DESTAQUE DE CAPA
Cai diferença entre salários de São Paulo e resto do país
Renda de outras regiões cresce mais rapidamente que a dos paulistanos
Investimentos em infraestrutura, reajuste do salário mínimo e programas sociais explicam fenômeno
MARIANA SCHREIBER
DE SÃO PAULO
A diferença entre os salários de São Paulo e do resto do Brasil está diminuindo. E, em algumas regiões e setores, ela já desapareceu.
Levantamento do IBGE comparando o rendimento médio dos trabalhadores da região metropolitana de São Paulo com os de outras cinco -Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Salvador- mostra que em todas houve redução da diferença entre 2003 e 2011.
Isso aconteceu porque os salários dos paulistanos e dos habitantes dos municípios vizinhos cresceram em ritmo menor do que os dos trabalhadores das outras regiões metropolitanas.
No Rio, a remuneração média aumentou mais -chegou a R$ 1.682 em fevereiro, superando em R$ 45 a de São Paulo (R$ 1.637).
Em Porto Alegre, os salários médios do setor de serviços e comércio já estão no mesmo patamar do rendimento dos paulistanos.
O economista da FGV Marcelo Neri ressalta que esse movimento é mais profundo: dados do IBGE de 2001 a 2009 mostram que a renda tem crescido em ritmo maior do que em São Paulo no país.
"A queda da desigualdade regional é inédita. Nos últimos 50 anos, desde quando há dados do assunto, nunca tinha acontecido", disse.
Especialistas em mercado de trabalho e desenvolvimento regional apontam três causas principais para esse fenômeno- a transferência de renda por meio do Bolsa Família, o forte aumento do salário mínimo e os investimentos em infraestrutura.
Clemente Ganz, diretor-técnico do Dieese, observa que o salário mínimo vem crescendo acima da média da remuneração do trabalho no país. Isso, acrescenta, tem impacto maior nas regiões mais pobres, onde uma parte maior da remuneração está atrelada ao piso nacional.
Grandes investimentos do governo em infraestrutura também são considerados importantes, ao estimularem indústria e construção civil.
No caso de Pernambuco, os investimentos públicos mais que duplicaram, passando de um média anual de R$ 680 milhões, entre 2003 e 2006, para R$ 1,68 bilhões, entre 2007 e 2010.
Empresas em busca de incentivos fiscais e mão de obra mais barata também explicam o aquecimento da economia e dos salários fora de São Paulo.
No caso de Minas Gerais, há ainda o fator "China", país que consome ferozmente o minério de ferro produzido no Estado.
CONTINUIDADE
Com o fortalecimento do mercado doméstico, a tendência, dizem economistas, é que a diferença entre os salários regionais caia mais.
"Nosso mercado de trabalho está ficando mais homogêneo, com um forte crescimento da classe média em todo o país", destaca João Saboia, diretor do Instituto de Economia da UFRJ.
Apesar do otimismo generalizado, Raul Silveira Neto, da Universidade Federal de Pernambuco, considera que a baixa qualidade do ensino e da saúde no país pode limitar a expansão dos salários.
"O bem-estar não está evoluindo no mesmo ritmo dos rendimentos. Melhorar emprego e renda dá mais voto que melhorar saneamento e educação", disse.
Rendimento médio no Rio de Janeiro cresceu 30% em 8 anos
DE SÃO PAULO
DO RIO DE JANEIRO
DE PORTO ALEGRE
Os salários médios da região metropolitana fluminense cresceram mais de 30% em oito anos, superando os de São Paulo.
Grande parte desse crescimento está associado à recuperação da indústria do Rio, com destaque para a siderúrgica, automotiva e naval.
O salário industrial médio na região metropolitana chegou a R$ 1.934,80 em fevereiro, 11,6% acima do de São Paulo (R$ 1.733,90).
Ruvail de Souza Paulista Filho, 51, é um dos trabalhadores do Rio que melhoraram de vida com o ressurgimentos dos grandes projetos industriais e os investimentos no setor de petróleo.
O operário trabalhou na construção da siderúrgica CSA até 2009 e fez um curso técnico patrocinado pelo Prominp (Programa de Mobilização da Indústria do Petróleo) depois que saiu da obra.
O curso o ajudou a arrumar uma posição melhor no emprego atual, de inspetor de controle na construção do novo prédio do Cenpes, o centro de pesquisa da Petrobras, na zona norte do Rio.
Ele não revela o salário, mas diz que ganha "bem mais" e consegue guardar dinheiro. "Melhorei de vida."
Das metrópoles pesquisadas mensalmente pelo IBGE, Porto Alegre é onde os rendimentos mais vêm se aproximando dos de São Paulo, depois dos do Rio.
No setor que engloba educação, saúde e servidores públicos, os salários já aumentaram em média 17%.
(MARIANA SCHREIBER, PEDRO SOARES e GRACILIANO ROCHA)
PODER
Seis juízes concentraram empréstimos sob suspeita
Ex-presidentes de associação investigada por fraude receberam R$ 6 milhões
Parte dos recursos obtidos com fundação ligada ao Exército foi usada para quitar operações mais antigas
FREDERICO VASCONCELOS
DE SÃO PAULO
Um grupo composto por seis juízes federais recebeu R$ 6 milhões por meio de empréstimos contratados por uma associação da categoria, a Ajufer (Associação dos Juízes Federais da 1ª Região), investigada por fraude.
Documentos obtidos pela Folha sobre os contratos investigados mostram que o grupo, formado por ex-presidentes da associação, foi beneficiado por 45 empréstimos contratados com a Fundação Habitacional do Exército entre 2000 e 2009.
Cinco deles conseguiram novos empréstimos mesmo quando já tinham acumulado dívidas elevadas com o esquema. Em setembro do ano passado, os seis juízes ainda deviam R$ 1,7 milhão à fundação, uma entidade privada ligada ao Exército que oferece empréstimos a funcionários públicos.
A fundação descobriu a fraude há dois anos e foi à Justiça no ano passado para cobrar da Ajufer uma dívida de R$ 21 milhões. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, abriu inquérito em dezembro para investigar os contratos.
Quatro ex-presidentes da Ajufer foram notificados para explicar as operações à corregedoria do tribunal: Moacir Ferreira Ramos, Solange Salgado, Hamilton de Sá Dantas e Charles Renaud Frazão de Moraes.
Os outros ex-dirigentes da associação que tomaram vários empréstimos são o desembargador Antônio de Souza Prudente, do TRF da 1ª Região, e o juiz Sidney Monteiro Peres.
SINDICÂNCIA
Sindicância feita pela Ajufer indica que, dos 810 contratos firmados pela associação em dez anos, 700 foram fictícios e tinham como beneficiários 142 juízes que não sabiam que seus nomes haviam sido usados.
Os empréstimos foram concedidos pela fundação do Exército sem a apresentação de garantias pela Ajufer ou pelos juízes beneficiados.
Suspeita-se que o dinheiro dos contratos fictícios cobria dívidas de contratos reais.
Em outubro, com os empréstimos já suspensos, o juiz Ramos enviou ofício ao então presidente da fundação, general Clovis Jacy Burmann, pedindo ajuda para o desembargador Prudente, que obtivera oito empréstimos e tinha uma dívida de mais de R$ 340 mil.
"Nos sentimos frustrados até mesmo em recente solicitação de renegociação do associado Antônio de Souza Prudente", afirmou Ramos.
Outros associados da Ajufer concentraram grande volume de empréstimos. Uma juíza fez onze operações, superando R$ 1 milhão. Outro juiz obteve oito financiamentos, no total de R$ 600 mil.
LIMITAÇÃO
O primeiro convênio entre a Ajufer e a fundação previa que o limite para empréstimos individuais seria de R$ 20 mil por associado. Em 2003, a limitação foi retirada.
Diretor financeiro da associação em várias gestões, Ramos discutia os empréstimos com o diretor de captação da fundação, José de Melo, indicando valores e prazos.
Em 2007, Ramos pediu a Melo um empréstimo no valor de R$ 250 mil para o então presidente Charles Renaud Moraes para pagamento em dez anos. A operação foi aprovada em dois dias.
Em 2006, Ramos pediu à então presidente da Ajufer, Solange Salgado, que fizesse um pedido de financiamento à fundação para ele próprio, alegando que não poderia fazê-lo sendo o beneficiário final da operação. Solange pediu R$ 100 mil para Ramos e o empréstimo foi aprovado.
Em 2009, agora como presidente da Ajufer, Ramos pediu mais um empréstimo para ele mesmo de R$ 60 mil. Outros ex-presidentes também adotaram essa prática.
OUTRO LADO
Magistrados evitam comentar investigações
DE SÃO PAULO
A juíza federal Solange Salgado, ex-presidente da Ajufer e diretora financeira na administração do juiz Moacir Ferreira Ramos, não confirma os valores das dívidas anotadas em seu nome.
Ela afirma que seu nome também pode ter sido usado em contratos fictícios.
O juiz Moacir Ferreira Ramos afirma que, "por uma questão estratégica", não deve se manifestar. Ele confirmou o saldo devedor de R$ 365,3 mil e os empréstimos em seu nome.
O juiz Hamilton de Sá Dantas informou que "prefere não se manifestar, pois o processo está sob sigilo no TRF-1". O juiz Charles Renaud Frazão de Moraes disse que já prestou informações à corregedoria sobre o caso.
O desembargador Antônio de Souza Prudente não atendeu ao pedido de entrevista. Já o juiz Sidney Peres não foi localizado pela reportagem.
A Fundação Habitacional do Exército informou que não pode se pronunciar a respeito do documento. (FV)
Editoriais
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Pendências nucleares
Acidente em Fukushima e temores por ele reavivados exigem que o Brasil reveja pontos obscuros sobre produção de energia atômica
Em que pesem as dúvidas reavivadas pelo acidente de Fukushima e o grande potencial hidrelétrico, solar e eólico (ventos) ainda disponível no Brasil, faz sentido concluir Angra 3 e construir outras quatro novas usinas previstas no planejamento energético do governo federal. Falta, porém, resolver quatro pendências cruciais.
O Brasil já produz 2% de sua eletricidade por meio das usinas termonucleares Angra 1 e 2. As reservas brasileiras de urânio ocupam a sexta posição mundial e seriam suficientes para alimentar seis reatores pelo prazo de 250 anos. É uma das três nações, com EUA e Rússia, a deter jazidas e tecnologias de enriquecimento necessárias para utilizar o combustível.
São razões bastantes para o país prosseguir no projeto de dominar o ciclo completo da energia nuclear -com fins pacíficos, como está na Constituição. Para tanto, o programa precisa ganhar escala.
A primeira pendência é a licença definitiva de operação de Angra 2. Constitui um absurdo burocrático que a usina esteja em operação desde o ano 2000 sem a permissão legal. Um termo de ajustamento de conduta foi firmado pela Eletronuclear (estatal subsidiária da Eletrobrás) com o Ibama e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), mas a licença continua barrada pelo Ministério Público Federal. O poder público tem a obrigação de desatar esse nó.
O segundo ponto sem definição afeta o plano de retirada da população de Angra em caso de vazamento. O esquema existente depende da rodovia Rio-Santos, notoriamente malconservada e propensa a deslizamentos. Após Fukushima, veio à tona estudo da Eletronuclear para realizar a evacuação também por mar, com a construção de embarcadouros.
A terceira indefinição diz respeito à criação de uma agência reguladora autônoma para o setor, que seria desmembrada da Cnen. É uma demanda que vem do exterior, principalmente: pelo padrão internacional, a agência fiscalizadora não deveria ser também executora da política nuclear.
A Cnen é, por exemplo, acionista controladora das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), empresa que extrai urânio e produz o combustível nuclear. O governo federal anunciou no final de 2008 o plano de criar tal agência, mas ela não se materializou.
Por fim, persiste a situação incômoda -sob a luz do desastre no Japão- de interinidade "branca" em que a diretoria da Cnen vem sendo mantida. O novo ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, parece inclinado a substituir o atual presidente, Odair Gonçalves, no cargo desde o primeiro mandato de Lula, mas não se definiu sobre a sucessão.
Em quaisquer condições de temperatura e pressão, o tema nuclear é estratégico e sensível -mais ainda sob a onda de choque produzida desde Fukushima. A confiança da população é decisiva para a exploração racional dessa energia. Não é nada tranquilizador ver o governo manter tantas indefinições a seu respeito.
PAINEL DO LEITOR
Pracinhas
A reportagem "Pracinhas foram à 2ª Guerra sem preparo" (Poder, ontem) demonstra bem a necessidade de ter Forças Armadas preparadas materialmente, psicologicamente motivadas e adestradas. Nossos recrutas estão motivados e bem equipados para enfrentar uma batalha?
PAULO MARCOS GOMES LUSTOZA, capitão de mar e guerra reformado (Rio de Janeiro, RJ)
Há que se avaliar informações que podem gerar interpretações errôneas sobre a atuação da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra. Há que se debruçar sobre os diversos trabalhos acadêmicos ou não já produzidos sobre o assunto. É necessário o cruzamento de outros documentos.
CARMEN LÚCIA RIGONI (Curitiba, PR)
Brasília - Melchiades Filho
Aperte os cintos
BRASÍLIA - Ciosa da imagem de boa gestora, Dilma poderia explicar por que há duas semanas assinou a criação de um ministério para cuidar da aviação civil e até hoje não se importou em nomear o ministro.
Há um descompasso de velocidades em tudo o que diz respeito à reformulação do setor aéreo. A urgência no discurso do Planalto contrasta com a lentidão das ações.
Sabe-se desde janeiro, por exemplo, que a presidente decidiu transferir à iniciativa privada o direito de explorar os aeroportos -inequívoca guinada em relação à política de Lula. Mas nada de definir e divulgar os detalhes do novo modelo.
Assim como nada acontece na Anac. O órgão regulador, deslocado para o guarda-chuva do novo ministério, está acéfalo desde fevereiro. Sem interesse de permanecer, a presidente Solange Vieira saiu de férias e não voltou a Brasília.
Responsável pela administração dos aeroportos, a Infraero vive dias de impasse também. Não se falou mais no plano de abrir o capital da estatal. Nem no destino dos terminais de menor porte, deficitários.
Enquanto isso, os principais aeroportos continuam saturados. Resultado de anos de negligência nos serviços, da decadência da infraestrutura e do fato de que, pela primeira vez, mais brasileiros viajam de avião do que de ônibus -o número de passageiros de avião cresceu 115% de 2002 a 2010.
Ou o governo Dilma hesita em enfrentar essa situação porque sofre dos mesmos males dos anteriores: a dificuldade paquidérmica de se mexer e a incompetência para lidar com problemas complexos.
Ou hesita porque lhe falta sinceridade. Anuncia agora "forte intervenção" no setor apenas para justificar a criação de cargos (já são 130 novos), o aparelhamento do Estado e a possibilidade de fazer negócios com a iniciativa privada no futuro.
A primeira declaração do novo presidente da Infraero, Gustavo Vale, dá uma pista: "Se a Copa fosse hoje, não teria problema". Não?!
COTIDIANO
França acha mais destroços do voo 447
Quase dois anos após queda de aeronave da Air France no Atlântico, motores e partes da asa são localizados
Para escritório francês que apura o acidente, descoberta reaviva a esperança de localizar caixas-pretas do avião
ANA CAROLINA DANI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
A agência francesa que investiga o acidente com o voo 447 da Air France que matou 228 pessoas em maio de 2009 anunciou ter localizado novos destroços do Airbus A330 que caiu no oceano Atlântico quando fazia a rota Rio-Paris.
Em comunicado divulgado ontem, o BEA (escritório francês que investiga a segurança na aviação civil) informou que buscas feitas nas últimas 24 horas localizaram novos "elementos" do avião.
O diretor do BEA, Jean Paul Troadec, disse que se tratavam de motores e partes da asa. "A novidade favorável é que os destroços estão relativamente concentrados. Por isso, temos esperança de encontrar as caixas-pretas."
O BEA lançou em fevereiro a quarta e provável última fase de buscas por destroços. A campanha se concentra em uma área de 10 mil km2 e um raio de 75 km ao redor da última posição conhecida.
Ela é dirigida pela equipe do Whoi (Woods Hole Oceanographic Institution), a maior instituição oceanográfica privada do mundo.
ESPERANÇA
O anúncio deve reavivar as esperanças dos familiares, que tentam identificar as causas do acidente, um dos piores da história da companhia Air France. Em buscas anteriores, foram recuperados menos de 5% do avião e apenas 50 corpos.
"Acho que agora podemos descobrir alguma coisa, pois estamos em busca da verdade há quase dois anos ", afirmou ontem à Folha o presidente da Associação dos Familiares de Vítimas do Voo 447, Nelson Faria Marinho.
As causas do acidente não foram identificadas. Um dos relatórios parciais indicou que falhas nos medidores de velocidade das aeronaves podem ter contribuído.
Antes do acidente com o voo 447, outros incidentes foram registrados com os mesmos sensores da marca Thales que equipavam o Airbus A330 da Air France. Em março, a Airbus e a Air France foram indiciadas por homicídio culposo nas investigações da Justiça francesa.
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