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segunda-feira, 20 de junho de 2011

19 de junho 2011 - JORNAL DE BRASILIA


DOCUMENTOS SECRETOS
Interferência ministerial
Pastas da Defesa e Relações Exteriores defendem o sigilo de ações militares

Nelson Jobim alerta para o risco de divulgar dados sobre exercícios de guerra, acordos para definição de fronteiras e o programa nuclear do País
O Ministério da Defesa e o Itamaraty alertam o Governo Federal sobre o perigo da divulgação de informações referentes a ações militares já realizadas no País. As pastas defendem junto ao Executivo a manutenção do sigilo eterno para documentos considerados ultrassecretos – como os detalhes técnicos sobre o programa nuclear brasileiro.
Os ministérios querem ainda o segredo de dois grupos de documentos: os referentes aos exercícios militares com simulação de guerra contra países vizinhos e os que relatam práticas ilegais e até imorais do País na definição de suas fronteiras, especialmente no caso da compra do território do Acre da Bolívia.
Em 2009, o governo Lula enviou um Projeto de Lei ao Congresso propondo a redução para 25 anos do caráter sigiloso dos papéis classificados pelo Planalto como ultrassecretos. O dispositivo que permitia a prorrogação indefinida do sigilo, no entanto, foi mantido.
Lula, à época, decidiu em favor do Itamaraty e do Ministério da Defesa. Dilma, então lotada na Casa Civil, era contra o sigilo dos documentos, mas foi voto vencido. Ela, porém, admitiu na última semana que, apesar de ter sido a favor da divulgação de todos os documentos, aceitou as ponderações feitas pelo Itamaraty e pela pasta da Defesa.
"É público e notório que eu era favor de abrir todos os documentos. No entanto, durante o processo houve uma posição do Ministério da Defesa e do Ministério das Relações Exteriores”, disse a presidente, após anunciar o Plano Safra 2011/2012, na sexta-feira, em Ribeirão Preto (SP).
Para a presidente, a lei que regula a prática do sigilo protege três tipos de documentos. “Teve a ponderação da Defesa e do Itamaraty de que a gente toleraria a classificação de ultrassecreto para documentos cujo acesso possa ocasionar ameaça à soberania nacional, integridade do território nacional e grave risco às relações internacionais do País”.
Ela negou a possibilidade de que informações sobre violação dos direitos humanos sejam mantidas em segredo e afirmou que outros documentos precisam de bons argumentos para não serem revelados. "Para alguém não abrir (os documentos) depois dos 25 anos, há de ter uma justificativa e um fundamento. Agora, no que se refere a direitos humanos, não existe nenhum caso que possa ser ultrassecreto".

ARTICULAÇÃO NO SENADO - Na semana passada, a Câmara, com auxílio da base governista, aprovou uma emenda determinando o fim do sigilo eterno de informações. O texto, então, foi para o Senado, e Dilma determinou que a base agilizasse a votação do texto na forma como ele foi enviado à Câmara.
Um dos relatores do projeto nas comissões do Senado, Walter Pinheiro (PT-BA), disse que trabalhará com o entendimento de que o prazo para o fim do sigilo conta a partir de quando se pede acesso ao documento, e não a partir da data do papel.
Desta forma, quando uma pessoa pedir acesso ao documento, uma comissão analisará o pedido e poderá determinar os 25 anos de sigilo, prorrogáveis por mais 25. Assim, Pinheiro acredita ser possível convencer os ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor, assim como outros senadores, a aprovar o texto.


SAIBA +

A polêmica em relação ao sigilo de documentos ultrassecretos começou no início da semana, quando o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), anunciou a retirada do regime de urgência sobre o Projeto de Lei que trata sobre o assunto, com a intenção de receber "colaboração" de ex-presidentes.
Na segunda-feira, a recém-empossada ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, disse que o governo estava disposto a apoiar mudanças no texto para atender aos ex-presidentes Fernando Collor (PTB-AL) e José Sarney (PMDB-AP). Ambos defendem a possibilidade de sigilo eterno dos documentos ultrassecretos.
CNBB é contra sigilo eterno

O secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Leonardo Steiner, também criticou a possibilidade de o Senado manter o sigilo eterno sobre documentos do governo.
Para Steiner, com a decisão, corre-se o risco de perder "memórias e raízes históricas" do País.
"Há a necessidade sempre de um tempo, mas nenhum documento pode ficar em sigilo eternamente", afirmou Steiner, após sair da reunião do novo conselho permanente da entidade, na sexta-feira.
O ex-presidente Lula também defendeu, na quarta-feira, o projeto que trata do fim do sigilo eterno para documentos oficiais, contrariando a nova orientação da presidente Dilma Rousseff.
Lula disse ser a favor da fixação de um prazo para que o conteúdo dos documentos seja revelado. "Eu sou contra (o sigilo eterno). Eu acho que tem que ter um prazo", disse, na ocasião.  

ALIADOS CONTRA O PLANALTO - Lula evitou criticar o governo por negociar o tema no Congresso. "Deve ter tido algum pedido de liderança", argumentou.
Em outro momento, o ex-presidente fez ressalvas admitindo um sigilo mais extenso para documentos tidos como ultrassecretos. "Não existe nada eterno, o povo tem mais é que saber", disse.
Segundo a ministra da Articulação Política, Ideli Salvati, a orientação do Planalto é derrubar no Senado a mudança feita no texto pela Câmara, que determina o prazo máximo de 50 anos para manter um documento em sigilo.
Irritados com a decisão do Planalto, senadores petistas disseram que vão defender o fim do sigilo eterno. "Dar um passo para trás é algo que causa problemas ao partido", disse Wellington Dias (PI).


TEXTO E CONTEXTO
André Gustavo Stumpf

Esconder os fatos não faz com que eles deixem de existir. Em todo o mundo as fronteiras mudam de lugar

Negociações

Tempos atrás, Marco Maciel, vice do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, chefiou uma missão oficial à Bolívia para tratar de assuntos específicos. Discute daqui, discute dali e, de repente, surgiu na frente do brasileiro um boliviano que insistia em colocar na nota conjunta que seria divulgada à imprensa referência a supostos dois milhões de dólares devidos pelo Brasil pela anexação do Acre. Com seu jeito discreto, Maciel ignorou o assunto, mas teve que ouvir do boliviano que o Brasil não honrou nem a entrega dos cavalos prometidos como prêmio pelo negócio.
A anexação do Acre é uma história esquisita, cheia de meandros e negociações estranhas. Aquela parte do território boliviano foi pacificamente invadida por uma horda de seringueiros cearenses em busca de dinheiro, com base na extração da borracha. Formou-se um grupo de bancos ingleses para financiar a expedição, o famoso Bolivian Syndicate. A região esteve perto de se transformar em propriedade inglesa porque ninguém pagou o devido. Mas o gaúcho Plácido de Castro entrou no pedaço, provocou revoltas, o governo brasileiro assumiu a dívida – que os ingleses não perdoaram – e anexou aquela área que hoje é o Estado do Acre.
Essa é apenas uma faceta da briga pelas fronteiras brasileiras. Há uma disputa, hoje esquecida, com a Venezuela – que reivindica boa parte do Estado de Roraima. A Guiana Francesa, território da França, já pertenceu ao Brasil. E a sempre citada Guerra do Paraguai foi iniciada pelos vizinhos, que invadiram o Mato Grosso e desceram pelo Rio Paraná com objetivo de conquistar Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, e assim chegar ao Oceano Atlântico. Quando passaram por Corrientes, na Argentina, enfrentaram as forças daquele país, que se uniram às do Império do Brasil e começou o contra-ataque, que só terminou com a morte de Solano Lopes.

HISTÓRIA - Todos estes fatos estão devidamente registrados nos livros de história dos países vizinhos. Os bolivianos reclamam do processo de anexação do Acre, assim como protestam contra o Chile, que lhes tirou a saída para o Pacífico. Antofagasta era boliviana. Arica e Iquique pertenciam ao Peru. Hoje, são chilenas. Argentina e Chile quase foram à guerra por causa de ilhas geladas e desabitadas na Terra do Fogo, no Canal de Beagle. O Chile, hoje, tem saída para o Atlântico – e naturalmente uma base militar na região – no extremo sul do continente.
Brasil e Uruguai já brigaram muito por fronteira e pelo próprio território que era nacional, então chamado de Província Cisplatina. Também há uma antiga desavença por causa da linha divisória entre Brasil e a Guiana Inglesa, com a Venezuela no meio – que reivindica quase a metade do pequenino país do extremo norte.
As controvérsias que dizem respeito ao Brasil foram solucionadas pelo barão do Rio Branco no Tratado de Petrópolis, de 1905. O barão sabia negociar, intimidar, blefar e conseguir seus resultados. Talvez tenha, de fato, deixado de entregar os cavalos prometidos como agrado a seus interlocutores. É do jogo. O que passou, passou.
O governo dos Estados Unidos comprou a Louisiana, em 1803, por US$ 15 milhões, que seriam hoje equivalentes a algo em torno de US$ 500 milhões. O território de dois milhões de quilômetros quadrados ia desde o Golfo do México até a fronteira do Canadá e encostava nas Montanhas Rochosas. A agregação dessa área gigantesca permitiu que os norte-americanos iniciassem a conquista do oeste. Belo negócio. Rolaram deferências para todas as partes envolvidas em Washington e Paris. Os limites atuais das Américas do Sul e do Norte não surgiram por obra do acaso. Resultam de negociação e pagamento de comissões, propinas e outros agrados.

POLÔNIA - É tolice pensar que a revelação destes episódios vai constranger os vizinhos. Eles sabem do que se passou. Em alguns mapas bolivianos, o Acre continua a pertencer ao país deles. E os paraguaios têm perfeita noção do que ocorreu na guerra que fizeram contra o Brasil. Esconder os fatos não faz com que eles deixem de existir. Em todo o mundo as fronteiras mudam de lugar, conforme a política da ocasião. Os poloneses sabem disso. Tem gente que nasceu na Polônia, viveu na Alemanha nazista, na União Soviética e voltou a ser polonês sem ter saído de casa. Mudaram apenas os governos. Conflitos existem em todas as latitudes e idiomas.
Tudo isso vem a propósito do Senado recuar na decisão da presidente Dilma Rousseff de criar normas para abrir os segredos nacionais. Documentos ultrassecretos só poderão ficar escondidos da curiosidade pública por 25 anos, prazo renovável por igual período. Ou seja, tempo máximo de 50 anos.
Alguns senadores entendem que a decisão é temerária. Diplomatas não querem que os segredos nacionais sejam expostos e os militares temem que algo desagradável venha à tona. Eles pretendem o sigilo eterno. Na Constituinte, o deputado Pimenta da Veiga defendeu emenda do senador Severo Gomes semelhante a que corre hoje no Congresso. Foi derrotado.
A verdade emerge nos livros de história dos países vizinhos ou na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, onde lotes de documentos oficiais, antes secretos, são liberados ano a ano. É mais fácil enfrentar o assunto, lidar com a realidade e permitir que os implicados apresentem argumentos. Brasileiros agiram como agem negociadores em qualquer lugar do mundo. Defenderam objetivos nacionais e pessoais. Nos últimos dias, aliás, o país assistiu a uma memorável confusão entre interesse público e privado. E nenhuma linha de fronteira, além da ética, esteve em jogo.


CLÁUDIO HUMBERTO

Mais duas palestras
Em jantar com embaixadores africanos em Brasília, quinta, Lula fechou mais duas palestras. Apesar de não gostar de ler, falará na Biblioteca de Alexandria, no Egito, e depois na União Africana, na Guiné. O governo pagará diárias e passagens para seus seguranças do Exército

Pergunta na pista
A lei proíbe, mas em vez do falecido Orestes Quércia, Viracopos Lula não seria o nome mais apropriado para o aeroporto paulista?


AVIAÇÃO
Serviço turbulento
Companhias aéreas não têm atendido os passageiros como eles merecem

O glamour e a comodidade que caracterizavam o transporte aéreo ficou no passado. Hoje viajar de avião virou sinônimo de transtorno. Não bastasse a péssima infraestrutura dos aeroportos, as companhias aéreas têm revelado despreparo para atender à demanda crescente de passageiros, de 20% ao ano. Exemplo disso foi o aumento do volume de multas aplicadas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), especialmente por causa de problemas no atendimento. Entre 2007 e 2010, o valor arrecadado saltou 2.053%, de R$ 808 mil para R$ 17,4 milhões. No ano passado, cerca de 74% dos autos de infração foram mantidos após recurso das empresas. A maioria com o valor original proposto pela Anac.
Na prática, esse avanço é o reflexo dos problemas dos cidadãos que usam o transporte aéreo, como atraso e cancelamento de voos, bagagens desviadas (ou danificadas), filas para check-in e falta de comunicação com os passageiros. Muitos deles viajam pela primeira vez de avião e só conhecem os bons serviços das companhias de ouvir falar.
O problema parece estar longe do fim. Até porque o valor das multas é muito pequeno diante do faturamento bilionário das empresas. Além disso, na maioria das vezes, as companhias não reconhecem a responsabilidade pelos transtornos e culpam a falta de estrutura dos aeroportos e dos órgãos do governo (como a Polícia Federal).

DESPREZO - Para o engenheiro aeronáutico Jorge Medeiros, professor de Transporte Aéreo e Aeroportos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, a qualidade dos serviços está sendo desprezada pelas empresas. "É preciso espernear para conseguir alguma coisa", diz ele, que trabalhou em grandes companhias aéreas.
Para alguns especialistas, a deterioração da qualidade dos serviços já não pode mais ser atribuída ao aumento da demanda, que tem sido constante. Isso porque, da mesma forma que as companhias precisam se aparelhar para comprar novos aviões, elas também teriam de melhorar a gestão do atendimento ao consumidor.
A explicação estaria na fórmula para reduzir custos e manter as margens. Primeiro porque, com tarifas baixas, permite-se a entrada de novos passageiros no sistema, mas reduz a qualidade dos serviços. Isso também decorre de outro problema: embora haja concorrência entre tarifas, não há concorrência entre serviços. Todas mantêm o mesmo padrão, bem abaixo da média.


SAIBA +

Em caso de atrasos e cancelamentos, há regras a serem obedecidas, lembra o advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Lucas Cabette Fabio.
Na primeira hora, a empresa precisa oferecer comunicação aos passageiros; na segunda, alimentação; a partir da quarta, ressarcimento do valor da passagem ou cancelamento, sem multa. Se o cliente não estiver no local de origem, a empresa deve pagar hospedagem.
Em nota, a Gol afirma que presta atendimento necessário aos clientes em casos de atrasos ou cancelamentos.


CURTAS

REINO UNIDO
Militares pedem baixa da carreira
Quase mil soldados do Exército britânico pediram dispensa voluntária, enquanto a cúpula militar buscava 500 candidatos, informa The Daily Telegraph. Para o jornal, o grande número de pedidos, entre eles de 52 coronéis, cinco membros das forças especiais e dois oficiais perto de se tornarem generais, reflete a baixa moral nas Forças Armadas diante dos cortes que o governo impôs.

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