DESTAQUE DE CAPA
Licença para obra de Angra 3 reduz exigências ambientais
Uma alteração - ainda inexplicável - tirou do texto final da licença para a construção de Angra 3 a obrigação de a Eletronuclear assumir a manutenção do Parque Nacional da Serra da Bocaina e da Estação Ecológica de Tamoios. As duas exigências, que constavam da primeira licença (de 2008), eram uma compensação ambiental pelos riscos que a usina representa para a região. Pelo texto original, a Eletronuclear teria de repassar ao Instituto Chico Mendes, que administra os parques, R$ 13 milhões em cinco anos, mas nada aconteceu e a cláusula foi suprimida. Também não saiu do papel a exigência de que fosse construída uma estrada entre Paraty e Cunha, para servir de rota de fuga em caso de acidente. O ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, que lutou pela inclusão das exigências no documento, ficou surpreso com as mudanças. A Eletronuclear alega que a obrigação continua valendo e será cumprida, mesmo se não consta mais da nova licença. Na Alemanha, ONGs ambientalistas enviaram cartas a autoridades do país pedindo que desistam de financiar a construção de Angra 3.
Exigência ambiental ignorada
Angra 3 ganha licença sem que Eletronuclear mantenha áreas de conservação, como previsto
Carla Rocha
Uma alteração - ainda mal explicada - tirou do texto final da licença de instalação da usina nuclear de Angra 3, concedida no final de 2009, o item que obriga a Eletronuclear a assumir a manutenção e o custeio de duas importantes unidades de conservação na região de Angra dos Reis, o Parque Nacional da Serra da Bocaina e a Estação Ecológica (Esec) de Tamoios. A exigência, que constava da licença prévia, de 2008, simplesmente desapareceu. Até hoje, o convênio em que a Eletronuclear se compromete a repassar R$13 milhões em cinco anos para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, que administra as unidades, não foi assinado. Para especialistas em licenciamento ambiental, a situação é atípica e irregular. Reportagem do GLOBO, há uma semana, mostrou que a Eletronuclear contratará uma auditoria para reavaliar a segurança das encostas no entorno das usinas de Angra 1 e Angra 2.
Com grande área de Mata Atlântica nativa, o Parque Nacional da Serra da Bocaina, da década de 70, e a Esec de Tamoios, de 90, foram criados como uma forma de proteção ao meio ambiente justamente em decorrência da instalação das usinas nucleares na região. A inclusão das unidades no rol das condições para a instalação de Angra 3 foi considerada uma vitória do ministro do Meio Ambiente na época, Carlos Minc, atual secretário de Ambiente do estado.
Minc também incluiu na licença prévia outras exigências que chegaram a gerar polêmica: a Eletronuclear deveria se comprometer com a construção de um repositório - destino final para o lixo atômico, que está até hoje em depósitos iniciais no terreno das usinas -, contratar um monitoramento ambiental de um órgão externo e destinar recursos para as obras da estrada Paraty-Cunha. Esta última é uma importante rota de fuga em caso de acidente, que ainda não saiu do papel por não terem ainda sido cumpridas exigências feitas pelo Ibama.
Minc fica surpreso com a exclusão
Minc disse ontem ter sido surpreendido pela notícia de que a exigência relativa às unidades de conservação não consta mais da licença de instalação. Ele revelou que, quando ainda estava à frente do Ministério do Meio Ambiente, recebera a denúncia de que o item havia sido subtraído do documento e exigiu do então presidente do Ibama, Roberto Messias Franco, que fosse feita uma retificação.
- Era uma ilegalidade. Disseram na época que um conselho consultivo tinha solicitado por escrito a retirada do item. Mas alterar um documento desta complexidade só pode ser feito em casos muito excepcionais, depois de uma análise muito criteriosa. Exigi a reparação e fui informado que ela havia sido feita - diz o ex-ministro Minc.
O assessor de responsabilidade socioambiental da Eletronuclear, Paulo Gonçalves, informou ontem que, para a empresa, a exigência continua valendo e será cumprida, independentemente de não constar da licença de instalação. Segundo ele, as condições são cumulativas e, sendo assim, a licença de instalação não anula os termos da licença prévia.
Gonçalves explicou ainda que o convênio com o Instituto Chico Mendes ainda não foi assinado porque a empresa está verificando junto ao Ibama se os recursos investidos poderão ser abatidos do percentual que os empreendimentos com impacto ambiental têm que fazer em unidades de conservação. Pela Lei do Snuc (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), no mínimo 0,5% do total do custo do empreendimento deve ser destinado a unidades de conservação.
- Caso contrário, a empresa estará sendo penalizada porque já consta entre as condicionantes o custeio das unidades. Estaríamos pagando duas vezes - afirma o assessor da Eletronuclear.
Para o advogado especialista em direito ambiental, Rogério Zouein, a subtração da exigência relativa às áreas de conservação é um absurdo:
- Há indícios graves de irregularidade. E, se fosse séria a informação da empresa de que, para ela, a exigência continua valendo, já deveria ter assumido as unidades, o que não aconteceu. Se nada fez, não devia nem ter obtido a licença de instalação.
Zouein considera inaceitável a justificativa da Eletronuclear de que ainda não cumpriu a exigência porque pretende abater os valores do percentual estabelecido pela Lei do Snuc:
- A empresa deveria ter feito a alegação antes de aceitar a exigência.
Paulo Affonso Leme Machado, professor de direito ambiental da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) e um dos maiores especialistas no assunto do Brasil, também chama atenção para o fato de que a licença de instalação não pode ser concedida sem que a licença prévia tenha sido adequadamente cumprida.
- É uma ilegalidade que fere o processo lógico do licenciamento. Uma mudança é algo atípico, que só pode acontecer a partir de estudos muito sérios. Uma licença não é um ato cosmético em que você vai sobrepondo camadas até acertar o que for melhor para o empreendimento. É por isso que se faz, por exemplo, o estudo prévio de impacto ambiental, o Eia/Rima - observa Machado.
Coordenador regional do Instituto Chico Mendes até o ano passado e ex-superintendente do Ibama no Rio, o analista ambiental Rogério Rocco classifica o episódio de estelionato ambiental.
- O descrédito do licenciamento é muito grande. É um cheque sem fundo. A sociedade tem a crença de que as exigências vinculadas serão cumpridas, as usinas entram em funcionamento e não há cumprimento algum - critica Rocco.
O ex-presidente do Ibama, Roberto Messias Franco, que assina as duas licenças, não foi localizado para comentar o fato. Procurado, o Ibama também não retornou as ligações.
RICARDO NOBLAT
“Mensalão é tese da oposição que a mídia e a Polícia Federal compraram.” (André Vargas, secretário de Comunicação do PT)
O “fascismo do bem”
Imaginem a seguinte cena: em campanha eleitoral, o deputado Jair Bolsonaro está no estúdio de uma emissora de televisão na cidade de Pelotas. Enquanto espera a vez de entrar no ar, ajeita a gravata de um amigo. Eles não sabem que estão sendo filmados. Bolsonaro diz: “Pelotas é um polo exportador, não é? Polo exportador de veados...” E ri.
A cena existiu, mas com outros personagens. O autor da piada boçal foi Lula, e o amigo da gravata torta, Fernando Marroni, ex-prefeito de Pelotas. Agora, imaginem a gritaria dos linchadores “do bem”, da patrulha dos “progressistas”, da turma dos que recortam a liberdade em nome de outro mundo possível... Mas era Lula!
Então muita gente o defendeu para negar munição à direita. Assim estamos: não importa o que se pensa, o que se diz e o que se faz, mas quem pensa, quem diz e quem faz. Décadas de ditaduras e governos autoritários atrasaram o enraizamento de uma genuína cultura de liberdade e democracia entre nós.
Nosso apego à liberdade e à democracia e nosso entendimento sobre o que significam liberdade e democracia são duramente postos à prova quando nos deparamos com a intolerância. Nossa capacidade de tolerar os intolerantes é que dá a medida do nosso comprometimento para valer com a liberdade e a democracia.
Linchar Bolsonaro é fácil. Ele é um símbolo, uma síntese do mal e do feio. É um Judas para ser malhado. Difícil é, discordando radicalmente de cada palavra dele, defender seu direito de pensar e de dizer as maiores barbaridades.
A patrulha estridente do politicamente correto é opressiva, autoritária, antidemocrática. Em nome da liberdade, da igualdade e da tolerância, recorta a liberdade, afirma a desigualdade e incita a intolerância. Bolsonaro é contra cotas raciais, o projeto de lei da homofobia, a união civil de homossexuais e a adoção de crianças por casais gays.
Ora, sou a favor de tudo isso - e para defender meu direito de ser a favor é que defendo o direito dele de ser contra. Porque se o direito de ser contra for negado a Bolsonaro hoje, o direito de ser a favor pode ser negado a mim amanhã de acordo com a ideologia dos que estiverem no poder.
Se minha reação a Bolsonaro for igual e contrária à dele me torno igual a ele - eu, um intolerante “do bem”, ele, um intolerante “do mal”. Dois intolerantes, no fim das contas. Quanto mais intolerante for Bolsonaro, mais tolerante devo ser, porque penso o contrário dele, mas também quero ser o contrário dele.
O mais curioso é que muitos dos líderes do “cassa e cala Bolsonaro” se insurgiram contra a censura, a falta de liberdade e de democracia durante o regime militar. Nós que sentimos na pele a mão pesada da opressão não deveríamos ser os mais convictamente libertários? Ou processar, cassar, calar em nome do “bem” pode?
Quando Lula apontou os “louros de olhos azuis” como responsáveis pela crise econômica mundial não estava manifestando um preconceito? Sempre que se associam malfeitorias a um grupo a partir de suas características físicas, de cor ou de origem, é claro que se está disseminando preconceito, racismo, xenofobia.
Bolsonaro deve ser criticado tanto quanto qualquer um que pense e diga o contrário dele. Se alguém ou algum grupo sentir-se ofendido, que o processe por injúria, calúnia, difamação. E que peça na justiça indenização por danos morais. Foi o que fizeram contra mim o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Mas daí a querer cassar o mandato de Bolsonaro vai uma grande distância.
Se a questão for de falta de decoro, sugiro revermos nossa capacidade seletiva de tolerância. Falta de decoro maior é roubar, corromper ou dilapidar o patrimônio público. No entanto, somos um dos povos mais tolerantes com ladrões e corruptos. Preferimos exercitar nossa intolerância contra quem pensa e diz coisas execráveis. E tudo em nome da liberdade e da democracia...
OS CEM DIAS DE DILMA
MST programa cem invasões
Sem diálogo até agora com governo Dilma, movimento promete intensificar suas ações
Silvia Amorim
Com o objetivo de aumentar a pressão sobre o governo Dilma Rousseff, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) programa para este mês cerca de cem invasões de propriedades por todo o país. A Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária, popularmente apelidada de “Abril Vermelho”, começou no fim de semana, tendo a Bahia como foco. No sul do estado, três fazendas foram invadidas entre sexta-feira e ontem.
Sem diálogo como governo Dilma nesses primeiros três meses de gestão, o movimento cobra para este mês a abertura de negociações.
— Já fizemos pedido de reunião com a presidente, mas não houve nenhuma resposta. Esperamos ser recebidos, ao menos, por ministros agora
—afirma um dos integrantes da direção nacional do MST, Gilmar Mauro. Além de invasões de terra, o MST promete para abril ocupações e protestos em órgãos públicos e marchas de trabalhadores em alguns estados. As ações estão sendo articuladas pelas coordenações regionais da entidade. — Desde o fim da eleição, o tema reforma agrária sumiu da pauta, e precisamos que ele seja retomado. Garantimos que a pressão social vai aumentar— afirmou Mauro.
O auge do “Abril Vermelho” está previsto para o dia 17, quando o massacre de sem-terra de Eldorado dos Carajás (PA) completa 15 anos. O episódio entrou para a História como um dos mais sangrentos embates pela posse de terra no país. Dezoito sem-terra foram assassinados por policiais no confronto.
Extensa lista de reivindicações
A pauta de reivindicações do movimento é ambiciosa. Os sem-terra exigem o assentamento de cem mil famílias em 2011. Também é exigido aumento dos recursos para obtenção de terras. Segundo Mauro, o corte no orçamento deste ano fez caírem de R$ 600 milhões para R$ 380 milhões os recursos para esse fim.Outra demanda é a melhoria dos assentamentos já realizados pelo governo. O MST diz que muitos deles estão em situação precária e sem infraestrutura básica. Na madrugada de ontem, o MST ocupou uma fazenda da multinacional Veracel Celulose, de plantio de eucalipto, no sul da Bahia. A invasão ocorreu na fazenda Conjunto Muqui, em Itabela. De acordo com o coordenador do MST na região, Evanildo Costa, cerca de 450 famílias começarama derrubar eucaliptos para montar barracos. A assessoria de comunicação da Veracel não se pronunciou sobre as invasões. Outras duas fazendas da multinacional estão ocupadas pelo MST. A fazenda da Veracel foi a terceira a ser ocupada este mês na Bahia. Na última sexta-feira, representantes do movimento ocuparam duas fazendas de pastagem, em Alcobaça e Teixeira de Freitas. Em cada fazenda, há mais de 200 famílias acampadas, segundo os líderes do MST.
O Incra informou que está finalizando os estudos orçamentários para definir as verbas destinadas aos programas de reforma agrária. Esse levantamento foi necessário por conta do corte no orçamento feito pelo governo este ano. Segundo aassessoria de imprensa do instituto, o Ministério do Desenvolvimento Agrário teve redução de 26% de seus recursos. Portanto, segundo a assessoria, não é possível estipular neste momento a meta de assentamento para 2011. No ano passado, diz oIncra, foram assentadas cerca de 40 mil famílias. Em relação à falta de estrutura em assentamentos já oficializados, informou-se que a solução do problema foi um compromisso firmado pelo recém-empossado presidente do órgão, Celso Lacerda, na semana passada.
ANCELMO GOIS
Era pra ser...
O legado do Pan 2007 no Complexo Esportivo da Vila Militar de Deodoro, no Rio, virou desgosto. Partes das instalações para o pentatlo moderno estão ficando obsoletas. Além disso, a piscina olímpica ficou três meses com água suja, e o local de treinamento de tiro, mal conservado, dá dó.
INVESTIGAÇÃO
Encontrados destroços de avião da Air France
Airbus A330 caiu no mar na rota Rio-Paris, em 2009, matando 228 pessoas. Técnicos tentam achar caixas-pretas
Quase dois anos depois de ter desaparecido enquanto transportava 228 pessoas entre o Rio e Paris, o Airbus A330-200 que realizava o voo 447 da companhia Air France foi localizado no fundo do Oceano Atlântico. A informação foi divulgada ontem pelo Escritório de Investigações e Análise (BEA, na sigla em francês), órgão que apura as causas do acidente. O diretor do BEA, Jean-Paul Troadec, disse ter esperanças de que as caixas-pretas, peças fundamentais para entender as causas do acidente, sejam localizadas. Segundo ele, os destroços estão bastante concentrados em um só ponto.
Pedaços das asas e das turbinas foram localizados Os destroços foram encontrados semana passada, na quarta tentativa dos franceses. A aeronave caiu enquanto sobrevoava a região do arquipélago de São Pedro e São Paulo, distante 627 quilômetros de Fernando de Noronha, na noite do dia 31 de maio de 2009. Nas buscas, as equipes de salvamento só conseguiram recuperar pedaços de 50 corpos e algumas peças do avião.
De acordo com Troadec, foi possível reconhecer partes da turbina e das asas. Ele não esclareceu como e quando será feito o regaste de pe ças importantes para a investigação. As novas buscas pelo avião da Air France começaram no dia 28 de março, com a participação de cerca de cem pessoas a bordo de dois navios, entre representantes da fabricante, Airbus, e membros da Air France, da polícia francesa e das marinhas francesa, americana e brasileira. A equipe contou ainda com especialistas em áreas como geologia e biologia marinha, meteorologia e oceanografia.
As investigações se concentraram em uma área de cerca de 10 mil quilômetros quadrados, num raio de 75 quilômetros ao redor da última posição conhecida do voo AF-447. Os 228 mortos no acidente eram de 32 nacionalidades, incluindo 72 franceses e 59 brasileiros.
Na operação, os técnicos contam com o apoio de três submarinos não tripulados, capazes de navegar em profundidades de até quatro mil metros. Eles são projetados para passar até 22 horas submersos e rastrear objetos a 700 metros de distância, bem como içá-los do fundo do mar. Os submarinos contam com câmeras e faróis que permitem iluminar objetos localizados pelos sonares dos navios.
As buscas aos destroços recomeçaram dias depois de a Justiça francesa indiciar a Air France e a Airbus por homicídio culposo (sem intenção de matar). No caso da empresa área, o diretor-geral da companhia, Pierre Henri Gourjon, foi diretamente responsabilizado, na condição de pessoa jurídica. Os dois indiciamentos são os primeiros do processo e estão condicionados à eventual localização das caixas-pretas do avião.
Apesar de, à época do acidente, algumas partes da aeronave terem sido localizadas, ainda pouco se sabe sobre o que provocou a queda. As últimas informações enviadas pelo avião, por mensagens automáticas, mostram que os pitots (sensores de velocidade) registravam valores conflitantes, possivelmente devido ao congelamento.
O problema teria levado ao desligamento do piloto automático, num momento em que a aeronave enfrentava forte turbulência. Tragédia provocou a troca de sensores de aviões Especialistas dizem, no entanto, que a pane no pitot pode ter contribuído para a tragédia, mas não seria suficiente para causar o acidente. Mesmo assim, após o acidente, agências de aviação determinaram a troca de sensores como os usados no A330-200. Com base na análises dos destroços e de corpos encontrados, os investigadores franceses concluíram que o avião se chocou de barriga contra a água, praticamente intacto.
ACUSAÇÕES
Dois presidentes e um massacre
ONU responsabiliza tropas de líderes rivais por centenas de mortes de civis na Costa do Marfim
ABIDJÃ, Costa do Marfim
A Organização das Nações Unidas (ONU) responsabilizou ontem as forças do presidente eleito da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, apoiado pela comunidade internacional, por pelo menos 220 das 330 mortes já confirmadas durante a tomada da cidade de Duekoue, na semana passada. As demais teriam sido causadas pelas tropas de Laurent Gbagbo - que se recusa a deixar o poder no país africano, embora tenha sido derrotado nas eleições de novembro, deflagrando uma guerra civil. Relatos de pessoas que estiveram na cidade dão conta de um verdadeiro massacre de civis, com centenas de corpos empilhados pelas ruas.
- O secretário-geral (Ban Ki-moon) expressou particular preocupação e alarme sobre os relatos de que forças pró-Ouattara teriam matado muitos civis na cidade de Duekoue - afirmou o porta-voz das Nações Unidas, Martin Nesirky. - Os responsáveis devem prestar contas.
Funcionários da ONU continuam investigando o número total de mortes no massacre na região, ocorrido entre segunda e quarta-feira da semana passada, quando as forças de Ouattara tomaram a cidade em seu caminho rumo a Abidjã, capital comercial do país. Até agora 330 corpos teriam sido identificados oficialmente pela ONU. Mas a Cruz Vermelha Internacional já falou em 800 mortes, enquanto a Cáritas listou mais de mil.
Ouattara garantiu que seus homens não estão envolvidos no massacre, mas informou a Ban Ki-moon que já ordenou uma investigação sobre as mortes e que um inquérito internacional é bem-vindo, segundo Nesirky. Até agora, Ouattara diz ter contabilizado 162 mortos na região, resultado de conflitos entre milícias locais.
O vice-diretor de Direitos Humanos da Missão das Nações Unidas na Costa do Marfim, Guillaume Ngefa, no entanto, responsabilizou diretamente Ouattara pela maioria das mortes.
- Nós temos provas, temos fotos - afirmou ele. - Foi retaliação.
Ouattara informou "que rejeita tais acusações e nega qualquer envolvimento das Forças Republicanas da Costa do Marfim em possíveis abusos". Ele acusou o atual governo de Gbagbo de tentar manipular a situação. Segundo Ouattara, "forças leais ao presidente e seus afiliados mercenários e milicianos foram responsáveis pelas incontáveis atrocidades no oeste do país, antes do avanço das Forças Republicanas".
Comunicado divulgado ontem pelo governo dos Estados Unidos, assinado pela secretária de Estado, Hillary Clinton, exortou Gbagbo a deixar o poder imediatamente. "Gbagbo está transformando a Costa do Marfim em um país sem lei", sustenta o texto. "Ele deve deixar o poder agora para que o conflito termine". Mas ela também apelou às tropas de Ouattara "para que respeitem as regras da guerra e parem de atacar civis".
O secretário das Relações Exteriores do Reino Unido, William Hague, também repetiu seu pedido pela saída de Gbagbo, "para que a violência termine" e levantou a possibilidade de algumas acusações relacionadas ao conflito serem levadas ao Tribunal Penal Internacional.
O International Crisis Group pediu um cessar-fogo imediato de ambos os lados e uma intervenção internacional mais significativa no conflito, dizendo que a situação na Costa do Marfim é "urgente" e frisando que "o impensável está ocorrendo bem diante dos nossos olhos".
Abidjã aguarda "batalha final"
O principal aeroporto da Costa do Marfim, que desde sexta-feira estava em poder da ONU, foi ocupado ontem por tropas francesas, o que permitiu a sua reabertura "para aeronaves civis e militares", segundo comunicado do governo francês. Com a possibilidade de aviões voltarem a pousar no país, relatos davam conta de que a França começa a planejar a retirada em massa de seus 12 mil cidadãos no país. A ONU tirou 200 funcionários de Abidjã ontem. Na televisão pró-Gbagbo, partidários do presidente pediam à população que se mobilizasse contra o que chamou de "ocupação francesa".
A França enviou mais 300 soldados à Costa do Marfim, segundo informou ontem o porta-voz do Ministério da Defesa, Thierry Burkhard, elevando para 1.400 o número de militares franceses no país. No total, as tropas de paz da ONU na Costa do Marfim contam com 7.500 homens.
Em entrevista à BBC, Burkhard acrescentou que a principal missão das forças francesas no país ainda é garantir a proteção de seus compatriotas, que estariam sendo ameaçados por saqueadores.
O dia de ontem foi de parcial calma no país, com helicópteros das Nações Unidas patrulhando as principais cidades. A tranquilidade, no entanto, não deve ser duradoura. Relatos davam conta de que as forças de Ouattara estariam preparando novos ataques ao palácio presidencial em Abidjã, onde já ocorreram combates, e à sede da TV estatal.
As ruas da capital comercial, onde a água já foi cortada, estavam desertas ontem. Moradores passaram o dia fazendo barricadas em suas próprias casas, cobrindo janelas com cobertores e bloqueando as portas com móveis, esperando pela "batalha final" entre as forças de Ouattara e Gbagbo.
FONTE: JORNAL O GLOBO
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