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segunda-feira, 20 de junho de 2011

19 de junho 2011 - ESTADO DE SÃO PAULO


REPORTAGEM ESPECIAL
A luta secreta de D. Paulo Arns
Documentos inéditos obtidos pelo "Estado" em Genebra revelam como o cardeal e a Igreja combateram a ditadura militar

Jamil Chade - O Estado de S.Paulo

No auge da violência promovida pelo governo militar, parte da Igreja e centenas de líderes religiosos no Brasil passaram a ser alvo da repressão. Documentos guardados há décadas em Genebra obtidos pelo Estado revelam como o cardeal d. Paulo Evaristo Arns liderou um lobby internacional, coletou fundos de forma sigilosa e manteve encontros com líderes no exterior para alertar sobre as violações aos direitos humanos no Brasil.
A atuação do arcebispo de São Paulo mobilizou uma rede de informantes, financiadores e apoiadores secretos pelo mundo. Dentro do País, os documentos mostram que ele e seus aliados organizaram manifestações, incentivaram líderes operários e pagaram despesas das famílias dos grevistas no ABC em 1980.
Relatórios, testemunhos, cartas, informações de dissidentes e dezenas de acusações fazem parte de três caixas de documentos entregues ao Brasil na terça-feira, para que possam ser estudados e eventualmente, como espera a ONU, sirvam de base para processos contra autores de crimes contra a humanidade. Os documentos originais foram mantidos no Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra. O Estado teve acesso às mais de 3 mil páginas e, nos próximos dias, publicará parte do conteúdo que está nas caixas entregues à Justiça no Brasil.
A máquina de tortura instalada no Estado não havia poupado nem sacerdotes. Em dezembro de 1978, o Centro Ecumênico de Documentação e Informação, no Rio, coletaria vasto material sobre a repressão sofrida pela Igreja naquela década.
O texto de introdução do levantamento deixa claro que o material havia sido encomendado por d. Paulo, que já tentava organizar um dossiê que compilasse as violações aos direitos humanos e pudesse ser usado em algum momento pela Justiça.
Segundo o relatório, entre 1968 e 1978, 122 religiosos foram presos pelo regime militar. Havia 36 estrangeiros, 9 bispos, 84 sacerdotes, 13 seminaristas e 6 freiras. Outras 273 pessoas "engajadas no trabalho pastoral" tinham sido detidas. Dessas, 34 foram vítimas de torturas como choques elétricos, paus de arara e pressões psicológicas. "Há registros de pessoas que ficam inutilizadas física e/ou psicologicamente por motivo da tortura."
Entre os motivos mais frequentes de prisão estava o fato de proferirem homilias que desagradavam às autoridades, além de ajudarem a organizar manifestações operárias.
Até aquele momento, pelo menos sete pessoas haviam sido mortas como forma de pressão ao clero, tidas como "subversivas" ou suspeitas de passar informações a dissidentes. Foram registrados 18 casos de ameaça de morte e uma dezena de sequestros. A repressão também intimou 75 líderes religiosos a depor, para que denunciassem bispos e sacerdotes.

Reação. Na segunda metade dos anos 70, d. Paulo e líderes religiosos do exterior avaliaram que era hora de reagir nos bastidores para reunir apoio internacional e demonstrar a insatisfação popular nas ruas. Em 27 de setembro de 1977, o então encarregado de Direitos Humanos na América Latina do Conselho Mundial de Igrejas enviou de São Paulo uma carta a Genebra alertando para a "crescente tensão entre a Igreja e as autoridades". A correspondência foi classificada como "confidencial" e seu autor, Charles Harper, pediu que o documento "não fosse publicado".
A carta relata dois fatos fundamentais daqueles dias. O primeiro foi o ato que reuniu 6 mil pessoas na Igreja da Penha, em São Paulo. "Foi a primeira vez que uma articulação tão lúcida, sob a iniciativa da Igreja no Brasil, foi feita desde 1964 em relação aos direitos humanos", disse Harper. O segundo relato trata da invasão da PUC, no qual Harper aponta para a apreensão de uma tonelada de "material e equipamento subversivo" e para a prisão de 1,5 mil alunos, "alguns em plena prova" nas salas de aula. Para ele, o ocorrido "deve ser visto como uma retaliação contra a Igreja".
O relato alerta para a pressão sobre d. Paulo, considerado alguém de "coragem, firmeza e sentido de timing". Para Harper, os movimentos de liberalização do regime eram acompanhados por uma hesitação dos militares, temerosos de terem de responder pela violência dos anos anteriores e pela corrupção. "Muitos acreditam que há um forte endurecimento das ações repressivas."
Harper sugere que o Conselho Mundial de Igrejas demonstre apoio às instituições religiosas no Brasil. Poucos dias depois, a entidade em Genebra enviaria telegramas para manifestar sua oposição à repressão e apoio à democracia.

Clandestinos. A relação entre o Conselho e d. Paulo ganharia novas dimensões. Dois anos após a invasão da PUC, o cardeal escreveu ao então secretário-geral do Conselho de Igrejas, Philip Potter, sob o alerta de que o "conteúdo dessa carta deve ser confidencial, dada suas implicações". Era o pedido por fundos internacionais clandestinos para a operação que culminaria na publicação, em 1985, de Brasil: Nunca Mais. A pesquisa revelaria nomes de 444 torturadores, 242 centros de tortura no Brasil e, com os testemunhos de milhares de vítimas, apontaria a dimensão da repressão no País.
O projeto foi ideia do reverendo protestante Jaime Wright, cujo irmão, Paulo, havia sido morto pelo regime. Em vez de procurar sua igreja, o pastor optou por se aliar a d. Paulo. Mas o cardeal resistia em pedir dinheiro para a Igreja Católica no Brasil, temendo que a ala conservadora abafasse o projeto e o denunciasse. A solução era pedir dinheiro de forma ilegal, vindo da Suíça.

Era um projeto ambicioso. O grupo usaria uma brecha na lei para compilar os dados. Para se preparar para a Lei da Anistia, dissidentes e advogados tiveram acesso por 24 horas a seus dossiês. Foi o suficiente para que o grupo detalhasse a repressão em 1 milhão de páginas coletadas.
"Por todo Brasil, em Cortes militares, há uma abundância de material que substanciam 15 anos de repressão, contidas em centenas de dossiês", afirmou d. Paulo. Em outra carta, o cardeal chegou a citar o caráter "enciclopédico da tortura" no Brasil.
"Sentimos que as igrejas precisam tomar a iniciativa de garantir que, pela publicação desse material, tais coisas não ocorram de novo", argumentou d. Paulo. "Pedimos, portanto, que o Conselho Mundial de Igrejas aceite a tarefa de levantar a grande maioria dos fundos necessários, de uma forma confidencial."
Os arquivos guardaram tabelas detalhadas sobre os custos e as viagens dos pesquisadores. D. Paulo precisava de US$ 329,1 mil para completar seu projeto. O equipamento comprado seria doado para a PUC.
Quase um ano depois, em 23 de junho de 1980, o cardeal receberia uma carta de Potter com duas notícias importantes. A primeira era de uma doação às " famílias dos operários em greve no ABC". Mas era a segunda notícia que mais impactaria d. Paulo. O Conselho confirmava que havia conseguido "levantar a maior parte dos recursos necessários à realização do projeto especial". Potter garantia que a pesquisa sobre a tortura no Brasil seria divulgada nas igrejas "em todo o mundo para sua reflexão".
Depois de copiados, os processos eram enviados para São Paulo, onde eram transformados em microfilmes. De lá, seguiam escondidos para Genebra. Quem chegava à cidade suíça com as informações retornava ao Brasil com dinheiro para o projeto, escondido dentro do cinto.
Em 19 de fevereiro de 1983, d. Paulo fez questão de informar a Potter que o dinheiro "estava sendo gasto estritamente de acordo com os planos aprovados". E afirmou: "Esse projeto terá efeitos duradouros." E não só políticos. Mais que aliados, d. Paulo e Jaime Wright tornaram-se amigos, como mostra uma carta de 1996.
Para Charles Harper, que hoje vive na França, d. Paulo deu apoio moral e espaço físico para quem, dentro da Igreja, lutou contra a ditadura. O projeto valeu a adesão do Brasil nos anos 80 à Convenção da ONU contra Tortura. Para Harper, mesmo que os criminosos nunca tenham ido à Justiça, o trabalho de d. Paulo e do arquivo em Genebra fez com que a tortura no País e suas vítimas não sejam esquecidas.


Igreja acuada no Brasil: Nunca Mais Digit@l

Fausto Macedo - O Estado de S.Paulo

A Igreja encurralada nos anos de chumbo é um capítulo instigante do projeto Brasil: Nunca Mais Digit@l, que vai expor o mais completo acervo sobre o arbítrio. O procurador regional da República Marlon Alberto Weichert cataloga 543 microfilmes de 707 processos contra presos políticos - 1 milhão de páginas -, e três caixas entregues pelo Conselho Mundial de Igrejas (CMI) com cópias de cartas trocadas entre clérigos naquele período. O material ficou por todos esses anos nos arquivos do CMI, em Genebra, e revela como surgiu o Brasil: Nunca Mais.



Sigilos que nos governam
Dilma não recuou só na questão dos documentos secretos, mas também na outra até mais grave da discutível anistia a torturadores

José de Souza Martins - O Estado de S.Paulo

Em conjuntura histórica de descrença em mandatos políticos, desgastados por escândalos e apurações malfeitas, a legitimidade de muitos representantes do povo está aquém do mínimo necessário para propor, defender e assegurar razões de Estado na manutenção de documentos públicos como secretos. Mesmo que não existam, é difícil acreditar que uma dose de razões pessoais não busque abrigo nas do segredo de Estado.
Num país em que nem sempre as razões de Estado são do Estado, em que público e privado se mesclam impunemente, como temos visto nos mensalões da vida, o debate sobre o tema corre o risco de cair num ofensivo cinismo. Quando se vê que estão envolvidas na querela sobre documentos secretos algumas das figuras envolvidas há algum tempo na dos atos secretos do Senado e foram cúmplices do regime dos decretos secretos da ditadura, não se pode deixar de ter dúvidas sobre o modo como a questão está sendo conduzida. Os atos secretos do Senado acobertavam nomeações irregulares de parentes e amigos de parlamentares para cargos públicos. Eram secretos, disseram, porque por distração deixaram de ser publicados no Diário Oficial. Já não nos importamos com a enormidade da justificativa desrespeitosa. Essa simpatia por governação secreta dá o que pensar e temer.
Dizer que é preciso manter secretos os documentos relativos à incorporação ao Brasil do território do Acre, que antes pertencera à Bolívia, é supor que somos, além de ingênuos, ignorantes. Só essa declaração de um senador já causa mais danos às relações entre o Brasil e a Bolívia do que a abertura do segredo de Estado relativo ao que foi, de fato, uma transação comercial. O Brasil comprou o Acre à Bolívia, para resolver uma situação de fato, do mesmo modo que os Estados Unidos compraram o Alasca à Rússia.
Dizer, ainda, que os documentos de determinado governo estão abertos à consulta pública numa fundação em São Luís do Maranhão tampouco diz algo que deva ser levado a sério. Esses documentos são basicamente cartas enviadas ao presidente da República pelos cidadãos. Porém, os documentos de Estado, que possam ser objeto de segredo, não estão lá.
Não só pode haver razões pessoais até discrepantes das razões de Estado no adiamento do acesso aos documentos protegidos pelo segredo, mas também razões de grupos e partidos que, tendo um dia dito uma coisa, agora dizem outra, literalmente oposta a convicções proclamadas e esperanças cultivadas. Desgraçadamente, a história da Nova República, assim batizada por Tancredo Neves para definir o regime que sucedeu ao regime militar, tem tido seus episódios de estelionato eleitoral, em que se promete uma coisa e se entrega outra, oposta à de direito esperada com base em programas e públicas profissões de fé.
Nos debates destes dias, o alvoroço de políticos em assegurar que se mantenham secretos documentos que podem até dizer respeito à violação de direitos dos cidadãos enfraquece ainda mais o próprio regime político, precocemente desgastado. No mínimo porque aí nos descobrimos mal representados e, sobretudo, expostos e sem direitos quanto a medidas de governo em cuja lisura nem sempre se pode acreditar. Aquela parcela da população dotada da lucidez política tão necessária ao exercício e à sustentação da democracia não poderá deixar de avaliar criticamente suspeitas decisões e suspeitas orientações quanto ao tema.
Convém ter em conta que o regime autoritário foi vencido em nome de valores que deveriam estar nos alicerces do regime atual. Particularmente em relação ao PT, que se proclamou partido ético, embora não fosse o único, e radicalmente quis demarcar sua diferença em relação ao regime militar em nome da vítima. No entanto, neste episódio dos documentos secretos, o recuo do governo é notório e injustificável. O que é uma aparente confusão vai se revelando mais um jogar verde para colher maduro e, em face da reação adversa, fazer a mal conduzida e confusa manobra de retirada. Mas ficou na opinião pública a dúvida quanto às verdadeiras intenções dos envolvidos, e isso não tem conserto. O cidadão tem o direito de saber o que fizeram com ele e, ao que parece, continuam fazendo.
A presidente Dilma Rousseff não só recuou na questão dos documentos secretos, mas recuou ainda em relação à questão até mais grave da discutível anistia aos torturadores, atuantes no regime ditatorial. Escorando-se numa decisão do STF, acaba de declarar que não pretende propor uma revisão na Lei de Anistia. Desde a campanha, Dilma vem recuando nessa questão e em outras questões relativas ao que foi um dia a bandeira que fazia do PT um partido novo e diferente. Já não o é. Pelas alianças feitas, pelas posições tomadas em questões referenciais para uma nova democracia no Brasil, desde Lula o PT vem negociando o inegociável e recuando para as concepções mais deploráveis de nossa história política e para o fisiologismo cujo repúdio, não nos esqueçamos, justificou a Revolução de Outubro de 1930.
JOSÉ DE SOUZA MARTINS, PROFESSOR EMÉRITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, É AUTOR DE A SOCIABILIDADE DO HOMEM SIMPLES (CONTEXTO)
NOTAS E INFORMAÇÕES
As fronteiras do Brasil

Com 15.719 km de fronteiras com dez países, o Brasil, além de exposto ao contrabando de mercadorias, está na rota do tráfico de drogas e armas. Nas zonas fronteiriças mais povoadas do Sul, esses crimes têm sido combatidos com alguns resultados, mas a entrada no País de cocaína e outras drogas se faz principalmente através de vias terrestres ou fluviais em regiões de florestas ou escassamente habitadas, na fronteira com a Bolívia e o Paraguai, bem como no chamado trapézio amazônico, na confluência das fronteiras do Brasil com o Peru e a Colômbia. Agora, depois de o orçamento da Polícia Federal ter sido ameaçado de corte, o governo anuncia um Plano Estratégico de Fronteiras, prevendo-se uma verba de R$ 120 milhões para sua implementação este ano. "O compromisso com esse programa é tão grande", disse a presidente Dilma Rousseff, que o vice-presidente Michel Temer foi escolhido para coordená-lo. Espera-se que a iniciativa sinalize o fim de um longo período de imobilismo com relação à vigilância e fiscalização das fronteiras nacionais.
Na realidade, não se trata exatamente de um plano detalhado, mas de diretrizes para as ações que o governo federal pretende empreender para fortalecimento dos controles na faixa de fronteira e combate à criminalidade. O grande peso desse trabalho continuará recaindo sobre a Polícia Federal, que deverá ser consideravelmente reforçada. O primeiro eixo do plano é a Operação Sentinela, de caráter permanente, que contará com o dobro dos efetivos da Polícia Federal que nela atuam atualmente. Segundo o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o governo já identificou 34 pontos em que exercerá patrulhamento mais rigoroso.
A maior novidade foi o acordo assinado pelos ministros da Justiça e da Defesa prevendo uma inédita ação coordenada, dos órgãos federais de segurança pública e das Forças Armadas. A autorização legal para essa atuação conjunta já existia desde 2004 (Lei 117/04), mas era praticamente ignorada, e poderá ser decisiva tanto sob o aspecto logístico, uma vez que os traficantes traçam caminhos em áreas de difícil acesso, como também sob o aspecto de inteligência e ação militar, já que o Exército mantém 22 Pelotões Especiais de Fronteira (PEF) em seis Estados. A tecnologia também avança nos dois Ministérios. O Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), gerido pelo Ministério da Defesa, conta com radares que podem interceptar aviões sob suspeição de tráfico ou contrabando. E a Polícia Federal deverá utilizar ainda este ano dois veículos aéreos não tripulados (Vant) para patrulhamento de fronteiras.
O governo também dá um novo escopo à ação integrada entre os órgãos federais e estaduais. Uma experiência de conjugação de esforços que teve início em Foz do Iguaçu (PR), em abril, foi o modelo dos Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteira (GGIF), a serem instalados em todos os Estados fronteiriços, e que funcionarão no âmbito do Ministério da Defesa. Isso concorrerá para facilitar ações emergenciais, como as previstas pela Operação Ágata, mobilizando contingentes da Polícia Federal, das Forças Armadas, das Polícias Militares dos Estados e, eventualmente, da Força Nacional de Segurança. Será criado também um Centro de Operações Conjuntas (COC).
O ministro José Eduardo Cardozo prometeu divulgar periodicamente os resultados das ações conjuntas. De fato, a imprensa tem divulgado a apreensão aqui e ali de grandes volumes de drogas e armas nas áreas de fronteiras e a detenção de pessoas incriminadas, mas não existem balanços oficiais que permitam comparação com períodos anteriores e uma avaliação consistente dos esforços do governo.
Seja como for, o que se espera é o controle das fronteiras e isso dependerá, em grande medida, da cooperação dos governos dos países limítrofes, não só para a troca de informações, como para iniciativas policial-militares conjuntas. Para isso, serão necessários entendimentos diplomáticos.


TRANSPORTE AÉREO
Viagem aérea: do glamour à canseira
Não bastasse a péssima infraestrutura dos aeroportos, companhias têm mostrado despreparo para atender à demanda crescente de passageiros

Renée Pereira - O Estado de S.Paulo

O glamour e a comodidade que caracterizavam o transporte aéreo ficou definitivamente no passado. Hoje viajar de avião virou sinônimo de transtorno. Não bastasse a péssima infraestrutura dos aeroportos, as companhias aéreas, que durante anos primavam pela qualidade dos serviços, têm revelado despreparo para atender à demanda crescente de passageiros, em torno de 20% ao ano.
Exemplo disso foi o aumento do volume de multas aplicadas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), especialmente por causa de problemas no atendimento. Entre 2007 e 2010, o valor arrecadado saltou 2.053%, de R$ 808 mil para R$ 17,4 milhões. No ano passado, cerca de 74% dos autos de infração foram mantidos após recurso das empresas - a maioria com o valor original proposto pela Anac.
Na prática, esse avanço é o reflexo dos problemas dos cidadãos que usam o transporte aéreo, como atraso e cancelamento de voos, bagagens desviadas (ou danificadas), filas para check-in e uma completa falta de comunicação com os passageiros. Muitos deles viajam pela primeira vez de avião e só conhecem os bons serviços das companhias de ouvir falar.
O problema parece estar longe do fim. Até porque o valor das multas é muito pequeno diante do faturamento bilionário das empresas. Além disso, na maioria das vezes, as companhias não reconhecem a responsabilidade pelos transtornos e culpam a falta de estrutura dos aeroportos e dos órgãos do governo (como a polícia federal) pelos conflitos.
"Na medida em que há múltiplas ineficiências, fica mais fácil relaxar nos padrões de qualidade. Afinal, pode-se dizer que o problema é da infraestrutura", afirmou um especialista que prefere não se identificar.
Na avaliação do engenheiro aeronáutico Jorge Medeiros, professor de transporte aéreo e aeroportos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, a qualidade dos serviços está sendo desprezada pelas empresas, que não atendem espontaneamente os direitos dos passageiros. "É preciso espernear para conseguir alguma coisa", diz ele, que já trabalhou em grandes companhias aéreas.
Medeiros faz questão de lembrar que a Varig já foi eleita a empresa com o melhor serviço de bordo do mundo. "Mas isso lá na década de 60, quando as empresas tinham motivação própria para melhorar os seus serviços." Naquela época, havia até menu à la carte, diferenciado por destino. Mas não é preciso tanto para satisfazer os consumidores, que querem apenas mais conforto e tranquilidade nas suas viagens.
Para alguns especialistas, a deterioração da qualidade dos serviços já não pode mais ser atribuída ao aumento da demanda, que tem sido constante. Isso porque, da mesma forma que as companhias precisam se aparelhar para comprar novos aviões, elas também teriam de melhorar a gestão do atendimento ao consumidor.
A explicação estaria na fórmula para reduzir custos e manter as margens. Com tarifas baixas, permite-se a entrada de novos passageiros no sistema, mas a qualidade dos serviços diminui. Isso também decorre de outro problema: embora haja concorrência entre tarifas, não há concorrência entre serviços. Todas mantêm o mesmo padrão, bem abaixo da média.

Vulcão. O assistente técnico do Procon-SP, Marcos Diegues, cita como exemplo de despreparo das empresas o episódio das cinzas do vulcão chileno, que provocaram nas últimas semanas atrasos e cancelamentos de voos. "O problema foi causado pela força da natureza. Mas os transtornos que surgiram desse fato mostraram que as empresas não se importam com os clientes. Estamos vendo situações que se repetem sistematicamente."
Na avaliação dele, o problema poderia ser resolvido com um bom canal de comunicação entre empresas e consumidor. Em vez disso, as companhias deixam os passageiros sem informação nos aeroportos por horas. "Qualquer consumidor submetido a essas situações fica fora do eixo", diz Diegues, referindo-se aos conflitos da semana passada no Aeroporto de Guarulhos.
O advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Lucas Cabette Fabio, lembra que há regras que precisam ser obedecidas em caso de atrasos e cancelamentos. Na primeira hora, a empresa precisa oferecer comunicação aos passageiros; na segunda, alimentação; a partir da quarta hora, ressarcimento do valor da passagem ou cancelamento, sem multa. Se o consumidor não estiver no local de origem, a empresa é obrigada a pagar hospedagem.
Ao contrário das regras, tem sido comum verificar consumidores dormindo em cima de malas ou nas cadeiras desconfortáveis dos aeroportos. Por causa desses e de outros problemas, o número de manifestações no setor aéreo subiu 73,5% entre 2009 e 2010, para 39.577, segundo a Anac. A agência destaca, porém, que o aumento pode ser decorrente do lançamento do sistema Fale Anac em 2008, que teve ampla divulgação em 2009.
Para Marcos Diegues, do Procon-SP, a chave para resolver o problema está no fortalecimento da regulamentação e na firmeza da agência reguladora para punir os desvios de conduta das empresas, que prestam um serviço essencial para a população. Hoje, avaliam especialistas, há uma fragilidade institucional muito grande no setor. A fiscalização e regulação ainda são frouxas.
Diegues destaca ainda que, recentemente, o Procon-SP autuou a TAM pela venda do "assento conforto". Para sentar na primeira fileira ou nas poltronas das saídas de emergência, mais espaçosas, os passageiros têm de pagar taxa extra.
Em nota, a Gol destacou que em todos os casos de atrasos ou cancelamentos presta atendimento necessário aos passageiros. Diz ainda que tem colaboradores qualificados nos aeroportos e lojas para atender os clientes. A TAM também foi procurada, mas não pode responder porque os executivos da companhia estavam em evento externo.


NAS NUVENS
2.053% foi o quanto subiu o valor arrecadado pela Anac com multas às empresas aéreas entre 2007 e 2010, passando de R$ 808 mil para R$ 17,4 milhões


Juizados nos aeroportos ainda não ‘pegaram’

A Anac instituiu a partir de 2010 juizados nos aeroportos para tentar amenizar a crise no setor. O objetivo era criar um canal que facilitasse acordos entre empresas e passageiros. Para isso, as companhias precisariam colocar algum funcionário à disposição para discutir os casos que chegassem no juizado.
Mas a regra não “pegou”. No ano passado, das 4.979 reclamações feitas nos juizados dos Aeroportos de Guarulhos e Congonhas, apenas 23% terminaram em acordo. Neste ano, até agora, foram 2.879 reclamações. Do total, 14% tiveram acordo.
A principal queixa dos passageiros é a falta de informação seguida da falta de assistência das companhias. Atraso e cancelamento de voos estão em terceiro lugar no ranking.


TURBULÊNCIA NO SOLO
Passageiros colecionam atrasos e reclamações
Clientes de uma empresa aérea esperaram a decolagem por duas horas, no avião, sem água e comida; a polícia foi chamada e uma mulher desmaiou

Roberta Scrivano Luiz Guilherme Gerbelli

Os aeroportos brasileiros estão cheios de histórias de atrasos, mau atendimento e falta de informação. Difícil encontrar um passageiro que não tenha um episódio para contar. Helena Orenstein de Almeida, diretora de uma ONG e viajante frequente, coleciona problemas vividos nos aeroportos.
O caso mais estranho que viveu está fresco na memória. Foi no dia 7 deste mês, quando voltava do Rio para São Paulo. “Sabíamos que havia uma forte tempestade acontecendo em São Paulo, mas embarcamos na hora marcada”, começa Helena. A alegria dos passageiros, no entanto, durou muito pouco. “Ficamos duas horas com o avião parado, sem ar-condicionado. Estava um calor insuportável”, conta.
Durante todo o período de espera, nada foi servido aos passageiros. “A bateria do meu celular estava no fim. Pedi para que recarregassem na tomada do avião, mas nem isso era autorizado”, detalha Helena.
Os passageiros argumentaram que o Código de Defesa do Consumidor determina que a empresa forneça telefone, internet e alimentação aos clientes em atrasos de mais de uma hora. Mas nem assim eles conseguiram ser atendidos.
Duas fileiras à frente de Helena, uma senhora passou mal e desmaiou. As aeromoças foram alertadas pela passageira de que isso poderia acontecer.
“Disseram que ela falou às comissárias que não poderia ficar tantas horas sem comer. Ninguém fez nada e ela desfaleceu”, diz Helena. Em vez de pedirem ajuda no aeroporto, os comissários anunciavam nos alto falantes do avião:“ Há algum médico na aeronave? Temos uma passageira desmaiada.”
O clima no avião, ainda no chão, era ruim, afirma a passageira.“ Ao meu lado,uma senhora pedia água, mas diziam que não iam servir.”Até que um passageiro sentado em uma das fileiras da frente do avião se levantou e, “educadamente”, manifestou a sua indignação sobre todo aquele episódio.
No mesmo momento, as aeromoças voltaram aos alto-falantes. Dessa vez, para alertar esse passageiro de que a Polícia Federal havia sido chamada e ele seria retirado do avião. Quando a polícia chegou, dois advogados se posicionaram diante dos policiais para defender o passageiro.
Depois de todo o rebuliço, que Helena classifica como “uma tragédia cômica”, o avião finalmente levantou voo. Mas a provocação da tripulação não terminou. Mesmo sem turbulência, anunciavam que não haveria serviço de bordo.
“Eles diziam ter notícias de que outros aviões que tinham feito aquela rota passaram por áreas de turbulência”, lembra a passageira. “E pediam que mantivéssemos os cintos bem apertados.”
No caso de Helena, os transtornos se concentraram dentro da aeronave. Mas na maioria das vezes, eles começam assim que o passageiro põe os pés no aeroporto. Foi o caso do advogado Gustavo Quevedo, de 41 anos, e da instrumentadora cirúrgica Maria Angélica Ripa, de 35 anos. Na semana passada, o voo deles para Madri estava programado para as 17h30, mas ao chegar na fila do check-in descobriram que a decolagem havia sido transferida para as 22 horas. “A única coisa que nos ofereceram foi auxílio na conexão, de Madri para Praga”,diz Que vedo.
Segundo ele, a empresa disse que o atraso ocorreu por causa do mau tempo em Pequim, na China, de onde partiu a aeronave que os levaria até a capital espanhola. “O grande problema é que a conexão ficou comprometida.”
Em janeiro, o advogado já tinha enfrentado atraso semelhante num voo doméstico.


JOGOS MILITARES
Crise econômica faz olimpíada militar encolher
Nem ‘‘carona’’ oficial a países mais pobres evitará que a competição no Rio, em julho, tenha menos competidores

Amanda Romanelli

As Forças Armadas não queriam perder o momento esportivo que atinge o País até 2016 e recebem, a partir do dia 16, a 5.ª edição dos Jogos Mundiais Militares, no Rio. A competição – também chamada de Jogos da Paz –, é uma espécie de Olimpíada para homens e mulheres de farda.
Mas a crise econômica mundial pode atrapalhar os planos de grandiosidade do evento – a expectativa inicial do número de participantes caiu e ainda poderá haver uma importante baixa na competição: a Rússia,campeã de todas as edições, ainda não confirmou sua participação.
“Antes, pensávamos em ter 6 mil atletas. Agora, devemos ter em torno de 5 mil. É algo da conjuntura econômica mundial”, explica o vice-almirante Bernardo Gambôa, presidente da Comissão Desportiva Militar do Brasil.
Até sexta-feira, os russos não haviam dado sinal da esperada vinda ao País.“Não há outro motivo para que eles não venham que não seja o econômico”, lamenta o vice-almirante.
Outras delegações também corriam o risco de não comparecer.“ Apenas na quinta-feira tivemos a confirmação de Portugal. E a Grécia, apesar do grave momento político, garantiu que vem ao Rio.”
O prazo final de inscrição para os Jogos do Rio era o mês de abril. Mas a data foi sendo postergada – e ainda está aberta. “As confirmações já deveriam estar encerradas, mas vamos esperar. Isso não é benevolência, mas compreensão. Não fosse assim, não seriam estes os Jogos da Paz”, diz o oficial.
As Forças Armadas dos vários países que compõem o Conselho Internacional do Esporte Militar (CISM, em francês) também colocaram em ação um plano de ajuda mútua para trazer delegações ao Brasil.
A Força Aérea Brasileira, por exemplo, mandará dois aviões à África para buscar competidores daquele continente. O mesmo fará os Estados Unidos com nações caribenhas e a Itália, com países do Leste Europeu.
Com os desfalques de outros países e o investimento maciço na delegação militar brasileira, o Países pêra evitar a repetição dos resultados modestos dos últimos quatro eventos – a meta é ficar, ao menos, entre os cinco melhores do quadro geral de medalhas. A melhor posição foi o 15.º lugar (um ouro e cinco pratas) nos Jogos de Catânia (Itália), em 2003.
Para tal meta, o Ministério da Defesa promoveu um recrutamento em massa de competidores civis. Um modelo que, afirmam, segue exemplo do que ocorre na Itália, França e Alemanha.

Soldos. Por meio de editais públicos, 358 atletas de alto rendimento passaram a reforçar os quadros das Forças Armadas. Dos convocados, 230 viraram terceiros sargentos temporários do Exército, com soldo de R$ 2.800. Outros 128, incorporados como marinheiros, receberão R$ 1.200.
Entre os novos militares estão judocas como o medalhista olímpico Tiago Camilo, competidores do atletismo, como a saltadora Keila Costa e o velocista Vicente Lenílson, e futebolistas.
Segundo o vice-almirante Gambôa, os novos militares têm as mesmas obrigações dos militares de carreira. Em uma situação de conflito, seriam normalmente convocados para defender o País. “Por que eles não iriam para a guerra? Não há qualquer tipo de diferenciação. O Jadel Gregório, do atletismo, com seu porte físico, tem tudo para ser um excelente marinheiro”, exemplifica.
COLABOROU BRUNO LOUSADA


EM BUSCA DO OURO

15 provas “civis” constam no programa dos Jogos Mundiais Militares, que começam dia 16, no Rio: atletismo, basquete, boxe, esgrima, futebol, hipismo, judô, natação, pentatlo moderno, tae kwon do, tiro, triatlo, vela, vôlei e vôlei de praia.


Arremesso de granada e pentatlo naval são atração
Provas tipicamente militares simulam conflitos e são disputadas por profissionais das Forças Armadas

Amanda Romanelli - O Estado de S.Paulo

AS PROVAS MILITARES

Pentatlo militar:
Provas de tiro, pista de progressão, natação utilitária, lançamento de granadas, cross country e revezamento

Pentatlo aeronáutico:
Prova aérea, natação, esgrima, basquete, pista de obstáculos e orientação

Pentatlo naval:
Pista de obstáculos, natação de salvamento e utilitária, habilidade naval e cross country anfíbio

Orientação:
Percurso ao ar livre que deve ser realizado com o auxílio de mapas e bússola

Paraquedismo

Sentir-se como em um navio torpedeado pelo inimigo, a ponto de afundar, e precisando tomar decisões para se salvar do perigo. Uma situação como esta, tipicamente de conflito, também pode ser encarada como um esporte - e, claro, está contemplada no programa dos Jogos Mundiais Militares.
O pentatlo naval, cuja descrição foi feita acima, é uma das cinco modalidades essencialmente militares dos Jogos. Acabam, portanto, disputadas por atletas que são profissionais de carreira das Forças Armadas.
"Os três pentatlos - militar, naval e aeronáutico - são muito próximos da vida militar porque simulam situações de combate", explica o vice-almirante Bernardo Gambôa, presidente da Comissão Desportiva Militar do Brasil. "Aqueles que praticam são os que têm real pendor para a carreira militar. São disputas de muito rigor físico." O Brasil só ganhou medalhas em Jogos Mundiais na disputa do pentatlo militar - são três pratas e dois bronzes em provas individuais e por equipes. Na modalidade (que soma, na verdade, sete eventos), os competidores passam por provas de tiro, correm na pista de progressão (500 m com 20 tipos diferentes de obstáculos para saltar e escalar), transpõem troncos e jangadas em uma piscina de 50 m, fazem corridas de revezamento e em terreno aberto - o cross country - para, até, lançarem granadas.
Os artefatos, claro, não contêm pólvora - portanto, não explodem - e devem ser atirados em áreas delimitadas, com distâncias que variam entre 20 e 35 metros. A prova testa a precisão dos atletas no lançamento dos objetos. "Os competidores lançam uma granada inerte, mas com o mesmo peso de uma granada comum", explica o vice-almirante Gambôa. Ele chama atenção para a importância da precisão. "Muitas vezes, durante um confronto, um combatente está diante de uma tropa inimiga misturada com tropas amigas. No lançamento de uma granada, pode ferir um companheiro. Por isso é necessária a técnica."
Outras duas provas - orientação e paraquedismo - são as que mais podem agradar os civis. Na primeira, os atletas recebem um mapa e devem percorrer um caminho ao ar livre, passando por obstáculos. É preciso bom preparo físico e noções topográficas. O último é bastante difundido entre os amantes da aviação, aliando estilo e precisão.


Custo da competição teve aumento de 27%

Bruno Lousada - O Estado de S.Paulo

No Pan do Rio, em 2007, houve estouro no orçamento, inicialmente estipulado em R$ 300 milhões - os gastos superaram os R$ 4 bilhões. Quatro anos depois, o custo total dos Jogos Militares também cresceu: passou de R$ 1,1 bilhão para R$ 1,4 bilhão, aumento de 27%. De acordo com o coordenador-geral dos Jogos, general Jamil Megid Júnior, o gasto público com a competição aumentou por causa da "atualização de recursos e a inclusão de outras necessidades advindas dos eventos programados e dos serviços para os esportes".
Há alguns meses, os organizadores do evento tiveram uma dor de cabeça ao saber que o Complexo Miécimo da Silva, em Campo Grande (na zona oeste), reformado para o Pan ao custo de R$ 2,4 milhões e que abrigaria o judô e o futebol feminino, sofria com a falta de manutenção. Reformar o complexo, com problemas elétricos e hidráulicos, custaria mais R$ 4 milhões e havia o receio de que o equipamento não ficasse pronto a tempo. Por isso, o local foi excluído. O judô foi para a Unifa (Universidade da Força Aérea), no Campo dos Afonsos; e o futebol feminino, deslocado para o estádio de São Januário, a Escola de Educação Física do Exército, na Urca, e o Centro de Instrução Almirante Graça Aranha (Ciaga), em Olaria. A semifinal será no Giulite Coutinho, em Édson Passos, e a finalíssima em São Januário.
"Diversas obras esportivas e de apoio estão concluídas ou em fase final de conclusão, com destaque para as vilas de atletas. Os principais equipamentos já estão (ou estavam) prontos e se encontram em fase de preparação para as disputas", declarou o general.

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