SOB EFEITO DO VULCÃO
Um labirinto de filas no saguão
A paralisação por cerca de 24 horas do aeroporto Salgado Filho, em função das cinzas de vulcão chileno, transtornou a vida de milhares de passageiros e provocou um efeito cascata nos atrasos dos voos previstos para a capital gaúchaMesmo a mais de 2 mil quilômetros de distância do vulcão chileno Puyehue, os gaúchos sofreram pesadas consequências. A nuvem de cinzas vulcânicas que tomou o céu do Rio Grande provocou o cancelamento de 203 partidas e chegadas de aviões na capital gaúcha, entre quinta-feira e ontem. A poluição natural e inesperada fez com que cerca de 30 mil pessoas deixassem de embarcar ou chegar a Porto Alegre, nas mais de 24 horas em que as companhias ficaram sem operar no aeroporto Salgado Filho. Apesar de os trabalhos terem sido retomados gradativamente ontem, a perspectiva é de que o caos continue hoje, já que o adiamento sucessivo de voos provocou um efeito cascata que pode se prolongar por mais dias.
Na noite de ontem, imensas filas tomavam o aeroporto, e a confusão estava longe do fim. Como todas as empresas aéreas trabalham no limite da capacidade, não existem aviões sobrando para transportar todas as pessoas que deixaram de voar. A Gol anunciou que suas aeronaves atuarão com lotação máxima, para tentar regularizar os voos atrasados, numa receita que será seguida pelas demais companhias. A TAM foi além e colocou aviões maiores, normalmente usados em rotas internacionais, para atender o Salgado Filho. Não serão convocados funcionários de folga, nem existem aeronaves sobressalentes. Será suficiente? É até possível que sim. Sábado e domingo costumam ter voos com baixa procura, o que deve ajudar a recuperar os atrasos.
Cinco das seis companhias comerciais que atendem o Salgado Filho só retomaram voos a partir das 17h de ontem. A única que jamais parou de voar foi a Trip, cujas aeronaves turboélice ATR-42 e 72 voam abaixo da altitude onde a fuligem está mais presente. A empresa realizou duas chegadas e três partidas.
A retomada das viagens ocorreu sem lista de espera ou chamada. As pessoas tiveram de remarcar passagens e acompanhar no telão informações sobre possíveis cancelamentos e previsão de decolagem. Um grupo de judocas dos clubes Sogipa, de Porto Alegre, e Kiai, de Canoas, remarcou quatro vezes a ida ao Rio, onde tinha planos de participar de uma seletiva para o Pan-Americano e o Mundial da modalidade neste fim de semana. Originalmente, o voo da Gol sairia às 7h. Com a suspensão das operações, foi marcado para as 15h. Sem possibilidade de decolar, foi remarcado para as 18h. No início da noite de ontem, a previsão era sair da Capital às 21h. A cada cancelamento do voo, o grupo tinha de voltar a enfrentar filas imensas para remarcar.
– Não estou acreditando. A gente passa por tantas privações, treinos, regimes para manter o peso e agora corro o risco de não conseguir chegar... É muito esforço para morrer na praia – desabafava o judoca José Lucas Clossi, 18 anos.
Cochilando na tarde de ontem com a cabeça apoiada no ombro do namorado, a auxiliar de escritório Marilene da Silva, 37 anos, era o retrato da exaustão que atingiu milhares de passageiros. Ela e o vendedor Ronaldo Chaves, 35 anos, planejavam há dois anos férias em Porto Seguro (BA). As cinzas da montanha vindas do Chile frustraram a expectativa do casal de Tramandaí, no Litoral Norte. O voo fretado por uma agência de viagens, que deveria sair de Porto Alegre às 23h de quinta-feira, foi adiado indefinidamente.
As emanações do vulcão soterraram também românticos planos de encontros no Dia dos Namorados. Leonardo Soares, de Santa Maria, teve de dormir ontem em Porto Alegre à espera da namorada, de Niterói (RJ). Há dois meses ela planejava se juntar a ele para curtirem este final de semana em Gramado e Canela. Convocaram mais dois casais de amigos. Quem estava no Rio não pode vir e tudo ficou incerto. Como incertas continuam as peripécias do vulcão Puyehue e a perspectiva de que afetem mais ainda os gaúchos
EDITORIAL
Desserviço nos aeroportos
É cômodo para os órgãos públicos do setor e para as companhias aéreas atribuir à natureza todas as culpas pelos transtornos provocados pelo vulcão Puyehue. O caos nos aeroportos, com o cancelamento de voos, está longe de ser um problema pontual, decorrente da ausência de condições ideais para que as aeronaves voem com segurança. As deficiências que se manifestam mais uma vez são consequência de falhas estruturais nos aeroportos e nos serviços prestados pelas companhias. O que se nota é o descumprimento de regras básicas capazes de preservar as boas relações das empresas com seus clientes.
É em momento como esse que as companhias aéreas deveriam pôr à prova o aperfeiçoamento dos seus serviços. O que ocorre, infelizmente, é o contrário. Falta presteza no atendimento ao público, que merece respeito a partir de uma demanda elementar nessas situa- ções, ou seja, o acesso a informações com clareza, rapidez e precisão. Não se trata de oferecer gentilezas em meio a tantos contratempos, mas de cumprir com as obrigações previstas em lei. Percebe-se, pela reação de usuários nos aeroportos, que as instituições oficiais e as empresas, já despreparadas para enfrentar transtornos menores, não conseguem corresponder às expectativas mínimas de bom atendimento em circunstâncias como as atuais.
As falhas são generalizadas. Também a Infraero, a empresa estatal que administra os aeroportos e deveria oferecer condições para o bom funcionamento de toda a estrutura, e a Anac, a agência da aviação civil, responsável pela regulação e fiscalização do setor, expõem suas deficiências. Os clientes, que nesses momentos dependem de maior apoio, ficam desprotegidos, até porque muitas vezes têm sonegados seus direitos a alimentação e a hospedagem. Não é preciso esperar mais, até a proximidade de eventos importantes como a Copa de 2014, para que essas limitações sejam superadas. As cinzas do vulcão Puyehue apenas ampliaram as deficiências. Há outras nuvens, densas, permanentes e desafiadoras, nos céus dos aeroportos brasileiros.
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