A 18ª UPP - Com Mangueira ocupada, só falta Maré para a Copa
Sem o disparo de um único tiro, 750 policiais civis e militares, com o apoio das Forças Armadas, ocuparam ontem a Mangueira. A operação fecha um cinturão em torno da região da Grande Tijuca, onde está o Maracanã, palco da Copa do Mundo de 2014. Com isso, o último grande desafio para o plano de segurança do evento é o Complexo da Maré, ainda ocupado por traficantes, que fica à margem da Linha Vermelha, principal trajeto para o Aeroporto Internacional Tom Jobim. Para as Olimpíadas de 2016, há ainda pontos vulneráveis, como a Rocinha e o Vidigal, no caminho entre a Zona Sul e a Barra, principal área de provas dos Jogos
Segurança no palco da Copa
Ocupação da Mangueira fecha cinturão em torno do Maracanã; Maré é desafio
João Paulo Gondim, Rafael Galdo, Taís Mendes e Zean Bravo
A ocupação da Mangueira, realizada ontem por cerca de 750 policiais civis e militares, com o apoio das Forças Armadas, abre espaço para o fechamento do cinturão de segurança em torno do palco principal da Copa do Mundo de 2014: o Maracanã. O mapa da cidade, no entanto, ainda traz pontos vulneráveis no caminho dos grandes eventos esportivos que se aproximam do Rio. Para a Copa, o Complexo da Maré é o último grande obstáculo: ocupado por traficantes, margeia a Linha Vermelha, principal ligação com o Aeroporto Tom Jobim. Para as Olimpíadas de 2016, há desafios pendentes como a Rocinha e o Vidigal, no meio do caminho entre a Zona Sul e a Barra, regiões que abrigarão provas dos Jogos.
As equipes começaram a chegar à Mangueira por volta das 6h. Embora tenham sido ouvidos disparos no dia anterior, a entrada na favela foi tranquila. Nenhum tiro foi disparado. Em vários acessos ao morro, os moradores estenderam panos brancos com a palavra paz. A operação foi o primeiro passo para a instalação da 18a - Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no Rio. Com isso, o estado consegue cercar a Grande Tijuca: além da ocupação de ontem, foram retomadas os morros do Turano, Salgueiro, Formiga, Andaraí, Borel, Macacos e São João.
Rotina normal no Buraco Quente
Os agentes contaram com o apoio de quatro helicópteros e outros sete blindados terrestres, seis da Marinha. No início da operação, de manhã, as ruas estavam desertas e o comércio ficou fechado. À tarde, a rotina já parecia a de um domingo qualquer. Bares de localidades como Buraco Quente e Chalé estavam cheios. Porém, os moradores, ao comentar a retomada da favela, preferiam não se identificar.
— Espero que a vida melhore. Ninguém gosta de viver na violência. Mas prefiro aguardar a saída de vocês (imprensa) para dar uma opinião — afirmou uma moradora do Chalé. No Buraco Quente, alheio à movimentação da tropa, um grupo de quatro amigos jogava dominó.
—A gente sempre se reúne aos domingos. Não vejo razão para não fazer isso hoje (ontem). Agora, se a UPP vai ser boa? Tomara que sim, mas é cedo para fazer previsão — disse um integrante da roda. Sem revelar qual será a próxima comunidade a ser beneficiada por uma UPP, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, disse que ainda há muito a ser feito.
— Ninguém está dando o jogo como ganho — afirmou, acrescentando que há informações sobre os bandidos que fugiram:—A polícia trabalha e, no momento oportuno, age. A ocupação já abriu caminho para alguns serviços públicos. Equipes da Vigilância Sanitária iniciaram ontem mesmo uma fiscalização do comércio, enquanto agentes da Secretaria municipal de Obras chegavam para demolir construções irregulares. Reboques da polícia percorreram a comunidade para apreender veículos roubados. Pela primeira vez foram instalados aparelhos de GPS em carro se radiotransmissores da PM, para checar a localização dos policiais. As imagens eram transmitidas diretamente para o centro de operações. Outra novidade foi a presença de equipes da Defensoria Pública para garantir que não haveria qualquer violação de direitos humanos durante a operação.
Foram ocupadas pela polícia, além da Mangueira, comunidades vizinhas: os morros dos Telégrafos, do Parque Candelária e do Tuiuti. Foram apreendidos 32 veículos roubados, 300 trouxinhas de maconha e 35 tabletes da droga prensadas. Três pessoas foram encaminhadas à 17a - DP (São Cristóvão) por porte de entorpecentes. No momento em que policiais hasteavam as bandeiras do Brasil e do Rio de Janeiro no Morro dos Telégrafos, helicópteros da polícia jogavam panfletos com fotos de bandidos procurados. Depois da Mangueira, há desafios para as Olimpíadas na região de Deodoro, que abrigará instalações dos Jogos: favelas como o Muquiço continuam sob o jugo do tráfico. Há ainda a Barreira do Vasco, em São Cristóvão, junto ao Estádio de São Januário, que receberá as competições de rugby. A situação é a mesma em comunidades de bairros vizinhos ao Engenho de Dentro, onde fica o Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão, como o Complexo do Lins, em Lins de Vasconcelos, e do Urubu, em Pilares.
TRAGÉDIA COM HELICÓPTERO
Acidente: FAB investiga falta de licença do piloto
Mário Bittencourt/A Tarde
Luis Alvarenga
Mário Bittencourt*, Leonardo Cazes e Djalma Oliveira** granderio@oglobo.com.br
A Força Aérea Brasileira (FAB) informou ontem que vai investigar como Marcelo Mattoso de Almeida, piloto do helicóptero que caiu no mar na noite de sexta-feira em Trancoso, distrito de Porto Seguro, no Sul da Bahia, atuava sem licença de voo há seis anos. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) disse que só se manifestará sobre o caso ao fim das investigações sobre o acidente, que estão a cargo do Segundo Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Seripa 2), com sede em Recife. Consultando o site da Anac, é possível ver que Marcelo — presidente do First Class Group e dono do Jacumã Ocean Resort, em Trancoso — está com todas as quatro licenças de voo vencidas. O helicóptero foi encontrado ontem, no fundo do mar, pela Marinha. Das sete pessoas que estavam na aeronave, três continuam desaparecidas, incluindo a estudante Mariana Noleto, namorada de Marco Antônio Cabral, filho do governador Sérgio Cabral.
Piloto teria usado nome de outro para ter voo autorizado
A licença do helicóptero que caiu, de prefixo PR-OMO, é a H350, que venceu em junho de 2005. Pelo site da Anac, é possível constatar ainda que o certificado de capacidade física de Marcelo está sem validade desde agosto de 2006. As outras licenças que ele tinha para voar são de aeronaves dos modelos BH06 (vencida em outubro de 2004), EC30 (dezembro de 2006) e RHBS (julho de 2005).
Segundo informou ontem à noite o “Fantástico”, da Rede Globo, fontes do aeroporto de Porto Seguro disseram que Marcelo usou o nome e a licença de outro piloto, Felipe Calvino Gomes, em situação regular, para obter permissão para voar. No Rio, Felipe informou que fora contratado há uma semana pelo empresário e que não sabia que seu nome teria sido usado.
Além de Mariana, continuam desaparecidos o própio Marcelo e Jordana Kfuri Cavendish. As outras quatro vítimas já foram sepultadas: Fernanda Kfuri, de 34 anos; seu filho Gabriel, de 2; Lucas Kfuri de Magalhães, de 3, filho de Jordana; e a babá Norma Batista de Assunção, de 49.
Juntamente com o filho, Sérgio Cabral acompanha as buscas no Sul da Bahia. Eles passaram o dia de ontem num hangar privado no aeroporto local. Cabral está na Bahia desde a manhã de sexta-feira e usou o helicóptero poucos minutos antes da tragédia.
A Marinha, com ajuda de dois navios, incluindo um com sonar, encontrou o helicóptero por volta das 20h30m de ontem, a dez metros de profundidade e a 250 da costa. A cabine da aeronave está muito danificada. Isso, aliado ao fato de já ser de noite e de a visibilidade da água estar baixa, impediu os mergulhadores de verificarem se há corpos dentro do helicóptero. As buscas serão retomadas hoje.
Ontem também, técnicos do Seripa 2 iniciaram as investigações. Eles estiveram com dois caseiros que teriam ouvido o barulho feito pelo helicóptero ao cair e sobrevoaram a região.
No Rio, cerca de 15 bombeiros, incluindo o comandante-geral da corporação, coronel Sérgio Simões, foram ao Aeroporto Santos Dumont ontem à noite para embarcar para a Bahia, para ajudar nas buscas. O grupo chegou a entrar no escritório de uma empresa de táxi aéreo, mas na última hora não embarcou.
— Vamos ficar aquartelados e aguardar até amanhã (hoje) de manhã, para decidir se viajamos para colaborar — disse o coronel Sérgio Simões.
A convocação dos bombeiros do Rio ocorre em meio a uma crise gerada por protestos da corporação por melhores salários. Após a invasão do Quartel Central, 429 bombeiros foram presos. Na ocasião, Cabral chamou os manifestantes de “vândalos” e “irresponsáveis”.
* da Agência A Tarde
** do Extra
DENIS LERRER ROSENFIELD
Resgate da memória
A polêmica envolvendo a divulgação de documentos considerados ultrassecretos do Estado brasileiro envolve questões fundamentais que dizem respeito ao resgate da memória do país. O sigilo envolvendo esses documentos não poderia nem deveria ser objeto de barganhas partidárias ou outras, porque compromete a compreensão que tenhamos de nossa própria história. A história do país deveria se situar para além de qualquer disputa política.
O projeto de lei tramitando no Senado, depois de ter sido aprovado na Câmara dos Deputados, estipula em 25 anos, com uma única renovação possível, o período máximo do sigilo, o que já é, inclusive, um tempo abusivo, pois significa meio século de desconhecimento de um período relevante do país. Agora, a proposta de que mesmo esse período seria curto, exigindo uma espécie de segredo eterno, foge de qualquer regra de razoabilidade. O país tem direito de conhecer a sua própria história, qualquer que seja, mesmo que escape aos cânones atuais do politicamente correto. Arquivos históricos não deveriam estar submetidos às intempéries da política.
A história das nações não é a história do politicamente correto. Nações não são anjos, nem os homens estão voltados necessariamente para o bem, tendo, igualmente, uma propensão ao mal. Hegel já dizia que a história não é o lugar da felicidade. Pretender impor retroativamente critérios atuais do certo e do errado significa desconhecer a própria natureza humana.
Argumentos têm sido veiculados de que a divulgação desses documentos comprometeria nossas relações com Estados vizinhos, em particular com o Paraguai, em virtude da guerra travada com esse país no século XIX, e com a Bolívia, a propósito das ações do Barão de Rio Branco na demarcação do estado do Acre. Ora, o traçado de fronteiras, em toda a história da humanidade, envolveu guerras e os mais diferentes tipos de contratos e tratados. São fatos que deveriam ser reconhecidos enquanto tais. Pensar diferentemente é como se somente o Brasil devesse “se envergonhar” de seu passado.
Mais importante ainda, deixamos de conhecer uma parte importante de nossa história, que só a abertura desses arquivos poderia propiciar. Países aprendem com seus erros e seus acertos, assim como as pessoas. Quem esconde algo é porque não quer nada aprender. A ignorância não é uma lição de aprendizagem.
Aliás, o que poderia bem acontecer nas relações atuais com o Paraguai e a Bolívia, se eles tivessem acesso a esses documentos, se é que já não os possuem? Reivindicariam territórios e ameaçariam militarmente o Brasil? Invadiriam o país em nome de sua “causa”? Tal hipótese não tem o menor cabimento. Nada aconteceria. As fronteiras brasileiras permaneceriam como estão, não havendo nenhuma modificação.
Os EUA travaram uma longa guerra com o México que modificou as fronteiras desses países, tendo esse último perdido vários territórios. Os documentos do que aconteceu são públicos, e as fronteiras atuais desses respectivos países não foram, no entanto, alteradas. Os EUA, ademais, compraram o Alasca do Tsar da Rússia no século XIX, tendo esse território se tornado um estado americano. A história é conhecida e, no entanto, não haverá nenhuma modificação de fronteiras. Alguns podem mesmo considerar o preço pago barato demais!
A Europa, em um passado recente, posterior à Segunda Guerra Mundial, foi objeto de um redesenho de suas fronteiras entre os vencedores e os vencidos. Um mapa do século XXI é, em muito, diferente de um mapa do início do século XX.
Alguns Estados podem estar descontentes, porém nada disto alterará o atual traçado. A Lorena e a Alsácia, por sua vez, sempre foram objeto de litígio entre a Alemanha e a França. No entanto, as atuais fronteiras não são objeto de contestação, mesmo que tenham sido fruto de um fato de guerra.
O mesmo vale para a discussão envolvendo a divulgação dos documentos relativos ao regime militar no país. Todos os documentos deveriam estar à disposição pública, em particular dos historiadores, que poderiam trabalhar com fontes de primeira mão. O problema não diz respeito a torturadores nem aos que pegaram em armas para instalar um regime comunista no país. Embora de um ponto de vista ideológico a questão seja frequentemente colocada desta maneira, o problema é muito mais abrangente, porque diz respeito ao conhecimento das gerações atuais em relação à própria história nacional.
Se o país tem direito de conhecer a tortura que ocorreu em um determinado período, ele tem igualmente direito de saber sobre os assassinatos e justiçamentos cometidos pelos que pretendiam impor ao país um regime totalitário. Se se fala da Comissão da Verdade, ela não pode omitir fato nenhum sob pena de se tornar uma Comissão da Mentira.
Ressalte-se que se trata da história, da memória e do conhecimento. Não está aqui em questão uma suposta revisão da Lei da Anistia, assunto já pacificado do ponto de vista do Supremo Tribunal Federal, e novamente confirmado pela Advocacia-Geral da União. O país pode se relançar sobre nossas bases, que perduram até hoje, tendo propiciado o mais longo período de democracia nacional. Um país só pode recomeçar se fizer uso do perdão, algo central, aliás, da doutrina cristã. Um país que não sabe repactuar consigo é um país imerso em revanches e vinganças de ambos os lados que, por isto mesmo, tornam-se intermináveis.
Eis por que o Brasil tem direito de conhecer integralmente a sua própria história, algo que não diz respeito a pseudodenominações de “esquerda” e “direita”, nem a questões de política externa baseadas no segredo e na ignorância nacional. Somente pelo resgate de sua própria memória um país pode trilhar um outro caminho, diferente em muitos aspectos a outros de seu passado. O futuro só se esboça verdadeiramente diferente graças ao pleno conhecimento do passado.
DENIS LERRER ROSENFIELD é professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
DOS LEITORES
Documentos secretos
Estão distorcendo o foco da discussão sobre a abertura de documentos secretos. Não se trata de esconder acontecimentos que incriminem instituições ou pessoas. Trata-se de fatos que podem, eventualmente, incriminar o Brasil. Quais são eles, não sabemos, mas todos que tiveram acesso aos documentos são unânimes em defender seu sigilo eterno. O prazo de 50 anos pode ser adequado para pessoas que já estarão mortas quando eles forem divulgados, mas um país não tem fim temporal, é para sempre. No caso das pessoas, segredos revelados podem pôr fim a um casamento, uma amizade de muitos anos ou pedido de reparação. Com nações, acontece coisa parecida: países até então amigos tornam-se inimigos e os que foram prejudicados poderiam pedir reparações (em dinheiro, território?). Certos segredos são do Brasil e dos brasileiros. São nossos para sempre.
PAULO MARCUS SAMPAIO ELOY - Resende, RJ
Estou observando que várias pessoas, por desinformação ou má-fé, têm feito ou pretendido fazer pressões sobre a presidente Dilma no sentido de, por lei, declarar como segredos de Estado as atrocidades que o próprio Estado e seus simpatizantes praticaram em passado remoto ou recente. O que se depreende de tal covarde atitude? O povo tem o direito de conhecer sua verdadeira história e evitar que coisas ou atos que nos trouxeram à triste situação em que nos encontramos, seja na Educação, na Economia ou na “ética flexível” que nos assola, se repitam. Documentos secretos coisa nenhuma! Que o parlamento vote a instalação da Comissão da Verdade e o Itamaraty disponibilize todos os documentos que estão acobertando e que poderiam explicar muitas coisas. Da Inconfidência Mineira à escravatura, por exemplo!
LUIZ EDMUNDO GERMANO DE ALVARENGA - RJ
Não é plausível que, após anos de luta para reconquistar a democracia, tenhamos um retrocesso. Está na hora de o governo federal mostrar que pretende realmente construir um país onde as oligarquias sejam banidas e o interesse da coletividade se sobreponha. Não podemos esconder a história do Brasil, mesmo que ela mostre fatos que desagradam aos militares e a parlamentares que não tiveram uma postura ética.
SERGIO ABRAM FRIDMAN - Cabo Frio, RJ
O povo brasileiro precisa saber que documentos são estes para decidir se devem ser eternamente secretos.
RODRIGO CORREA DE OLIVEIRA - RJ
CRISE NOS BOMBEIROS
Desmilitarização de bombeiros patina no Congresso
Lobby das polícias trava votações desde 1997; duas propostas de emenda constituicional foram apresentadas em 2009
Demétrio Weber
BRASÍLIA. Duas propostas de emenda à Constituição, ambas apresentadas em 2009 atualmente paradas na Câmara dos Deputados, buscam desmilitarizar os bombeiros em todo o país. A iniciativa não é nova. Pelo menos desde 1997, quando o assunto entrou na agenda do governo de Fernando Henrique Cardoso, esse tipo de projeto é travado pelo lobby das polícias. Agora, o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), criou uma comissão especial para analisar essas e outras propostas ligadas à área de segurança. A ideia é acelerar a tramitação dos projetos, enviando para votação no plenário os que obtiverem consenso.
Mas a transformação dos bombeiros em órgão civil de defesa pública faz parte de um debate ainda mais polêmico: a unificação das polícias civis e militares, passo que pode levar ao fim das PMs. As duas propostas de emenda constitucional dedicam-se quase que inteiramente a isso, reservando um pequeno trecho à mudança de status dos bombeiros.
Propostas chegaram a ser arquivadas em janeiro
Como tratam da mesma matéria, elas foram apensadas, isto é, passaram a ser analisadas em conjunto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, onde estão até hoje. Nomeado relator ainda em 2009, o deputado Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS) deu parecer favorável em dezembro daquele ano. Seu relatório, porém, ficou um ano engavetado, até que, em dezembro de 2010, cinco deputados pediram vista (ou seja, requereram os projetos para análise). As duas propostas acabaram sendo arquivadas em janeiro, ao término da legislatura passada. Em fevereiro, a pedido de um dos autores — o deputado João
Campos (PSDB-GO) —, elas foram desengavetadas. O que significa recomeçar quase do zero. Segundo o deputado Mendes Ribeiro, a desmilitarização dos bombeiros não foi um empecilho para a votação das propostas. O ponto de discórdia, afirmou ele, é a unificação das polícias. — As pessoas dizem que a Câmara não vota. Se a Câmara não pode aprovar, então não vota, fica costurando o entendimento. Esse tipo de mudança é muito difícil: a Polícia Civil tem medo de perder atribuições, a Polícia Militar também, há o medo de se prejudicar carreiras. Briga entre corporações, isso é mais velho que o país — disse Mendes Ribeiro. A origem do imbróglio está na Constituição de 1988. O artigo 144 afirma que a segurança pública é atribuição da
Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Ferroviária Federal, das polícias civis e militares, além dos corpos de bombeiros militares. Portanto, a estruturação dos bombeiros como órgãos militares independe da vontade dos governadores, já que isso é ordem expressa da Constituição. Qualquer mudança só pode ser feita por emenda constitucional, no Congresso.
Em 2005, o então senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) apresentou uma proposta que dava liberdade aos estados para organizarem suas forças de segurança: eles poderiam optar por manter ou não a atual estrutura. Os bombeiros, portanto, poderiam ser desmilitarizados. Mas o projeto enfrentou resistência do então senador Romeu Tuma, que se opôs ao texto e chegou a apresentar um relatório contrário. A proposta nunca foi votada e acabou arquivada. Em 2009, os então deputados Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), Celso Russomano (PP-SP), Capitão Assumção (PSB-ES) e João Campos (PSDB-GO) subscreveram a proposta de emenda 432/2009, apensada à 430/2009, de autoria de Russomano. A proposta define o Corpo de Bombeiros como “instituição regular e permanente, de natureza civil, estruturada em carreiras, organizada com base na hierarquia e na disciplina, dirigida por integrante do último posto, escolhido pelo respectivo governador, para um mandato de dois anos, permitida recondução”.
O presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara, deputado Mendonça Prado (DEM-SE), defende a desmilitarização dos bombeiros e das polícias militares. — Isso é resquício da ditadura. Não sou um esquerdista contra a militarização, mas acho que um país moderno, que é o que queremos, precisa ter instituições que sejam adequadas aos novos tempos — afirmou o parlamentar. Para Prado, os bombeiros deveriam seguir o modelo da Polícia Rodoviária Federal, que tem menos níveis hierárquicos: — Uma instituição com tantos níveis de comando é lenta. A primeira tentativa de mexer na estrutura das forças de segurança pública ocorreu no governo Fernando Henrique. A ideia era unificar as polícias civis e militares. Os bombeiros deixariam de ser militarizados. A ideia não avançou.
Embora continuem militarizados, os corpos de bombeiros passaram a ter autonomia em relação às PMs. Segundo Prado, apenas quatro estados ainda mantêm os bombeiros vinculados à PM: São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Bahia.
Oficial do Distrito Federal defende o atual modelo
O major Mauro Sérgio de Oliveira Francisco, chefe do Centro de Comunicação Social do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, não vê problemas no atual modelo. Para ele, a disciplina militar ajuda no treinamento e na conduta dos profissionais: — É uma coisa boa, porque os regulamentos militares são rígido se isso acarreta melhores serviços à população. Desde 1856 estamos assim, e so- mos uma corporação que tem os maiores índices de credibilidade. Valeram a pena todos esses sacrifícios da vida militar.
Presidente da OAB defende mudança
Renata Sofia
A desmilitarização do Corpo de Bombeiros é um tema que divide opiniões de especialistas. Atualmente, a corporação tem no Rio 5.608 homens com cadastro de armas de uso pessoal, o equivalente a um terço dos 16.550 praças e oficiais do estado, conforme O GLOBO noticiou ontem. O presidente da Seção Rio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), Wadih Damous, é a favor do desarmamento desses profissionais e acredita que a mudança poderia trazer benefícios para a própria instituição.
— Não se trata de uma questão essencial na função, eles só são militarizados por força de lei. Acho que deve, sim, ser modificada a Constituição, já que não há nenhum benefício ao trabalho deles e ainda traz problemas, como no caso recente da greve da categoria por melhores salários, em que uma reivindicação é tratada como motim — avalia Damous.
A deputada estadual Janira Rocha (PSOL-RJ) acredita que a questão poderia ser tratada em um plebiscito:
— É um assunto que mexe com toda a sociedade. Seria importante ouvir as diferentes posições para decidir sobre uma eventual mudança.
Bombeiro pode ter até três armas no Rio
Pelas normas internas dos bombeiros do Rio, um membro da corporação pode ter até três armas, apesar de ser proibido usá-las em serviço: uma de porte, que pode ser um revólver 38 ou uma pistola 380, e duas de caça, sendo uma de alma lisa (espingarda por exemplo) e outra de alma raiada (carabina).
O deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ) também acredita que os bombeiros seriam beneficiados se fizessem parte de uma organização civil:
— Não vejo razão para os bombeiros continuarem sendo militares em nosso país. Além de não fazer sentido, isso só os atrapalha, por estabelecer limites muito estreitos para sua organização como categoria, como mostrou sua recente mobilização.
Líder grevista defende modelo atual
O capitão Alexandre Machado Marchesini, do Grupamento Operacional Para Tecnologias Avançadas (Gota) e um dos líderes do movimento grevista do Rio, é a favor da manutenção do modelo atual.
— Com o militarismo, existe uma gerência. Em um incêndio, por exemplo, se não fosse uma determinação militar, será que os homens que estão sob minha tutela entrariam em um prédio em chamas arriscando suas vidas? — diz o capitão. que reconhece que a mudança poderia trazer algumas melhorias. — Se não fosse militarizado, poderia existir um processo de profissionalização no Corpo de Bombeiros. Pessoas qualificadas ficariam alocadas nos seus devidos setores. No organismo militar, podemos servir fora de nossas funções e especialidades.
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