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terça-feira, 12 de abril de 2011

10 de abril de 2011 - ESTADO DE SÃO PAULO


NACIONAL
ENTREVISTA: WALTER RUSSELL MEAD, especialista em política externa
''É hora de o Brasil não pensar como adolescente''

Lisandra Paraguassu / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo

"O Brasil já é um poder mundial, é hora de parar de pensar como um adolescente." O desafio é de um dos principais especialistas em política externa americana, Walter Russell Mead. Ele esteve em Brasília, na semana passada, e participou de seminário promovido pelo Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pela Embaixada dos EUA sobre O Que Há de Novo na Ordem Global.
Membro do Council on Foreign Relations (CFR) e professor da Universidade Yale, Walter Russell disse ao Estado que a crescente importância do Brasil no cenário internacional é um dos assuntos que mais despertam sua curiosidade. "Mesmo as pessoas que são especialistas em política externa não têm uma resposta clara sobre o que o Brasil quer fazer com o seu papel de potência global."
Apesar das dúvidas, ele deixou o Brasil com a impressão de que a presidente Dilma Rousseff vai dar "a maturidade" necessária para que o País comece a se comportar "como um adulto" em matéria de relações internacionais.
A seguir, os principais trechos da entrevista:   

A relação entre Brasil e EUA tem momentos de altos e baixos. No governo Lula houve divergências importantes, não apenas comerciais, como no caso da questão nuclear iraniana. Qual é, então, a visão que os EUA têm hoje do Brasil?
Nos EUA, cada vez mais as pessoas olham o Brasil à semelhança dos nossos aliados europeus: um país democrático, economicamente bem-sucedido, que compartilha a mesma visão dos EUA por ser pró-democracia, pró-direitos humanos, um país que busca um mundo pacífico. Podemos divergir do Brasil sobre este ou aquele tema de comércio, como nós às vezes discordamos da França ou da Alemanha. Mas essas divergências fazem parte de uma relação normal, uma relação entre países importantes. Acho que os EUA não pensam o Brasil apenas como um país latino-americano, ou um país em desenvolvimento. Houve uma mudança.

Quando se deu essa mudança?  
Foi um processo brasileiro, construindo sua economia e sua democracia. Foi um processo gradual e lento. Eu diria que começou com com a presidência de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o sucesso do Plano Real. Avançou muito quando o presidente Lula (2003-2010) seguiu as políticas econômicas fundamentais estabelecidas por Fernando Henrique, mas mostrou que o Brasil se tornou uma democracia normal.

O que é uma democracia normal?
Uma democracia em que o poder muda pacificamente de um partido para outro e isso não significa uma revolução ou uma convulsão social. Agora, mais um passo do processo foi dado quando a presidente Dilma Rousseff substituiu Lula de maneira pacífica. As mudanças são parte da evolução. Isso tudo é típico de um padrão de democracia desenvolvida com sucesso. Então, nós olhamos para isso e, combinado com o crescente poder econômico do Brasil, notamos que o cenário se parece cada vez mais com o dos nossos aliados na Europa.

Mas o sr. já comentou que o Brasil quer ser uma potência mundial, mas não parece saber o porquê. Não sabe?
Quando você tem uma relação próxima com, vamos dizer, a Alemanha ou a Inglaterra, você consegue ter uma ideia muito clara sobre o que esses países querem do mundo, o que significa para eles ser consultado. Mas, quando olhamos para o Brasil, nós não temos a mesma sensação. O Brasil sabe o que quer quando diz "Nós queremos ser uma potência mundial", "Nós queremos que nos levem a sério". Mas, quando eu pergunto aos brasileiros o que isso significa para eles, mesmo as pessoas que são especialistas em política externa não têm uma resposta clara sobre o que o Brasil quer fazer com o seu papel de potência global.

Isso pode atrapalhar a relação entre Brasil e EUA?
Eu diria que não é um problema urgente, porque o Brasil e os EUA têm um bom relacionamento. Mas, com o passar do tempo, para que essa relação melhore e se aprofunde, nós também precisamos aprofundar nossas parcerias. Isso significa que o Brasil precisa entender o que é importante para os EUA e os EUA precisam entender o que é importante para o Brasil. Desse jeito, podemos identificar melhor os temas que podem ser trabalhados juntos. E o poder precisa ser ligado à responsabilidade.

Como assim?
Por exemplo: a Alemanha, depois da Segunda Guerra Mundial e outras experiências, definiu que tem vocação para construir a paz na Europa. E tem trabalhado muito duro e pago, muitas vezes, um alto preço econômico para fazer isso. A França tem certa vocação, assim como a Inglaterra.

Qual será a vocação do Brasil como um ator global cada vez mais importante? Nos últimos anos, o Brasil começou a ocupar mais espaço no cenário internacional. Foi um dos articuladores do G-20, trabalha para fortalecer os Brics, briga para aumentar o espaço dos países emergentes em organismos como o FMI e o Banco Mundial. Isso, de alguma forma, incomoda os EUA?
Acredito que, no passado, o Brasil se sentiu um pouco inseguro sobre seu status. Como um adolescente, que pergunta: "Eu sou mesmo um adulto, sou uma criança?" Era muito sensível ao que percebia como um insulto. E, como amigos do adolescente, nós temos sempre a esperança de que ele vá crescer, torne-se mais seguro e saiba que as outras pessoas pensam nele como um adulto. O Brasil já é um poder mundial, atingiu um novo patamar, é hora de parar de pensar como um adolescente. Precisa fazer a sua parte para fazer o mundo funcionar.

Há sinais de mudança?
Essa é a transformação necessária e a presidente Dilma Rousseff é um exemplo muito claro desse pensamento. Ela parece ter esse tipo de abordagem. Ela está menos preocupada com o que os outros pensam dela e muito mais preocupada em como ela dará uma contribuição construtiva. Aí é onde a maturidade do Brasil como potência vai ser de grande benefício para todo o mundo.

Então, a intervenção brasileira na questão nuclear iraniana, a tentativa de fechar um acordo, incomodou muito o governo dos EUA?
Minha opinião é esta: a intervenção brasileira e turca na questão iraniana não foi cuidadosamente pensada. Havia negociações sobre isso, negociações que estavam sendo feitas havia muito tempo, posições de vários países diferentes, não apenas dos EUA, mas também dos outros membros do Conselho de Segurança da ONU e da Alemanha, todos envolvidos. O Brasil meio que se atirou no assunto sem entender como os outros iam receber isso. E tudo acabou tristemente. Não só não resolveu a situação, como o Brasil não apareceu com uma resposta certa ou que pudesse oferecer algo novo. É disso que eu falo quando trato da necessidade de encontrar uma vocação e então ir atrás dela de uma maneira séria, intelectualmente forte e diligente. O Ministério das Relações Exteriores brasileiro é um dos mais profissionais, é a diplomacia mais bem treinada em todo o mundo. Ter esse tipo de talento focado de uma maneira sólida em uma vocação do Brasil no mundo não seria bom apenas para os EUA, mas faria uma diferença no mundo.

O sr. diz que os EUA e o Brasil compartilham valores, visões de mundo, que o governo americano aprecia a postura mundial brasileira. Mas por que, então, não há um apoio formal à candidatura brasileira a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU?
Os alemães nos fizeram a mesma pergunta. Nesse sentido, o Brasil está sendo tratado da mesma forma que é tratada a Alemanha. A maioria das pessoas nos EUA, e mais ainda no nosso governo, acredita que uma reforma no Conselho de Segurança tem de incluir o Brasil. Mas é complicado os EUA dizerem isso. O que isso faz com a nossa relação com o México? E com a Argentina? São dois países que não acreditam que o Brasil deve ser o representante da América Latina no Conselho da ONU. Nós também temos esse problema na África. É Nigéria, África do Sul ou ainda outro país? A região está dividida e se torna difícil para outros países fazerem uma determinação. O caminho do Brasil para o Conselho de Segurança terá, provavelmente, de passar por Buenos Aires ou Cidade do México. Não que algum deles tenha um veto, mas, de alguma forma, a proposta brasileira não deve ser vista como sendo "contra" os outros países da região. E, se não tiver o apoio, pelo menos que não tenha a oposição.

Os EUA, então, não se opõem?
Eu não trabalho para o governo americano, mas minha visão extraoficial é de que os EUA apoiam os interesses brasileiros. Nós gostaríamos que o Brasil tivesse um assento permanente. Nós não temos é muita certeza de como alguém negocia o caminho político até lá. O Brasil terá de tomar a liderança e transformar uma aspiração em uma possibilidade prática.

QUEM É
Um dos principais especialistas mundiais sobre a política externa americana, é membro fundador do conselho da New America Foundation e Brady-Johnson Distinguished Fellow em Estratégia, da Universidade Yale. Autor de diversos livros, escreve regularmente artigos sobre temas de relações internacionais para o Los Angeles Times, Wall Street Journal, Washington Post e Financial Times, entre outros veículos.


SEM TERRA
MST invade 18 fazendas no interior de São Paulo
Ação de grupo ligado a José Rainha faz parte do ‘abril vermelho’; novas invasões estão previstas

José Maria Tomazela, de O Estado de S. Paulo

SOROCABA - Integrantes do Movimento dos Sem-Terra (MST) ligados a José Rainha Júnior invadiram neste sábado, 8, entre a madrugada e o meio-dia, pelo menos 18 fazendas no Pontal do Paranapanema, Alta Paulista e região de Araçatuba, no oeste do Estado. Rainha anunciou que as invasões podem chegar a 30 até a manhã deste domingo e que o objetivo é recolocar a reforma agrária na pauta dos governos estadual e federal.
No início da tarde, ele informava que o número de áreas ocupadas já tinha chegado a 28 - sendo seis apenas no município de Teodoro Sampaio , no Pontal do Paranapanema -, mas esse total de invasões não foi confirmado pela Polícia militar.
A ação fazia parte do "abril vermelho", a jornada de lutas do movimento em defesa da reforma agrária e para lembrar o massacre de Eldorado dos Carajás, quando 19 sem-terra foram mortos pela Polícia militar em abril de 1996, no sul do Pará.

Reivindicação. De acordo com Rainha, a principal reivindicação é a retomada na desapropriação de terras para assentamentos. Segundo ele, foram mobilizados cerca de 4 mil militantes de 30 acampamentos espalhados por essas regiões. "Estas ocupações mostram para todo o Brasil que a pauta da reforma agrária está presente e que a tese de que há um esvaziamento dos acampamentos não se confirma em São Paulo", disse Rainha, acrescentando que a luta pela terra está "viva e o governo precisa fazer a parte dele, arrecadando as terras que não cumprem a função social".

Bloqueios. Em algumas frentes, os militantes enfrentaram resistência. No município de Queiroz, a Polícia militar impediu uma invasão usando viaturas para bloquear o acesso à propriedade visada pelo grupo de sem-terra. Um comboio do MST também foi bloqueado em Parapuã, região de Marília. Alguns veículos foram multados e apreendidos porque estavam com documentação irregular. Na fazenda Alvorada, em Iacri, funcionários tentaram impedir a entrada dos sem-terra, mas sem confronto.
A União Democrática Ruralista (UDR), entidade que defende os fazendeiros, passou orientação aos proprietários para pedir à Polícia militar a identificação dos invasores. Além de pedir na Justiça o despejo dos ocupantes, os proprietários devem entrar com ações cíveis e criminais contra os sem-terra.



ESPECIAL/100 DIAS DE GOVERNO
No 'núcleo duro', só Palocci e Pimentel

BRASÍLIA - O núcleo de confiança formado pela presidente Dilma Rousseff nos primeiros meses de governo é pequeno. Constitui-se de duas pessoas: os ministros Antonio Palocci (Casa Civil) e Fernando Pimentel (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior). Este, quando não está no Palácio do Planalto com a presidente, despacha a cerca de um quilômetro de distância, na ponta da Esplanada dos Ministérios. Palocci fica mais próximo fisicamente, um andar acima do de Dilma, no próprio palácio.
Ao contrário do ex-presidente Lula, que tinha uma meia dúzia de ministros assessores, congregados no chamado "núcleo duro", com Dilma todo assunto de governo começa com ela e acaba nos dois ministros.
A Palocci a presidente delegou a função de ajudá-la a montar o ministério e o segundo e terceiro escalões, além de ficar de olho nos rumos da economia e do funcionamento do próprio governo. Pimentel, embora seja ministro de área técnica, tem uma agenda dilatada de conversas com Dilma, da vagarosa decisão sobre a compra de caças para a Aeronáutica ao noticiário do dia nos jornais, passando pela queda constante do dólar e a necessidade de tirar um pouco mais de proveito das relações comerciais com a China. Eles foram amigos de militância clandestina na esquerda durante a ditadura militar.
Num segundo círculo de proximidade com Dilma estão os ministros Alexandre Padilha (Saúde), Alfredo Nascimento (Transportes), Antonio Patriota (Relações Exteriores), Edison Lobão (Minas e Energia) e Helena Chagas (Comunicação Social).
Padilha encontra-se com a presidente quase toda semana. Dilma tem mostrado especial predileção pelos problemas da pasta, tanto é que quase todos os seus programas de rádio trataram da saúde. Lobão costuma cumprir à risca as orientações da presidente na área de Minas e Energia.
Com Alfredo Nascimento ela desenvolveu uma amizade que vem dos tempos em que os dois foram ministros de Lula, ele nos mesmos Transportes, ela na Casa Civil. Dilma já comentou que Nascimento cuida de uma área problemática, fonte de muitos escândalos no passado, evitando que proliferem no presente. Quanto a Patriota, ela passou a ouvi-lo sobre política externa e tomou agrado pela defesa que faz do respeito aos direitos humanos.
Por fim, com Helena Chagas, assessora durante a campanha, Dilma começou a entender um pouco mais o que acontece nos meios de comunicação e como funcionam. Ex-diretora da sucursal do jornal O Globo em Brasília e da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Helena conseguiu convencer Dilma a tratar as empresas de comunicação e os jornalistas com respeito. Desse modo, poderia exigir deles o mesmo.
Entre os atuais 37 ministros - outros 3 estão por vir com as novas pastas da Aviação Civil, Autoridade Olímpica e Micro e Pequenas Empresas -, há alguns com os quais a presidente não demonstra a menor afinidade. É o caso de Wagner Rossi (Agricultura), escolha pessoal do vice-presidente Michel Temer, que só conseguiu a primeira audiência com Dilma já no início de abril.
Na lanterna absoluta das preferências está Pedro Novais (Turismo), imposto pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Este, além de não conseguir ser recebido pela chefe, ainda viu sua pasta ser levada a situação de penúria pelos cortes feitos no Orçamento da União - perdeu 84,4% de toda sua verba para 2011. Novais foi protagonista de um escândalo antes de assumir o cargo. Como deputado, gastou R$ 2.156 da verba indenizatória da Câmara para bancar gastos em junho de 2010 em um motel em São Luís (MA).


Ônus e bônus da primeira-mãe
Dilma Jane deixou a casa em Belo Horizonte para morar perto da filha, mas quase não a vê

Julia Duailibi - O Estado de S.Paulo

Cândida Dornelles Vargas, Maria Justina Dutra, Julia Kubitschek de Oliveira, Leonor da Silva Quadros, Leda Collor de Mello, Dilma Jane Rousseff. Os sobrenomes conhecidos indicam que essas mulheres participaram - com mais ou menos influência - da história política brasileira. Seus filhos tornaram-se presidentes da República.
Dos casos citados acima, o da mãe de "Dilminha" - apelido pelo qual Dilma Jane, de 86 anos, chama a filha, a presidente Dilma Rousseff - comporta diferenciais. Primeiro, tornou-se "primeira-mãe" por causa da filha, não do filho, como nos demais casos. Depois, mudou-se para Brasília com a irmã Arilda, e passou a viver entre o Palácio da Alvorada e a Granja do Torto, provocando outro ineditismo: pela primeira vez na história deste País, as residências da Presidência da República passaram a ter apenas mulheres como inquilinas oficiais.
Dilma Jane Coimbra Silva nasceu em Nova Friburgo em 1924. Filha de pecuaristas, mudou-se para Minas ainda jovem. Conheceu em Uberaba Petar Russev, ou Pedro Rousseff, imigrante búlgaro que abandonou o país de origem em 1929. A professora tornou-se a segunda mulher de Pedro, 26 anos mais velho e com quem teve três filhos: Igor, Dilma Vana e Zana Lúcia, que morreu aos 26 anos em 1976.
"Lembro de dona Dilma sempre muito bonita, educada e gentil. Deixava a gente arrastar móveis e brincar pela sala", conta Sandra Borges da Costa, amiga de infância da presidente, que morava na casa em frente à dos Rousseff, em Belo Horizonte.
Em entrevistas, Dilma Jane afirmou já ter se esquecido do período mais difícil da sua vida: a prisão da filha em 1970. Disse que, até então, não sabia do envolvimento dela em movimentos contra o regime militar. Durante três anos, foi quase todos os fins de semana, de ônibus, até São Paulo visitar a filha presa. Algumas vezes acompanhada da mãe do ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento), Geralda Damata, que continuava a viagem até Porto Alegre, onde o filho também cumpria pena.
"Conheci (Dilma Jane) quando eu estava preso. Mandei uma carta para ela me apresentando e ela foi me visitar. Fiquei impressionado com a beleza", disse o ex-marido da presidente, Carlos Paixão Araújo, preso logo após começar o relacionamento com Dilma, que durou 30 anos.
Dilma-mãe não esperava que a filha fosse se tornar presidente da República. "Eu nunca imaginei que ela chegaria à Presidência. Muito menos que ela queria", afirmou a um programa de TV logo após a eleição.
O livro Rousseff, escrito pelos jornalistas Jamil Chade, do Estado, e Momchil Indjov, relata a relação de Dilma Jane com a família do marido, inclusive com Luben, meio-irmão de Dilma que ficou na Bulgária. A família de Pedro soube de sua morte, em 1963, por um telegrama. A partir daí, Luben trocou várias cartas com a segunda mulher do pai. Em 1991, avisou que gostaria de conhecer a família brasileira. De acordo com o livro, mandou cinco ou seis cartas, sem resposta.
Dilma Jane acompanha o dia a dia da filha mais pelos jornais, revistas e telejornais. Está sempre bem arrumada e maquiada. Deixou a casa de Belo Horizonte - com plantas, cães e rede na varanda - para acompanhar a filha. Em Brasília, gostou inicialmente da Granja do Torto, mas reclamou da umidade. No Alvorada, não gostou da quantidade de escadas. Recentemente, confidenciou a um amigo da família que, se soubesse que veria tão pouco a filha, teria ficado na sua casa em Minas. Ônus de "primeira-mãe".

ENTREVISTA: LUIZ WERNECK VIANNA, pesquisador da PUC-RJ
Novo ambiente não permite que Dilma repita Lula

Wilson Tosta / RIO - O Estado de S.Paulo

Mudanças no ambiente político e econômico - no Brasil e no mundo - somadas a diferenças de estilo têm impedido a presidente Dilma Rousseff de repetir o governo de Luiz Inácio Lula da Silva na extensão em que gostaria.
A avaliação é do cientista político Luiz Werneck Vianna. Em balanço dos primeiros 100 dias do novo governo, o pesquisador da PUC-RJ ressalta que a presidente, ao lado de elementos de continuidade em relação à gestão anterior - como um "repertório" econômico que remete ao varguismo, ao regime militar e ao terceiro-mundismo - opera modificações significativas. Uma delas, na política externa. Outra, no relacionamento com o movimento sindical. "A unidade das centrais foi trincada no governo Dilma pela questão do salário mínimo", diz Vianna.
O acadêmico vê crescente afastamento entre Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Força Sindical e entende as revoltas de operários do PAC como mudança fundamental na conjuntura, por se darem no Centro-Oeste e serem centradas na construção civil. Como fator de permanência, aponta a continuação do "capitalismo politicamente orientado" do passado, reabilitado no segundo governo Lula e centrado no estímulo, via Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), a grandes grupos econômicos nacionais. "A Dilma tem essa marca também" afirma o pesquisador.

São 100 dias sem Lula e 100 dias com Dilma. Dá para notar alguma diferença?
Dá. Nas circunstâncias e neles. As circunstâncias se alteraram, em alguns pontos significativamente. A revolução árabe, com que o tema da democracia como valor universal se impõe; com que também a perspectiva dominante durante o governo Lula, de um viés terceiro-mundista, perde muito da sua força. Esse é um ponto. Uma questão interna que também acarreta mudança é a questão sindical e operária. Aí, as mudanças circunstanciais, na contingência e até de personalidade dos atores influem.

De que forma?
O ex-presidente Lula veio dos sindicatos, Dilma não. A questão sindical parece tão desconfortável para a presidente que ela a vem delegando ao Gilberto Carvalho. A questão dos sindicatos no Brasil, com seus matizes e suas nuances, foi como que obscurecida, abstraída, por ser tratada em bloco nas centrais sindicais. Falava-se no governo Lula nas centrais sindicais como uma unidade. Essa unidade foi trincada no governo Dilma com a questão do salário mínimo. Por mais que as centrais, especialmente CUT e Força Sindical, tenham feito força para não estabelecer contrastes, na medida em que o processo andava o contraste se impunha, inclusive no sensível tema da contribuição sindical. Essa é uma questão que vai seguir e deve aprofundar fraturas.

Dilma não está conseguindo lidar com esse afastamento?
Ela não tem partido. O partido dela tem partido nessa questão, a favor do fim da contribuição e a favor da pluralidade sindical. São duas questões que animaram o sindicalismo do ABC e foram responsáveis, no governo Lula, por aquele Fórum Sindical de 2004, quando o (Ricardo) Berzoini apresentou Proposta de Emenda Constitucional pelo fim da unicidade sindical e da contribuição sindical. E que o Lula fez retirar da pauta. A partir daí, as centrais atuaram como central única.

Nesse quadro, onde entram as rebeliões operárias do PAC?
Aí também está subentendida uma disputa entre elas. O sindicalismo daquela região está fortemente sob orientação da Força ou da CUT. Quem ganhar ali vai definir o tipo de sindicalismo que teremos no governo Dilma. A enorme novidade é a seguinte: o deslocamento do centro de gravidade sindical do Sudeste para o Centro-Oeste do País, do setor metalúrgico para o da construção civil. Pode-se dizer que isso não vai ser um processo permanente. Mas na conjuntura é, em função das obras do PAC, das hidrelétricas que se construirão, da Olimpíada, a Copa do Mundo.

Isso é um fator novo desses primeiros 100 dias de Dilma.
Sim, mas esses 100 dias devem se prolongar. No que se refere à construção civil, certamente. Foram milhares e milhares de trabalhadores novos, sem a menor tradição de vida sindical, que estão chegando a um dos principais teatros de operações do capitalismo brasileiro, nas proximidades do agronegócio, em obras estratégicas. Outra questão das circunstâncias é a inflação. O governo Lula não conheceu ameaças de surtos inflacionários, como o governo Dilma vem conhecendo. Inclusive, é ela que está pagando a conta das políticas anticíclicas exercitadas a partir de 2008. Poderemos ter um surto inflacionário que, se vier, varre este ciclo de governos do PT. O mundo que a Dilma conhece é novo em relação ao que Lula conheceu.

A votação do salário mínimo foi um marco da mudança, não? Dilma fincou pé nos R$ 545. Isso foi só ali ou se repete?
Isso tende a avançar, a deslocar o sindicalismo para fora do Estado, devolvê-lo às ruas, ao parlamento. O sindicalismo no Brasil, hoje, está instalado no interior do Estado, não é?

O que o sr. aponta no movimento sindical pode ser replicado? A relação com o MST, por exemplo, fica mais distante?
Já ficou. Tende a se aprofundar.

O PMDB hoje atrapalha menos a presidente que o PT?
O que admito como estratégia para o PMDB é se converter em uma base segura para o governo Dilma, em que ela confie mais do que em qualquer outra configuração. Não estou dizendo que vai ter êxito, mas a meu ver é o sentido desse movimento. Acho uma política esperta.

E a oposição? O que explica a sua desagregação?
A oposição não tem programa. Sempre pode-se dizer que o governo não tem programa, estamos no reino do pragmatismo instrumental. Uma coisa é ser pragmático. Outra é não ter fim algum, é ir tocando.

Na economia, a atuação do governo não aponta para um capitalismo de Estado?
É um capitalismo politicamente orientado.

Esse não é um objetivo estratégico do governo?
É, mas aí teria de ser anunciado em um programa de clara natureza terceiro-mundista, o Estado afirmado programaticamente como instância superior, indutora. Isso não é feito.

Então, se há objetivos estratégicos, são sub-reptícios.
São contínuos às nossas práticas anteriores. Inclusive, com este inesperado ocorrido no segundo mandato do Lula, que foi devolver vida ao repertório da era Vargas e parte do repertório do regime militar.

Quer dizer, na medida em que nós avançamos, em vez de inovarmos, procurarmos repertórios novos, nós consultamos repertórios antigos.
Essa contradição, a meu ver, nos mata, nos imobiliza. A Dilma tem isso, tem essa marca também. Ela não vem do ABC, vem do trabalhismo brizolista.

O que podemos esperar de um governo Dilma, então, é a continuidade disso?
Tem outras forças atuando lá. E o mundo não está favorável a essa inclinação. Imagino um deslocamento maior dessa agenda terceiro-mundista, dessa agenda BNDES, dessa agenda capitalismo politicamente orientado, dessa agenda 1950. Agora, o que a oposição não tem é um programa alternativo a esse e não puramente negativo. A oposição se conforta com a denúncia liberal dessas políticas, e com isso não tem lugar nos sindicatos, na sociedade, não tem lugar nenhum.

O senhor, anteriormente, disse que o presidente Lula comandava um Estado Novo do PT e era um Getúlio havia tempos. Essa relação acabou?
A operação que Lula realizava acabou.

O senhor se refere ao uso do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social para trazer todos os setores sociais para dentro do governo e ficar de cima arbitrando? Isso morreu?
Morreu. Ficou o repertório, a associação via BNDES com grandes grupos econômicos.

Dilma é, então, uma continuação imperfeita de Lula?
Continuação ela é. E provavelmente por vontade própria o seria mais. O que estou tentando sustentar é que ela não tem nem a circunstância, nem o estilo pessoal para levar a cabo essa continuação. O que penso é que cada vez ela vai ser provocada no sentido de criar um governo novo, ter um estilo novo, separando-se assim do governo anterior. 


ARTIGO
Direitos humanos, um bom começo

*Oscar Vilhena Vieira - O Estado de S.Paulo

Nesses 100 dias, a presidente Dilma Rousseff reintroduziu a temática dos direitos humanos no debate político nacional. Isso não é algo banal num País em que muitos líderes políticos sistematicamente negligenciam esta dimensão do processo civilizatório, em função de seu eventual custo político ou de interesses econômicos. Ainda é muito cedo, no entanto, para avaliar se a gramática dos direitos humanos será efetivamente conjugada pelo governo Dilma em relação a temas estratégicos como política externa, verdade, segurança e violência, desenvolvimento e grandes obras.
A presidente sinalizou, desde o primeiro momento, que a questão dos direitos humanos não mais poderia ser negligenciada no plano internacional. Isso gerou uma mudança radical do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU, ao menos no caso do Irã. A doçura de Lula com Ahmadinejad foi substituída por uma sóbria posição de repúdio a violações aos direitos das mulheres, bem como às restrições das liberdades democráticas. É necessário verificar como o Brasil vai se comportar quando países como Venezuela ou China passarem a ser objeto de análise pelos organismos internacionais.
Um segundo setor em que o governo parece andar alinhado às demandas do setor de direitos humanos é a busca da reconstrução da verdade. Ao ter reafirmado o compromisso com o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos, Dilma deixa claro que a pressão feita por alguns setores não se sobrepõe às obrigações morais do Estado brasileiro de reconstituir a verdade. Neste campo, recente decreto governamental permite aos familiares tomar conhecimento de detalhes das violações ocorridas no passado. Por fim a presidente também deu um passo importante, como salienta Glenda Mezarobba, ao determinar que não houvesse, no dia 31 de março, glorificação do golpe de 1964 pelos militares.
Esses sinais positivos, no entanto, foram ligeiramente encobertos esta semana pelo Itamaraty. A decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de pedir a suspensão de obras em Belo Monte, devido a falhas no processo de consulta com as comunidades indígenas, causou perplexidade ao ministério, como se o Brasil não houvesse ratificado o tratado que dá a comissão competência para fazer o que fez.
Neste caso, a questão dos direitos humanos colidiu com uma agenda prioritária do governo, a do desenvolvimento econômico. Da mesma forma, ao BNDES, cumpre estabelecer uma clara política de direitos humanos para aqueles setores privados que buscam os seus recursos. Neste campo o governo ainda não disse a que veio.
Por fim o governo também não deu nenhuma demonstração enfática de como vai lidar com o crônico problema da violência social e institucional que hoje é deixada predominantemente nas mãos dos Estados. Os mais de quarenta mil mortos por ano merecem alguma reação mais articulada do governo federal se tomamos o direito à segurança como um direito humano.
Da mesma forma, a sistemática participação das forças policiais na violação dos direitos dos cidadãos não pode mais ficar à margem das preocupações. Não há processo democrático que possa conviver com padrões de arbítrio estatal tão elevados. Seria positivo que o mesmo grau de indignação com as violações do passado fosse demonstrado em relações às violações do presente.
Trata-se, assim, de um começo auspicioso, mas o déficit de direitos humanos no Brasil necessita de passos ainda mais largos.

*PROFESSOR DE DIREITOS FUNDAMENTAIS DA DIREITO GV E MEMBRO DO CONSELHO DA CONECTAS DIREITOS HUMANOS



ECONOMIA/BRASIL/CHINA
Na China, Dilma busca investimentos em tecnologia e infraestrutura
‘Diplomacia de resultados’ tenta mudar as relações comerciais com a China, hoje concentradas na venda de terra, soja e minérios

Vera Rosa e Lisandra Paraguassu, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O Brasil quer fábricas chinesas, quer investimentos chineses em infraestrutura, quer que a China seja mais do que uma compradora de terras, soja e minérios. Essa é a ambição da "diplomacia de resultados" que vai acompanhar a visita da presidente Dilma Rousseff à China a partir de amanhã.
A presidente pediu ao Itamaraty que agendasse visitas a empresários e empresas de tecnologia digital. Além do anúncio da encomenda de aviões à Embraer, Dilma está certa que voltará com um contrato de US$ 200 milhões para que a ZTE (eletroeletrônica) comece a se instalar em Hortolândia (SP).
Para "vender" o Plano Nacional de Banda Larga - xodó de sua administração - aos chineses e dar ênfase à ciência e tecnologia nas parcerias, Dilma vai visitar a fábrica da ZTE, em Xian, e se reunir, entre outros, com executivos da Huawei. Líder no mercado de banda larga fixa e móvel, a Huawei atua no Brasil desde 1999 em parcerias com as principais operadoras de telefonia.
Na lista de documentos a assinar pelos dois presidentes há, em meio a memorandos com promessas vagas de cooperação, três acordos envolvendo grandes empresas estatais e que são relevantes para a captação de tecnologia. A Eletrobrás e a State Grid vão desenvolver linhas de transmissão de energia a longa distância. A Petrobrás e a Sinopec fecharão acordos nas áreas de tecnologia de prospecção e pesquisas geológicas.

‘Sala da diretoria’. A viagem tem forte simbolismo político por acontecer no momento em que Dilma acaba de completar 100 dias de governo. Depois de receber em Brasília o presidente dos EUA, Barack Obama, ela indicará, em Pequim, que está interessada na relação de longo prazo com o país de Hu Jintao. Mas vai reclamar e pressionar contra as barreiras à expansão dos negócios brasileiros na China.
"Queremos sair da relação de balcão de compra e venda com a China para ser aquele país que chega lá e vai para a sala da diretoria", resumiu ao Estado, com humor, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel.
Embora a China seja o maior parceiro comercial do Brasil e tenha investimentos anunciados na casa de US$ 29 bilhões, a presidente Dilma vê com preocupação o fato de 90% desses investimentos se concentrarem em mineração, energia e agricultura. Inquieta-se, também, com a compra de terras, de forma direta ou indireta, por empresas estrangeiras, como em Goiás e na Bahia, para produzir grãos que são vendidos à China.
Durante a viagem ela vai conversar sobre o assunto com o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), que acompanhará a comitiva para assinar um acordo de instalação de beneficiadoras de soja em Barreiras (BA) com a estatal Chongqing Grain.

Sem fábricas. Os chineses alegam que o Brasil precisa se esforçar mais para demonstrar a competitividade. Mas os empresários brasileiros reclamam da disparidade no câmbio, já que a desvalorização da moeda chinesa barateia os produtos e dificulta a concorrência. Pior: a China impõe barreiras à expansão até de negócios já instalados no país, como nos casos da Weg Motores Elétricos e da Marco Polo, que fabrica carrocerias de ônibus.
A Embraer enfrenta as mesmas barreiras. Apesar de ter fábrica no país, ela depende da aprovação do governo chinês para deixar de produzir o modelo ERJ 145 - que já não tem mercado - e fabricar o EMB 190.
A China também costuma entrar no País sem fábricas, apenas importando os produtos. É o caso da JAC Motors, recém-chegada com uma rede de 50 concessionárias de veículos, mas sem unidade produtiva.


Objetivo principal é diversificar exportações
Governo brasileiro vai negociar com Pequim a redução das tarifas para produtos com valor agregado

Cláudia Trevisan - O Estado de S.Paulo

Diversificar as exportações brasileiras é o principal objetivo da agenda econômico-comercial da visita que a presidente Dilma Rousseff realiza nesta semana a Pequim, sob crescente pressão da indústria nacional por medidas que contenham os estragos provocados pela concorrência chinesa.
A intenção é abrir novos mercados, obter sinal verde para investimentos brasileiros na China e garantir as vendas de aviões da Embraer, o único produto de alto valor agregado que aparece na pauta de exportações para o país asiático.
A tarefa não é fácil, especialmente se for considerada a diferença nas políticas cambiais, na taxa de juros, na carga tributária e na infraestrutura dos dois países. Em todos esses itens, a China nada de braçada. "Nós temos de identificar e construir cadeias produtivas onde haja complementaridade no setor industrial", diz o embaixador do Brasil na China, Clodoaldo Hugueney.
No ano passado, três produtos básicos responderam por 80% das exportações brasileiras ao país. Na mão contrária, 95% das importações da China foram manufaturados, muitos de alto valor agregado, como chips, celulares e telas de cristal líquido.
Presidente do Conselho Empresarial Brasil-China, Sérgio Amaral reconhece as dificuldades para aumentar as exportações de bens industriais, pela assimetria na competitividade entre os dois países no setor.
Segundo ele, a diversificação deve começar pelo agronegócio, segmento no qual o Brasil apresenta vantagens comparativas em relação à China. Mas isso depende de uma política industrial brasileira e de negociação com Pequim para redução das tarifas de importação de produtos com valor agregado.
Os chineses têm uma agressiva política industrial e adotam medidas de estímulo ao processamento de commodities e matérias-primas em seu território. "A alíquota para importação de soja é de 2%, mas a de óleo de soja é de 19%", exemplifica Amaral.
Na opinião de Hugueney, não há razão para o Brasil exportar soja em grão em vez de óleo de soja para a China. A agregação de valor nessa área pode ser estimulada por investimentos chineses no Brasil, como o que a estatal Chongqing Grain Group fará na Bahia, que será oficializado durante a visita de Dilma.
A empresa vai destinar R$ 4 bilhões à criação de um polo industrial de esmagamento e refino de óleo de soja na cidade de Barreiras, onde também construirá uma fábrica de fertilizantes. "Esse acordo é extraordinário e mostra que a solução é negociar", observa o embaixador.
A mesma lógica se aplica a outros produtos, ressalta Amaral: em vez de frango, o Brasil pode exportar frango processado, em vez de celulose, pode exportar papel. Mas em sua opinião isso exige uma política industrial do governo brasileiro, para desenvolver essas cadeias produtivas.
Hugueney e Amaral ressaltam que grande parte do esforço de diversificação das exportações à China recai do lado brasileiro, que deve melhorar a infraestrutura, reduzir a carga tributária e cortar os juros. Todas são questões de longo prazo, que demandarão anos para ser resolvidas.
Mas há questões fundamentais que dependem de Pequim. Entre as mais importantes está a prática de condicionar a compra de produtos de valor agregado a licenças de importação dadas pelo governo. Na prática, isso faz com que qualquer contrato realizado por empresas do país possa ser vetado por Pequim. Essa política afeta a Embraer, que já teve várias vendas barradas pela não concessão de licenças de importação. O que o governo brasileiro quer é a garantia de que os contratos realizados pela companhia serão cumpridos.


Brasil e China evitam ‘caneladas’ diplomáticas
Chancelarias dos dois países acertaram um acordo para evitar constrangimentos durante a visita de seis dias da presidente Dilma

Vera Rosa e Lisandra Paraguassu, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O Brasil não reconhecerá a China como economia de mercado, mas também não vai crucificar em público o seu maior parceiro comercial por causa da política de câmbio que atormenta os empresários brasileiros. O acordo foi acertado entre as chancelarias dos dois países para evitar constrangimentos durante a visita de seis dias que a presidente Dilma Rousseff fará à China.
Dilma começará seu roteiro por Pequim, onde ficará dois dias, e terá encontro com o presidente da China, Hu Jintao. Na quinta-feira, ela participará da 3.ª Cúpula dos Brics, que será realizada em Sanya. O encontro formalizará a entrada da África do Sul no grupo e vai discutir temas como Rodada Doha, situação internacional - com destaque para os conflitos no mundo árabe - e o futuro da economia mundial. Na sexta, Dilma estará no Fórum Econômico, em Boao, o "Davos" da Ásia.
"É evidente que a questão cambial será discutida, mas se trata de uma negociação mais técnica, que tem seus fóruns apropriados", disse a embaixadora Maria Edileuza Fontenele Reis, subsecretária-geral de Política no Itamaraty, numa referência à Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível (Cosban). "Não há tema que seja tabu nessa relação." O assunto poderá entrar até na declaração conjunta ao final da visita, desde que retrate a visão dos dois lados que os problemas cambiais são fruto de um "desequilíbrio econômico mundial" - fato sobre o qual Brasil e China, na visão dos dois governos, têm pouca responsabilidade.

Economia de mercado. A China gostaria de ver concluído o processo destinado a reconhecê-la como economia de mercado. Nas conversas privadas, autoridades daquele país pretendem cobrar de Dilma o compromisso fixado no memorando de entendimento assinado pelo governo Lula, durante visita do presidente Hu Jintao ao Brasil, em novembro de 2004.
O governo brasileiro, porém, pretende empurrar o máximo possível essa decisão, que precisa de regulamentação no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio - que não virá. "Vamos reiterar nossa disposição. Mas, por acordo firmado com a Organização Mundial de Comércio (OMC), a China será considerada economia de mercado em 2016", diz a embaixadora.
Na falta de acordo, porém, as diferenças foram guardadas para os diálogos reservados. O governo brasileiro alega que naquele mesmo memorando a China se comprometeu a adquirir aeronaves da Embraer e a fazer investimentos em infraestrutura, mas os acordos não vingaram.



BRASIL-CHINA, OS NÓS A DESATAR NA PARCERIA ENTRE OS DOIS PAÍSES

Embraer
A expectativa do Brasil é de que a China anuncie encomendas de 50 jatos da Embraer modelo EMB 190 e outros 25 do ERJ 145. O ex-presidente Lula tentou destravar o negócio no ano passado, mas não conseguiu.
Agora, os chineses, apesar de já terem uma fábrica da Embraer no país, também fizeram uma associação com a canadense Bombardier.

Câmbio
O câmbio na China é muito desvalorizado e cria dificuldades para a indústria brasileira. O Brasil quer que o assunto seja discutido no âmbito da Comissão Sino Brasileira de Alto Nível (Cosban), para não contaminar a relação entre os dois países.

Economia de Mercado
Em novembro de 2004, o Brasil prometia o reconhecimento do status daquele país como economia de mercado, mas ainda nada foi feito. Na visita, Dilma não vai fazer essa concessão.

Conselho de Segurança da ONU
O Brasil reivindica o apoio da China para obter uma vaga no Conselho de Segurança da ONU. A China alega que é preciso uma ampla consulta sobre o assunto, mas, na prática, não dá aval à pretensão brasileira para não ajudar o Japão, com quem o Brasil se associa.

Direitos Humanos.
Até agora, o Brasil não se manifestou sobre o desaparecimento do artista Ai Weiwei, crítico do governo chinês. A presidente Dilma não tomará a iniciativa de tocar no tema.



MASSACRE NO RIO
Escolas de tiro aceitam até menores de idade e pedem apenas RG e CPF
Em 7 de 10 locais procurados pelo ''Estado'' não há necessidade de comprovar antecedentes criminais nem passar por teste psicológico

Paulo Saldana e William Cardoso - O Estado de S.Paulo

Ter aulas de tiro no Brasil é tão simples quanto fazer um curso de inglês ou informática. Basta levar RG e CPF no bolso, reservar no mínimo duas horas do dia e fazer a inscrição. Essa foi a informação em sete de dez escolas consultadas pelo Estado: não há necessidade de comprovar antecedentes criminais ou passar por testes psicológicos. Em algumas delas, até menores de idade são aceitos, se acompanhados pelo responsável.
No ataque que chocou o País na quinta-feira, o desempregado Wellington Menezes de Oliveira disparou mais de 60 tiros, recarregou nove vezes seu revólver 38 e atingiu 24 adolescentes - 12 morreram. Não há provas de que ele tenha feito treinamento com armas, mas sabia o que fazia.
A reportagem fez contato com escolas com sede em São Paulo, Rio, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. As facilidades variam segundo a escola. Em uma academia de Santa Catarina, por exemplo, é possível aprender a manusear uma pistola ou um revólver com R$ 45 - valor suficiente para alugar um box de disparo e garantir um instrutor para noções básicas. Lá você paga por tiro - cada um custa R$ 2. Nada de apresentar ficha criminal ou comprovante de endereço. "O candidato tem só de assinar um termo confirmando que não tem antecedentes", explica o atendente. Menores também são aceitos.
Em nenhuma instituição é necessário ter porte de arma. Na maioria das escolas, os cursos básicos duram de quatro a oito horas, divididas em até três dias, e custam em torno de R$ 500. Ao contrário da escola catarinense, as aulas costumam ter número fixo de disparos - de 80 a 100, em revólveres e pistolas. Uma escola de São Paulo oferece, além dos disparos com esses dois modelos, dez tiros de carabina e dois com uma arma calibre 12.
Apenas três escolas consultadas informaram exigir certidão de antecedentes criminais e também entrevistas com o candidato. Em um centro de treinamento carioca, o instrutor ressaltou que aceita apenas indicações de ex-alunos - e só maiores de 25 anos. "Estamos legalizados e abertos a todos, mas é um trabalho de muita responsabilidade. Temos de ter o máximo de certeza do perfil dos alunos", disse o instrutor, que preferiu não se identificar por acreditar que a discussão sobre armas é "tendenciosa". "Quando há tragédias, sempre há uma generalização do assunto. O desarmamento, por exemplo, nunca resolveu o problema da violência", argumenta.

Passo a passo. A internet pode oferecer treinamento teórico avançado para quem pretende manusear uma arma. Vídeos detalhados ensinam, passo a passo, como carregar, segurar e atirar com uma pistola ou um revólver. Em um deles, por exemplo, depois de mostrar como funciona e explicar os benefícios do speed loader (acessório usado pelo atirador de Realengo), o instrutor afirma que é possível encontrar o equipamento por preço baixo em qualquer loja de armas. As dicas são de um grupo que "treina cidadãos para sobrevivência" na Flórida, nos Estados Unidos, e foram vistas mais de 50 mil vezes desde 2009. Em entrevista ao Estado, o irmão de Wellington disse que o assassino aprendeu "tudo na internet".
Em outro vídeo, com mais de 120 mil visitas, a estabilidade no momento de puxar o gatilho é o tema. O instrutor explica que disparar como nos filmes, com o punho na horizontal, não é garantia de bom resultado. Também mostra como a disposição dos músculos do braço pode ser importante para assegurar firmeza no momento exato do disparo, facilitando o desafio de atingir o alvo com precisão. Na maioria das instruções, parte-se do princípio de que o interessado em aprender não conhece nada sobre armas. Até aquele momento.

Desarmamento

13 mil vidas foram poupadas entre 2001 e 2007 em consequência do Estatuto do Desarmamento (2003), segundo estudo de 2010 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da PUC-Rio

228.813 armas foram aprendidas no período citado na pesquisa



ENTREVISTA: JOSÉ EDUARDO MARTINS CARDOZO, MINISTRO DA JUSTIÇA
'Toda vez que se faz uma campanha de desarmamento, os homicídios caem''

Bruno Paes Manso - O Estado de S.Paulo

O ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, acredita que a tragédia no Rio ajuda a jogar luz sobre o Estatuto do Desarmamento. Depois do massacre, ele pretende antecipar a campanha do desarmamento, programada para junho, e iniciar as discussões sobre a restrição de posse de armas no País imediatamente.

Na Grã-Bretanha e na Austrália, depois de massacres em escolas como a de Realengo, foram tomadas medidas restritivas em relação à posse de armas por civis. A tragédia contribui de alguma forma para a discussão?
Acho que sim. Temos de debater com a sociedade quais pessoas têm condições de usar armas e em que condições. O próprio Estatuto do Desarmamento tem de ser discutido sob a ótica que estamos vivenciando. O número de homicídios e de vítimas feridas em situações de arma de fogo, voluntariamente ou por acidentes, está subindo. Por isso, temos de discutir a questão do porte, quem deve ter, para que possamos ter uma política mais restritiva de posse de arma.

Na quinta-feira, depois de saber dos ataques, o senhor falou sobre a importância de apressar a campanha do desarmamento. Quais são os planos?
Haverá um encontro em Brasília na segunda-feira com integrantes do Viva Rio, representantes da sociedade civil e parceiros do governo. Queremos agora definir o cronograma. O plano original era junho, criando novos postos de entrega e preparando o pessoal para receber as armas. Mas queremos acelerar e lançar antes, para aproveitar as reflexões que infelizmente foram provocadas pela tragédia. Vimos pelo Mapa da Violência que toda vez que se faz uma campanha de desarmamento há uma redução nas taxas de homicídio. A campanha por si só já é válida. Mas a ideia é ir além e enfrentar essa cultura do armamento. Além de outras perspectivas para aperfeiçoar a legislação em vigor.

Hoje há vídeos na internet que ensinam como usar speed loader. Há espaço para o governo intervir nessa área?
A internet é um espaço de livre discussão. Temos de levantar esse tema polêmico com a sociedade e discutir até onde deve ir essa liberdade.

Existem cursos de tiros que permitem adolescentes. Como restringi-los?
Acho que temos de discutir com a sociedade e tomar medidas restritivas. Não faz sentido menor de idade fazer curso de tiro. São questões que têm de ser abertas imediatamente.



AVIAÇÃO
Dois morrem em queda de helicóptero

Destroços do helicóptero prefixo PT-YMJ foram encontrados ontem em Rio Grande da Serra (SP), junto com os corpos do piloto Marcelo Reboredo e do empresário Adriano Rodrigues, que estavam a bordo. A Força Aérea Brasileira e a Polícia Militar foram acionadas e deram início às buscas na Serra do Mar logo após o piloto ter perdido o contato com a torre de controle. A aeronave saiu às 17h de anteontem do Guarujá e deveria pousar no Campo de Marte, na capital. As causas do acidente ainda serão apuradas.


INTERNACIONAL/PERU
Em eleição indefinida, 4 candidatos lutam para disputar 2º turno no Peru
Segundo pesquisas, nacionalista Ollanta Humala leva pequena vantagem; ex-presidente Alejandro Toledo, deputada Keiko Fujimori e ex-ministro Pedro Pablo Kuczynski brigarão voto a voto na corrida presidencial mais renhida da história do país

Renata Miranda - O Estado de S.Paulo
ENVIADA ESPECIAL / LIMA

Mais de 19 milhões de peruanos vão às urnas hoje para decidir uma das eleições presidenciais mais concorridas da história do país e renovar os 130 assentos do Parlamento. Quatro dos dez candidatos têm chances de passar para o segundo turno.
O nacionalista Ollanta Humala lidera as pesquisas de intenção de voto. A congressista Keiko Fujimori, o ex-presidente Alejandro Toledo e o ex-ministro Pedro Pablo Kuczynski estão virtualmente empatados em segundo lugar.
Em uma apertada disputa como esta, os eleitores indecisos ganharam um peso importante e podem ajudar a definir o cenário para a próxima etapa eleitoral. Cerca de 10% dos peruanos ainda não escolheram um candidato. É o caso do vendedor desempregado Juan García. "Não tenho nem ideia em quem votar, talvez deixe para decidir na última hora, na cabine de votação", disse García.
Outra parcela da população que também pode ter bastante influência no resultado final são os 20% de eleitores que já têm um candidato, mas ainda podem mudar de opinião.
Humala, que começou a corrida em baixa e em menos de um mês duplicou suas chances, lidera as pesquisas com 28% das intenções de voto, de acordo com a empresa Ipsos-Apoyo. Segundo o analista político Eduardo Ballón, do Centro de Estudos e Promoção do Desenvolvimento (Desco), o tipo de disputa entre os candidatos favoreceu o nacionalista. "Os outros candidatos têm plataformas de governo semelhantes e, em vez de atacar Humala, brigaram entre eles", explicou Ballón. "Humala aproveitou esse vácuo para se destacar dos outros."
Ele afirma ainda que o discurso de inclusão social ajudou o candidato a atrair mais simpatizantes. "O crescimento econômico do país não beneficiou todos os setores da população e os excluídos veem em Humala um candidato que pode ajudar a distribuir melhor a riqueza."
A analista política Jacqueline Fowks, professora da Universidade Católica, lembra que Humala foi o único candidato que soube explorar bem o tema do combate à corrupção, considerado pelos peruanos como um dos principais problemas do governo. "Humala chegou até a prometer que investigaria as denúncias contra o presidente Alan García", disse Jacqueline.
A rejeição a Humala, no entanto, é forte. O escritor e ganhador do Prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa chamou um eventual segundo turno entre o nacionalista e Keiko Fujimori de uma escolha entre "o câncer e a aids". Na reta final, Llosa aderiu à candidatura de Toledo.
Um dos problemas na votação deve ser a demora na divulgação dos resultados. Em 2006, as autoridades eleitorais demoraram quase um mês para anunciar quem iria ao segundo turno. Este ano, a Oficina Nacional de Procesos Electorales (ONPE) estima publicar as primeiras parciais a partir das 20 horas locais (22 horas de Brasília).


CANDIDATOS

Alejandro Toledo
Economista e presidente do Peru de 2001 a 2006,terminou a gestão com 8% de aprovação


Ollanta Humala
Populista, foi derrotado nas eleições de 2006 causa da ligação com Hugo Chávez

Luis Castañeda
Fundador do partido Solidariedade Nacional e ex-prefeito de Lima (2003-2010).


Pedro Pablo Kuczynski
Foi ministro da economia e é criticado por também ter cidadania americana


Keiko Fujimori
Filha do ex-presidente Alberto Fujimori, é considerada herdeira política do pai



*YOANI SÁNCHEZ

Carter, liberdade e amendoim

Ele aterrissou pouco antes de começar este abril sem chuvas e no fim de um março igualmente seco. Com uma guayabera branca, desceu do avião Jimmy Carter, que nos anos 70 foi tratado na imprensa oficial cubana com os mesmos epítetos negativos de outros presidentes americanos.
Enquanto a propaganda oficial se concentrava nele, aprendíamos na escola a gritar as primeiras palavras de ordem anti-imperialistas pensando em seus olhinhos azuis. O jornal Granma zombava de sua origem como produtor de amendoim, o chamando de "El Manisero", nome que damos aqui aos que vendem a iguaria nas ruas de Cuba.
Não se lançaram somente injúrias ao inquilino da Casa Branca. Em 1980, a explosão migratória lançou sobre os EUA mais de 100 mil de nossos compatriotas, entre os quais havia presos tirados às pressas dos cárceres e doentes mentais de vários manicômios. Carter não sustentou a pressão dessa avalanche e foi obrigado a encerrar a acolhida desses imigrantes que chegavam só com a roupa do corpo.
Foi uma batalha vencida por Fidel Castro, que da tribuna vociferava. "Que se vá a escória, que se vá!", ocultando o extremismo ideológico sob a pose desinibida da euforia revolucionária. Naqueles dias tristes, nasceram também os chamados "comícios de repúdio", nos quais as turbas desenfreadas cuspiam, apedrejavam, atiravam ovos ou excrementos nos "infames traidores" que não queriam esperar pelo prometido paraíso socialista.
Carter não foi reeleito presidente, dizem, por sua atuação desastrada durante aquela crise. Ele foi sucedido por Ronald Reagan, cujo rosto de ator de Hollywood decadente se converteu em alvo preferido da imprensa cubana. El Manisero fundou, em 1982, o Centro Carter, concentrou-se em seu trabalho como mediador de processos de paz, chegando a ganhar, 20 anos depois, o Nobel da Paz.
Numa virada nunca antes vista, nossos periódicos oficialistas mudaram bruscamente a maneira de se referir ao ex-comandante dos EUA. Ele passou a ser simplesmente o senhor Carter. Quando visitou nosso país, em 2002, os locutores o apresentaram como um amigo pessoal do Líder Máximo.
Aquelas crianças - hoje crescidas - que um dia o haviam insultado nas escolas ficaram confusas com o tapete vermelho estendido na chegada de quem um dia havia sido nosso maior inimigo. Nessa oportunidade, Carter não se encontrou apenas com figuras do governo, mas escutou denúncias de grupos de oposição, satanizados pelas autoridades.
Foi justamente na aula magna da Universidade de Havana que o ex-governador da Geórgia mencionou, pela primeira vez, diante de câmeras da TV cubana, o Projeto Varela, que, impulsionado por Osvaldo Payá, propunha um plebiscito para reformar a Constituição e permitir a liberdade de expressão e associação.
Carter regressou para casa e, depois de alguns meses, por todo o nosso país, uma sequência de detenções conhecida como a Primavera Negra resultou em pesadas penas de prisão para 75 dissidentes e jornalistas independentes, especialmente entre aqueles que recolhiam assinaturas para aquela consulta popular a que Carter se referia.
Passaram-se nove anos até ele voltar a esta ilha que já lhe deu tantas dores de cabeça. Carter falou na semana passada com Raúl Castro, com seu chanceler, e até teve encontros com vozes da incipiente sociedade civil cubana, as Damas de Branco, e vários presos políticos.
No canal de TV mais importante do país, ele se referiu à necessidade de liberdade de expressão, de associação e de viagem. Também lançou alguns afagos ao governo cubano, mas eles soaram mais como formalidades diplomáticas do que como verdadeiros pontos de consenso.
Antes de partir, vários dissidentes e blogueiros alternativos lhe deram de presente uma coleção de produtos populares feitos à base de amendoim. "Essa é a única mercadoria comercial que nunca esteve em mãos estatais", lhe dissemos. O veterano de mil batalhas políticas sorriu.
Seu avião decolou e a ilha parecia idêntica àquela que ele havia encontrado 72 horas antes. Apenas uma coisa pequena e minúscula havia mudado. Tão imperceptível como um amendoim e tão profundamente cidadão como os cones de papel que neste momento alguém vende pelas ruas de nosso país. / TRADUÇÃO CELSO M. PACIORNIK

*É JORNALISTA CUBANA, AUTORA DO BLOG GENERACIÓN Y E COLUNISTA DO "ESTADO"




MAC MARGOLIS

Entre EUA e China, salvam-se os colombianos

Em sua visita à América Latina no mês passado, Barack Obama conseguiu a proeza de agradar a mouros e cristãos com um banquete recheado de charme e um pouco mais. Sim, frustrou quem imaginava um empenho maior da Casa Branca em desmontar as barreiras americanas ao etanol brasileiro e em defender um assento permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU. No entanto, se "80% do sucesso é apenas aparecer", como diz Woody Allen, a breve passagem de Obama por estas latitudes foi um estrondo.
A diplomacia americana, às vezes, escreve certa por linhas tortas. Hoje, quem comemora a "parceria entre iguais" não é o Brasil nem o Chile, mas um país que Obama sequer visitou: a Colômbia. Na quinta-feira, os dois países assinaram um acordo que pode destravar o Tratado de Livre Comércio bilateral. Se tudo der certo, será um marco nas relações Norte-Sul.

O tratado é antigo. Foi aprovado em 2006, mas os democratas implicaram com o pacto por causa de dois argumentos: o primeiro, que a abertura favoreceria indústrias predadoras, fechando postos de trabalho americanos, é fajuto. Cerca de 80% dos produtos colombianos, do café às camélias, já têm tarifas mínimas nos EUA graças ao sistema de preferências comerciais negociado nos anos 90.
Quem ganharia mais com o tratado, pasmem, seriam os exportadores americanos, que por falta de sintonia diplomática sofrem sobretaxas penosas em produtos como computadores, máquinas e serviços. Mas, para os democratas, qualquer arranjo de livre comércio é mais um prego no caixão do doentio sindicalismo "made in USA".
O segundo argumento, que um acordo seria um passe livre para matar líderes sindicais colombianos, é discutível. Há algum tempo, ser líder sindical na Colômbia era correr risco de vida. Como também o era ser camponês, comerciante, professor ou político. No entanto, isso está mudando. Graças à agressiva política de segurança nos último anos, a violência despencou no país, inclusive contra trabalhadores sindicalizados.
Mas por que o interesse repentino de Washington na causa colombiana? A explicação vem da extrema direita e do Extremo Oriente. Com a derrota dos aliados nas eleições parlamentares, Obama perdeu o controle do Congresso para o Partido Republicano, historicamente simpático à abertura comercial. Assim, o fracasso eleitoral virou oportunidade comercial.
Ajudou também o empurrão da China. Enquanto os EUA se distraíam com guerras e a crise econômica em casa, as relações com os vizinhos mais próximos ficaram à deriva. Vantagem para Pequim, que aproveitou a lacuna e mergulhou na região para garantir acesso ao petróleo, aos minérios e à infraestrutura. A América Latina está aprendendo a falar mandarim.
A presença chinesa pode não provocar nenhum tremor geopolítico ou desequilíbrio militar. A Casa Branca, contudo, está desacostumada a ter rivais no seu "quintal". Como diz Eric Farnsworth, ex-conselheiro comercial do governo Bill Clinton, "nada motiva mais Washington do que a concorrência."

FONTE: JORNAL ESTADO DE SÃO PAULO



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