos desenvolvemos habilidades para lidar com essa nova demanda da sociedade", afirma o subprocurador geral da república Mário Gisi, coordenador em Brasília das ações de defesa do meio ambiente.
"A estratégia é buscar solução no nível administrativo, com acordos e termos de compromisso, evitando ao máximo a morosidade do Judiciário, que não tem dado resposta adequada às questões ambientais", critica Gisi. Ele montou um grupo de trabalho para acompanhar de perto a pesca predatória e o aumento da frota de barcos financiada por recursos públicos. "É uma vigilância que contribui para o melhor controle público na fiscalização e licenciamento, que costuma gerar polêmica nas grandes obras como hidrelétricas" diz o procurador.
No caso da usina de Belo Monte, projetada para o Pará, o Ministério Público fiscaliza e cobra a implantação de medidas socioambientais exigidas na licença, totalizando R$ 3,2 bilhões. Ações judiciais que reivindicam investimentos prévios nesses quesitos atrasam o empreendimento. "Nossa tarefa não é das mais simpáticas", admite Gisi. O analista Fabrício Soller, da consultoria jurídica Felsberg e Associados, diz haver "excessos cometidos por razões ideológicas". Mas defende o Ministério Público como "indutor de mudanças, estando aparelhado para cobrar o cumprimento das leis ambientais". Ele completa: "Dialogar e harmonizar interesses têm sido uma ação muito prudente no momento econômico atual".
Na opinião de Soller, "caberia ao órgão controlar o apetite do poder público, que hoje gera muita insegurança jurídica ao setor empresarial". Ele adverte que a pulverização de normas é barreira legal para novos investimentos em gestão de lixo. "Elegemos o tema resíduos como prioritário neste ano para São Paulo", revela Cristina Godoy, coordenadora de meio ambiente do Ministério Público estadual. O órgão iniciou um diagnóstico para cobrar dos municípios os planos de gestão do lixo exigidos pela nova legislação. "Também aterros industriais e sanitários precisam se enquadrar".
Em geral, busca-se a negociação. "A ideia é fazer parcerias, unindo forças para se gerar benefícios além das leis", diz o promotor Marcos Barreto, responsável por um projeto que está sendo articulado com a prefeitura de São Paulo para arborização em massa dos corredores de veículos da cidade. "O objetivo não é o controle da poluição visual ou atmosférica, mas da sonora", explica Barreto.
No Paraná, arborização e plano de recursos hídricos foram exigidos aos 399 municípios. "Com indústrias, enfrentamos o problema do atraso na renovação do licenciamento pelos órgãos ambientais", conta o procurador Saint-Clair Santos, representante do Ministério Público no Conselho Nacional do Meio Ambiente. Nos últimos anos, ele protagonizou medidas polêmicas, como a que obriga fabricantes a pagarem pela coleta dos materiais recicláveis após o descarte, no Estado. "Com a nova lei, as empresas que relutaram estão sendo novamente notificadas", diz o procurador.
"A estratégia é abrir o diálogo com o MP para alinhar questões ambientais, sem enfrentamento", destaca Mônica Messenberg, diretora de relações institucionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ela justifica: "O Ministério Público é fundamental para a estrutura democrática".


QUESTÃO AGRÁRIA
Em Marabá, sem-terra põe fim à tregua com o governo Dilma

Ana Paula Grabois | De Marabá (PA)

O movimento dos sem-terra acabou com a trégua dada ao governo federal, depois da gestão Lula. Em Marabá, cerca de 5 mil pessoas que vivem em ocupações e assentamentos rurais no Sul e no Sudeste do Pará estão acampadas há 40 dias em uma praça, na frente da superintendência local do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Na semana passada, os movimentos, organizados pelo MST, Fetraf e Fetagri, fecharam a rodovia Transamazônica, que corta a cidade, deixando boa parte da população sem acesso a bancos, comércio, fórum e entidades públicas. O acampamento começou com o MST. Depois das mortes de quatro lideranças ambientais na região Norte, Fetraf e Fetagri reforçaram a manifestação.
A pauta das três organizações inclui, além de desapropriações aguardadas, o aumento do crédito através do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), a retirada de exigências ambientais para o recebimento do empréstimo e a construção de infra-estrutura de energia e de estradas aos assentamos já realizados. A região tem 70 mil famílias vivendo em 502 assentamentos rurais. Outras 12 mil famílias estão em terras invadidas. "A principal reivindicação é o assentamento de famílias em ocupações. Há casos de famílias que estão acampadas nas ocupações há mais de oito anos, desde o governo Fernando Henrique Cardoso", diz o dirigente da Fetagri, Francisco de Assis Soledade, que também ressalta a violência no campo. "São mais de 300 lideranças marcadas para morrer no Sul e no Sudeste do Pará", afirma.
Nem o governo da presidente Dilma Rousseff nem o de Luiz Inácio Lula da Silva fizeram o que tinham que fazer e agora a situação chegou ao limite, dizem os líderes dos sem-terra. "O movimento é contra o governo federal. As dez áreas que temos não foram resolvidas em nenhum dos governos petistas", diz um líder do MST no Estado, Tito Moura.
"Houve uma frustração com o governo Dilma Rousseff. Os movimentos sociais sempre tiveram uma ligação com o PT e parece que eles não foram bem atendidos", diz o procurador Tiago Rabelo, do Ministério Público Federal de Marabá.
Hoje, as lideranças dos movimentos pela reforma agrária têm encontro com os ministros Afonso Florence (Desenvolvimento Agrário), Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Gilberto Carvalho (Secretaria Geral da Presidência). Na semana passada, uma reunião com o presidente do Incra, Celso Lacerda, e com o superintendente regional do órgão, Edson Bonetti, não avançou.
Marabá é o centro comercial e de serviços da região Sul e Sudeste do Pará e reflete em boa parte o que tem vivido a Amazônia. Grandes investimentos feitos e em andamento em mineração, siderurgia e hidrelétricas, conflitos de terra, avanço de pastagem para a pecuária bovina, indústria madeireira, trabalho escravo e problemas ambientais. "É um caldo que está fervendo", afirma o procurador-chefe do Ministério Público Federal do Pará, Ubiratan Cazetta.
A maioria dos acampados em frente à superintendência do Incra são de municípios no entorno de Marabá ou da própria cidade. A terra valorizou-se rapidamente com a enxurrada dos investimentos, acirrando a disputa fundiária e criando problemas de pagamento para desapropriação pelo Incra.
Nos próximos anos um grande empreendimento da Vale, empresa com forte influência na região por conta das minas de ferro de Carajás e de novos projetos em execução, deve entrar em operação, a Alpa, uma siderúrgica de aços planos que vai servir à indústria de eletrodomésticos. A Vale também é dona da Estrada de Ferro Carajás, ferrovia que passa por Marabá e já foi alvo de protestos por diversas vezes dos movimentos dos sem-terra. A última interdição ocorreu no final de maio, como protesto das organizações dos sem-terra contra o assassinato do casal de extrativistas Maria do Espírito Santo da Silva e José Cláudio da Silva, em Nova Ipixuna, município próximo a Marabá.
A cidade possui um complexo de siderúrgicas de ferro-gusa, que transforma o minério que chega de Carajás em pelotas. Marabá recebe os reflexos da construção do complexo hidrelétricos de Belo Monte, em Altamira (PA), cidade ligada a Marabá pela rodovia Transamazônica. Com 234 mil habitantes, a cidade deve dobrar o tamanho de sua população até 2015, com chegada dos novos investimentos. Também está próxima da hidrelétrica de Tucuruí.
Ao lado dessa conjuntura, a região está na área do forte avanço da pecuária bovina dos últimos anos, causa de acirramento da disputa por terra entre grandes proprietários, pequenos agricultores de assentamentos ou de invasões e ambientalistas.
Pedro de Miranda tem 70 anos e está há 30 dias no acampamento. Quer um lote para um filho num assentamento prometido pelo Incra na Fazenda Cedro, em Marabá, onde a mulher já está desde que a área foi invadida há dois anos e quatro meses. "Não podemos entrar porque o Incra não mediu a terra, estamos esperando", afirma. Miranda é posseiro de uma pequena área de terra em Marabá, mas terá que sair. "A Vale diz que a terra é dela e que não adianta a gente trabalhar nela. Estão querendo que a gente trabalhe para eles, plantando eucalipto. Na minha idade, não quero trabalhar empregado, não compensa", diz. "Nossa expectativa é conseguir a terra para trabalhar, plantar arroz, mandioca, feijão", diz Antônio de Souza Neto, ligado à Fetagri e há um mês no acampamento com a mulher. Os quatro filhos pequenos estão com familiares em Marabá.
O Incra local, que financia as desapropriações, foi alvo de corte orçamentário. Neste ano, a verba foi limitada a um terço da destinada no ano passado. O Incra é alvo de críticas por má gestão e pelas indicações políticas do PT. Os últimos superintendentes saem do órgão quase sempre para disputar uma eleição. "O Incra de Marabá virou um comitê eleitoral", diz Orlando Alves da Luz, líder da comunidade de Tibiriçá, uma ocupação nas terras de uma fazenda no município de Marabá, ligada à Fetragri. Na ocupação, vivem 86 famílias à espera do documento de desapropriação e de assentamento do governo desde novembro passado.
Depois da interdição da Transamazônica, na quarta-feira, o Ministério da Justiça enviou a Força Nacional e o governador do Pará, Jatene (PSDB), a tropa de choque da PM. Os manifestantes estão impedidos de interditar vias públicas, sob multa de R$ 10 mil ao dia para cada organização de sem-terra, de acordo com decisão da Justiça Federal.

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