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segunda-feira, 18 de abril de 2011

17 de abril de 2011 - ESTADO DE SÃO PAULO


ALIÁS
A verdade represada
Hora de criar uma comissão para trazer à luz as atrocidades da era ditatorial, diz brasilianista

*Kenneth Serbin

Do ponto de vista de muitos, entre eles a presidente Dilma Rousseff, uma comissão da verdade para investigar os perpetradores de atrocidades em nome do Estado durante o regime militar deveria ter sido criada há tempos. A questão é se os líderes brasileiros terão a vontade política de criá-la.
Os argumentos para a existência de uma comissão são poderosos. O Brasil é um farol da democracia global, mas ainda lhe faltam itens básicos de uma democracia consolidada. Com respeito à era ditatorial, o Brasil precisa não somente nomear os violadores de direitos humanos e descrever seus crimes, como abrir seus arquivos ao público e aos historiadores profissionais.
Também precisa recuperar os corpos dos guerrilheiros mortos no Araguaia e devolvê-los às famílias. Essa é uma tarefa primária de qualquer sistema de aplicação da lei competente, mesmo em muitas sociedades não democráticas. O direito de enterrar os mortos antecede a civilização. Como pode o Brasil, um dos países mais espirituais do planeta, ter falhado nesse aspecto?
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva perdeu uma oportunidade de ouro para criar a comissão da verdade. Poderia ter entrado na história não só como o líder que colocou o Brasil no cenário internacional, mas como aquele que finalmente trouxe o encerramento da era militar. Em vez disso, permitiu que o desacordo estridente entre ativistas de direitos humanos e setores militares terminasse num impasse. Cabe à presidente Dilma encaminhar ao Congresso o projeto de lei estabelecendo a comissão. Ela terá de agir com rapidez e firmeza. Ao contrário do que ocorreu com a Lei de Anistia de 1979, que pairou como nuvem cinzenta sobre a política brasileira por três décadas, não deve dar espaço a ambiguidades.
O desconforto político que a determinação de Dilma poderia causar empalidece ante o sofrimento que sentiu vítima de tortura nas mãos de agentes de segurança aprovados pelos generais e seus apoiadores civis. As declarações ruidosas, mas cada vez mais vazias, dos que negam a verdade não se comparam ao estrondo das portas de prisão durante a noite e os gritos provocados por choques elétricos.
Dilma e seus aliados precisam usar essa deliberação no Congresso, onde, apesar da coalização majoritária do governo, terão de persuadir deputados e senadores a votar uma lei que não conseguiu captar a atenção da população. Os defensores da lei terão de deixar claro que o governo precisa se concentrar em sua aprovação neste ano, antes que o processo eleitoral de 2012 desvie as atenções para ainda mais longe da questão.
Esse sentimento foi expresso pelo ministro de Direitos Humanos de Lula, Paulo Vannuchi, em um seminário no Brazil Institute do Woodrow Wilson International Center for Scholars em 22 de março em Washington. As palavras de Vannuchi foram reforçadas por Paulo Sérgio Pinheiro, comissário da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e secretário de Estado de Direitos Humanos no governo de FHC.
Ambos concordaram que, em 2011, a aplicação da sentença do Tribunal Interamericano contra o Brasil, emitida em dezembro sobre o caso dos corpos desaparecidos do Araguaia, deve ficar em segundo plano em relação à formação da comissão.
Ela “representará o fim do represamento do assunto”, declarou Vannuchi. Ele acrescentou que o debate sobre a comissão é necessário e saudável porque traz à luz um problema estrutural mais profundo: a plena transição das Forças Armadas para o regime constitucional. “Há uma obrigação de o Estado brasileiro completar o ciclo de atribuição de responsabilidades em uma democracia”, observou Pinheiro.
Nós podemos tirar uma lição de liderança e verdade do período ditatorial.
Em janeiro de 1972, quando o sistema de tortura militar estava em pleno vigor contra militantes de esquerda, oficiais do Exército torturaram até a morte quatro jovens soldados no quartel de Barra Mansa. Dom Waldyr Calheiros, o bispo católico local, enfrentou o comandante militar, coronel Arioswaldo Tavares Gomes da Silva. O coronel havia encoberto o incidente alegando que dois dos soldados haviam matado seus dois colegas e depois fugido. Na realidade, eles também estavam mortos.
Dom Waldyr repreendeu o coronel: “Mas comandante, quem quer matar não coloca a cabeça na prensa e vai imprensando até...”

“Mas Dom Waldyr, é difícil hoje comandar, é difícil”, replicou o coronel.

“É difícil, mas não podemos mentir no nosso serviço”, retorquiu Dom Waldyr.

Em 1997, o coronel Arioswaldo recusou meu pedido para uma entrevista. “Cumpri minha obrigação”, disse ele. “Seria uma facada para a minha família.”
Arioswaldo e sua família estavam vivos e bem, enquanto as famílias das vítimas sentem uma dor infinita. Ele temia a verdade, enquanto as famílias e os defensores de direitos humanos, ao defenderem essa verdade há décadas, se manifestaram corajosamente. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK

*KENNETH SERBIN É CHEFE DO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE DE SAN DIEGO E AUTOR DE DIÁLOGOS NA SOMBRA (COMPANHIA DAS LETRAS)


Inestimável novela péssima
'Amor e Revolução' é um marco por levantar o tema ainda tabu da tortura durante o regime militar, mas se perde no modo de tratá-lo

*Eugênio Bucci - O Estado de S.Paulo

A nova novela do SBT, Amor e Revolução, que vai ao ar por volta das 10 da noite, causa uma primeira impressão de quase repulsa, uma primeira impressão que nos desencoraja a esperar pela segunda. É como se ela tivesse vindo para ridicularizar os jovens que, em armas, resistiram ao golpe militar de 1964. Em matéria de melodrama, os guerrilheiros mereciam coisa melhor. A novela acaba com eles. Faz com que recitem falas que soariam primárias até mesmo na boca de ativistas imberbes de um centro acadêmico do ensino médio. Sobra para eles um papel de tolos infantilizados e armados, cujos sonhos socialistas são reedições fáceis dessas campanhas publicitárias que grandes bancos veiculam na TV às vésperas do Natal. Os combates físicos entre policiais e militantes de esquerda são ainda mais constrangedores: lembram uma coreografia canhestra de balé moderno em cidade do interior. Eis enfim a primeira impressão: esses esquerdistas do SBT seriam reprovados em qualquer assembleia de verdade, não seriam aceitos nem no jardim da infância do movimento estudantil.
É uma pena, mas a gente não desiste. A gente resiste e insiste. E não desliga a TV. Conforme os capítulos avançam, a gente nota que não é por mal que a novela fala tão mal da luta armada - e aí vem a segunda impressão que nos envolve: não, não é por querer que Amor e Revolução vai apatetando a esquerda. Aquilo que foi tragédia nos anos 60 agora volta como vexame de TV, mas, a cada nova cena, a gente mantém a esperança: esse vexame virá para o bem.
Amor e Revolução é uma novela ruim pela qual vale a pena torcer. Se há algo de que o Brasil precisa é, vamos usar aqui uma palavra pernóstica, "revisitar" os bastidores e os traumas da luta armada, aí incluída a dura repressão política. A tortura precisa aparecer na TV. É bem verdade que já houve, na década passada, logo após a posse de Fernando Henrique Cardoso como presidente, não uma novela, mas uma minissérie que falou dos guerrilheiros. Foi Anos Rebeldes, na Globo. Mas, naquela minissérie, o tema da tortura recebeu um tratamento elíptico, distanciado. Agora, Amor e Revolução traz longas sequências de tortura. O problema é que elas não são bem-feitas. Ao contrário, poderiam ser chamadas de sensacionalismo melodramático: promovem o encontro estilístico entre o mau gosto e o realismo impostado, que lembra a encenação de crimes de sangue em teatro de circo mambembe. O valor estético é nenhum, mas sempre há o mérito, vá lá, de tocar no assunto. Daí a torcida para que o vexame não seja total nem totalitário.
Quanto à tortura, a novela traz mais do que cenas de ficção. Ao fim de cada capítulo, seres humanos reais, tanto aqueles que defenderam o regime militar como os que o enfrentaram e sobreviveram, dão depoimentos detalhados, em primeira pessoa. Nisso, no uso que faz de testemunhos de gente de verdade ao fim dos capítulos, o SBT apenas copia sem a menor cerimônia a fórmula que fez escola em novelas da Globo, mas, desta vez, o que temos são relatos das vítimas da tortura, num nível de profundidade e numa extensão que nunca se viu na TV brasileira.
Apenas por esses depoimentos, Amor e Revolução já teria valido. Ela ajuda o País a desvelar o tabu, a libertar dos arquivos mortos um assunto que os brasileiros têm o direito de conhecer. Isso não significa revanchismo nem pleitear a devida punição aos torturadores e a seus chefes. Trata-se simplesmente de saber o que aconteceu nas masmorras dos anos 60 e 70 - e só por isso vale torcer para que a nova novela do SBT não sucumba inteira e prematuramente à força imperiosa de seu desastre estético. Torce-se para que o tema da novela ganhe mais repercussão, apesar da própria novela. Quanto ao mais, Amor e Revolução é inestimável por levantar um tema que ainda é tabu, mas é péssima no modo de tratá-lo.
O mais terrível é que não foi por falta de recursos que ela saiu tão mal. Ao contrário, suas deficiências decorrem da combinação entre a abundância de elementos de produção - roupas, carros, cenários, luzes - e a escassez desconcertante de sensibilidade, conhecimento histórico e mesmo inteligência. Há um quê de ingenuidade tardia nessa produção, como se seus autores e diretores não soubessem que já houve, na televisão brasileira, um programa chamado Casseta & Planeta que, definitivamente, mudou o limite do que é ridículo. Às vezes, Amor e Revolução lembra o velho humorístico da Globo caçoando de novelas da própria Globo. Parece um quadro de Casseta & Planeta perdido no tempo.
O que se dá com os figurinos é um belo sintoma da ausência de esmero. Eles estão todos lá, mas, no meio da estrada de terra, não há uma mancha de poeira na farda do soldado que se engalfinha com os guerrilheiros. O colarinho do torturador nunca perde a goma. Assim, todos os trajes de todos os personagens cheiram a naftalina (além de cores, a televisão às vezes transmite cheiros). Todas as mentiras soam cômicas, e todas as verdades ganham a pompa de um embuste.
Por falta de clareza, de legitimidade e de articulação política, a esquerda armada levou a pior na vida real. Por falta de delicadeza, de pensamento crítico e de arte, a novela do SBT, apesar das intenções, vai massacrar os guerrilheiros uma segunda vez.

*EUGENIO BUCCI É JORNALISTA, PROFESSOR DA ECA-USP E AUTOR DE VIDEOLOGIAS (BOITEMPO)



ESPORTES/DESAFIOS DA COPA
O Brasil ainda caminha a passos lentos, dentro e fora do campo
Obras das Arenas e, principalmente, de infraestrutura, não deslancham; atrasos preocupam

Almir Leite

A presidente Dilma Rousseff vai chamar nos próximos dias os governadores dos Estados e os prefeitos de cidades envolvidas com a Copa do Mundo para uma "conversinha". Vai ouvir de quase todos palavras tranquilizadoras sobre o andamento das obras. Não acreditará, pois terá em mãos relatório encomendado ao ministro do Esporte, Orlando Silva, que traz observações preocupantes. Vai cobrar, ou melhor, exigir, balanços trimestrais sobre o que está sendo feito.
Dilma tem motivos para estar apreensiva. Na prática, pouco foi feito até agora daquilo que é necessário - ou que foi prometido -, seja no quesito estádios ou em infraestrutura. Falar em atrasos, porém, causa reações via de regra irritadas, quando não indignadas. "Está tudo dentro do cronograma’’, é a frase que mais se escuta quando se questiona uma autoridade. Resposta baseada em projetos e processos de licitação em curso. Mas a realidade desmente o discurso.
As arenas são exemplo disso. A maioria das que serão reformadas ainda não superou a etapa da demolição; as que vão ser totalmente erguidas estão em fase de terraplenagem ou de fundações - isso quando nada foi feito até agora, como em São Paulo e em Natal. E há casos de estádios cujos processos de licitação são alvo de órgãos como Ministério Público e Tribunal de Contas.
Apesar disso, até a Fifa já considera que os estádios caminham bem. Pelo menos foi isso que o presidente da entidade, Joseph Blatter, disse na quarta-feira. Talvez o cartola tenha percebido que as arenas são o menor dos problemas.
Mas, na sua política do morde e assopra (há duas semanas, criticara veementemente os atrasos do País), Blatter saiu da rota. Baseado em relatório que diz ter recebido recentemente, elogiou até as obras nos aeroportos. Ou ele não entendeu o que leu ou os autores do relatório foram, digamos, fantasiosos. Isso porque, no mesmo dia em que Blatter colocou a situação dos aeroportos brasileiros em céu de brigadeiro, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) causou turbulência daquelas capazes de derrubar avião: divulgou estudo dando conta que, dos 13 aeroportos que deveriam ser modernizados, 9 não ficarão prontos até 2014. O governo reagiu: garantiu que as obras sairão. Para isso, pretende alterar a regra de licitações, a ponto de premiar construtoras que cumpram os prazos.
O Estado fez levantamento de como andam as obras, baseado no que foi prometido e não no que já existe. Estádios e hotéis (estes porque os projetos estão ligados à iniciativa privada) preocupam menos do que aeroportos e projetos de mobilidade urbana. Mas o sinal para o Brasil está amarelo, quase entrando no vermelho.

Brasília decidiu: receba ou não a abertura da copa, o Estádio Nacional Mané Garrincha terá capacidade para 70 mil pessoas. As obras do estádio estão entre as mais adiantadas, mas há complicações. Recentemente o Tribunal de Contas do Distrito Federal pediu a paralisação dos trabalhos, sob o argumento de que não há garantias orçamentárias para sua conclusão. Outro problema é a indefinição sobre a principal obra urbana, o VLT (Veículo Leve Sobre Trilhos), que ligará  o aeroporto à Asa Norte. O trabalho está suspenso, pois o MP concluiu haver irregularidade na licitação e falta de estudo de impacto ambiental.
O aeroporto Juscelino Kubistchek espera pelo início das obras de expansão. Não há prazo para isso. E o setor hoteleiro precisa de novos empreendimentos. Brasília tem 25 mil leitos, quantia insuficiente para uma Copa, e aposta que apareçam interessados em construir novos hotéis.

Salvador começa a se enrolar. O Comitê Organizador sustenta que a reconstrução da Fonte Nova – em fase de instalação das estacas de sustentação e construção de pilares – segue o cronograma. Mas o Crea fez vistoria esta semana e não concorda. O órgão também vê o atraso no metrô. As obras, aliás, começaram faz mais de 10 anos e enfrentaram suspeita de superfaturamento. Trilhos e estações estão em fase de acabamento, os trens em teste, mas não há previsão de inauguração. A obra mais adiantada é a Via Expressa, que ligará a rodovia BR 234 ao porto.
O aeroporto ainda espera pelo início da reforma, o que só deverá ocorrer em fevereiro de 2012. O terminal de passageiros vai ser ampliado, assim como o pátio, e nova torre de controle será construída. O setor de hospedagem tem 19 hotéis em construção na cidade e no entorno, o que elevará para 60 mil o número de leitos. / Tiago Décimo

São Paulo não consegue resolver seu maior problema para a Copa: o estádio. A Fifa decidiu fazer a abertura na principal e mais estruturada cidade do País e se irrita com a indefinição em relação ao início das obras da Arena do Corinthians, agora prometido para a segunda quinzena de maio. Já se sabe que o local não receberá a Copa das Confederações, em 2013.
Ainda é preciso, porém, o Corinthians se acertar com o Ministério Público, Petrobrás e obter licenças da Prefeitura. Falta também a definição financeira em relação ao projeto – quem vai bancar e de onde virá o dinheiro. Todas as partes garantem que os detalhes estão resolvidos. Mas o sinal verde para o início das obras não é dado oficialmente.
Outro problema é a reforma dos aeroportos. Em Cumbica, o melhor aeroporto do País, mas já saturado, a Infraero fala em investir R$ 1,3 bilhão, mas até agora só há intervenções menores. Em Viracopos, tudo está na fase dos projetos. Nada ficará pronto para a Copa.
As obras de mobilidade urbana caminham a passos de tartaruga. E das quatro linhas de metrô previstas inicialmente, só uma estará pronta a tempo. Menos mal que os 45 mil leitos disponíveis e os projetos de novos empreendimentos hoteleiros não deixarão nenhum visitante ao desabrigo.

Recife acaba de receber o combustível necessário para tocar a Arena Pernambuco – que fica em São Lourenço da Mata, região metropolitana. O BNDES liberou R$ 280 milhões ao consórcio responsável pela construção, atualmente em fase de terraplanagem e execução das fundações.
A Arena é uma das candidatas a se tornar “elefante branco” após o Mundial, mas pelo menos no item aeroporto Recife deve cumprir prazos. Até porque a única ação prevista nos Guararapes é a construção de nova torre. No entanto, o edital de licitação só deve ser lançado em junho.
Os projetos para melhorar o trânsito, por outro lado, nem sequer foram concluídos. Contemplam a construção de avenidas e implantação de corredores de ônibus. Pelo menos a rede hoteleira deve atender às expectativas: 18 novos hotéis em construção ajudarão a atingir a meta de 41 mil leitos. / Angela Lacerda

Porto Alegre tem, no momento, certa tranquilidade em relação ao cronograma estabelecido para a Copa do Mundo. O Estádio Beira-Rio mantém o ritmo das reformas, agora na fase de reconstrução do anel inferior como a face mais visível. Mas o Internacional não tem definida a empresa parceira que ajudará a tocar as obras. Ainda assim, garante que não haverá atrasos.
O problema da capital gaúcha são os projetos de mobilidade urbana: dos dez idealizados, nove estão atrasados e alguns nem projeto definido têm. Apenas a duplicação da avenida que dá acesso ao Beira-Rio está sendo realizada.
O aeroporto Salgado Filho foi incluído entre aqueles cujas reformas não ficarão prontos a tempo. As obras de ampliação do pátio de manobras e do terminal de passageiros não começaram. Já existem cinco hotéis em construção na cidade, além de três em projeto. / Elder Ogliari

Natal tem um problema sério, as obras da Arena das Dunas ainda não começaram. O prazo estabelecido é julho, isso se até lá todos os questionamentos ao processo de licitação estiverem resolvidos. O governo potiguar, porém, não admite o atraso, evocando um calendário que teria sido feito entre a Fifa e a governadora Rosalba Ciarlini. O aeroporto também preocupa. O de São Gonçalo do Amarante está sendo construído, mas o estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) conclui que não ficará pronto a tempo. O atual será ampliado, a Infraero já fez licitação, mas as obras não começaram.
Em relação à mobilidade urbana, algumas obras estão sendo tocadas e outras tiveram os projetos recentemente apresentados ao Ministério das Cidades. Seis novos hotéis deverão ser instalados na cidade até a Copa, com recursos totalmente privados. / Anna Ruth Dantas

O Rio vive uma situação ambígua em relação ao Maracanã, estádio da final da copa de 2014, entre outros jogos. A reforma está caminhando – nesta semana, foi concluída a demolição do anel inferior. A mudança na cobertura ( a atual, comprometida, vai ser substituída por uma lona tencionada) foi aprovada pelo Iphan, Instituto de Patrimônio Histórico, Artístico e Nacional, do Rio. Mas o projeto executivo, por meio do qual é feito o detalhamento da reforma, não fica pronto.
O projeto deveria ter sido entregue terça-feira ao TCU (Tribunal de Contas da União), mas o prazo foi adiado para 17 de maio. Algo desagradável para uma obra teve orçamento inicial de R$ 705 milhões, mas os cálculos atualizados já passam de R$ 1 bilhão.
Pelo menos o Rio tem boa situação em relação às obras em aeroportos. A reforma no Galeão está sendo feita e é uma das poucas que deverão ficar prontas para a Copa, segundo o Ipea.
A Transcarioca, corredor que ligará Campo Grande à Barra da Tijuca, já teve as obras iniciadas, assim como o corredor Aeroporto/ Barra, a Transoeste. A linha 4 do metrô, também em direção à Barra, já saiu do papel. Em relação à rede hoteleira, o Rio se diz tranquilo: a cidade tem hoje 27 mil leitos e, com 19 hotéis em construção, acredita que não terá problemas. / Bruno Lousada

Belo Horizonte tem no mineirão um dos estádios cujas obras para 2014 estão mais adiantadas. O anel inferior está sendo finalizado, assim como a preparação da área para receber o gramado. Mas não há definição sobre a empresa que fiscalizará a obra, pois o processo de licitação foi interrompido por determinação judicial. As obras no aeroporto de Confins enfrentam problemas. O Ministério Público Federal (MPF) foi à Justiça pedia a paralisação do processo de licitação, por falta de estudo de impacto ambiental.
Os projetos para melhorar o trânsito caminham lentamente. Das quatro rotas exclusivas para ônibus que foram planejadas, apenas uma está em obras. A capital de Minas Gerais tem deficiência, alta, de vagas de hospedagem. No momento há 2 hotéis de quatro estrelas e 6 de três estrelas em construção, além de outros 21 em fase de obtenção de licenças. / Marcelo Portela

Curitiba promete entregar a Arena da Baixada em dezembro de 2012. O estádio do Atlético-PR não sofrerá grandes alterações em relação ao que já existe. Será construído um anel superior numa das laterais, estacionamento e área de imprensa vão ser ampliados e dois pilares que atrapalham a visão do torcedor, removidos. O projeto de reforma deve ficar pronto até o fim do mês e as obras têm previsão de início para julho.
A capital paranaense também diz não se preocupar com hotéis, pois considera o número de leitos (19 mil) suficientes e a intenção é integrá-los aos 22 mil de Foz do Iguaçu, destino turístico. E há hotéis em construção.
A boas notícias param por aí. A ampliação do aeroporto Afonso Pena corre risco de não sair do papel e as obras de mobilidade urbana não começaram. Mas os responsáveis garantem que não serão feitas a tempo. / Evandro Fadel

Cuiabá fez pouquíssima coisa até agora para o Mundial. A rigor, a terraplanagem para a construção da Arena do Pantanal – ainda não concluída. Já as duas intervenções a serem feitas no aeroporto Marechal Rondon, em Várzea Grande, não começaram. A obra na sala de desembarque parou depois que a empresa vencedora da licitação desistiu – nova licitação deve ocorrer – e a reforma e ampliação do terminal ainda na fase de elaboração de projeto.
A indefinição também existe nas obras de mobilidade urbana. Não se sabe nem se será adotado o modelo BRT (Bus Rapid Transit). Sem contar que o governo enfrenta manifestações contra desapropriações para a execução das obras.
Em relação à rede hoteleira, alguns projetos da iniciativa provada serão retomados para aumentar a capacidade atual da região, de 18.200 para 22 mil leitos. / Fátima Lessa

Fortaleza caminha lentamente na preparação para a Copa. O estádio Castelão teve as obras internas iniciadas há menos  de um mês, embora os trabalhos do entorno venham sendo realizados há meses. O governo garante que entregará a Arena em dezembro de 2012. As obras de mobilidade urbana segue ritmo razoável. O metrô tem os trilhos prontos, as estações em fase de acabamento e os trens, comprados. Há reformas em algumas avenidas e estradas; em outras o início do trabalho depende do governo federal – deve ocorrer apenas no segundo semestre.
Mas no aeroporto Pinto Martins, cuja meta ambiciosa é dobrar a capacidade atual de 4 milhões de passageiros / ano, nada saiu do papel até agora. O setor hoteleiro carece de 154 mil leitos. Mas resorts em construção na região metropolitana e oferta de leitos em navios deverão suprir a necessidade. / Carmen Pompeu

Manaus tem como obra única para a Copa do Mundo em andamento a Arena Amazônia. A fase é inicial. Está sendo feita a colocação das fundações. Mas a construtora responsável garante que a execução está avançada, com base no cronograma aprovado. O governador Omar Aziz chaga a dizer que é a mais adiantada de todas as arenas. Exagero.
O resto aguarda aprovação de projetos e, principalmente, verba. O aeroporto parece batalha perdida, já que dentro do próprio governo estadual se admite que a ampliação não ficará pronta para a Copa. O monotrilho, projeto principal na área de mobilidade urbana, ainda está na fase de  licitação.
A rede hoteleira em Manaus e região deve atender à demanda. Aos 36 mil leitos atuais devem somar-se mais 16,8 mil até 2014. Há oito novos empreendimentos em fase de planejamento ou construção. / Liege Albuquerque



FIM DE VIAGEM
Acervo encanta Dilma
Na saída da visita ao Exército de Terracota chineses aplaudem presidente brasileira

Vera Rosa - O Estado de S.Paulo

Depois de seis dias de uma intensa programação orientada pela "diplomacia de resultados" na China, a presidente Dilma Rousseff encerrou ontem a viagem pelo país asiático com uma visita ao acervo arqueológico que abriga o Exército de Terracota, perto de Xian. "É a oitava maravilha do mundo", resumiu ela. Ao deixar o local, uma hora e dez minutos depois, Dilma se surpreendeu: foi aplaudida por chineses que aguardavam sua saída para entrar no complexo turístico. Bem humorada, acenou e distribuiu sorrisos.
"Fiquei comovida", afirmou a presidente, pouco antes de embarcar de volta ao Brasil. Para assessores, ela viveu na China o seu "momento Lula" - expressão usada para se referir à popularidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dilma chega na noite deste domingo ao Brasil, depois de uma escala técnica em Praga.
Dilma fez questão de conhecer o Exército de Terracota após a maratona diplomática e comercial dos últimos dias, quando o Brasil conseguiu arrancar de seus anfitriões a autorização para exportar carne suína, além de destravar a encomenda de 35 aviões da Embraer. Ministros disseram ao Estado que ela ficou "bem impressionada" com o presidente da China, Hu Jintao.
Por medida de segurança, o governo chinês mandou interromper as visitas à área que abriga o Exército de Terracota, logo que Dilma chegou, acompanhada de ministros, assessores e da filha, Paula. Dilma demonstrou curiosidade pelo trabalho de restauração das peças.
Antes de partir, a presidente deixou uma mensagem no livro de visitantes, elogiando a obra da China. "Agradeço ao governo e ao povo chinês por essa magnífica descoberta e preservação desse patrimônio da humanidade", escreveu Dilma.



AVIAÇÃO
Mais um controlador de voo dorme nos EUA; escala será alterada
16 de abril de 2011 | 18h 58

JOHN CRAWLEY - REUTERS

Autoridades de aviação dos EUA, investigando as perturbadoras revelações de que controladores de voo estariam caindo no sono durante o trabalho, proibirá a adoção de escalas de serviço que possam induzir ao cansaço excessivo.
Também no sábado, a Administração Federal de Aviação (FAA) anunciou a suspensão de um controlador de Miami que cochilou em serviço - o quinto incidente desse tipo identificado nas últimas semanas, e o segundo em um aeroporto importante.
"Faremos tudo o que for possível para acabar com isso", disse Randy Babbitt, administrador da FAA, em nota.
Em 23 de março, por volta de meia-noite, o único controlador de plantão no Aeroporto Nacional Reagan, em Washington, também adormeceu, quando dois aviões se preparavam para pousar.
A sequência de casos tem alarmado autoridades e especialistas, e gera dúvidas sobre a eficiência das escalas de plantão.
O funcionário da FAA responsável por fiscalizar as operações de rotina dos 15 mil controladores que atuam em mais de 400 aeroportos se demitiu na quinta-feira.
A agência também proibiu a prática de manter apenas um controlador no turno da madrugada, como costumava ocorrer em mais de 20 aeroportos - em geral de lugares pequenos, com pouco movimento noturno.
Além disso, a FAA anunciou no sábado que no começo da semana que vem irá proibir a adoção de escalas que gerem cansaço excessivo nos funcionários. Qualquer mudança nesse sentido precisará ser negociada com o sindicato da categoria.




ESPAÇO
Em 2015, viajar para o espaço pode custar só US$ 10 mil

Ethevaldo Siqueira - O Estado de S.Paulo

Em dois ou três anos, as previsões apontam que os preços por passageiro nos voos suborbitais caiam para menos de US$ 25 mil. Com os ganhos de escala, por volta de 2015, talvez alcancem o piso de US$ 10 mil - ou seja, o equivalente a uma passagem de primeira classe São Paulo-Paris. Mas é bom lembrar que nesses valores não estão incluídos os custos de treinamento.
Como no passado, há prêmios que estimulam os pioneiros e inovadores a vencer todos os obstáculos em aeronáutica. Santos-Dumont ganhou o primeiro desses prêmios em 1901, ao contornar a Torre Eiffel, em Paris, com seu balão dirigível (Prêmio Deutsch De la Meurthe). Charles Lindbergh ganhou outro prêmio famoso, no valor de US$ 25 mil, ao cruzar o Atlântico em voo solitário em seu avião (The Spirit of Saint Louis), em 1927.
Um dos sucessores daqueles prêmios é hoje o Prêmio Ansari X, de US$ 10 milhões, criado por uma mulher apaixonada pela aeronáutica, a empresária de telecomunicações Anousheh Ansari. Dois pilotos ganharam o Ansari X em 2004 fazendo voos suborbitais na nave SpaceShipOne. O primeiro deles foi Michael Melvill, no dia 29 de setembro de 2004. Cinco dias depois, foi a vez de Brian Binnie, voar também no SpaceShipOne.
Nessa nova fase das viagens espaciais, os pontos mais relevantes do progresso setorial é o desenvolvimento de veículos reutilizáveis, que consomem muito menos combustível e, consequentemente, têm custos operacionais muito inferiores.
Os visionários e futurólogos do turismo espacial imaginam que, em 20 a 30 anos, as viagens serão muito mais longas, com hospedagens de algumas semanas ou meses em estações espaciais e em bases na lua e em marte. Quem poderá duvidar? Por que viajar ao espaço? Os defensores mais apaixonados do turismo espacial têm pelo menos meia dúzia de razões para justificar as viagens comerciais suborbitais. Entre elas, essas viagens têm objetivos úteis e realistas; são o meio mais rápido para atrair recursos ilimitados ao setor espacial e, assim, ajudar a resolver nossos problemas na Terra. Ou, simplesmente, porque as viagens espaciais são divertidas.




INTERNACIONAL/MUDANÇA DE RUMOS
Punição a ditadores árabes e africanos assusta autocratas ao redor do mundo
Palco de revoltas e revoluções nos últimos meses, países como Tunísia, Egito e Costa do Marfim preparam acerto de contas histórico com seus antigos déspotas; pressão faz líderes como Kadafi pensarem duas vezes antes de negociar saída

Jamil Chade - O Estado de S.Paulo

Ditadores estão descobrindo na marra que, se forem depostos, não encontrarão mais um confortável exílio para passar o fim de seus dias. Na Tunísia, o regime de Zine al-Abidine Ben Ali responde por 4 mil casos de corrupção. No Egito, o ex-presidente Hosni Mubarak e dois de seus filhos receberam na semana passada voz de prisão e, na Costa do Marfim, o ex-líder Laurent Gbagbo teme ser entregue ao Tribunal Penal Internacional.
Mas, segundo analistas e a própria ONU, a quebra na impunidade dos líderes parece estar surtindo o efeito inverso. Em vez de intimidar ditadores ao redor do globo, a perseguição tem feito outros autocratas agarrarem-se ainda mais ao poder, mesmo às custas de centenas de vidas.
A Tunísia transformou-se na referência da "prestação de contas" de ditadores. Quando Ben Ali fugiu para a Arábia Saudita, a a queda do regime parecia seguir o "velho script". Mas, três meses depois, um amplo sistema foi montado para obrigá-lo a pagar por seus supostos crimes.
"A população e mesmo os novos líderes não querem mais a impunidade", disse Mona Rishmawi, chefe do Departamento Jurídico da ONU. Há poucas semanas ela foi para a Tunísia avaliar as reformas democráticas.
Entre os esforços para reparar os prejuízos de décadas de autoritarismo, o novo governo aceitou a sugestão da ONU de criar uma comissão para receber queixas de pessoas que tenham sido prejudicadas pelo regime de Ben Ali. O que não se esperava era que, em duas semanas, recebessem 4.200 casos.
Entre eles há dramas de famílias que até agora permaneciam caladas. No final dos anos 90, por exemplo, um dos sobrinhos de Ben Ali queria construir um condomínio de luxo em Sidi Bou Said para revender as propriedades a europeus. Para isso, desalojou 350 famílias, sem qualquer compensação. Quem reclamasse era imediatamente levado para uma cadeia da região.
Agora, numa das pastas da comissão, um dos ex-proprietários incluiu em seu dossiê a chave de sua residência que não existe mais e um pedido: queria uma casa de volta.
De passagem pela Europa, Abdelfattah Amor, presidente da nova comissão, admitiu que teme que os milhares de casos recebidos sejam apenas "a ponta do iceberg". Ele já começou a trabalhar em 519 processos.
O problema é que a maior parte dos juízes foi indicada pelo clã Ben Ali. Para Habib Nassar, diretor do Centro Internacional para a Transição da Justiça, a reforma das cortes ocorrerá nos próximos meses e será um dos grandes testes para a democracia. "Será um processo delicado."

Reviravolta. Um desafio parecido vive o Egito. Mubarak foi derrubado com a promessa dos militares de que não seria julgado. Mas a pressão popular parece ter feito as coisas mudarem. "No início dos protestos, não queríamos nem mesmo a queda de Mubarak. Mas agora o povo só vai se acalmar quando ele for condenado", disse Kamal Abosonna, médico que comandava um hospital improvisado perto da Praça Tahrir.
Mubarak e seus filhos estão sendo julgados por corrupção e abuso de poder. O Ministério Público do país já congelou os bens do ex-ditador e o impediu de sair do país. Milhões de dólares teriam sido bloqueados em conta do Banco al-Ahly.
Mas, para que a investigação pudesse ocorrer de uma forma independente, o MP do Egito estimou que precisaria prender o ex-ditador. "Mubarak, mesmo fora do poder, continuava a ameaçar juízes e pessoas no Egito", declarou Yassin Tageldin, vice-presidente do Al Wafd, um tradicional partido de oposição.
Na avaliação de Hussam el-Khouly, engenheiro no Cairo, Mubarak só está sendo processado porque a população está ameaçando voltar às ruas. "Não queremos uma revolução pela metade", disse

Pressão externa. Quem também pressiona hoje pela punição dos ex-ditadores é a Casa Branca. Na semana passada, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, alertou que as revoluções na região seriam "apenas uma miragem no deserto" se os novos governos não completassem as reformas e não lidassem com a corrupção. "Os jovens esperam que a democracia os dê empregos e acabe com a corrupção", disse. Para a ONU, o importante é estabelecer um precedente e deixar claro aos demais ditadores de que eles não terão como escapar de um processo. "Nenhuma transição será completa se a impunidade não for tratada", alertou Mona Rishmawi.
Já David Anderson, do centro de estudos africanos da Universidade de Oxford, alerta que é exatamente essa perspectiva que tem feito ditadores se agarrem como nunca em seus postos.
No caso de Gbagbo, na Costa do Marfim, funcionários da ONU confirmaram ao Estado que parte da negociação em torno de sua saída se referia a seus bens no exterior e um eventual julgamento por violações aos direitos humanos. Gbagbo queria garantias de acesso a suas contas nos EUA e de que não seria levado aos tribunais. As exigências não foram aceitas.
As autoridades da Costa do Marfim já indicaram que Gbagbo poderá ser enviado ao Tribunal Penal Internacional.
Fontes da União Africana confirmaram que uma proposta de exílio foi feita ao líbio Muamar Kadafi. O ditador, porém, deixou claro sua recusa em uma solução desse tipo, pois acabaria também sendo julgado.
O TPI iniciou a coleta de informações sobre as atividades de Kadafi e concluiu que o ditador estudou formas de se preparar para uma eventual revolta depois que os conflitos começaram em outros países da região. "Há uma espada de Dâmocles sobre a cabeça de cada um deles", disse Anderson.


ENTREVISTA - WANGARI MAATHAI, primeira mulher africana a ganhar o Nobel da Paz
QUEM É: Wangari Maathai, de 71 anos, nasceu no Quênia. Ativista e ambientalista, lutou contra o sangrento regime do ditador Daniel Arap Moi, o que lhe rendeu varias passagens pela prisão. Ganhou o Premio Nobel da Paz em 2004 por “sua contribuição ao desenvolvimento sustentável, a democracia e a paz”. Atualmente, e deputada eleita e ministra do Meio Ambiente e Recursos Naturais do governo do presidente queniano Mwai Kibaki.
''Há muitas 'Marias Antonietas' na África''
Segundo a ativista, os ditadores africanos estão surdos, não escutam a população, por isso as revoltas estão ocorrendo

Jamil Chade - O Estado de S.Paulo

A África está descobrindo que está repleta de "Marias Antonietas". São ditadores surdos e distantes da realidade da população, assim como a rainha da França à época da revolução de 1789. A constatação é de Wangari Maathai, primeira mulher africana a ganhar o Prêmio Nobel da Paz, em 2004.
Em entrevista ao Estado, a ativista e ambientalista queniana acusa ditadores de não entender que o movimento pela democracia no norte do continente se espalhará pelo restante da África. Ela alerta que aqueles que não quiserem enfrentar tribunais, devem iniciar reformas reais em seus países.
"A África ainda tem monarquias absolutistas. Os ditadores estão surdos e cairão justamente por isso", disse. A seguir, os principais trechos da entrevista.

As revoluções no Norte da África estão causando um terremoto no mundo árabe. Elas terão o mesmo impacto ao sul do Saara?
Certamente. Quem não quiser enfrentar tribunais, terá de fazer reformas.

E essas reformas estão ocorrendo?
Esse é o problema. Descobrimos que estamos repletos de "Marias Antonietas". Quando o povo se queixa, esses líderes apenas dão respostas que ofendem a população. Que comam bolos se não têm pão. Os ditadores africanos estão fazendo o mesmo hoje. Os líderes estão surdos e não escutam a população. Por isso, as revoltas estão ocorrendo.

Essa surdez pode acabar causando novos conflitos?
Não há a necessidade de mais vítimas. Podemos ter as reformas sem novos banhos de sangue. Mas, para isso, as monarquias que ainda existem na África precisam acabar. A menos que um rei seja muito bom para seu povo, ele tende a transformar o Estado em sua propriedade privada. E é isso o que ocorre. Por isso, as revoltas têm sido tão violentas. São décadas não apenas de ditaduras, mas de pessoas que tomaram conta do Estado e transformaram a polícia em sua proteção pessoal contra o povo.

O que a população pede exatamente?
Governos responsáveis, impostos que não sejam desviados e a criação de serviços, como educação e saúde. Precisamos de novos líderes.

Um dos problemas do continente, de acordo com a própria ONU, é o alto grau de corrupção. A sra. trabalhou em ministérios no Quênia. Como é o tratamento dessa questão dentro dos governos africanos?
Se você denuncia ou não aceita participar de um esquema, você é transformado em vice-ministro, posto que não vale nada. Aí você não reclama mais.

A posição do Ocidente em relação à África é criticada pelo cinismo, já que vários ditadores foram mantidos por muito tempo com recursos americanos e europeus, principalmente durante a Guerra Fria. Como a sra. avalia isso?
De fato, vimos uma abertura dos regimes na África depois que o Muro de Berlim caiu. O Ocidente não precisava mais de aliados para frear o comunismo e, portanto, passaram a permitir uma maior abertura. Houve maior liberdade. O número de rádios e TVs explodiu. Antes, só o governo tinha esse controle sobre a informação. O espaço político foi ampliado e as Constituições mudaram. Mas o problema é que essa democratização está ocorrendo muito devagar e o povo não aguenta mais.

A União Africana, a Rússia e outros governos atacaram o Ocidente e a ONU pelas intervenções na Líbia e na Costa do Marfim. Qual a sua opinião?
É verdade que só a África pode ter a solução para a África. No entanto, precisamos de líderes que saibam nos proteger. E ainda estamos longe de chegar a esse ponto.

Há muita crítica no continente em relação ao Ocidente, mas um dos maiores parceiros da África hoje é a China. Entidades alertam que Pequim inaugurou uma nova fase da conquista da África. O continente voltou a ser explorado como ocorreu com o imperialismo ocidental?
A China está na África porque foi convidada. Nos explora porque nossos líderes permitem isto. O certo é que a China veio fazer negócios. Alguns acham que estão nos roubando. Mas nossos líderes permitem isso.

CUBA
Raúl Castro quer limite a cargos públicos
Líder cubano defendeu que funcionários fiquem em funções estratégicas por até dez anos

Guilherme Russo - O Estado de S.Paulo

O presidente Raúl Castro abriu ontem o 6.º Congresso do Partido Comunista Cubano (PCC), em Havana, com um discurso extremamente crítico. Ele defendeu um limite de dois mandatos de cinco anos para os principais cargos públicos e estatais do país. Grande parte da população, no entanto, vê o evento com indiferença. Apesar de nenhum encontro do gênero ter ocorrido desde 1997, muitos cubanos não acreditam que mudanças ou melhorias consistentes devam ocorrer.
Essa é a opinião do médico Óscar Elías Biscet, ativista pelos direitos humanos considerado um dos mais emblemáticos dissidentes de Havana, e de outros opositores ouvidos pelo Estado. Após passar mais de oito anos preso, Biscet esperava encontrar as ruas de seu país mudadas quando saiu da cadeia, em 11 de março. O militante foi encarcerado pela última vez no fim de 2002, no início da última onda repressiva de Fidel Castro, que levou à prisão de 75 dissidentes.
Enquanto cumpria sua pena de 25 anos de prisão, o ativista soube das reformas propostas por Raúl Castro e acreditou que encontraria novos comércios por todos os cantos de Havana. Mas acabou decepcionado.
"Não estão fazendo a abertura de mercado que prometem em Cuba. O que há são pequenas liberações, para a abertura de certos negócios. Mas o povo não tem recursos para trabalhar ou tocar as novas empresas", disse. Ele mencionou a tributação de até 50% sobre ganhos anuais acima de 50 mil pesos cubanos (pouco mais de US$ 2 mil) e folhas de pagamento - quem contratar mais de dez pessoas está obrigado a pagar o mesmo valor dos salários dos empregados ao Estado. Os impostos foram aplicados quando o regime autorizou 178 profissões, em outubro.
Essa "falta de mudança" dos últimos meses, segundo Biscet, é a principal causa da incredulidade dos cubanos em relação ao congresso. O médico lembrou que, com a crise da União Soviética, Cuba aplicou medidas parecidas, "mas não houve abertura à economia de mercado". Biscet contou que os cubanos com as novas autorizações de trabalho, de maneira geral, já exerciam as atividades anteriormente, de maneira clandestina. "A paisagem não mudou", afirmou, explicando que "essa mera migração para a legalidade" dos profissionais também "desalenta" os cubanos em relação ao congresso.



''As pessoas exercem a autocensura''

Guilherme Russo - O Estado de S.Paulo

Para a cientista política cubana Miriam Leiva, uma das fundadoras do movimento Damas de Branco - que lutou pela libertação dos 75 dissidentes presos na última onda repressiva do regime de Fidel Castro, a "Primavera Negra de 2003" - a "apatia" em relação ao Congresso do Partido Comunista, atualmente em andamento, vem da "falta de liberdade de (o povo) expressar-se, após 52 anos de repressão". "Em Cuba, as pessoas nascem com uma atadura no cérebro", afirmou em entrevista ao Estado.
"Tem de haver mudanças. A situação está tão difícil na economia, nas maneiras de resolver os problemas e na vida dos cubanos que o povo quer e precisa dessas mudanças", disse. "Existem grades até na forma de pensar das pessoas, que exercem uma autocensura", completou, afirmando que essa condição tirou de muita gente qualquer anseio de "modernização real" da economia e da sociedade.
Para Miriam, que ocupou altos cargos no Ministério do Exterior de Cuba antes de passar à dissidência do regime, "o povo quer um salário para buscar uma situação normal". Atualmente, a população em geral vive com, no máximo, US$ 20 ao mês.
A cientista política lembra que a "legalização da propriedade privada", principalmente nos mercados automobilístico e imobiliário, está entre as maiores esperanças dos habitantes da ilha.
O advogado cubano René Gómez Manzano explicou que os imóveis só podem ser trocados por outros similares, ou vendidos pelos "baixos valores estipulados pelo governo". Manzano informou que o comércio de carros funciona de maneira parecida, mas é regulado por uma empresa oficial e não diretamente pelo Estado.
"Tudo é muito burocrático. Não existe a propriedade plena se as pessoas não têm o direito de vender o que têm. Dizem que o congresso vai resolver isso, mas ninguém acredita." Mas, para Manzano, "os principais problemas dos cubanos são três: café da manhã, almoço e jantar".
"Tenho uma grande interrogação na cabeça. Não posso responder (se haverá mudanças efetivas em Cuba após o congresso). Se Raúl (Castro) mudou as diretrizes (das cerca de 300 propostas a ser ratificadas no evento), como dizem, algo deve mudar, mas não muita coisa", disse o economista cubano Oscar Espinosa Chepe.
Segundo o especialista, "na opinião pública cubana há muito ceticismo e indiferença" em relação ao encontro do PCC. "As pessoas já se frustraram muito com o regime, não esperam muito." Ex-integrante do regime por quase 20 anos e preso por "traição" depois de passar à dissidência, Chepe afirmou que, "em pelo menos um ponto", está de acordo com as mais recentes declarações de Raúl Castro. "Ele falou que estamos à beira do abismo, nisso concordo com ele", disse, afirmando que a única solução para a ilha é abandonar o socialismo e estabelecer parcerias entre Estado e iniciativa privada.
A reportagem entrou em contato com o governo cubano, mas não obteve resposta.


AMÉRICA DO SUL
Chavismo perde espaço na região para Brasil
Eleição peruana indica ascensão do 'modelo brasileiro', com esquerda moderada e pró-mercado, em detrimento do ideário bolivariano radical

Lisandra Paraguassu - O Estado de S.Paulo

A disputa entre Brasil e Venezuela pela influência entre os países da América Latina começa a pender para o lado brasileiro. Depois de conquistar os corações dos presidentes da Bolívia, Evo Morales, e do Equador, Rafael Correa, o venezuelano Hugo Chávez tem visto sua política bolivariana decair nos últimos anos.
Do outro lado, o modelo da esquerda moderada, inaugurado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seguido pela presidente Dilma Rousseff, ganhou espaço na esteira da crise venezuelana e alcançou seu ponto máximo nas eleições peruanas do dia 14, em que o nacionalista Ollanta Humala optou pelo modelo lulista e terminou à frente de Keiko Fujimori no primeiro turno.
Derrotado por Alan García em 2006, supostamente por sua admiração por Chávez - que chegou a visitá-lo para demonstrar apoio durante a campanha - Humala, desta vez, decidiu renegar seu passado e abraçar o tom moderado.
Além de contratar o ex-marido da senadora Marta Suplicy, Luis Favre, e o petista Valdemir Garreta como seus homens de marketing, Humala divulgou uma "Carta ao Povo Peruano", uma tentativa de atenuar os temores na economia por causa de sua possível eleição, como fez Lula em 2002. Até mesmo o slogan petista daquele ano - "A esperança vai vencer o medo" - entrou nos discursos do candidato.
Aliados distantes. Humala, no entanto, pode ser a cópia mais fiel, mas não é o único a tentar seguir o caminho do brasileiro. Ex-guerrilheiro tupamaro, o presidente do Uruguai, José Mujica, era acusado de ser um radical e admirador de Chávez durante sua campanha, em 2009. Respondia que sua inspiração era Lula.
Até mesmo os fiéis bolivarianos Rafael Correa e Evo Morales, apesar de seguirem com o programa mais radical chavista, não estão hoje tão alinhados com o presidente venezuelano. A relação com Morales esfriou quando Chávez não conseguiu cumprir sua promessa de ajuda para explorar os poços de gás natural que o boliviano queria tomar da Petrobrás.
Correa, na semana passada, reagiu com fúria a telegramas da embaixada americana em Quito, vazados pelo site WikiLeaks, que informavam uma suposta doação de Chávez para sua campanha em 2006. Ele expulsou a embaixadora americana usando como pretexto os despachos que mencionavam casos de corrupção em seu governo.


OPINIÃO
Os peruanos preferem os extremos

*Mac Margolis - O Estado de S.Paulo

A América Latina nunca esteve tão bem. Democrática e estável, com as economias em franca expansão, as nações da região atraem capital externo e elogios, do FMI ao Standard & Poors. Mas, justamente quando tudo parece caminhar bem, não é que uma ou outra insiste em descambar para o precipício?
Veja o Peru. Após décadas de desmando e violência, o país se refez. O PIB cresce 7% ao ano desde 2006. A guerra civil que deixou 69 mil mortos, entre 1980 e 2000, acabou. Até os políticos mais exaltados renasceram democratas. Mas, quando a nação vai às urnas, descarrila.
Em 2001, Alejandro Toledo herdou o país do desastrado Alberto Fujimori, arrumou a casa e, sem pirotecnia, conduziu o Peru para a prosperidade. Saiu escorraçado. O mesmo ocorreu com Alan Garcia. Populista, ele quase arruinou a economia na década de 80, mas voltou megacapitalista, em 2006, e conduziu o país ao sucesso de hoje. Mesmo assim não fez seu sucessor.
Semana passada, havia cinco candidatos de perfis variados, mas os peruanos preferiram os extremos. Venceu Ollanta Humala, nacionalista do naipe de Hugo Chávez. Logo atrás, Keiko Fujimori, filha de Alberto Fujimori, ex-presidente, que pegou 20 anos de cadeia por violação de direitos humanos e corrupção. Os dois se enfrentarão no segundo turno, dia 5 de junho. Entre eles, nem os sacerdotes de Machu Picchu arriscariam uma previsão do que pode ocorrer.
O escritor Mario Vargas Llosa disse que a votação é "uma escolha entre o câncer e a aids". Mas, já que diploma de Nobel não paga nem empanada em Lima, os peruanos preferem o enredo populista.
Experiência executiva, ninguém tem. Humala jamais ocupou cargo eletivo. Nem o golpe de Estado que liderou contra Fujimori, em 2000, deu certo. Sua retórica anticapitalista empolga um terço dos eleitores e arrepia o resto. Perdeu para Garcia, em 2006, mas penitenciou-se, trocou a blusa vermelha por ternos azuis e - aos cuidados de marqueteiros petistas - relançou-se como o Lula dos Andes.
Congressista iniciante, Keiko assumiu, aos 19 anos, o papel de primeira-dama quando o pai expulsou sua mãe do palácio. Ela conseguiu uma vaga no segundo turno graças à parte bendita do legado do pai - o choque capitalista e a repressão à guerrilha. Aos 35 anos, mistura elogios ao livre mercado com pitadas de assistencialismo e arroubos reacionários (a favor da pena de morte, por exemplo). Assim, virou a improvável esperança dos conservadores.
Mas América Latina tem o dom de adestrar revolucionários. A chilena Michele Bachelet entrou socialista e saiu social-democrata. O guerrilheiro José Mujica, agora, trava batalhas com os sindicatos uruguaios. O marxista Mauricio Funes, de El Salvador, celebra a "nova relação" com os EUA. Todos se inspiram em Lula, que está fazendo escola.
Há quem resista ao modelo. Chávez e seus aliados na Bolívia, no Equador e na Nicarágua que o digam. Talvez por isso mesmo os peruanos não se arrisquem com Humala. Mas será que tem estômago para um novo Fujimori? Como se diz "disfunção de aprendizagem" em quíchua?

*É COLUNISTA DO ''ESTADO'', CORRESPONDENTE DA REVISTA ''NEWSWEEK'' E EDITA O SITE WWW.BRAZILINFOCUS.COM



HAITIANOS – POBRES E EM TERRA ESTRANHA
A parte brasileira da diáspora haitiana
Clandestinos, 250 haitianos buscam em Brasileia, no Acre, refúgio da pobreza do Haiti, agravada pelo terremoto e pela cólera

Fernando Gabeira - O Estado de S.Paulo

Cerca de 250 haitianos conseguiram entrar, clandestinamente, em Brasileia, pequena cidade do Acre, região onde o Brasil faz fronteira com a Bolívia e o Peru. Com esta proeza, incluíram o país no mapa mundial da diáspora haitiana, presente nos EUA, Canadá, República Dominicana e França. Diáspora é uma palavra grega que significa dispersão em massa, forçada por condições políticas econômicas ou mesmo climáticas. Cerca de 2,5 milhões entre os 9 milhões de haitianos vivem fora do país, enviando de volta cerca de US$ 1,9 bilhão por ano, um terço do orçamento nacional.

Longo Caminho. "Não foi fácil chegar até aqui", diz o professor de inglês Lucien Geln, de Gonaives, uma das cinco maiores cidades do Haiti. Lucien e seu irmão Benjamin tiveram, inicialmente, de economizar US$ 1.500 para a travessia até o Brasil, conhecido por todos eles como o país do futebol.
"Trabalhando como professor no Haiti, não conseguia sobreviver e ter excedentes para viagem. Foi preciso uma ação entre todos os membros da família para recolher o dinheiro necessário." A mesma dificuldade de economizar tiveram os alfaiates Jean Pierre Vivandieu e Anel Casumat.
Trabalhavam na República Dominicana, que está na mesma ilha do Haiti e já recebeu um milhão de imigrantes do país vizinho. "Como alfaiates, não tínhamos condições sozinhos de financiar a viagem. Foi necessária a união de toda a família", diz.
Todos viajam com passaporte e começaram sua jornada na República Dominicana, de onde saíram para o Panamá e, após conexão, voaram para Quito, no Equador.
Da capital equatoriana em diante, começou a longa jornada de ônibus que os levou a Cuzco no Peru.
De Cuzco a Puerto Maldonado, também no Peru, tiveram vários encontros com a polícia peruana e isso levou parte de suas economias. Foi preciso unir pequenos grupos, em Inapari, na fronteira com o Brasil, para alugar táxis, entrar na Bolívia e alcançar Brasileia. Cada táxi custou 100 sóis peruanos, equivalente a US$ 38.
"Como entraram através da Bolívia, não sabemos", conta o padre Crispim, de Brasileia, que organizou a assistência alimentar aos refugiados. "É possível entrar de muitas maneiras, pois estamos numa área onde se registra a presença do tráfico de drogas."

Uma novidade no Brasil. A chegada dos haitianos foi uma novidade em Brasileia, que tem cerca de 20 mil habitantes e algumas pousadas destinadas a receber turistas que vão às compras na Bolívia. Cobija, a cidade peruana que está do outro lado da ponte, funciona como algumas cidades paraguaias vendendo eletrônicos sem impostos.
Inicialmente, o caso ficou apenas com a Polícia Federal, que manteve os haitianos sob vigilância. O padre Crispim e seus paroquianos resolveram ajudá-los oferecendo a cozinha da paróquia. Foi um gesto que durou pouco pois, depois de uma semana, sobraram apenas alguns quilos de feijão. O governo do Acre resolveu assumir a alimentação dos haitianos ao mesmo tempo que a Polícia Federal apressou a documentação para que pudessem seguir viagem pelo país. Brasileia não tem empregos. Alguns já trabalham na construção em Rio Branco e dois técnicos em ar condicionado foram convidados para Rondônia.
A paróquia de Brasileia recebeu vários convites para colocação dos haitianos. Parte deverá seguir para Rondônia, onde serão construídas as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio. Parte deve se mudar para o interior de São Paulo.
Cerca de 80% dos haitianos que deixam seu país são profissionais liberais. Antes do terremoto, o Banco Mundial já chamava a atenção para essa fuga de cérebros e a própria Federação da Diáspora iniciou uma campanha para a volta ao Haiti.
No caso brasileiro, a julgar pela centena de haitianos com quem falei, a maioria é pedreiro ou pintor de paredes. Assim mesmo, nunca se sabe se disseram "auxiliar de pedreiro" como uma forma de anunciar que não tinham profissão.
Depois da epidemia de cólera no Haiti, a vinda de um grande grupo para o Brasil preocupou o governo, pois é uma doença que tem tempo de incubação. Entretanto, em todos os exames médicos realizados em Brasileia não se registrou nenhum problema.

Um ponto do mapa mundial. A chegada dos haitianos ao Acre representa um novo e pequeno ponto na diáspora haitiana. Os problemas que sua presença suscita nos Estados Unidos e Canadá ainda não foram registrados no Brasil. Alguns garotos de bicicleta aproximam-se para vê-los e se interrogam sobre a língua deles, o creole, mistura de francês, palavras africanas e espanholas. Francisco Gerônimo dono do bar ao lado do Ginásio Eduardo Pessoa, onde estão abrigados, é um fanático por futebol e observa que os haitianos também gostam do esporte. As sábados, quando há jogos no estádio ao lado, eles vão todos para a cerca e acompanham com emoção.
Eles tinham admiração pelo futebol brasileiro e conheciam a seleção nacional. Estão tendo alguma dificuldade em encontrar a magia dos craques nos amadores com excesso de peso que se exercitam em Brasileia. Francisco Gerônimo mostrou com orgulho um diploma ao mérito que recebeu dos 700 refugiados políticos que entraram em Brasileia, em 2008: "Os bolivianos fizeram até uma placa para agradecer a ajuda que demos em Brasileia. Mas os bolivianos tinham dinheiro e estavam muito perto de seus parentes que ajudavam de lá. Os haitianos não têm dinheiro para nada. O bar parou de dar lucro".
Nos EUA, onde vivem um milhão de haitianos, e no Canadá, onde vivem 100 mil, o debate é diferente. Grupos de esquerda e do movimento negro acusam governos dos países mais ricos de ter uma reação preconceituosa contra os haitianos.
Por outro lado, os imigrantes já ocupam espaço na sociedade, desde lugar no governo Barack Obama até nas sociedades comerciais. No Canadá, há um movimento para que o vodu, religião muito presente no Haiti, possa expressar seus rituais publicamente.

A questão econômica. A intervenção mais discutida sobre os haitianos, nos círculos políticos, veio de um conservador que trabalhou com Ronald Reagan e George W. Bush: Elliot Abrams. Sua tese é a de que a diáspora é uma forma mais eficaz de ajudar o Haiti e os países deveriam se abrir para receber refugiados de lá.
Ele argumenta que um terço do orçamento haitiano é financiado pelos imigrantes. Mas os US$ 1,9 bilhão que enviam, ainda está abaixo do que mandam para seus países dominicanos e hondurenhos, que enviam, respectivamente, US$ 3 bilhões e US$ 2,7 bilhões.
O argumento de Elliot, bombardeado pelos conservadores e apoiado pela esquerda, principalmente a revista Mother Jones, é simples: a ajuda internacional ao Haiti é de US$ 900 milhões, metade do que enviam os próprios haitianos. Nesse ritmo, argumenta, a reconstrução seria mais rápida com o aumento da diáspora. Por via das dúvidas, os EUA colocaram Bill Clinton como representante da ONU para a reconstrução do Haiti.
Sua missão é acionar os organismos internacionais e também levar a indústria para o país. Os Estados Unidos têm a soberania sobre a costa haitiana, para garantir também a repressão ao movimento de boat people.
Depois da surpresa da entrada dos haitianos, o Brasil decidiu reforçar a fronteira com o Peru e, desde o primeiro movimento, vários imigrantes foram rechaçados.
O movimento de saída do Haiti continua. O cálculo dos clandestinos nos EUA é de 200 mil, a julgar pela Federação da Diáspora. Foi criado pelo governo um sistema de proteção temporária, TPS, que dá um prazo para se legalizarem e determina o fechamento da concessão para os próximos.
O Brasil ofereceu algo parecido: carteira de trabalho e CPF para os que vieram e vigilância para evitar grandes movimentos não planejados.

PARA LEMBRAR
Em 12 de janeiro de 2010, um terremoto de 7 graus na escala Richter deixou cerca de 230 mil mortos no Haiti e feriu outras 300 mil pessoas - 2 milhões de vítimas ficaram desabrigadas. A partir de outubro, uma epidemia de cólera que já matou mais de 4 mil pessoas, espalhou-se pelo país.



ALIÁS
Justiça relâmpago
Como Hugo Chávez transformou em criminosa a magistrada que ousou fazer corretamente o seu trabalho: aplicar a lei

*Belisário dos Santos Jr. - O Estado de S.Paulo

"A Justiça morreu!", disse a juíza venezuelana Maria Lourdes Afiuni, em prisão domiciliar, aos advogados da missão da International Bar Association, IBA (Associação Internacional de Advogados), que a visitavam em Caracas, em fevereiro. O "crime" da juíza Afiuni: haver reconhecido, no final de 2009, o excesso de prazo para a prisão preventiva de um acusado de fraude financeira, preso provisoriamente havia quase três anos, quando o período máximo previsto em lei é de dois anos. A especial circunstância: aquele era um "preso de Hugo Chávez".
Afiuni simplesmente aplicou a lei de seu país, e pagou caro por essa ousadia. Quinze minutos após divulgar sua decisão, a magistrada foi presa. A data da detenção não podia ser mais amargamente irônica: 10 de dezembro, dia internacional dos direitos humanos.
Horas depois da prisão de Afiuni, o presidente Hugo Chávez, em pronunciamento veiculado por cadeia nacional de televisão, pediu pena de 30 anos de prisão para a juíza, que havia determinado a libertação de um inimigo do regime.
Nunca houve, entretanto, recurso oficial da decisão da juíza. Em vez disso, ela foi acusada de vários crimes, inclusive o de "formação de quadrilha", acusação posteriormente abandonada diante da ausência de "cúmplices". A acusação de corrupção também caiu ante a falta de prova de qualquer intenção, por parte de Afiuni, de obter vantagem pessoal com sua decisão.
O episódio mostra-se ainda mais estarrecedor diante do fato de que, antes mesmo da decisão da magistrada, o grupo de trabalho da ONU sobre detenções arbitrárias já havia considerado abusiva a prisão por ela revogada.
Trata-se de exemplo flagrante do processo de desinstitucionalização progressiva por que passa a Venezuela. As instituições são formalmente mantidas, mas já não servem ao seu objetivo. Hoje, naquele país, o Estado chama-se Chávez.
Desde 1999, a Constituição Bolivariana dá autorização para a livre remoção de juízes, sem direito de defesa, a título de "depuração da Justiça". Mais da metade do Poder Judiciário é hoje composta de juízes provisórios, que podem ser destituídos ao sabor da vontade do Executivo. São inúmeros os casos de juízes destituídos por tomarem decisões contrárias aos interesses do governo.
Chávez determinou também o aumento da composição do Tribunal Supremo de Justiça, tendo nomeado, em dezembro de 2004, 17 membros efetivos e 32 suplentes, grande parte dos quais ativistas políticos do partido oficialista. Desse modo, segundo análise da Human Rights Watch, o governo se apoderou do mais alto tribunal do país.
A supressão da independência da Justiça venezuelana vem sendo abertamente defendida por alguns de seus principais representantes. A chefe do Poder Judiciário afirmou publicamente, em 2009, que o princípio de separação de poderes debilita o Estado.
Há poucas semanas, falando em nome do Tribunal Supremo, um magistrado afirmou que a função principal do Poder Judiciário na Venezuela é apoiar a busca do governo nacional por um socialismo bolivariano e "democrático". E esclareceu os parâmetros "legais" dessa busca: a lei que foi justa ontem, hoje pode não ser mais, ainda que não revogada.
Em depoimento à missão da IBA, uma respeitada juíza venezuelana testemunhou que, desde 1999 até agora, as sentenças vêm sendo proclamadas sob o risco de pronta destituição do magistrado. Agora, além disso, as decisões são adotadas sob o terror da prisão imediata. É o "efeito Afiuni".
Não é exagero supor que a prisão da juíza Afiuni tenha sido praticada como uma espécie de pena de morte velada. As prisões venezuelanas estão entre as mais violentas do mundo, com mais de 450 mortes por ano. A juíza foi obrigada a conviver com presas que ela havia condenado. Foi submetida a humilhações e maus-tratos. Teve recusada atenção médica em várias oportunidades.
Por longo tempo, determinações tanto da Comissão quanto da Corte Interamericana de Direitos Humanos que apontavam a ilegalidade da prisão de Afiuni e instavam o Estado venezuelano a conduzir a juíza a local mais apropriado e seguro foram simplesmente ignoradas. Somente no início de fevereiro, quase 14 meses após sua prisão, o crescente clamor internacional resultou na troca da reclusão em penitenciária pela prisão domiciliar.
Numa reafirmação daquele que deve ser o compromisso de qualquer advogado diante de toda injustiça - e na presença da mãe, da filha e dos advogados da magistrada -, os membros da missão da IBA prometeram a Afiuni divulgar o vergonhoso episódio de sua destituição, perseguição e prisão, e o aparato ideológico arbitrário que o envolve.
Ao saírem da modesta residência, os membros da missão da IBA puderam ler, grafitado nos muros ao redor da casa da juíza, o desagravo de seus concidadãos: "Juíza Afiuni, integridade e valor".

*BELISÁRIO DOS SANTOS JR., ADVOGADO, FOI SECRETÁRIO DA JUSTIÇA E DEFESA DA CIDADANIA DO ESTADO DE SÃO PAULO, É MEMBRO DA COMISSÃO INTERNACIONAL DE JURISTAS E INTEGROU A MISSÃO DA IBA À VENEZUELA
 fonte: ESTADO DE SÃO PAULO


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