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quarta-feira, 13 de abril de 2011

13 de abril de 2011 - O GLOBO


DESTAQUE DE CAPA
China investe no Brasil e acena com vaga na ONU
Num gesto comemorado pela diplomacia brasileira, a China concordou em incluir no comunicado oficial conjunto divulgado pelos presidentes Dilma Rousseff e Hu Jintao o apoio à aspiração do Brasil por uma vaga no Conselho de Segurança das Nações Unidas. O Brasil, por sua vez, reiterou o compromisso de acelerar o processo de reconhecimento da China como economia de mercado, que ainda depende de regulamentação do Ministério do Desenvolvimento e do aval do Congresso. Ontem, a Foxconn, fornecedora taiwanesa da Apple e maior exportadora da China, prometeu a Dilma investir US$ 12 bilhões no Brasil, inclusive para produzir no país iPads e iPhones.


PASSOS DE GIGANTE
Da China para o Brasil
Fornecedora da Apple investe US$12 bi e fará iPad 2 aqui. Pequim apoia aspiração do país na ONU

Gilberto Scofield Jr.

O milionário taiwanês Terry Gou, fundador da fabricante de produtos eletrônicos e computadores Foxconn, comunicou ontem à presidente Dilma Rousseff, durante sua viagem a China, que Steve Jobs, da Apple, autorizou à empresa a fabricar iPads 2 no Brasil a partir de novembro. A informação foi dada pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante. A empresa também vai investir US$12 bilhões num complexo fabril no país - o projeto foi o maior acordo obtido pela missão brasileira a Pequim. No front político, o país também obteve uma vitória: o comunicado conjunto de Dilma e do presidente chinês, Hu Jintao, menciona apoio à aspiração do Brasil por uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, em gesto que foi comemorado pela diplomacia brasileira.
A Foxconn - maior exportadora da China, que faturou US$100 bilhões em 2010 e está em 14 países, com 1,3 milhão de funcionários - tem cinco fábricas no Brasil, em Manaus (AM), Santa Rita do Sapucaí (MG), Jundiaí, Taubaté e Indaiatuba (SP). A fabricação do iPad no Brasil deve baratear o produto no mercado nacional.
O investimento de US$12 bilhões previsto pela empresa em cinco anos será na construção de um complexo fabril para a produção de displays eletrônicos para todos os equipamentos que usam telas. Hoje, estes componentes são importados. Será a primeira grande fábrica de telas do Ocidente - empreitada que vai gerar 100 mil empregos, no estilo do Parque de Ciência e Tecnologia de Longhua, na China, a Cidade Foxconn: 3 km2 com 15 fábricas, dormitórios e condomínios, colégio, bancos e shopping.
Mercadante afirmou que a presidente ordenou a criação de um grupo de trabalho composto de representantes dos ministérios de Fazenda, Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, além do BNDES, para viabilizar o projeto, que terá sócios nacionais, incluirá transferência de tecnologia dos chineses e exigirá contrapartidas brasileiras, como investimento em infraestrutura, isenções fiscais e financiamentos a juros menores.

Tablets ficariam em SP. Telas, em Manaus
A escolha do Brasil, afirmou o ministro, deveu-se a vários fatores: a necessidade de ter produção nas Américas; o fato de o país ser o terceiro maior mercado de tecnologia da informação do planeta; a venda, em 2010, de 13,5 milhões de computadores; o crescimento econômico; e a proximidade de grandes eventos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. A Foxconn produz equipamentos eletrônicos para empresas como Apple, HP, Sony, Cisco, Ericsson, entre outras.
- Nós vínhamos negociando um investimento em tecnologia da informação com a Foxconn nos últimos três meses, mas, quando vimos a proposta de Terry Gou, até nós ficamos surpresos com a ambição do projeto - disse Mercadante.
O investimento da Foxconn em cinco anos equivale a quase a totalidade dos aportes chineses no Brasil em 2010 - de US$12,9 bilhões - e deve consolidar o país como o maior investidor direto na economia brasileira. De quebra, deixa feliz o governo brasileiro, que desde o início da viagem pela China vinha batendo na tecla de que a relação deveria se pautar para além da complementaridade entre as duas economias e que os chineses deveriam investir não só em recursos naturais e energia, mas também em tecnologia.

- Deixamos claro à China a importância de se agregar valor aos produtos vendidos pelo Brasil. Para nós, importa uma parceria na área de ciência e tecnologia porque estamos em estágios parecidos de desenvolvimento e a parceria pode permitir um salto qualitativo, especialmente na área de tecnologia da informação, onde fechamos os investimentos da Huawei e Foxconn - disse Dilma
A visita da presidente termina hoje com um balanço de 22 acordos, US$120 milhões em negócios e US$13 bilhões em investimentos, disse o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. Segundo uma fonte que acompanha as negociações, Foxconn e Apple só decidirão onde será a unidade para o iPad 2 após negociar com os estados. Vencerá o que der mais incentivos:
- Ainda não há nada decidido. Porém, há uma preferência do setor por montar as operações de tablets em São Paulo. Já a fábrica de componentes para o setor, como telas e equipamentos, deverá ficar em Manaus, onde já uma infraestrutura.
A taiwanesa chegou ao Brasil em 2005, com uma fábrica de telefones celulares em Manaus. Suas cinco fábricas no país pertencem a empresas diferentes, mas todas têm contrato com a Foxconn. Empregam cerca de 4.300 pessoas e produzem para marcas como Sony, HP e Dell, entre outras. Os equipamentos da Apple, entretanto, só são produzidos na China.


LAAD - 2011
Jobim defende lei que evitaria cortes na Defesa
Temer sugere, em evento no Rio, criação de um Centro de Integração para a América do Sul

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, defendeu ontem, na abertura da LAAD - Defence & Security 2011, no Riocentro, a aprovação de uma lei que evite cortes em programas envolvendo investimentos do setor privado na Defesa. Apesar da ideia, Jobim disse que a diminuição de R$4,3 bilhões no orçamento de sua pasta, determinada pela presidente Dilma Rousseff, em janeiro, não prejudicou o ministério. Já o presidente em exercício, Michel Temer, sugeriu a elaboração de um Centro de Integração de Atuação na Defesa, com a união de países da América do Sul.
- O objetivo da lei é permitir o mínimo de previsibilidade e de estabilidade dos fluxos de recursos direcionados a pesquisas e ao desenvolvimento de projetos de defesa. Sem esse instrumento, planejamentos de médio e longo prazos tornam-se impossíveis - disse Jobim


VOO447
Encontrada a cauda do avião da Air France
Autoridades francesas negam ter localizado as caixas-pretas, que são instaladas nessa parte da aeronave

Elenilce Bottari

Quase dois anos após o acidente com o voo 447 da Air France, que matou 228 pessoas, as autoridades francesas informaram ter localizado no fundo do mar, a 3.900 metros de profundidade, a cauda do avião - onde ficam as caixas-pretas. No domingo, dia 3, as mesmas autoridades haviam informado a descoberta no fundo do mar de parte da fuselagem e de corpos das vítimas.
Segundo o presidente da Associação das Famílias do Voo 447 da Air France, Nelson Faria Marinho, que participou de uma reunião na última terça-feira com os diretores da Air France, em Paris, é grande a expectativa de se recuperarem as caixas-pretas e, a partir delas, serem esclarecidas as causas da tragédia. A retirada dos destroços da aeronave deve começar em três semanas.
O presidente da associação defende que todo o material resgatado seja encaminhado para perícia nos Estados Unidos, por ser um "território neutro". Marinho disse ainda que solicitou à Secretaria Nacional de Articulação Social uma audiência com a presidente Dilma Rousseff para pedir que o Brasil se pronuncie oficialmente sobre o assunto, o que é descartado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim:
- Acordos internacionais determinam que, em casos de acidentes em águas internacionais, o estudo é feito pelo organismo de prevenção de acidentes do país respectivo, no caso, a França, com a participação de países intervenientes e consultivos, no caso, o Brasil. Vamos cumprir os acordos.
Em nota, a Air France lembrou que a apuração do acidente cabe à França: "São as autoridades públicas francesas que têm total responsabilidade sobre as buscas e seus diversos desdobramentos. Todos os funcionários da companhia compartilham o pesar das famílias das vítimas afetadas".
Marinho reclamou ainda que foi vetada a entrada de um representante do governo brasileiro na reunião de segunda-feira:
- Eles alegaram que era apenas para as famílias.
O Airbus 330 da Air France, que fazia o trajeto Rio-Paris, desapareceu dos radares em 31 de maio de 2009. Após alguns dias de buscas, o governo brasileiro localizou peças do avião e os corpos de 50 vítimas. Como a queda teria ocorrido em águas internacionais, o governo francês assumiu as buscas e a investigação do acidente.
Após o anúncio da descoberta da cauda, alguns sites chegaram a noticiar a localização das caixas-pretas, o que foi negado pelo Escritório de Investigações e Análises (BEA, na sigla em francês). O BEA informou ainda que quer acelerar o início da quinta fase de buscas, que tem como prioridade a procura das caixas-pretas e o resgate de corpos e destroços.


RECONHECIMENTO
PMs promovidos por bravura
Comandante cita o Alcorão ao homenagear os policiais

Ediane Merola

Três policiais militares que participaram da ação na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, na última quinta-feira, foram promovidos ontem por ato de bravura, numa cerimônia no Quartel General da corporação. O terceiro-sargento Márcio Alexandre Alves, que baleou o atirador Wellington Menezes de Oliveira, agora é segundo-sargento. Os cabos Denilson Francisco de Paula e Ednei Feliciano da Silva, que ajudaram a socorrer as vítimas do assassino, passam a ocupar o posto de terceiro-sargento. Alves, que recebeu a promoção das mãos do presidente em exercício, Michel Temer, estava agradecido pelo reconhecimento, mas lamentou ter que receber a homenagem.
- Preferia não estar recebendo esta homenagem. Preferia que as crianças estivessem aqui hoje - disse Alves, emocionado. -- Há cinco anos, mais ou menos, eu não tinha a necessidade de usar minha arma numa ação, só durante treinamentos. Mas sou policial, escolhi essa profissão. Queria ser desde criancinha, e esse é um sonho realizado.
Alves contou que ainda se lembra dos momentos de terror vividos pelas crianças dentro da escola. Pai de dois filhos, ele disse que os policiais militares estão preparados para agir em casos como o de Realengo.
- Não tenho rotina de favela, minha companhia é especializada em trânsito, mas o treinamento que recebemos é o de qualquer batalhão operacional - disse Alves, que relembrou sua chegada à escola. - Não sabia onde ele estava, mas percebi que o barulho dos tiros vinha do primeiro andar.
O comandante-geral da PM, coronel Mário Sergio Duarte, disse que os policiais agiram com coragem, profissionalismo e senso de oportunidade para evitar um morticínio ainda mais grave. Ele encerrou o discurso com uma citação retirada do Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, considerado uma das inspirações de Wellington para fazer o ataque.
- As crianças são o ornamento da vida neste mundo - disse ele, acrescentando que o livro sagrado dos muçulmanos não deve ser associado à tragédia ocorrida em Realengo.
O governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes entregaram as novas insígnias. Temer fez um discurso ao fim da cerimônia e destacou a importância da parceria entre os governos federal, estadual e municipal. Ele elogiou a política de segurança fluminense e iniciativas como a implantação das UPPs. Para Temer, o massacre foi um ato "tresloucado", cometido num momento de desatino:
- Quando se fala em violência e criminalidade no nosso país, sempre se pensa no combate à criminalidade mais rotineira, o assalto à mão armada, o latrocínio, o homicídio. Mas esse fato em Realengo revela outra espécie de violência, a de pessoas que, de repente, se desajustam e cometem desatinos - dissse Temer, que em seguida participou, com Cabral e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, da LAAD/ Defense & Security, a maior feira de segurança e defesa da América Latina, no Riocentro.


ESTRATÉGIA
Embraer aposta em negócios de defesa
Empresa compra 50% da Atech, de olho na América Latina, África e Ásia

Danielle Nogueira

A Embraer Defesa e Segurança, empresa criada pela Embraer no fim do ano passado, quer "ganhar musculatura" no Brasil para avançar em mercados vizinhos, África e Ásia, informou ontem o presidente da companhia, Luiz Carlos Aguiar. O novo passo nessa estratégia foi a compra de 50% da empresa de soluções tecnológicas Atech, anunciada ontem na Laad, feira internacional de defesa e segurança que acontece no Rio até sexta-feira. O valor do negócio é de R$36 milhões.
A aquisição ocorre menos de um mês após a compra de 64,7% da empresa de radares Orbisat, por R$28 milhões. Os dois movimentos, disse Aguiar, visam a aumentar a competitividade da Embraer na disputa pelo novo projeto de vigilância de fronteiras do governo federal, o SisFron, a ser licitado este ano. Assim, pretende ganhar visibilidade e conquistar mercado no exterior:
- Estamos priorizando ganhar musculatura no Brasil, por meio de aquisições, alianças e parcerias. Crescer no próprio país é mais fácil que crescer lá fora. E se você não tem projeto forte na área de defesa em seu país, as forças armadas de outros países não te olham.
A Embraer Defesa e Segurança atua em 40 países, mas pretende reforçar a presença em nações latino-americanas, africanas e asiáticas. Como o SisFron é considerado um trampolim nesse processo, investirá em segmentos complementares a seus negócios para aumentar a chance de vencer a licitação. No caso da Atech, o forte é a tecnologia de monitoramento. A empresa foi criada, em 1999, para atuar no Sistema de Vigilância e Monitoramento da Amazônia (Sivam). Em 2010, faturou R$50 milhões, cifra que deve dobrar em 2011. No acordo com a Embraer, a gestão da Atech será compartilhada e seu presidente, Tarcísio Takashi Mutta, ficará no cargo.
No caso da Orbisat, o presidente será escolhido pela Embraer. Hoje, o Exército usa radares Orbisat, importante para a compatibilizar os projetos.
Em 2006, a divisão de Defesa e Segurança da Embraer teve faturamento de US$230 milhões. Em 2010, atingiu US$670 milhões, ou 12% da receita do grupo (US$5,4 bilhões). A expectativa é que a fatia seja elevada a 20% nos próximos cinco anos.


TECNOLOGIA
Brasil fica para trás na TI, diz relatório
Má qualidade do ensino, burocracia e alta carga tributária atrasam o país

Fernanda Godoy

NOVA YORK. A boa notícia é que o Brasil avançou cinco posições, e está em 56º lugar no ranking mundial de países que melhor utilizam as tecnologias de informação e comunicação para seu desenvolvimento, segundo relatório divulgado ontem pelo Fórum Econômico Mundial. A má notícia é que o Brasil tem enormes fragilidades, como a má qualidade do ensino, os altos impostos, o excesso de burocracia; e que falta uma estratégia para avançar numa área vital para a competitividade e o crescimento do país, segundo o documento.
- O Brasil não está indo a lugar nenhum em termos de tecnologia, e tem muito a fazer para entrar na era do conhecimento - disse Soumitra Dutta, editor do relatório e professor de administração e tecnologia da Insead, na França.
Este é o décimo relatório mundial do Fórum sobre tecnologia da informação, e os países nórdicos continuam na liderança, com a Suécia em primeiro lugar entre as 138 nações que representam 98,8% da riqueza mundial. Países asiáticos, como Cingapura (2º lugar), Taiwan (6º) e Coreia do Sul (10º), estão em constante ascensão, e a China subiu para a 36ª posição. Os Estados Unidos se mantiveram em 5º lugar.

País não tem grande empresa de tecnologia
No grupo Bric, o Brasil está à frente só da Rússia (77º) , e perde também para a Índia (48º). Soumitra Dutta, que é indiano, reconhece que o tamanho do país importa, e que é mais fácil implementar mudanças em países menores.
- Mas economias grandes, como a China, estão conseguindo progressos rápidos. O Brasil vai bem em algumas áreas, como exportação de commodities, e tem uma indústria de ponta, como a Embraer, mas é inacreditável que o país não tenha nenhuma grande empresa de tecnologia da informação - diz Dutta.
O índice NRI (Networked Readiness Index, ou índice de preparação para a rede), composto de 71 indicadores econômicos e sociais, mede o grau de preparo do país para o mundo conectado via internet em três planos: individual, empresarial e governamental.
Os piores desempenhos do Brasil são no ambiente de negócios e na preparação individual, especialmente em educação. Se o único indicador levado em conta fosse o nível da educação, o Brasil estaria em 102º lugar e, se dependesse apenas da qualidade do ensino de matemática e ciência, o país cairia para a 125ª posição.
Alan Marcus, diretor de tecnologia do Fórum Econômico Mundial, cita o Brasil como um mau exemplo quanto às tarifas de telefonia celular, que estão entre as mais altas do mundo.
- À medida que a tecnologia da informação cresceu, muitos governos viram oportunidades para ganhar dinheiro. Olhando para o futuro, o Brasil pode ter que mudar isso - disse.
Outros indicadores em que o Brasil vai mal são o peso da regulação governamental (138º no ranking), a carga tributária (138º), a burocracia, traduzida em número de dias necessários para se abrir um negócio (134º) e o preço da tarifa de telefonia celular (126º).
Argentina, Venezuela e Bolívia entre os piores na AL
O relatório destaca, no entanto, o uso extensivo da tecnologia da informação por empresas e pelo governo no Brasil nas suas transações e serviços, e considera os serviços eletrônicos de governo satisfatórios. Também marcam pontos no ranking a sofisticação do sistema financeiro (14º) e o impacto da tecnologia da informação em novos serviços e produtos (24º).
Junto com o relatório, o Fórum Econômico Mundial lançou também uma plataforma na internet para o intercâmbio de experiências e informações sobre o tema. Na América Latina, o Fórum considera bem-sucedidos o Chile, o Uruguai e a Costa Rica. Já Argentina (96ª no ranking), Venezuela (119ª) e Bolívia (135ª) estão entre os piores.

OPINIÃO
Plebiscito é perda de tempo

A chacina de Realengo fez emergir um justificado sentimento de indignação contra a banalização do porte de armas de fogo. Não poderia ser diferente - e o medonho assassinato de 12 jovens em sala de aula reintroduziu na agenda do país a discussão sobre o desarmamento, da qual devem decorrer imediatas e concretas medidas. É preciso, no entanto, contornar armadilhas que acabem por desviar do ponto que realmente interessa o foco das ações a serem adotadas. É o caso da ideia, lançada pelo presidente do Senado, José Sarney, de convocar nova consulta à população, na forma de plebiscito, sobre a proibição do comércio de armas.
Esta é uma questão já resolvida - ainda que, à luz dos indicadores de violência do país, o resultado do plebiscito realizado em 2005, favorável à liberação da venda de armas em 64%, tenha representado um retrocesso. Jogo jogado, no entanto: um tema foi levado ao crivo dos cidadãos, que, livremente, tomaram uma posição. Voltar a colocar na mesa a proibição do comércio armamentista seria casuísmo, mesmo que motivado por uma tragédia. A legislação brasileira não pode variar de acordo com os humores da conjuntura, ainda mais em assunto vencido.
Também se trata de discussão diversionista. A proibição do comércio de armas era apenas um capítulo de uma lei orgânica mais ampla - o Estatuto do Desarmamento, que, mesmo desguarnecido do dispositivo sobre a venda de armamento, está em vigor e consagra uma série de normas que, se fossem cumpridas, seriam eficaz fator de inibição do armamentismo. Aqui reside, portanto, o real problema: a preocupante facilidade com que se obtém uma arma no país não decorre da existência de lojas legalmente estabelecidas - logo, passíveis de controle -, mas da inexistência de uma política de segurança que assegure o respeito às limitações previstas no Estatuto do Desarmamento. Ou seja, falta cumprir a lei.
A tibieza na aplicação do Estatuto fica evidente, por exemplo, na omissão da Polícia Federal no cumprimento de seu dever constitucional de, entre outras atribuições, fiscalizar a venda de armas no comércio legal, e rastreá-las quando cruzam o limite da legalidade para reforçar o arsenal do banditismo. Levantamento recente da CPI das Armas da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro constatou que, das 10.549 armas rastreadas e apreendidas com criminosos entre 1998 e 2003, 68% haviam sido vendidas legalmente por oito lojas da Região Metropolitana. Ainda segundo a CPI fluminense, cerca de 581 mil armas circulam irregularmente no estado. Em Pernambuco, a polícia descobriu recentemente que uma única casa comercial abastecia o crime organizado de todo o Nordeste. Caberia à PF fiscalizar e inibir esse comércio, responsável por boa dose do poder de fogo dos criminosos. Voltar agora à consulta popular é perda de tempo. Apenas retrata o distanciamento que Brasília tem do país real, que já dispõe de legislação potencialmente eficaz para dar conta desta demanda. É necessário que se cumpra o Estatuto e, ao mesmo tempo, que se retome mesmo a Campanha do Desarmamento - que precisa ser permanente -, este um bem-sucedido movimento que, em sua primeira edição, logrou tirar de circulação expressiva quantidade de armamento. Este é o caminho para conter a banalização do porte e uso de armas, e reduzir as chances de o país chorar outras tragédias como a de Realengo.


ELIO GASPARI

Na Câmara, Maia celebrizou-se ao isentar a Agência Nacional de Aviação Civil de qualquer responsabilidade na crise do apagão aéreo de 2010. Reincidiu na fama quando enfiou numa Medida Provisória um cascalho que prorrogava os contratos dos pontos de comércio instalados nos aeroportos nacionais. (O contrabando foi vetado pela presidente Dilma Rousseff.) A conexão do deputado com a aerocracia pode ser percebida também na sua iniciativa de incluir no orçamento da Viúva uma dotação de R$230 mil para a Abetar, entidade que defende os interesses das empresas de transporte aéreo regional.


COPA 2014
Pressão política contra atraso
Preocupada com prazos, Dilma exige balanços trimestrais sobre obras do Mundial. Objetivo é expor administradores de cidades e estados que não cumprirem metas, inclusive aliados

Gerson Camarotti e Geralda Doca

Preocupada com os atrasos em obras nas 12 cidades que vão sediar os jogos da Copa do Mundo de 2014, a presidente Dilma Rousseff decidiu dar um ultimato a prefeitos e governadores envolvidos com o evento. Dilma determinou que, a partir de junho, sejam divulgados balanços trimestrais, em que sejam responsabilizados politicamente os estados, municípios e órgãos do governo federal por obras atrasadas, como as de aeroportos, portos, transportes urbanos e construção de estádios.
O recado será passado depois de sua volta da China, quando Dilma vai se reunir com governadores e prefeitos dessas 12 cidades. A presidente já queria divulgar o primeiro balanço em abril, mas foi convencida de que seria melhor dar um prazo para que os entes públicos agilizassem as obras. Dilma quer evitar o desgaste político de assumir atrasos pelas obras da Copa. Ao mesmo tempo, o balanço servirá como mecanismo de pressão para governos estaduais e municipais, que seriam cobrados publicamente.
- Nós sabemos quais são os problemas e sabemos como resolvê-los. Quem não fizer aquilo que se comprometeu, terá que pagar o preço político por isso - disse ao GLOBO o ministro dos Esportes, Orlando Silva.
A divulgação de balanços trimestrais chegou a ser avaliada no governo Lula para ser implantada em 2010. Como era ano de eleição, lembrou um integrante do governo, a ideia foi descartada para evitar prejuízos políticos de aliados que administram prefeituras e governos estaduais. Mas Dilma decidiu enfrentar o desgaste junto aos aliados, ao avaliar que esta seria a única forma de cobrar resultados.

Reflexo nas urnas
Segundo interlocutores, Dilma está preocupada com o atraso generalizado nas obras da Copa porque o evento terá grande repercussão internacional e será realizado em 2014, ano da disputa presidencial. Com forte perfil de gerente, a presidente teme que os atrasos possam refletir negativamente em sua popularidade. Por isso, a ordem foi de reagir imediatamente para evitar surpresas desagradáveis.
- Esses balanços públicos vão servir para dar nomes aos bois e responsabilizar os administradores por atrasos nas obras. Com uma pressão pública, todos devem ter cuidado redobrado para evitar desgastes. O próximo ano tem eleição municipal - ressaltou um interlocutor direto da presidente Dilma Rousseff.
Nessa primeira reunião, que deve acontecer ainda em abril, Dilma fará um alerta especial em relação às obras que envolvem a mobilidade humana nas grandes cidades que vão sediar jogos. Ela está especialmente preocupada com a execução de projetos que fiquem para as populações desses municípios.
Dilma também deve fazer um balanço das ações do governo federal. Ela pediu para a nova Secretaria de Aviação Civil e para o novo comando da Infraero uma análise detalhada da situação dos aeroportos. A expectativa é que a profissionalização da Infraero e a criação de uma pasta específica para a aviação civil possam dar agilidade às obras aeroportuárias.

Problemas com aliados
O Planalto já identificou graves problemas nos estados e municípios, inclusive governados por aliados. Entre eles, está a execução do monotrilho de Manaus, já que prefeitura e estado do Amazonas não se entendem em relação a responsabilidade do projeto.
Em Fortaleza, a situação é considerada ainda mais grave. Administrada pela petista Luizianne Lins, a prefeitura não fez obras de alargamento de vias e nem de desapropriação de terrenos para construir o BRT, corredor expresso de ônibus. Em Brasília, as obras do VLT, no Planalto Piloto, estão paradas. O Distrito Federal é governado pelo petista Agnelo Queiroz.
Em relação aos estádios, a situação mais grave é em São Paulo. No entendimento do Palácio do Planalto, estados e municípios se comprometeram com a construção dos estádios com capacidade para 65 mil pessoas. Sem o esperado investimento privado, agora o governo de São Paulo resiste em pôr dinheiro público na obra.


LEGITIMIDADE
Na Líbia, rebeldes pedem armas a aliados
França e Reino Unido cobram ação mais forte da Otan. Mais de 10 mil já morreram, dizem forças opositoras

BENGHAZI, Líbia. Sem conseguir avançar e com cidades atacadas pelas tropas de Muamar Kadafi, os rebeldes pediram ontem armas aos países que já reconheceram o seu Conselho Nacional de Transição como legítimo representante da Líbia — no caso, França, Qatar e Itália —, além de mais esforços para proteger os civis. As forças opositoras afirmam que Kadafi prepara uma ofensiva devastadora e que cerca de dez mil pessoas já foram mortas no conflito.
— Apresentamos uma lista de equipamentos militares e técnicos dos quais necessitamos — informou Abdel Hafiz Ghoga, porta-voz do conselho.
— Pedimos que a comunidade internacional assuma a sua responsabilidade e aja rápido para impedir o massacre de homens, mulheres e crianças.
Os três países foram os primeiros a reconhecer o conselho, que tem em Benghazi a capital do movimento rebelde. O conflito se encontra num impasse, apesar dos bombardeios da Organização do Tratado do Atlântico Norte a alvos do regime.
Ghoga disse que os rebeldes reforçaram a segurança em torno dos campos de petróleo, num momento em que começam a vender a produção com o apoio do Qatar, e admitiu que as forças do regime ainda ocupam partes da cidade portuária de Brega.
Para ministro, “maior fardo” está com Paris e Londres Em Luxemburgo, numa reunião dos ministros de Relações Exteriores da União Europeia, a Otan se viu sob uma espécie de fogo amigo, depois de França e Reino Unido cobrarem envolvimento maior dos aliados e do bloco para destruir armas pesadas do ditador. O chanceler francês, Alain Juppé, lamentou a redução da ação militar americana após a transferência do comando à Otan e criticou a Alemanha por não participar.
— É inaceitável que Misurata continue a ser bombardeada — disse Juppé. — Temos que ser mais eficientes.
Num discurso na Assembleia Nacional, em Paris, o ministro da Defesa, Gérard Longuet, disse que há um limite para a capacidade da Otan e admitiu que sem uma participação maior dos EUA não será possível deter Kadafi. Segundo Longuet, França e Reino Unido estão carregando “a maior parte do fardo”. Num tom muito mais diplomático, o chanceler britânico, William Hague, pediu que os aliados intensifiquem as ações.
A Otan, no entanto, rejeitou as acusações, dizendo que “o ritmo das operações é determinado pela necessidade de proteger a população”. Segundo o general Mark Van Uhm, comandante das operações da Otan na Líbia, o bloco está fazendo “um ótimo trabalho”.
A oposição líbia afirmou ontem que os soldados de Kadafi já mataram dez mil pessoas e feriram 30 mil, com sete mil em estado grave. Outras 20 mil estariam desaparecidas ou presas. A situação mais dramática é em Misurata, onde os rebeldes repeliram ontem dois ataques.
Com a cidade cercada há seis semanas, pacientes começam a morrer por falta de medicamentos. Os rebeldes tentam enviar armas, remédios e alimentos, usando barcos de pesca para furar o bloqueio.
Enquanto isso, Moussa Koussa, o ex-chanceler do ditador que fugiu para Londres, partiu ontem para o Qatar, para participar de uma reunião entre os 20 países que integram a ofensiva e os rebeldes. Segundo uma fonte, Koussa foi convidado por conhecer o funcionamento do círculo mais próximo ao ditador.
Mas sua partida foi criticada pelas famílias das vítimas do atentado de Lockerbie, que matou 270 pessoas em 1988, e que gostariam de vê-lo preso por participação. O governo britânico informou que ele é livre para viajar.

FONTE: O GLOBO

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