CAPA
Militares apoiam Dilma para manter sigilo eterno
O Ministério da Defesa manifestou apoio ao projeto original do Planalto que mantém o sigilo eterno de documentos oficiais. No Congresso, as Forças Armadas e o Itamaraty comandam o lobby para retirar as limitações ao sigilo, que já haviam sido aprovadas na Câmara. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse que apoiará o que for decidido pelo Planalto. O vice-presidente Michel Temer também defendeu a manutenção do segredo para documentos ultrassecretos. Mas a presidente Dilma Rousseff vai ser muito pressionada por entidades da sociedade civil a mudar de posição e, com isso, derrubar o sigilo eterno. Por outro lado, não quer contrariar aliados importantes como os ex-presidentes José Sarney (PMDB-MA) e Fernando Collor (PTB-AL). Nas bancadas, não há consenso. Por enquanto, o Planalto tentará esfriar o debate sobre o tema, para evitar desgaste.
TRANSPARÊNCIA
Defesa do sigilo eterno
Segredo de textos por tempo indeterminado é apoiado por ministério e, pela 1ª vez em público, por Collor
Roberto Maltchik
O Ministério da Defesa manifestou apoio ontem ao projeto original do governo que mantém o sigilo eterno de documentos oficiais considerados ultrassecretos. A mesma posição foi defendida, pela primeira vez publicamente, pelo ex-presidente e senador Fernando Collor (PTB-AL). No início da semana, a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, anunciou que o governo não concordava mais com a alteração da Câmara que limita o sigilo no máximo a 50 anos.
A assessoria do ministro da Defesa, Nelson Jobim, esclareceu que, se o governo mudar de posição, ele a seguirá. No Congresso, as Forças Armadas e o Itamaraty são os principais atores do lobby em favor do texto que não determina prazo fixo para que os textos ultrassecretos saiam do cofre. Mas o assessor parlamentar da Defesa e ex-deputado José Genoino defende o texto aprovado pela Câmara, que limita o sigilo a 50 anos. Esta semana, Jobim afirmou que, no atual estágio da discussão, não há posição da Defesa, mas, sim, decisão do governo:
- A posição é cumprir a posição que for tomada. Acompanhamos o projeto na fase inicial, concordamos com o projeto inicial. Havendo modificações, concordaremos com elas.
Dentro e fora do governo, Dilma é pressionada para voltar atrás e chancelar um mecanismo limitador de prazo, mesmo para documentos de altíssima confidencialidade. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), disse ao GLOBO que continuará agindo para o governo não ceder à pressão. O debate no Congresso será ampliado. Daqui para frente, as negociações serão conduzidas pelo ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL).
- O presidente Collor está tratando desse assunto e negociando com as pessoas. Havia presunção de unanimidade em relação ao projeto (da Câmara). O projeto deixou de tramitar em regime de urgência - disse Sarney.
Collor se encontrou com Dilma
Collor esteve com Dilma para tratar da Lei de Acesso à Informação Pública. Segundo ele, a presidente "se mostrou sensibilizada com o assunto e disposta a encontrar uma solução". Na Comissão de Relações Exteriores do Senado, Collor fez ampla defesa do texto governista, revisado na Câmara. Apontou 11 pontos a serem refeitos.
- (É para) Evitar uma verdadeira oficialização do WikiLeaks - comentou, em referência ao site que divulgou dados secretos do governo americano. - As mudanças (da Câmara) podem gerar impacto danoso não só à administração pública, mas também à segurança de Estado e da sociedade.
Sobre o projeto do governo, Collor propôs três alterações: o estabelecimento de uma composição mais bem definida e a adoção de caráter consultivo da Comissão Mista de Reavaliação de Informações; o resgate da classificação de documentos "de natureza confidencial"; e a adoção das classificações pelo conteúdo do documento e não pelas autoridades envolvidas:
- Os componentes que envolvem o projeto constituem matéria de segurança de Estado e, portanto, de máxima relevância aos interesses nacionais, tema para o qual deve prevalecer salvaguarda de assuntos específicos.
Em Recife, o vice-presidente Michel Temer defendeu a manutenção do sigilo para textos ultrassecretos que digam respeito a segurança nacional, fronteira e relações internacionais.
- É preciso colocar a discussão nos parâmetros corretos. Não me refiro ao sigilo de todo e qualquer documento. Volto a dizer, só dos ultrassecretos. E, dentre estes, alguns poucos - ratificou Temer, no Simpósio Pernambucano sobre a Reforma Política.
COLABOROU: Letícia Lins
Para AGU, anistia inclui torturador
Quando ministra, Dilma dizia que lei não perdoava crimes da ditadura
Carolina Brígido
BRASÍLIA. A Advocacia Geral da União enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer reafirmando que não há como punir crimes cometidos durante o regime militar. Essa é a primeira manifestação da AGU sobre o tema no governo da presidente Dilma Rousseff. Quando era ministra de Lula, Dilma defendia que crimes comuns como sequestro e tortura não eram protegidos pela Lei da Anistia. Na época da ditadura, Dilma foi perseguida, presa e torturada pelos militares.
Em maio de 2010, o tribunal manteve, por sete votos a dois, a validade da Lei da Anistia editada em 1979 e que beneficiou com o perdão penal agentes do Estado e militantes de oposição que cometeram crimes políticos. A AGU informou que a presidente não foi consultada sobre o tema e que a instituição se manifestou seguindo entendimento que já havia dado antes do julgamento, ainda no governo Lula. Na época, o chefe da instituição era o hoje ministro do STF José Dias Toffoli, e o parecer dizia que não era possível punir crimes já perdoados pela lei de 1979. O Ministério da Defesa e o Itamaraty tinham o mesmo entendimento. Do outro lado estavam Dilma, Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vanucchi (Direitos Humanos).
Para AGU, recurso da OAB não tem força para mudar decisão
A manifestação mais recente foi feita em um embargo de declaração proposto pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) à decisão do STF do ano passado. Embargo de declaração é um dos últimos recursos em que a parte contrariada pede esclarecimentos sobre uma decisão judicial. No caso, a OAB sustentou que houve aspectos não examinados pelo julgamento. Na manifestação entregue ao STF em 6 de junho, a AGU alegou que "o acórdão embargado examinou todas as questões suscitadas pelo arguente (OAB) e todos os dispositivos constitucionais tomados como parâmetro de controle, ponto por ponto".
No texto, a AGU afirma que o recurso da OAB não tem força para mudar a decisão do STF: "O pleito do embargante não merece ser deferido, pois o recurso por ele interposto visa à obtenção de efeitos modificativos ao julgado por essa Suprema Corte, expediente inviável em sede de embargos declaratórios". O documento leva a assinatura do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, além de outras duas advogadas do órgão. A manifestação foi entregue ao ministro Luiz Fux.
Ontem, o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, criticou o fato de Dilma não ter mantido sua posição em relação à Lei da Anistia. Para ele, Dilma se esqueceu de seu passado de militância contra a ditadura militar, ao jogar uma pá de cal sobre o pedido para a revisão da Lei de Anistia:
- Acho que é uma síndrome dos nossos governantes. Já houve governante que, em nome da governabilidade, pediu que esquecessem tudo o que ele escreveu. A presidente Dilma repete esse fato, fazendo com que haja uma descrença em relação até ao passado das pessoas. No Brasil, parece que a pressão política é tão grande que as pessoas tendem a mudar de opinião, negando toda a sua convicção pessoal.
Lula diz que é contra manter segredo
SÃO PAULO e BRASÍLIA. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou anteontem que não concorda com a ideia de "sigilo eterno" para documentos secretos do governo federal, dentro do debate que ocorre no Legislativo sobre o projeto da Lei de Acesso à Informação Pública. Questionado por repórteres depois de um evento em São Bernardo do Campo, ele afirmou que defende a existência de um prazo, mas deixou em aberto a possibilidade de "maiores cuidados" quando o documento tiver relação com outro país.
- Sigilo eterno, não. Não existe nada que exija sigilo. Tem de ter um prazo, a não ser que seja um documento entre dois Estados, que precisa ter mais cuidado. Mas, o restante, acho que o povo tem mais é que saber - disse Lula anteontem, em curta entrevista acompanhada por sua assessoria, após participar de uma aula-espetáculo do escritor Ariano Suassuna, em São Bernardo do Campo. Na prática, a necessidade genérica de "mais cuidado" pode ser uma defesa da renovação do prazo fixado de confidencialidade.
Ontem à noite, Lula participou em Brasília de um jantar na Embaixada de Angola com embaixadores africanos para definir ações de seu instituto, que pretende compartilhar a experiência brasileira em projetos sociais com o continente africano. Segundo a embaixada, Lula foi homenageado pela atenção que dispensou à África durante seu governo. Em meio a participantes trajando paletó e gravata, Lula usou uma guayabera - tradicional camisa caribenha - branca.
Participaram do jantar o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli e Clara Ant, assessora de Lula, além dos ex-ministros Edson Santos e Elói Araújo (Igualdade Racial) e o ex-ministro da Comunicação Social Franklin Martins.
Governo quer esfriar debate sobre sigilo eterno para evitar desgaste
Estratégia do Planalto é que o foco das discussões sobre o projeto fique no Senado
Gerson Camarotti
BRASÍLIA. O Palácio do Planalto definiu uma nova estratégia para tentar sair da agenda negativa do projeto que poderia acabar com o sigilo eterno para documentos oficiais. A ordem é esfriar o debate para só votar a matéria no Senado dentro de alguns meses. O acerto foi feito na noite de quarta-feira, entre o líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR), e a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti.
- O governo não tem posição sobre o projeto que trata do fim do sigilo eterno. Vamos abrir o debate no Senado. Tudo vai depender de como esse debate será encaminhado - disse Jucá, tentando esfriar a polêmica, apesar de a presidente Dima Rousseff ter concordado em manter o sigilo eterno.
A avaliação que foi feita é que, depois que o projeto não foi votado em maio, como Dilma queria, o melhor agora é criar um ambiente de consenso no Senado. A Câmara aprovou ano passado emenda ao projeto enviado pelo governo que estabelece uma única renovação para o sigilo de documentos ultrassecretos, limitando a 50 anos o prazo para liberação de documentos oficiais.
Inicialmente, havia a expectativa do Planalto de aprovar o texto alterado pela Câmara. A ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, era uma defensora da tese de fim do sigilo eterno. Mas, depois da posição contrária dos senadores José Sarney (PMDB-AP) e Fernando Collor (PTB-AL), o governo decidiu recuar, e Ideli chegou a anunciar a orientação do Planalto de derrubar no Senado a mudança feita pela Câmara.
Hoje, não há consenso nas bancadas. O PT já se posicionou favorável ao texto da Câmara que acaba com o sigilo eterno. E depois recuou. Mas outras bancadas governistas ainda não tomaram uma posição oficial.
- A bancada do PT tem uma posição discutida e rediscutida sobre o tema. A posição do governo ocorreu depois de sair a posição do PT. Só vamos discutir novamente o tema depois que tivermos uma exposição das razões do governo - advertiu o líder do PT, senador Humberto Costa (PE).
Nos bastidores, o Palácio do Planalto quer evitar contrariar aliados importantes como Sarney e Collor. Por isso, cresce a tendência de deixar o debate ser conduzido no Senado até que haja uma maioria segura por uma posição.
PANORAMA POLÍTICO
Ilimar Franco
Jobim e os independentes do PMDB
O ministro Nelson Jobim (Defesa) tem se reunido com os ditos senadores independentes do PMDB. Nesta semana, o encontro foi na casa do senador Waldemir Moka (MS), e estavam lá Jarbas Vasconcelos (PE), Pedro Simon (RS), Luiz Henrique (SC), Casildo Maldaner (SC), Roberto Requião (PR), Ricardo Ferraço (ES) e Eduardo Braga (AM), além do líder Renan Calheiros (AL). Os senadores decidiram encampar a proposta de Luiz Henrique pela qual 20% da dívida dos estados com a União poderia ser revertida em investimentos em educação, saúde, segurança e inovação tecnológica. Na semana que vem, o PMDB vai propor o calote ao ministro Guido Mantega (Fazenda).
LUIZ GARCIA
Segredos na vida pública
Costuma-se atribuir à atividade política a rubrica de vida pública, expressão que, esperam os cidadãos de boa vontade, não guarda qualquer parentesco com a definição, hoje fora de moda, de moças que têm o sexo como profissão.
Embora pública, a política, quando se refere a atividades de governo, não abre mão de ter seus segredos. É assim no mundo todo, e ninguém vê nisso a menor sombra de contradição.
No momento, discute-se abertamente qual deve ser a duração dos segredos. Está em vigor um decreto-lei, editado no governo de Fernando Henrique Cardoso, que fixa quatro níveis de sigilo: documentos ditos “reservados” (cinco anos de gaveta trancada), “confidenciais” (dez anos), “secretos” (20 anos) e “ultrassecretos” (30 anos). Estes últimos podem ter o prazo prorrogado indefinidamente.
No momento, o Congresso discute um projeto que acaba com esse “indefinidamente”, trocando-o por um prazo de 25 anos, prorrogáveis por mais 25. Mas o governo defende a tese de que há segredos que merecem sepultamento até o fim dos tempos.
Numa tentativa de convencer os adversários dessa posição extrema, o Palácio do Planalto anunciou que o segredo eterno não valeria para documentos do tempo do regime militar.
É evidente que ditaduras têm, por sua própria natureza, muito mais segredos do que regimes democráticos.
E parece ser igualmente óbvio que boa parte deles é formada por segredos cabeludos.
Não porque os agentes públicos, nos regimes de exceção, sejam menos patriotas e honestos do que aqueles dos governos democráticos — inclusive porque não faltam homens públicos que atuam com o mesmo desembaraço nas duas formas de governo.
Mas — em qualquer tempo, em qualquer país — não ser necessária a prestação de contas à opinião pública afeta o comportamento dos donos do poder da pior maneira possível.
Enfim, pode-se aceitar que existam dois tipos de segredos: domésticos e internacionais. E estes poderiam merecer, digamos assim, um tratamento mais cauteloso, muito diferente daquele com que se deve tratar a roupa suja da nossa casa.
Fora isso, francamente, também é razoável dar como certo que um sigilo de 50 anos garante que os cidadãos diretamente interessados em mantê-lo já pertençam, todos, à inatacável bancada do São João Batista.
VISITAÇÃO DE NAVIO-ESCOLA
Fragata argentina pode ser visitada hoje no Rio
Entrada para conhecer a embarcação, que está em viagem pela América do Sul, é gratuita
Vinícius Lisboa
Os cariocas estão convidados a visitar hoje um “turista” argentino em sua passagem pelo Rio de Janeiro. Trata- se do navio-escola Fragata Libertad, que está ancorado no Porto do Rio, junto ao Armazém 13.
A embarcação poderá ser visitada, gratuitamente, das 14h às 17h, mas somente nesta sexta-feira. O navio está em viagem pela América do Sul, levando mais de cem guardasmarinhas que estão se formando na escola de oficiais da Argentina. Os próprios militares serão os guias do passeio.
Embarcação tem 27 velas e foi construída em 1963
Detentora do recorde de travessia a vela do Atlântico Norte e com mais de 800 mil milhas náuticas de viagens, a fragata foi construída em 1963 e tem 103,7 metros de comprimento e 52,88 metros de altura. A embarcação tem 27 velas distribuídas em quatro mastros. Entre as principais atrações do passeio está a visita à sala do comandante e ao convés do veleiro, onde foi realizado um coquetel para convidados na noite de anteontem, dia em que a fragata chegou ao Rio de Janeiro.
Fragata argentina partirá amanhã para Recife
Na viagem pela América do Sul, o Rio de Janeiro é a segunda parada. O navio saiu de Buenos Aires e passou por Mar del Plata antes de chegar ao Brasil. Do Rio, a fragata parte para Recife amanhã, para então seguir rumo a Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Chile, retornando à Argentina depois de voltar ao Oceano Atlântico pela Terra do Fogo.
PANORAMA ECONÔMICO
Míriam Leitão
O futuro nuclear
Japão, Alemanha, Suíça, Itália. Vários países estão suspendendo projetos de energia nuclear. O desastre japonês foi um duro golpe ao setor. O tema sempre será controverso, mas o economista José Eli da Veiga acha que a parada era inevitável após Fukushima. O físico José Goldemberg acredita que a notícia da suspensão dos projetos é a chance de elevar a energia renovável.
Quatorze países mantêm projetos para construir 64 novas usinas atômicas no mundo. Esse número é bem menor que os 120 listados no ano de 1987; e os 233, de 1979. Doze plantas em construção se arrastam há mais de 20 anos e 35 não têm data para entrar em operação. China, Rússia, Coreia do Sul e Índia mantêm 47 projetos na área, mas os planos chineses foram suspensos depois do desastre japonês. Mais da metade das usinas em operação nos EUA já estão no período estendido de licença, depois de terem esgotado o prazo inicial de 40 anos de funcionamento. Os números mostram que a tendência da energia nuclear é de baixa.
O terremoto no Japão afetou 11 reatores e desativou seis para sempre. Ao mesmo tempo, a Associação de Energia Eólica Japonesa informou que nenhum dano foi sofrido pelas plantas eólicas do país, nem pelo terremoto nem pela tsunami. Enquanto a Tepco, empresa operadora das usinas atômicas, perdeu metade do seu valor de mercado três semanas após o terremoto, as ações das empresas do setor eólico dobraram de preço.
Os investimentos governamentais em pesquisa e desenvolvimento da energia nuclear superam os gastos em eficiência energética e fontes renováveis entre países que fazem parte da AIE (Agência Internacional de Energia). De 1986 a 2008, a energia nuclear acumulou US$140 bilhões em recursos, enquanto os gastos para eficiência energética receberam US$35 bilhões e as fontes renováveis, US$27 bi. Os EUA concederam subsídios nos últimos 15 anos de US$40 bilhões ao setor nuclear, enquanto o setor eólico ganhou US$900 milhões, 44 vezes menos. É justamente esse quadro que a decisão alemã pode mudar.
- Em 10 anos, a transição alemã é viável. A energia pode vir de termelétricas a gás, produção eólica e biomassa. É uma excelente notícia porque abre caminho para investimentos em produção renovável. A expansão nuclear já estava estabilizada há muito tempo, vários países já haviam abandonado planos de expansão, mas os emergentes, como os chineses, estavam anunciando projetos. A China suspendeu seus planos depois do desastre japonês e a notícia de que a Alemanha também fez o mesmo pode fazer agora cair a produção nuclear - disse o físico José Goldemberg.
Goldemberg explica que as usinas nucleares são responsáveis pela produção de 15% de energia elétrica no mundo. Mas levando em conta a energia total, contando por exemplo a queima de petróleo, a energia nuclear é apenas 2%.
- Isso quer dizer que se todas as usinas forem desligas e tivesse que aumentar a queima de petróleo, o aumento de emissão de gases de efeito estufa seria de 2%. O mundo está trocando um risco imediato por um risco futuro. A usina nuclear é um risco de hoje, veja-se o exemplo de Fukushima, enquanto o aumento da temperatura global terá seus efeitos mais graves daqui a 30, 40, 50 anos - completou.
O economista José Eli da Veiga entende que toda a rejeição que tem acontecido em torno da energia nuclear é natural nas democracias.
- O acidente de Fukushima escancarou, em primeiro lugar, a imprescindível necessidade de controle social sobre todas as decisões relativas às obras de geração de energia, algo que a indústria nuclear abomina - disse.
Ele acrescenta que o sistema normativo internacional precisa de urgente revisão.
O presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Reginaldo Medeiros, diz que os alemães podem liderar investimentos em produção solar, estimulando a instalação de painéis nas residências. Esse investimento terá que desenvolver a tecnologia de smart grid, para integrar a rede. São componentes eletrônicos que integram o sistema, que se torna pulverizado em milhares de produtores de energia.
- A notícia abre perspectiva interessante para investimentos em smart grid e para que consumidores instalem painéis solares em casa. Eles podem produzir ao máximo sua própria energia e vender para a rede o excedente. No período de pouco sol, a rede vira um backup, fazendo o caminho inverso - disse.
O presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Ricardo Simões, acha que o momento abre a chance de aumentar os recursos para o desenvolvimento de produtos e tecnologias para o setor. Ao mesmo tempo isso significa uma demanda maior pelos equipamentos necessários, e isso quer dizer que os preços tendem a ficar mais caros. O Brasil exige que 70% dos equipamentos sejam nacionais e não há oferta suficiente aqui, por enquanto.
José Eli acredita que a saída principalmente da Alemanha do desenvolvimento da energia nuclear é ruim porque é o país que mais investe em inovação nesta área. Em relação ao Brasil, argumenta que sem usinas nucleares o país terá que fazer mais hidrelétricas, opção menos controversa e mais barata. Só que terá que "artificializar todas as bacias amazônicas".
Não existe opção sem custo. Seja qual for o caminho do Brasil na escolha das suas fontes de energia, o importante é que o debate seja o mais transparente possível. Não tem sido, infelizmente, qualquer que seja a fonte.
ANCELMO GOIS
Cinzas no acordo
As cinzas do vulcão chileno Puyehue afetam um pouco a fusão entre TAM e Lan Chile. A chilena já amarga prejuízos — e seu valor, no acerto final de contas das duas voadoras, periga diminuir se ficar claro que o vulcão pode continuar afetando os negócios nos próximos anos.
VOO AF 447 DA AIR FRANCE
Navio com corpos do voo 447 chega à França
Peças do Airbus resgatadas do fundo do mar serão enviadas a Toulouse, onde serão analisadas
O navio Île de Sein chegou ontem ao porto de Bayonne, na França, com 104 restos mortais das vítimas do acidente com o voo AF 447 da Air France, que fazia o trajeto Rio- Paris e caiu no Atlântico em 31 de maio de 2009. Três contêineres com pedaços da aeronave, que também foram encontrados durante a quinta e última fase de buscas, encerrada no dia 3 de junho, foram enviados para análise em Toulouse, no sul do país. A embarcação atracou num píer afastado para evitar a presença de curiosos durante a descarga.
Os corpos serão levados para o Instituto Médico-Legal (IML) de Paris, onde uma equipe de legistas e dentistas realizará autópsias e os primeiros exames.
O processo de identificação dos restos mortais das vítimas deverá começar hoje ou sábado e poderá levar meses, segundo o coronel François Daoust, diretor do Instituto de Pesquisas Criminais da Polícia Militar (IRCGN, na sigla em francês), órgão especializado na identificação de vítimas de catástrofes e que comandará esses trabalhos.
Relatório mostra que queda levou 3 minutos e meio
No Brasil, o presidente da Associação de Vítimas do voo 447, Nelson Marinho, que perdeu um filho no acidente, disse que os franceses concordaram em usar o banco de DNA compilado pela Polícia Federal brasileira para ajudar a identificar os corpos.
Ao todo, 154 corpos dos 228 que estavam a bordo do Airbus da Air France foram resgatados. Os primeiros 50, sendo 20 deles de brasileiros, foram retirados do mar por equipes da Marinha brasileira e da FAB logo após a catástrofe.
Em maio, o BEA divulgou um relatório preliminar sobre as circunstâncias do acidente com o voo 447. O documento divulgou apenas a sequência de ações dos pilotos até a queda, que durou 3 minutos e 30 segundos. As causas do acidente e as responsabilidades só serão divulgadas pelas autoridades francesas no fim deste mês. O documento mostra que o comandante da aeronave não estava na cabine no momento em que o piloto automático foi desativado.
VISITA DE BAN KI-MOON
Apoio pouco entusiasmado
Apesar de ressalvas à atuação de Ban Ki-moon, Brasil respalda sua reeleição na ONU
Eliane Oliveira e Catarina Alencastro
BRASÍLIA. A presidente Dilma Rousseff declarou ontem, formalmente, apoio do Brasil à reeleição do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, mesmo não tendo havido, por parte do sul-coreano, qualquer gesto claro de respaldo à candidatura brasileira a uma vaga permanente no Conselho de Segurança da entidade. Mais cedo, após almoçar com o chanceler Antonio Patriota, Ban Ki-moon desconversou nas duas vezes em que foi perguntado sobre o tema. Disse defender uma participação maior dos países da América do Sul e que está "consciente" da aspiração brasileira.
Diante da insistência dos jornalistas, afirmou que esse era um assunto sobre o qual não estava em posição de comentar, já que se trata de uma decisão dos membros permanentes do conselho:
- A reforma do Conselho de Segurança já está mais do que tardia. Deveria ser reformado de forma mais representativa e democrática. Espero que isso seja acelerado e que as negociações possam continuar. Os países sul-americanos podem ter um papel bem maior nas Nações Unidas. Estou muito consciente da aspiração do governo brasileiro. Quem será eleito membro permanente do Conselho de Segurança, cabe aos Estados-membros determinar - afirmou o secretário-geral da ONU, que, antes do Brasil, esteve na Colômbia, na Argentina e no Uruguai.
O apoio de Dilma à recondução de Ban Ki-moon foi, na linguagem diplomática, "sem adjetivos", para não dizer a contragosto. O Brasil votará "sim" à reeleição por duas razões: em primeiro lugar, porque não há outro candidato. Em segundo, não há sentido em comprar uma briga, neste momento, com um "não" ou uma abstenção.
Perguntado sobre o tema, horas antes do encontro entre o secretário-geral da ONU e a presidente, Patriota tentou resumir o que acontecia, sem entrar em detalhes:
- Entendo que ele é o único candidato e, numa eleição em que há um único candidato, não há muita surpresa. Aguardemos o encontro dele com a presidente.
Nos bastidores, o que se diz é que Ban Ki-moon pouco fez para mudar sua imagem, de maior proximidade com os países desenvolvidos, e não com as nações emergentes. Um dos pontos de irritação foi a falta de uma declaração mais positiva a respeito da candidatura do Brasil a uma vaga permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Apesar do problema relativo à reforma do Conselho de Segurança, Ban Ki-moon destacou a liderança do Brasil na área ambiental e na questão de gênero, no encontro com Dilma, e lembrou que ela será a primeira mulher a abrir o debate geral da Assembleia Geral da ONU, em setembro.
Ban Ki-moon opinou sobre o tratamento a ser dado pelo governo brasileiro a documentos confidenciais:
- Alguns países têm regra de confidencialidade de 20 anos; outros, de 30 anos. Isso depende de cada país. É uma decisão específica do governo brasileiro - afirmou.
Além da agenda no Executivo, Ban Ki-moon teve encontros com representantes da sociedade civil e foi recebido pelos presidentes do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS).
EDITORIAL
STF reafirma defesa da liberdade
A decisão do Supremo Tribunal Federal de considerar manifestações públicas a favor da liberalização da maconha protegidas pelo direito constitucional à liberdade de expressão reforça o papel da Corte na defesa de salvaguardas da Carta. E, tão importante quanto isto, sedimenta a coerência do Tribunal na resistência a qualquer ataque às prerrogativas dos difusores de notícias, formuladores de opinião, em qualquer meio, como em toda democracia avançada.
O veredicto dado por unanimidade por oito ministros - houve três ausências - à ação proposta pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, contra a criminalização do movimento pró-legalização da droga retoma a linha adotada pela Corte no julgamento histórico que revogou a Lei de Imprensa, entulho autoritário da ditadura mantido em vigor mesmo depois da constituinte redemocratizadora de 1987. Pode-se dizer que, hoje, passados pouco mais de oito anos em que um mesmo agrupamento político se encontra no poder, e dele fazem parte frações ideologicamente autoritárias, o estado de direito fortalece os anticorpos capazes de resistir a assaltos contra liberdades inerentes aos regimes republicanos.
Com isso, ajuda-se, também, a robustecer na sociedade uma cultura democrática, de tolerância na convivência entre contrários do ponto de vista político-ideológico, de respeito entre religiões, e assim por diante.
Um parêntesis: por tudo isso, a imagem da Corte se recupera, em parte, dos danos provocados pelo equívoco cometido no julgamento do caso Cesare Battisti, no qual foi cúmplice do atropelamento do tratado de extradição entre Brasil e Itália cometido pelo ex-presidente Lula, em função de afinidades ideológicas entre companheiros bem situados no seu governo e o terrorista italiano condenado por homicídio no seu país. Infelizmente, se a imagem do Supremo é em parte recuperada - embora fique a ideia de subjugação a Lula -, os estragos para o Brasil parecem irreversíveis, haja vista o risco de condenação na Corte de Haia.
Voltando às manifestações pró-maconha, a decisão do STF reforça a posição do Brasil como referência positiva num continente onde a tentação do autoritarismo avança em países como Venezuela, Equador, Bolívia e Argentina.
O relator do processo, ministro Celso de Mello, concordou com a argumentação de Deborah Duprat. Contra, por exemplo, a confusão entre a defesa pública da legalização da droga e a apologia ao crime. São coisas diversas. A ninguém pode ser proibido expor ideias.
Além disso, a garantia ao direito de se expressar a favor da maconha não isenta qualquer pessoa de ser punida por crimes cometidos sob efeito de drogas. Como acontece, em outro sentido, com o álcool: a legalidade da bebida não torna impune a pessoa alcoolizada. A decisão do STF tem, ainda, o saudável subproduto de incentivar o debate sobre a descriminalização do usuário de maconha em particular e de drogas em geral, sem prejuízo do combate ao tráfico.
Ao proteger o direito dos defensores da droga de se manifestar, depois de ter reconhecido a legalidade da união civil entre homossexuais, o Supremo se mantém sintonizado com as melhores bandeiras alçadas para dar bases jurídicas à modernização das relações sociais.
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