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segunda-feira, 20 de junho de 2011

18 de junho 2011 - O GLOBO


DOCUMENTOS SIGILOSOS
‘É público e notório que eu era a favor de abrir’
Dilma admite que mudou de opinião sobre documentos secretos e diz que aceitou argumentos da Defesa e do Itamaraty
‘É público e notório que eu era a favor de abrir’

Roberto Sutckert Filho
Leila Suwwan - Enviada especial

RIBEIRÃO PRETO (SP). A presidente Dilma Rousseff reconheceu ontem em Ribeirão Preto que mudou de ideia no debate sobre os prazos para divulgação de documentos sigilosos. Ela afirmou ser “público e notório” que era a favor da divulgação de todos os dados. Porém, disse, o governo aceitou os argumentos dos ministérios da Defesa e das Relações Exteriores a respeito dos documentos ultrassecretos, que contêm dados que podem ameaçar a soberania nacional ou afetar outros países. Dilma disse que, nesses casos, a prorrogação do prazo proposto de 25 anos poderá ser renovado apenas com “justificativa e fundamento” e após a aprovação de uma comissão:
— É público e notório que eu era favor de abrir todos os documentos. No entanto, durante o processo, houve uma posição do Ministério da Defesa e do Ministério das Relações Exteriores — disse Dilma, lembrando seu posicionamento na época em que o projeto foi enviado ao Congresso, em 2009, quando ela era ministra da Casa Civil. — Teve a ponderação de que a gente toleraria a classificação de ultrassecreto para documentos cujo acesso possa ocasionar ameaça à soberania nacional, integridade do território nacional e grave risco às relações internacionais do país.
No caso dos documentos ultrassecretos, o projeto enviado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva permite a renovação do sigilo, sem limitações. Mas a proposta foi modificada em votação da Câmara dos Deputados, que estipulou que o sigilo ultrassecreto só poderá ser renovado uma vez. Na prática, o segredo ficaria limitado a 50 anos. O texto será analisado pelo Senado, onde setores do PT ameaçam manter o texto aprovado pelos deputados, contrariando a posição do governo, que defende a posição inicial.
A ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) já declarou que o assunto será negociado com os aliados:
— Para quem não quiser abrir depois dos 25 anos, tem de fazer justificativa para uma comissão, fundamentar bem e ainda tem de ser aceito — argumentou a presidente.  
Segundo Dilma, está ocorrendo uma “confusão” nesse debate. Ela assegurou que documentos relativos a violações de direitos humanos não entram na categoria que poderá ter o sigilo mantido indefinidamente:  
— No que se refere a direitos humanos, não existe nenhum caso que possa ser ultrassecreto.
Hoje, a regra vigente, estabelecida na gestão Fernando Henrique Cardoso para documentos do governo, reserva prazos de divulgação de cinco anos para dados reservados, dez anos para confidenciais e 20 anos para secretos. No caso dos papéis ultrassecretos, o período é de 30 anos, mas pode ser prorrogado indefinidamente.  

Ex-presidente apoia divulgação de documentos
A nova proposta modifica essas regras, reduzindo para 25 anos o prazo dos documentos ultrassecretos, mas mantendo a possibilidade de renovação ilimitada. 
O ex-presidente Lula afirmou quarta feira passada que apoia a divulgação dos documentos, mas também ponderou que deve haver “mais cuidado” com documentos que tratam das relações com outros países:
— Sigilo eterno não. Não existe nada que exija sigilo. Acho que tem de ter um prazo, a não ser que seja um documento entre dois Estados, que precisa ter mais cuidado. Mas o restante, acho que o povo tem mais é que saber — disse Lula.  

Segurança agride repórter no evento
A repórter do GLOBO foi agredida por um segurança da Presidência, após o evento de lançamento do Plano Agrícola e Pecuário, em Ribeirão Preto. O segurança puxou a jornalista pelo braço e a lançou ao chão para retirá-la do acesso ao local reservado para a entrevista da presidente Dilma Rousseff. Ignorando a intervenção feita por um assessor de imprensa da Presidência, o segurança disse que estava encarregado de vigiar o acesso a uma área reservada. A repórter chegou à área depois dos demais jornalistas, com conhecimento da assessoria da Presidência, porque seu gravador fora furtado. Mas, sob a alegação de que a entrada estava fechada, o segurança não permitiu a entrada da repórter e a empurrou. O jornal fez queixa formal ao Palácio do Planalto.


ANCELMO GOIS

O sigilo eterno
Em relação à posição do governo de manter em sigilo eterno documentos públicos, a socióloga Celina Vargas do Amaral Peixoto, que dirigiu o Arquivo Nacional de 1980 à 1990, lembra que, já em sua época, de transição política, era difícil explicar lá fora a razão de o país não abrir a sua história, como fazem as principais democracias: — Fico revoltada ao ver que, no século XXI, o Brasil democrático esteja retrocedendo e mantenha o sigilo de documentos públicos para a sociedade.

Para ela...
O acesso livre a documentos públicos é um dos pontos mais importantes para se garantir, manter e sustentar uma democracia, diz Celina.

No mais...
Eu apoio.


PANORAMA POLÍTICO
Fernanda Krakovics

"Esse patrimonialismo documental liderado por Collor, Sarney, Forças Armadas e Itamaraty, mesmo com o recuo da presidente Dilma, não vai passar fácil" — Chico Alencar, deputado federal (PSOL-RJ)


COPA DO MUNDO
Dilma defende as novas regras
Presidente diz que objetivo do sigilo é evitar formação de cartéis

RIBEIRÃO PRETO (SP) e BRASÍLIA. A presidente Dilma Rousseff afirmou ontem que o governo não pretende esconder dos órgãos de controle as informações sobre os investimentos que serão realizados para a Copa do Mundo. Segundo ela, o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) aprovado na Câmara dos Deputados foi “mal interpretado” e o objetivo do governo seria evitar divulgações que possam facilitar a formação de cartel entre as empresas. Porém, explicou que a sociedade só conhecerá o orçamento das obras após o fim das licitações.
— Lamento a má interpretação que deram a esse ponto. Em momento algum se esconde o valor do órgão de controle, tanto do interno quanto do externo — disse Dilma, em evento em Ribeirão Preto (SP).
Segundo interlocutores, a presidente ficou indignada com a repercussão sobre as mudanças no RDC e, por volta das 8h, ligou para o ministro do Esporte, Orlando Silva, e determinou uma resposta imediata. Dilma também determinou que a Advocacia-Geral da União (AGU) e Controladoria-Geral da União (CGU), além dos ministérios envolvidos, entrem em sintonia fina com os tribunais de contas da União, estaduais e com o Ministério Público Federal. Reunião com esse objetivo foi marcada para a próxima semana.
De acordo com Dilma, o sigilo dos orçamentos das obras é válido para as empreiteiras, mas poderá ser acessado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela CGU.
— Para evitar que a pessoa que está fazendo a oferta utilize a prática de elevação dos preços e formação de cartel, qual é a técnica que se usa? Você não mostra para ele qual é o seu orçamento, mas quem fiscaliza sabe direitinho qual é o valor — disse.

TCU faz ressalvas à dispensa de projeto básico antes da licitação
Responsável pela análise dos projetos relativos à Copa do Mundo, o ministro do TCU Valmir Campelo disse ontem ao GLOBO que, em princípio, concorda com a manutenção em sigilo do preço da obra “apenas e no momento do edital”. E salientou que a posição não é contraditória à do TCU.
— Em princípio, não vejo problema em manter o sigilo do preço dentro do processo licitatório, desde que órgãos de fiscalização tenham acesso e desde que, proclamada a vencedora, se dê ciência do custo à toda a sociedade.
O TCU divulgou nota ontem reconhecendo que o RDC “apresenta avanços”, mas com ressalvas não só ao sigilo de dados como à modalidade de contratação integrada, um dos “aspectos específicos que podem ainda ser discutidos”. Com a dispensa do projeto básico antes da licitação, este fica a cargo do vencedor da disputa, que passa a controlar todos os processos do empreendimento.
“Tão ou mais importante que dotar o país de uma boa lei, é preciso estimular a cultura do planejamento. Projetos bem elaborados e qualificação de pessoal são requisitos essenciais para adequadamente aplicar a legislação aprovada”, diz trecho da nota do TCU. Sobre o sigilo dos dados, o órgão diz que é “essencial a ampla disponibilização à sociedade da totalidade dos custos das obras, de modo a assegurar a transparência, a prestação de contas dos gastos públicos e permitir o controle social”.
Magistrados, Ministério Público e advogados criticaram o RDC, especialmente o preço oculto. Em nota, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) disse que “qualquer medida que tenda a restringir publicidade dos gastos afronta a República, pelos reflexos perniciosos no controle de gastos públicos”.
— Sem transparência não há como a sociedade exercer o controle sobre seus governantes. Quem tem medo da luz do sol? — questionou o presidente da OAB-RJ, Wadih Damous.
(Leila Suwwan, enviada especial, Cristiane Jungblut e Geralda Doca)


EDITORIAL
Evitar derrota na Copa e Olimpíadas

O Brasil pode ter começado a perder a Copa de 2014 e a ser derrotado nas Olimpíadas de 2016 na quarta-feira, com a aprovação da medida provisória do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), instituído para evitar que o cipoal burocrático da lei de licitações impeça a execução a tempo das obras necessárias aos dois eventos.
Não seria uma derrota esportiva, mas ética, e contra os interesses dos contribuintes.
Na verdade, o risco do fracasso vem sendo construído há mais tempo, desde que, escolhido o país (Copa) e o Rio (Olimpíadas) para sede das competições, em 2009, nada foi feito para se modernizar as normas intrincadas das licitações públicas. A lerdeza do poder público parece de encomenda, com o objetivo de criar um fato consumado: diante do estreitamento dos prazos, nada a fazer a não ser "flexibilizar" as regras, para não haver o risco do supremo vexame da suspensão das competições, ou de uma delas, com sérios danos à imagem do país.
Não causam surpresas prerrogativas tributárias e de outra ordem que as confederações internacionais (Fifa e COI) conseguem dos países sócios na organização das competições. É de praxe. O problema está no que foi aprovado sob pretexto de dar velocidade à aprovação dos projetos de investimento — de fato necessário.
Chama a atenção que possa ser possível escolher vencedores das licitações sem a apresentação dos projetos básicos dos empreendimentos. Ora, dessa forma é impossível estimar custos efetivos, definidos apenas à medida que a empreitada for sendo executada, e sem qualquer limite para aditivos aos contratos.
Os limites existem na lei de licitações. Sem ela, campo aberto para multiplicar o preço das obras.
Pode ser que a necessidade de se ganhar tempo imponha aos cofres públicos — leia-se, aos contribuintes — o risco de arcar com superfaturamentos.
Mas é preciso cuidado com brechas que possam jogar valores para as nuvens. Assim como não há justificativa plausível para os orçamentos serem sigilosos, como se interpretou inicialmente.
Ontem, a presidente Dilma Rousseff tachou de "má interpretação" as críticas ao RDC neste aspecto. A Presidência divulgou nota em defesa do "sigilo de preços", inspirado "nas melhores práticas" de outros países, a fim de evitar a formação de cartéis. Foi explicado que será mantido em sigilo o preço de referência da obra a ser licitada, para não facilitar a cartelização. Declarado o vencedor, os valores serão divulgados e, garantese, haverá fiscalização e transparência. Que assim seja.
Pelo menos um contrabando foi colocado na medida provisória, de autoria do deputado Jovair Arantes (PTB-GO), para estender a todos os aeroportos num raio de 350 quilômetros de cada cidade-sede da Copa as facilidades na execução de obras nos terminais de fato utilizados durante o torneio.
Este é bem o espírito da farra com dinheiro do contribuinte em fase de organização no Congresso. Ainda há emendas à MP a serem votadas na Câmara. Depois, o assunto irá ao Senado.
O RDC não pode avançar no Congresso sem uma discussão mais aprofundada, até para a melhor compreensão das mudanças, a tempo de se corrigirem as imperfeições.





NOMEAÇÕES NO GOVERNO
Adversário da família Sarney é nomeado para presidir Embratur
Nomeações de segundo escalão começam a sair; irmão de Jucá vai para Conab 

Diana Fernandes e Gerson Camarotti

BRASÍLIA. Ainda que a contagotas, o governo começou a publicar nas edições do Diário Oficial da União desta semana nomeações de aliados para cargos federais de segundo e terceiro escalões, que estavam represadas e já eram motivo de ameaças de rebelião na base aliada no Congresso. Na edição de ontem, a presidente Dilma Rousseff finalmente bancou a indicação do ex-deputado maranhense Flávio Dino, do PCdoB, para a presidência da Embratur. Desafeto da família Sarney, a nomeação de Dino vinha sendo impedida pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
Para compensar, a presidente nomeou dois peemedebistas para diretorias da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), ligada ao Ministério da Agricultura, que tem como titular o ministro Wagner Rossi (SP), afilhado político do vicepresidente Michel Temer. Um dos novos diretores da Conab é Oscar Jucá Neto, irmão do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).
Para evitar atritos com a família Sarney — Dino foi candidato ao governo do Maranhão ano passado, contrariando orientação do então presidente Lula, e deu trabalho ao projeto de reeleição da governadora Roseana Sarney —, emissários do Planalto consultaram antes o presidente do Senado.
Dilma não tinha mais argumentos para não nomear um indicado do tradicional aliado PCdoB.
Com a nomeação, Dino ficará subordinado ao ministro do Turismo, Pedro Novaes, afilhado político de Sarney.
O PCdoB já demonstrava contrariedade com a demora na indicação Dino, feita ainda no período de transição de governo, em 2010. A nomeação era considerada uma prioridade para o PCdoB, mas foi insistente o veto da família Sarney ao ex-deputado, considerado um nome forte para a eleição da prefeitura de São Luís, no próximo ano.
— A demora foi tanta, que eu já tinha abandonado esse projeto (de participar do governo Dilma). Já havia até pedido regime de dedicação exclusiva como professor na universidade (UFMA) — disse, ontem.
O PMDB, que reclamava por influir nos cargos de segundo escalão do Ministério da Agricultura, indicou Oscar Jucá Neto para a diretoria de Finanças, uma das mais cobiçadas do órgão, e o ex-deputado Marcelo Melo (PMDB-GO) para diretor de Operações e Abastecimento.
Antes de ocupar o novo cargo, o pernambucano Oscar Jucá foi assessor da Diretoria Administrativa da Conab. Com 45 anos, o irmão de Romero Jucá já foi assessor da presidência da Infraero e gerente executivo da Agência de Desenvolvimento do Nordeste.
A indicação do ex-deputado Marcelo Melo foi feita como uma forma de acalmar o PMDB de Goiás, que ficou sem a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste, depois que o ex-prefeito de Goiânia Iris Rezende se recusou assumir a direção do órgão, que foi recriado pelo governo Dilma com uma estrutura esvaziada, sem um banco de fomento.


NOTA

Ban agradece apoio
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, agradeceu o apoio unânime que recebeu do Conselho de Segurança à sua reeleição. Em Brasília, no último dia da viagem à América do Sul, lembrou que ainda falta a decisão da Assembleia Geral, que deve se reunir na terça-feira. Ban sinalizou que continuaria dando atenção às áreas de desenvolvimento sustentável, mudanças climáticas, questões de gênero e nucleares num segundo mantado. Ele acrescentou que países sul-americanos podem participar mais da estrutura da ONU.

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