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quinta-feira, 7 de abril de 2011

06 de abril de 2011 - O GLOBO


DESTAQUE DE CAPA
Comandante Dilma

Na primeira cerimônia com militares, a presidente Dilma comandou a promoção de oficiais e afirmou: "Um país que conta com Forças Armadas caracterizadas pelo estrito apego às obrigações constitucionais é um país que corrigiu caminhos." Dilma evitou temas polêmicos, como os arquivos da ditadura, e recebeu a Ordem do Mérito da Defesa, jamais dada a uma mulher.


Dilma fala a militares: Brasil corrigiu caminhos
Presidente é condecorada e diz que, com Forças Armadas no papel constitucional, país consolidou democracia

Luiza Damé

BRASÍLIA. Na sua primeira cerimônia oficial com militares, ontem no Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff disse, sutil e diplomaticamente, que as Forças Armadas têm de cumprir o seu papel constitucional e que, desta forma, o Brasil "corrigiu seus próprios caminhos" e consolidou a democracia. A presidente comandou a solenidade de promoção de oficiais da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, mas não tocou em assuntos polêmicos como os direitos humanos e a criação da Comissão da Verdade para apurar violações durante a ditadura militar.
- É com orgulho que constato a evolução democrática da sociedade brasileira. Um país que conta, como o Brasil, com Forças Armadas caracterizadas pelo estrito apego às suas obrigações constitucionais é um país que corrigiu seus próprios caminhos e alcançou um elevado nível de maturidade institucional. Nossas Forças Armadas compartilham plenamente dos valores da justiça, da democracia, da paz e da igualdade de oportunidades que lastreiam os objetivos internos e externos do Brasil. Contribuem para consolidar nosso país como um estado de direito por excelência - discursou Dilma para uma plateia de cerca de cem pessoas.

Dilma é a primeira mulher a receber insígnia da Defesa
A presidente participou da solenidade juntamente com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, o vice Michel Temer, e os comandantes das Forças Armadas. Também estava presente o ex-deputado José Genoino, atualmente assessor da Defesa. Um pouco antes, em uma cerimônia reservada, a presidente recebeu a insígnia de Grã-Mestra da Ordem do Mérito da Defesa. Pela primeira vez, uma mulher foi condecorada com essa medalha. Dilma também recebeu a Ordem do Mérito Militar, do Exército; a Ordem do Mérito Naval, da Marinha; e a Ordem do Mérito Aeronáutico, da Força Aérea Brasileira. Ao assumir a Presidência, Dilma automaticamente recebeu a Grã-Cruz, o mais elevado grau das condecorações.
Durante a promoção dos oficiais, ela agradeceu a homenagem das Forças Armadas e elogiou o trabalho de Jobim, dos comandantes do Exército, Enzo Peri, da Marinha, Moura Neto, e da Aeronáutica, Juniti Saito, além do chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas, José Carlos de Nardi. Disse que Jobim tem "eficiente atuação" e que o governo conta com o "valioso apoio" dos comandantes.
Dilma disse que as Forças Armadas "detêm os legítimos meios de defesa nacional, dos poderes constitucionais e das fronteiras". A presidente reconheceu que a carreira militar tem privações, mas destacou aquelas que considera as principais características dos integrantes das Forças Armadas - patriotismo, estoicismo, abnegação, disciplina e hierarquia. Também destacou o trabalho social dos militares Brasil afora.
- Estamos construindo uma nação mais fraterna e mais igualitária, que jamais prescindirá da importante contribuição das Forças Armadas.

Dilma: defesa nacional não é elemento menor
Em um gesto de agrado aos militares, a presidente disse ainda que os investimentos nas Forças Armadas não podem ser considerados menores nem desviados para atender aos programas sociais. No início do ano, Dilma adiou a decisão sobre a compra dos novos caças para a Força Aérea Brasileira, um dos principais investimentos na área de defesa:
- Em um país ainda socialmente desigual como o Brasil, poderia parecer tentadora a noção de que a modernização e o dimensionamento das Forças Armadas constituiriam esforço ocioso, prejudicial ao investimento em outros setores prioritários. Isso é um grande engano. O certo é que a defesa não pode ser considerada elemento menor da agenda nacional.
No fim da cerimônia, Dilma evitou entrevista aos jornalistas. Perguntada, de longe, pelos repórteres sobre os arquivos da ditadura, ela respondeu:
- Parabéns para você.


PANORAMA POLÍTICO
Ilimar Franco

Caças
O ministro Nelson Jobim (Defesa) anda dizendo que a aquisição dos caças pode esperar. O mais importante são os três aviões P3, que já monitoram as águas oceânicas do pré-sal. No ano que vem, o Brasil recebe mais seis aeronaves P3.


SEGURANÇA PÚBLICA
UPP dá de dez
Exército deve ser substituído nos complexos da Penha e do Alemão por uma dezena de unidades pacificadoras com 2.200 PMs

Vera Araújo

O Exército deve deixar os complexos do Alemão e da Penha em setembro, um mês antes do prazo acordado entre o estado e o Ministério da Defesa, dando lugar a nada menos que dez Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Este será o maior conjunto de UPPs já instalado pela Secretaria de Segurança, com o emprego de 2.200 policiais militares, o equivalente ao efetivo de quatro batalhões da PM.
A princípio, a ideia é criar um comando único das UPPs da região, que funcionaria no terreno da antiga fábrica da Coca-Cola, na Avenida Itaoca, em Ramos. De lá sairiam as ordens para os dez capitães da PM que comandariam as pacificadoras. Atualmente, o local é usado pela Força de Paz, sob as ordens do general-de-brigada Cesar Leme, que comanda também os 120 policiais dos dois batalhões de campanha da PM. Ao todo, há 19 favelas nos dois complexos.
Responsável pela Força de Paz do Alemão e da Penha desde dezembro do ano passado, a tropa do Exército se encontra visivelmente desgastada, mas nem por isso está descartada a possibilidade de os militares fazerem uma nova ocupação até o fim do ano, mesmo a contragosto: a retomada das favelas da Rocinha e do Vidigal, em São Conrado, onde seriam necessários cerca de 1.200 homens. A região é prioridade para o governo do Estado por causa da proximidade de hotéis como o Sheraton e o Intercontinental, que devem receber muitos visitantes para a Copa de 2014 e as Olimpíadas, em 2016.
Segundo uma fonte militar, o acerto é possível graças ao grande prestígio que o governador Sérgio Cabral tem junto ao governo federal :
- Se o governador for a Brasília e conversar com a presidente Dilma Rousseff, consegue levar o Exército para onde quiser. Não subestime a força de Cabral - comentou o militar.

Além da Rocinha, foco na Mangueira
O governador, junto com o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, já conseguiu dobrar o número de policiais militares que sairão do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (Cefap), que pulou para sete mil homens este ano. Este ano já foram utilizados 585 PMs nos morros São João (200), do Engenho Novo; Coroa (203), no Catumbi; e Prazeres (182), no Rio Comprido. Ainda restam as UPPs do Morro de São Carlos (250) e as dos complexos do Alemão e da Penha (2.200). Juntas, elas totalizam 27 unidades pacificadoras, favorecendo cerca de 353 mil moradores, de acordo com o censo de 2000 do IBGE, utilizando 3.035 homens. Sobram 3.965 para os próximos projetos que, segundo fontes da secretaria de Segurança, serão em favelas da capital.
Além da Rocinha, a prioridade é fechar o cinturão de segurança da Tijuca. Nesse caso, a ocupação do Morro da Mangueira é fundamental, por causa da proximidade do complexo esportivo do Maracanã. Na região, inclusive, os índices de criminalidade estão altos. De acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP), houve um aumento de mais de 50% nos roubos de veículos nos bairros de São Cristóvão, Caju e Maracanã, por exemplo, pulando de 12 para 28 registros, comparando-se os meses de dezembro de 2010 com janeiro deste ano. Mas o governador, acostumado a anunciar os locais das UPPs antes da operação para a ocupação das favelas, prefere ainda guardar segredo sobre a escolhida:
- Eu não decido isso. A política de pacificação tem o meu aval, o meu apoio e a minha decisão. Mas quais as comunidades, em que momento, de que forma, essa é uma decisão do comando da Segurança Pública, que eu avalizo - disse Cabral, que continua - Dizer que a Rocinha não está no mapa não é uma verdade. Ela está no mapa, e nós vamos pacificá-la. Mas quando, como e de que maneira, é precipitação falar agora.
Segundo o governador, é natural que haja uma expectativa em torno de qual será a próxima UPP:
- No momento em que uma política pública de segurança faz sucesso, ocorre uma expectativa dos moradores de que sua demanda seja atendida e, é natural, que haja esses pedidos por uma UPP nas comunidades. Mas quem comanda esse processo se chama José Mariano Beltrame; eu apenas assino embaixo.


Tropas da lei nas fortalezas do crime
Casas de traficantes expulsos agora servem de bases para soldados em complexos de favelas

Desde 15 de dezembro do ano passado à frente da ocupação das favelas dos complexos do Alemão e da Penha, o Exército montou uma megaestrutura, utilizando, inclusive, duas antigas fortalezas do tráfico. Uma delas era o imóvel de três andares conhecido como Casa Amarela, de Fabiano Atanázio, o FB; a outra, a Casa Verde, de Paulo Rogério de Souza Paz , o Mica.
Estrategicamente posicionadas no alto dos morros, elas funcionam como postos de militares do Exército e do Batalhão de Campanha da PM. Os imóveis guardam vestígios da época do tráfico. Na Casa Verde, de onde se vê toda a Vila Cruzeiro, ainda existe o muro de contenção feito pelos bandidos, com 80 centímetros de espessura e seteiras, buracos por onde o criminoso pode atirar mantendo o corpo protegido. Do imóvel também é possível ver o viaduto da Penha, vantagem tática que os traficantes aproveitavam para acompanhar a aproximação da polícia.
De acordo com levantamento do Exército, há pelo menos quatro casas consideradas ex-fortalezas do tráfico, algumas delas com piscinas — numa delas, porém, a estrutura de fibra de vidro foi roubada, deixando apenas um buraco.
Segundo o comandante da Força de Paz, Cesar Leme, o material já tinha sumido antes de o Exército assumir a ocupação, em dezembro, duas semanas depois da invasão do complexo.
— Quando o Exército ajudou, inicialmente, na ocupação, ficou só nos acessos aos complexos.
Ao assumirmos o comando, já não existia mais o material da piscina — explicou o general.
Segundo o comandante da Força de Paz, a PM poderá, com a instalação das UPPs na região, usar a estrutura montada pelo Exército. As outras fortalezas pertenciam aos traficantes Marcos Antônio Silva Tavares, o Marquinhos Niterói, que a tomara do verdadeiro dono; e Alexander Mendes da Silva, o Polegar. A primeira foi devolvida ao proprietário, que havia sido expulso pelo tráfico, e a outra está desocupada e fechada.
Mas o coordenador das unidades pacificadoras, coronel Robson Rodrigues, disse que não pretende, inicialmente, usar as fortalezas do tráfico:
— Estamos pensando em usar os contêineres, como na UPP da Ladeira Tabajaras (Copacabana), em vez de usar as casas que pertenceram aos traficantes, mas isso vai depender do cenário que encontrarmos lá quando assumirmos — comentou Rodrigues.
Enquanto as dez UPPs não chegam ao Alemão e à Penha, o comandante da Força de Paz tenta se aproximar dos moradores:
— A nossa orientação é que o soldado estabeleça o contato com a comunidade. Às vezes, é necessário fazer revistas, mas hoje as pessoas liberam a nossa entrada nas casas, sem precisar de mandado de busca e apreensão. Os moradores sabem que estamos ali como braço forte, mas com o objetivo de protegê-los — afirmou o general Leme, que também comanda a 9a- Brigada de Infantaria Motorizada.


NOVA SECRETARIA
Diretor do BNDES comandará Secretaria de Aviação Civil
Wagner Bittencourt de Oliveira, que respondia pelas obras do PAC no banco, tem a missão de reorganizar aeroportos

Geralda Doca

BRASÍLIA. O governo indicou para comandar a nova Secretaria de Aviação Civil (SAC), com status de ministério, o funcionário de carreira do BNDES Wagner Bittencourt de Oliveira, atual diretor de Infraestrutura, Insumos Básicos e Estruturação de Projetos do banco de fomento. A presidente Dilma Rousseff queria um executivo de peso para o cargo e o nome escolhido inicialmente foi o de Rossano Maranhão (ex-presidente do Banco do Brasil que, atualmente, está à frente do Safra), mas seus planos foram frustrados.
Maranhão não teria conseguido se desvencilhar do Safra e o governo considerou não haver mais tempo hábil para esperá-lo sem atrasar o início da força-tarefa de resgate do sistema aeroportuário. O ex-ministro das Cidades Márcio Fortes também chegou a ser cogitado pelo Planalto. Surgiu então o nome de Bittencourt de Oliveira, que teria sido indicado pelo presidente do BNDES, Luciano Coutinho. Ele já contava com a simpatia da presidente, com quem mantém contato desde os tempos em que Dilma era ministra da Casa Civil e coordenava as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Na diretoria do BNDES, Bittencourt de Oliveira, que é engenheiro, respondia pelos grandes projetos do programa, como as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio. Além disso, participou de todos os estudos encomendados pelo governo para solucionar os gargalos da infraestrutura aeroportuária, como a abertura de capital da Infraero, a proposta de concessão do novo terminal do Rio Grande do Norte e uma radiografia do sistema comissionada à consultoria McKinsey e ao BNDES.
Dilma tem pressa para adotar o regime de concessão. Na segunda-feira, durante uma reunião com o presidente da Infraero, Gustavo Vale, ela disse que os aeroportos das cidades-sede da Copa de 2014 têm prioridade. A Infraero estará subordinada à SAC, assim como a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Bittencourt de Oliveira, segundo fontes, teria sido surpreendido pela escolha de seu nome. O martelo foi batido na noite de segunda-feira, numa reunião comandada pelo ministro da Casa Civil, Antonio Palocci. Ontem, ele foi do Rio para Brasília, onde almoçou com a presidente. Passou o dia discutindo a composição da SAC.
O principal desafio do ministro será dar um choque de gestão no sistema aeroportuário. Em audiência ontem na Câmara, o ministro dos Esportes, Orlando Silva, disse que Dilma anunciará em breve inovações no setor. Uma das medidas seria retirar alguns terminais das mãos da Infraero e repassá-los a estados e municípios, que poderão concedê-los à iniciativa privada. O nome de Bittencourt de Oliveira foi bem recebido por autoridades e representantes do mercado.
- Foi uma solução técnica perfeita. Ele participou de todos processos de privatização do país - disse Gustavo Vale.
- É um perfil técnico, não tem ligações com as grandes construtoras nem com segmentos empresariais da aviação - afirmou um executivo do ramo.


ANCELMO GOIS

Solução caseira
Luciano Coutinho, presidente do BNDES, tem apoio de Dilma para preencher com um quadro técnico do próprio banco a vaga aberta ontem na diretoria com a ida de Wagner Bittencourt de Oliveira para a futura Secretaria de Aviação Civil.


VOO AF-447
Air France: descoberta no mar reanima famílias
Representante pedirá intervenção do governo brasileiro para facilitar acesso a objetos das vítimas

RIO E PARIS. — A gente precisa do corpo para finalizar a vida. Depois do acidente, nunca senti o meu filho morto. Sempre fico achando que, a qualquer momento, ele pode chegar bater à porta. É o mesmo sentimento que se tem em relação aos desaparecidos. Os familiares das pessoas que desapareceram na ditadura sentem isso até hoje. O desabafo de Nelson Faria Marinho, presidente da Associação dos Familiares do Voo da Air France, demonstra a importância da descoberta dos destroços — e dos corpos dos mortos — para os parentes das vítimas do voo AF-447 Rio-Paris que caiu no mar em junho de 2009. Ele é pai do mecânico de engrenagens Nelson Marinho Filho, um dos 228 passageiros do voo.
Na sexta, Nelson estará com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e com a assessoria da Presidência da República. Na pauta, um pedido para que o governo interceda junto a autoridades francesas, inclusive para facilitar o acesso dos familiares a objetos achados nas buscas.
— Eles chegaram aqui, lotaram um avião, causaram a morte de várias pessoas e ainda nos fizeram acusações. Acusaram a torre do Sindacta 3 de erro e tentaram invadir o Instituto Médico-Legal onde trabalhavam legistas brasileiros. Fomos e continuamos a ser discriminados.
Na França, somos tratados friamente — critica Marinho.
Imagem do avião deverá ser reconstituída Investigadores do acidente do vôo AF 447 vão se concentrar nos próximos dias em analisar e fazer a triagem das 13 mil fotos que foram tiradas dos destroços por submarinos, a 3.900 metros de profundidade. Segundo o chefe das investigações, Alain Bouillard, o objetivo é montar, com a ajuda das fotos, um quebra-cabeças.
— Vamos tentar reconstituir, a partir das fotos, a imagem do avião. É cedo para dizer que tal ou tal tese pode ser excluída — disse Bouillard, anteontem.
— Vamos, agora, poder recolher informações pelo exame dos destroços. Se tivermos a sorte de achar as caixas pretas, e que elas possam ser exploradas, vamos poder determinar a razão do acidente.
Martine Delbono, porta-voz do Escritório de Investigação e Análise (BEA), o órgão de investigação de acidentes aéreos, disse que é muito cedo para decidir, por exemplo, de que base vai partir o navio que fará o resgate dos destroços e dos corpos. As imagens confirmaram que há vários corpos, que teriam sido preservados por conta da baixa temperatura.
O BEA, lembrou Martine, tem vários desafios pela frente: nunca se resgatou, por exemplo, destroços de avião de uma profundidade de 3.900 metros, dois anos após o acidente. Resta uma incógnita sobre o nível de fragilidade dos destroços, que serão resgatados com a ajuda de robôs. Segundo o BEA, é cedo para definir o local onde os destroços passarão por análises.


JUDICIÁRIO
Temer é investigado em inquérito no Supremo
Ministro retirou segredo de justiça do caso, que apura corrupção ativa e passiva; vice-presidente nega acusações

Carolina Brígido e Gerson Camarotti

BRASÍLIA. O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), tornou público um inquérito que tramitava no tribunal em segredo de justiça contra o vice-presidente Michel Temer. Segundo o ministro, há indícios envolvendo Temer com tráfico de influência, corrupção passiva e ativa. O caso estava na Justiça Federal de São Paulo desde 2006. Em 2010, quando as investigações esbarraram em Temer, que tem direito a foro especial, o inquérito foi enviado ao STF. Os autos chegaram ao tribunal em fevereiro deste ano.
Segundo reportagem publicada ontem na "Folha de S. Paulo", a investigação trata de suposto esquema de cobrança de propina de empresas detentoras de contratos no Porto de Santos, administrado pela Companhia de Docas do Estado de São Paulo (Codesp).

Procurador-geral da República recebeu inquérito
Marco Aurélio enviou o inquérito ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Caso o procurador concorde que Temer é suspeito, o caso ficará no STF. Gurgel poderá determinar a realização de novas diligências, como a quebra de dados sigilosos e o depoimento de testemunhas. Se Gurgel não detectar suspeitas contra Temer, os autos voltarão à Justiça paulista.
Temer negou participação no esquema de cobrança de propina de empresas e classificou o episódio de coisa "antiquíssima", ao lembrar que em 2002 o então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, decidira pelo arquivamento da investigação contra ele.
- Quando há decisão já proferida pela Procuradoria-Geral da República, não se pode reformar o mesmo fato, a não ser que haja provas novas. E digo mais, não há conexão nenhuma entre os fatos descritos e a realidade - afirmou Temer.
A investigação começou em um processo de reconhecimento de união estável entre Erika Santos e Marcelo de Azeredo, que presidiu a Codesp de 1995 a 1998, período em que Temer e o PMDB paulista faziam indicações para o órgão. Na ação, Erika teria alegado que Azeredo mantinha um nível de vida incompatível com suas declarações à Receita Federal.
Segundo a "Folha de S. Paulo", Erika juntou na ação da Vara de Família planilhas e documentos que indicavam o repasse de propinas pagas a Codesp por duas empresas: Libra Terminais S/A e Rodrimar S/A. O dinheiro teria sido entregue a Azeredo, a uma pessoa identificada como "Lima" e a alguém cujas iniciais eram "MT". Segundo a Polícia Federal, trata-se de Michel Temer.
O grupo teria recebido indevidamente R$1,28 milhão, o equivalente a 7,5% do contrato da Libra para exploração de dois terminais do porto. O vice-presidente teria embolsado metade do valor, segundo a "Folha".
A partir da denúncia, foi aberto um inquérito criminal, no qual a polícia chegou ao nome de Temer. Nos autos, Azeredo aparece associado às práticas de crime contra a ordem tributária, fraude a licitação pública e crime contra o sistema financeiro (realizar operação de câmbio não autorizada para fins de evasão de divisas).
Segundo o ministro do STF, constam dos autos conversas telefônicas gravadas por determinação judicial. No entanto, ele não soube informar se os diálogos têm Temer como interlocutor. Ontem, chegou ao gabinete do ministro um pedido da juíza de Santos que cuidava do caso para que a investigação volte a ser sigilosa. Mas o ministro descarta essa possibilidade:
- A tônica na administração pública é a publicidade, até para não haver maledicência. Ela (a juíza) é parte interessada? O interessado é que tem que pedir (o sigilo do inquérito) - disse o ministro.


DIPLOMACIA
Alta tensão
OEA pede ao governo para suspender licença de Belo Monte por risco a índios e irrita Dilma

Eliane Oliveira e Mônica Tavares

As pressões contrárias à construção da usina de Belo Monte (PA) ultrapassaram as fronteiras e causaram um abalo inédito nas relações entre o Brasil e a Organização dos Estados Americanos (OEA). A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da instituição multilateral solicitou oficialmente ao governo brasileiro a suspensão do processo de licenciamento da hidrelétrica, sob o argumento de que as comunidades indígenas ainda não foram ouvidas. O teor da decisão irritou a presidente Dilma Rousseff, que determinou ao Itamaraty que redigisse uma nota "à altura", demonstrando "perplexidade". No comunicado, o Ministério das Relações Exteriores chamou de "precipitadas e injustificáveis" as recomendações da CIDH.
Na medida cautelar - decidida na noite de segunda-feira a favor de 40 instituições não-governamentais - a comissão afirma que a vida e a integridade pessoal dos indígenas estariam em risco, devido ao impacto da construção da usina. Adicionalmente, a CIDH solicitou ao governo brasileiro que as comunidades a serem atingidas tenham acesso ao Estudo de Impacto Social e Ambiental do projeto, "em um formato acessível, incluindo a tradução dos idiomas indígenas respectivos".
O governo brasileiro terá 15 dias úteis para informar se cumpriu ou não a determinação da CIDH. O Itamaraty assegurou que estão sendo observados com rigor os aspectos sociais e ambientais envolvidos e rebateu:
"O governo brasileiro, sem minimizar a relevância do papel que desempenham os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, recorda que o caráter de tais sistemas é subsidiário ou complementar, razão pela qual sua atuação somente se legitima na hipótese de falha dos recursos de jurisdição interna".

Funai vê impactos menores nas aldeias
A reação do diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Nelson Hubner, foi de repúdio. Segundo ele, foram realizadas reuniões com as tribos e audiências públicas nas cidades, "todas com grande participação das comunidades indígenas e outros representantes da sociedade":
- Não sei o que a OEA tem a ver com o problema de licenciamento. Ela não tem nada a ver com isto e conhece muito pouco do processo brasileiro para dar um parecer desse. Todos os processos foram cumpridos, com todo o rigor que tem a nossa legislação.
A Aneel declarou ontem de utilidade pública 3.536 de hectares no município de Vitória do Xingu, no Pará. As terras, pertencentes a particulares, serão desapropriada para uso da Norte Energia, concessionária de Belo Monte. Serão instalados no local o reservatório da usina, uma área de preservação ambiental, o canteiro de obras e a estrutura permanente da usina.
Após tomar conhecimento das medidas solicitadas pela CIDH/OEA, a Fundação Nacional do Índio (Funai) divulgou nota esclarecendo que sua atribuição no processo de licenciamento é garantir os direitos fundamentais, a qualidade de vida e a integridade dos povos indígenas afetados pelo empreendimento.
"Prova do incontestável papel da Funai na defesa dos povos indígenas é a alteração do projeto, que nos estudos de engenharia dos anos 80 e 90 previa a inundação de uma parte das terras indígenas Paquiçamba e Arara da Volta Grande do Xingu. Agora, não haverá mais inundação de Terras Indígenas (TIs), causando, portanto, menores impactos nas aldeias e comunidades", salientou a empresa.

Advogada: povos têm direito de escolha
No comunicado, a Funai destacou que as informações sobre o projeto foram prestadas aos povos indígenas em reuniões nas aldeias, além de quatro audiências públicas. "Além disso, como parte da concessão da licença parcial de instalação, o empreendedor se vincula a diversas obrigações no intuito de preservar os interesses indígenas e garantir que os povos estão sendo ouvidos", completou.
Existem dez ações na Justiça contra a construção de Belo Monte, todas movidas pelo Ministério Público do Pará. A que trata da participação dos povos indígenas está no Tribunal Regional Federal da 1ª Região em Brasília que, procurado pelo GLOBO, não se manifestou. Um dos autores das ações, o procurador Felício Pontes Júnior, comemorou a decisão da CIDH.
- Além da questão dos indígenas, há várias irregularidades. Foi dada a licença prévia de instalação com 70% das condicionantes não cumpridas (pela concessionária) - afirmou.
As entidades de defesa dos indígenas entraram com a ação na OEA em novembro do ano passado. De acordo com Roberta Amanajás, advogada da Sociedade Paraense de Direitos Humanos, que tem falado em nome dos movimentos sociais ligados à causa, a medida cautelar foi pedida devido à gravidade e urgência da situação.
- Os povos indígenas têm o direito de dizer se querem ou não Belo Monte - disse Roberta.
A concessionária Norte Energia, a AGU e o Ibama informaram que seu posicionamento era o mesmo manifestado pelo Itamaraty.


NEGOCIAÇÃO
Cessar-fogo sem paz na Costa do Marfim
Tropas do governo oferecem entregar as armas. Assessores de Gbagbo já negociam sua saída, mas ele diz que não renuncia

Refugiado num bunker de sua residência, abandonado por seus chefes militares, Laurent Gbagbo estava ontem sob pressão para assinar a saída do poder e reconhecer, por escrito, a vitória de Alassane Ouattara nas eleições do ano passado. No entanto, Gbagbo contradisse mesmo seus assessores mais próximos, afirmando não estar de partida e convocando o opositor ao diálogo.
Mas os indícios eram outros. Os dias da Costa do Marfim com seus dois presidentes parecia estar perto do final, com um deles destinado a começar o governo sob a suspeita de suas forças terem assassinado civis e o outro podendo ser processado.
Um porta-voz do governo contou que o presidente estava negociando sua renúncia, buscando garantias da ONU para ele e a família, depois que seus três chefes militares declararam cessar-fogo. Gbagbo, no entanto, não demonstrou intenção de partir. Em entrevista à TV francesa, disse, por telefone, que nenhuma decisão política havia sido tomada.
— Eu venci a eleição e não estou negociando a minha partida — declarou Gbagbo. — Para trazer paz à Costa do Marfim é preciso que nós dois conversemos. Isso é o mais importante.

A arriscada busca por água e comida
A segunda-feira marcou o início da chamada ofensiva final a Abidjã, em que as forças do presidente eleito contaram com o apoio de soldados da ONU e da França. Após as tropas estrangeiras bombardearem a área de sua residência, escritórios e duas bases militares, Gbagbo observou novas deserções, deixando poucas opções ao presidente derrotado.
Após horas de confrontos, na manhã de ontem o comandante das forças do governo, general Philippe Mangou, pediu o cessar-fogo à missão da ONU, prometendo entregar as armas em troca de proteção para os soldados.
Os tiros cessaram ao meio-dia no país — embora alguns ainda pudessem ser ouvidos na capital financeira — e tanques franceses atravessaram as pontes para Cocody, bairro onde fica a residência do presidente e até então controlado por Gbagbo.
Nos EUA, o presidente Barack Obama pedia a saída imediata de Gbagbo, enquanto o ministro do Exterior marfinense, Alcide Djédjé, já negociava na casa do embaixador francês. A França quer que a saída de Gbagbo seja precedida pela assinatura de um documento em que ele reconheça a vitória do opositor. Segundo o chanceler Alain Juppé, a França está “a beira de convencê-lo a deixar o poder”.
— Alguns pontos ainda estão sendo discutidos. Gbagbo ainda não assinou nada — declarou o porta-voz do governo, Ahoua Don Mello, que admitiu a derrota nas urnas, numa postura diferente da do seu presidente. — Há negociações diretas baseadas na recomendação da União Africana dizendo que Ouattara é o presidente.
Uma saída de Gbagbo não significa o fim da crise. Ouattara herdará um país com mágoas, que já enfrentou uma guerra civil, e uma crise humanitária em que um milhão de pessoas abandonaram suas casas. O presidente derrotado, por sua vez, deve ser levado à Justiça se prevalecer a intenção do novo governo. Há ainda o temor de vingança de parte a parte.
Os dois lados são suspeitos de massacres, e Luis Moreno-Ocampo, promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional, deseja investigar os assassinatos de centenas de civis (que podem chegar a mil, de acordo com a Cáritas). Não está claro quem foi o responsável pelas mortes e — pressionado após acusações da ONU contra suas tropas — Ouattara prometeu investigar o crime e punir os responsáveis.
Do presidente da França, Nicolas Sarkozy, ele ouviu ontem, por telefone, o pedido para formar um governo de reconciliação nacional assim que for possível e o conselho para tomar a iniciativa num pedido de perdão. A crise marfinense começou em novembro, após a eleição vencida por Ouattara. Gbagbo não reconheceu o resultado e se recusou a deixar o poder.
O opositor passou os meses seguintes encerrado num hotel de Abidjã, protegido por tropas da ONU. No último dia 18, ele assinou um decreto criando as Forças Republicanas da Costa do Marfim, reunindo o Exército regular e “as Novas Forças” — em sua maioria, rebeldes que lutaram na guerra civil de 2002. Na semana passada, as novas Forças Republicanas avançaram, conquistando cidade após cidade, até chegarem a Abidjã.
— Creio que, quando Ouattara viu que a ONU não iria atacar, deu sinal verde para os rebeldes — explicou ao GLOBO o analista político marfinense Gnaka Lagoke, um exconsultor de investimentos e integração africana do governo Gbagbo e que hoje vive em Washington.
A crise humanitária que afeta o país é dramática, na avaliação do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, que se mostrou preocupado ainda com o uso de armamento pesado na maior cidade do país, com cerca de quatro milhões de habitantes. Antes do cessar-fogo, os combates impediam o socorro aos feridos em Abidjã, e material médico começava a escassear nos poucos hospitais que ainda funcionavam.
Sem luz ou comida, moradores se arriscavam nas ruas de Abidjã. Carregando vasilhas plásticas, eles buscavam água, que também foi cortada. Mas o cenário que encontraram nas ruas era de guerra: corpos de vítimas de balas perdidas ou com tiros na cabeça, em sinal de execução, e de soldados de Gbagbo, atingidos na ofensiva. Um tanque pegava fogo numa rua da cidade. “Há muito saque e pilhagem. Se você sai à rua, transforma-se em alvo”, disse o coordenador de campo da organização Médicos sem Fronteiras, Henry Gray, em nota.

FONTE: O GLOBO

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