GOVERNO
Freio nos gastos com funcionalismo
Planalto pede aos integrantes da base aliada pressa na aprovação dos projetos que limitam o aumento das despesas com a folha de salários e criam o fundo de aposentadoria do setor público. Sindicatos prometem reagir com uma onda de greves
Josie Jeronimo
A presidente Dilma Rousseff está mobilizando a sua base no Congresso para acelerar a votação de projetos que reduzem os gastos com o funcionalismo. Para colocar em prática o plano de contenção de despesas, ela quer desengavetar duas propostas: uma que limita o aumento da folha de salário dos servidores e outra que modifica o regime previdenciário dos servidores — nesse caso, as novas regras afetarão somente os aprovados em concurso após a ratificação das mudanças pelos deputados e senadores.
O clima é de apreensão no funcionalismo, sobretudo no que se refere ao Projeto de Lei Complementar 549, de 2009, de autoria do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). A proposta fixa, pelos próximos 10 anos, a correção dos gastos com pessoal em, no máximo, 2,5% anuais acima da variação do Produto Interno Bruno (PIB). Os servidores reclamam que a medida, na prática, põe fim à margem de negociação de reajustes salariais e à abertura de concursos.
Os sindicatos têm procurado o relator da matéria na Câmara, deputado Pepe Vargas (PT-RS), para reivindicar a paralisação da tramitação na Comissão de Finanças e ameaçam iniciar greve se o governo insistir na aprovação da proposta. “Estamos bastante apreensivos sobre o PLP 549. O governo Lula começou a recuperar a capacidade do Estado de prestar serviço público. Mas o processo de atualização dos salários não está concluído. Há várias categorias que ainda precisam ser atendidas”, disse o secretário-geral do Sindicato dos Servidores Públicos Federais do Distrito Federal, Oton Pereira Neves. Que acrescentou: “Caso o limite seja aprovado e sejamos prejudicados, partiremos para o enfrentamento, usando toda a nossa artilharia. Em última instância, vamos para a greve, a nossa arma mais poderosa, que deve ser utilizada em última instância”.
Teto do INSS
Para criar o fundo de aposentadoria dos servidores e conter um rombo anual de R$ 51 bilhões, técnicos do Ministério da Fazenda, do Planejamento e da Previdência Social elaboram uma proposta conjunta. A meta é impor um teto para os benefícios semelhante ao do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), de R$ 3,6 mil. A partir desse valor, os servidores terão de contribuir com o fundo. Quanto maior for a aposentadoria desejada, maior a contribuição. É esse o modelo vigente para os fundos de pensão das estatais.
O ministro da Previdência, Garibaldi Alves, contou que Dilma pediu a contribuição de cada ministério para a contenção de gastos e que a pasta está empenhada na elaboração da reforma previdenciária do setor público, para que o Congresso possa votar o projeto ainda no primeiro semestre deste ano. Assim, as mudanças já poderão ser aplicadas nos concursos de 2012. “A proposta que está na Câmara desde 2007 foi desarquivada e pode ser avaliada daqui a duas semanas nas comissões. O governo, por hora, está gastando as energias nesse plano de contenção de despesas. Da nossa parte, o projeto que está tramitando estabelece o regime para os futuros concursados”, informou.
Segundo ele, para receber aposentadoria acima do teto da Previdência Social, os novos servidores sofrerão dois descontos no contracheque. O primeiro, de 11%, será relativo ao teto do regime previdenciário geral. O segundo, de 7,5%, incindirá sobre o restante do salário. Os descontos na folha formarão o sistema de previdência privada do funcionalismo. Mas, para iniciar a movimentação financeira do fundo, o governo terá que fazer um aporte de R$ 50 milhões.
A diferença salarial entre servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário é um nó que o Planalto tenta contornar. Até agora, de acordo com o Romero Jucá, os técnicos que elaboram a proposta chegaram à conclusão de que é necessário criar um sistema só para servidores do Judiciário e do Ministério Público. “Trata-se de um mecanismo primordial. A discussão está em andamento. Mas, muito provavelmente, o Judiciário terá mesmo o seu fundo e o restante dos servidores, outro”, assinalou.
Embrapa abre sindicância
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) constituiu uma comissão de sindicância interna para apurar as denúncias publicadas na edição de ontem do Correio e “tomar as providências cabíveis, caso necessário”. A reportagem revelou que, apesar receber salário normalmente todos os meses, o advogado Antônio Marques da Silva não cumpre a carga horária estabelecida em contrato. Embora, em tese, sua jornada seja das 8h às 12h e das 13h às 17h, ele, em vez de permanecer na empresa, bate ponto em seu escritório particular. Por meio de nota, a Embrapa destacou a importância do trabalho da Assessoria Jurídica da Empresa (AJU), na qual Silva é lotado, que conta com 64 advogados.
EXECUTIVO
Estilo reconhecido, clima de lua de mel
Pesquisa indica que os primeiros 80 dias de Dilma tiveram avaliação popular superior à conquistada por Lula e FHC e que os eleitores já enxergam um descolamento da imagem dela em relação à do antecessor
Tiago Pariz
Edson Luiz
A avaliação dos primeiros passos do governo de Dilma Rousseff é mais positiva que a de seus dois antecessores. A percepção popular indica, também, que a presidente já mostra um estilo diferenciado de gestão em relação a Luiz Inácio Lula da Silva. Os freios às altas taxas de aprovação da petista são as áreas de segurança pública, saúde e a economia, este último o setor ao qual ela mais dedicou atenção nos primeiros três meses, marcados por crescimento da inflação e de medidas para conter gastos públicos.
A avaliação de governo atingiu 56% de ótimo e bom, contra 5% de ruim e péssimo, segundo pesquisa divulgada ontem pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e realizada pelo Ibope. Esses percentuais são melhores do que os registrados no início dos dois mandatos de Lula e de Fernando Henrique Cardoso. A avaliação negativa é a menor desde a redemocratização.
A popularidade de Dilma chegou a 73%, superior à cifra registrada por Lula em abril de 2007, mas inferior aos 75% que o petista cultivou em março de 2003. Ela é desaprovada por 12% dos 2002 entrevistados em 141 municípios entre 20 e 23 de março. A margem de erro é de 2 pontos percentuais.
A confiança na presidente atingiu 74%, menor apenas do que a alcançada no início do primeiro mandato de Lula. Os dados vêm acompanhados da percepção de que Dilma conseguiu dar uma nova cara à rotina do Planalto, apesar de fazer um governo de continuidade. Do total, 64% responderam que o jeito de governar dela é muito ou um pouco diferente em relação a Lula, contra 39% que disseram não ver distinção. Esses mesmos 64% acreditam que o governo está no mesmo patamar de qualidade do anterior. Outros 12% dizem ser melhor e 13%, pior.
Apreço
Os dados mostram que, apesar do crescimento da inflação e do ceticismo do mercado quanto à eficácia das medidas econômicas para conter os gastos públicos, a população vive uma lua de mel com a nova presidente e, sobretudo, está gostando do jeito dela de governar. Entre as peculiaridades, a decisão da própria presidente de conceder um reajuste maior para beneficiários do Bolsa Família, superando o sugerido pelos técnicos.
A ponderação de Renato da Fonseca, gerente executivo da Unidade de Pesquisa, Avaliação e Desenvolvimento da CNI, é a de que a popularidade de um presidente está ligada à economia. Isso significa que se a inflação alta persistir, a lua de mel pode ser encurtada. “A avaliação do eleitor tem muito a ver com o momento da economia”, afirmou. Ele ressalta, no entanto, que a boa avaliação do fim do governo Lula contribuiu com os números favoráveis. “A popularidade, ela herdou de Lula. Manteve parte de sua equipe e adotou a mesma política de governo”, acrescenta Fonseca.
A demonstração de que o governo ainda não conseguiu conter a deterioração da expectativa inflacionária é o mais recente relatório do Banco Central, que indica crescimento menor e alta dos preços neste ano. Desde que tomou posse, o governo Dilma focou os esforços na área econômica: aprovou um salário mínimo conservador, de R$ 545, anunciou corte de R$ 50 bilhões no Orçamento, reduziu a expansão do crédito e podou os estímulos tributários de setores empresariais. Entre os entrevistados pelo Ibope, há um empate entre quem aprova e quem desaprova a política de juros e menos da metade da população dá aval à maneira como a alta dos preços está sendo combatida.
Marcas de independência
Dilma Rousseff elegeu-se com o apoio do mentor político Luiz Inácio Lula da Silva, mas, nestes primeiros meses, imprimiu um ritmo que indica claras diferenças em relação ao mentor.
Irã
A diplomacia internacional foi a primeira demonstração de diferença. Dilma afastou-se do Irã e condenou o abuso de direitos humanos.
Lula pautou-se por uma aproximação com o presidente daquele país, Mahmoud Ahmadinejad.
Comunicação
A presidente manteve a coluna e o programa de rádio semanais instituídos por Lula, mas mostrou-se mais discreta nas entrevistas. No início do governo, mergulhou no trabalho. Não saía sequer para almoçar fora do Planalto.
Sindicalistas
A crise no canteiro de obra do PAC foi mediada, com aval de Dilma, pelo ministro da Secretaria-Geral, Gilberto Carvalho. Antes, o próprio Lula tomava as rédeas desse tipo de conversa.
Mínimo
Na negociação do salário mínimo, Dilma não cedeu um milímetro aos sindicalistas e conseguiu aprovar uma política para os próximos quatro anos. Assim, evitou fazer todo ano uma nova discussão.
Oposição
PSDB e DEM, com a exceção do ex-governador de São Paulo José Serra, têm elogiado Dilma, dizendo que ela não dá sinais de que pretende tratar a oposição como inimiga, como afirmavam que Lula fazia.
BRASILIA-DF
Com Leonardo Santos
Incidente
O deputado Fernando Francischini (PSDB-PR) solicitou que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, cobre explicações das autoridades paraguaias sobre o suposto envolvimento de integrantes da marinha de Guerra daquele país com atividades criminosas no lago de Itaipu. É frequente a troca de tiros entre policiais federais brasileiros e militares paraguaios. O último incidente ocorreu em 17 de março, quando a Polícia Federal apreendeu um barco com pneus contrabandeados e seus agentes foram alvos de tiros disparados por uma lancha da marinha paraguaia.
Chile
Estão de vento em popa as relações com o governo conservador do Chile. Ontem, para preparar a visita da ministra Dilma Rousseff ao país vizinho, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota (foto), se reuniu com o presidente chileno Sebastián Piñera, em Santiago, que reiterou o convite para a visita. O comércio entre o Chile e o Brasil atingiu, no ano passado, US$ 8,3 bilhões, um aumento de 58% em relação a 2009. O Brasil negocia o apoio de Piñera na reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas e na candidatura do Brasil à direção-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
Na foto
O encontro entre o ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter com o líder cubano Fidel Castro teve uma inesperada presença brasileira. Sobre a mesa em que os dois conversavam estava o livro A mosca azul, do escritor e colunista do Correio Frei Betto. O mineiro deve ter inspirado seu amigo Fidel, que chegou a declarar que considera Carter “um amigo”.
FUNCIONALISMO
Garantia a aprovados
Senador Wellington Dias (PT-PI) encabeça tentativa para salvar nomeação de candidatos selecionados que não foram chamados a assumir cargos - situação de 1.061 pessoas na área federal
» Josie Jeronimo
» Cristiane Bonfanti
O governo analisa a possibilidade de nomear 1.061 aprovados em concursos que perdem a validade neste ano. Levantamento do senador Wellington Dias (PT-PI) revela que ao menos 11 órgãos podem ficar com o quadro de pessoal prejudicado caso a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, não cumpra a promessa de avaliar “com lupa” a necessidade de contratações. Nas contas do parlamentar, a convocação desses concorrentes teria um impacto estimado em R$ 60 milhões ao ano no Orçamento.
Para Dias, uma das situações mais críticas é a dos que aguardam uma segunda chamada referente ao certame realizado em 2008 pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Aprovados além do número de vagas, eles estão há dois anos na expectativa da nomeação e viram a situação se agravar com o corte nos gastos do governo. A validade do concurso, já contado o prazo da prorrogação, expira em 31 de julho deste ano. “Encaminhamos uma carta para a ministra do Planejamento e para a presidente Dilma Rousseff solicitando a reavaliação. De um lado, ganhariam os candidatos, por não perderem o tempo investido nos estudos. De outro, a vantagem seria do próprio governo, que terá outro gasto para realizar esses mesmos processos seletivos se não fizer as convocações”, ressaltou o parlamentar.
Prazos
A validade de outros dois processos seletivos da Receita Federal
— um para auditor fiscal e outro para analista, em um total de 1.150 vagas — também se encerrará neste ano. Cerca de mil pessoas já foram nomeadas. As demais aguardam autorização do Planejamento. Os aprovados no concurso da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), realizado em 2009 com 140 vagas, esperam pela abertura de um segundo curso de formação. “O governo precisa analisar com cuidado o caso das agências reguladoras”, cobrou o diretor da escola preparatória Concurseiro Urbano, Alexandre Prado.
Para garantir o congelamento da contagem de tempo da validade dos concursos quando os governos anunciarem paralisações de processos seletivos, Dias prepara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Aos olhos de Carlos Eduardo Guerra, diretor do Centro de Estudos Guerra de Moraes, a iniciativa do senador é vista com louvor, mas exige cuidados. “O perigo é de a medida se transformar, no futuro, em uma maneira de burlar as nomeações. O texto deve ser bem específico, para que o governo não estenda os prazos indeterminadamente”, disse.
INFRAESTRUTURA
Edital do trem-bala vai mudar
Diretor da ANTT quer facilitar as regras para atrair interessados no leilão, que deve ser adiado. Imposto sobre equipamentos pode cair
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) informou ontem que o governo poderá facilitar algumas regras no edital do trem-bala para atrair mais interessados no projeto, cujo leilão, previsto para o fim deste mês, deve ser adiado pela segunda vez. “Se o governo avaliar que pode fazer mudanças mais profundas, o prazo de adiamento será maior. Se olhar as questões colocadas (pelos interessados), será de dois a seis meses”, disse o diretor-geral da ANTT, Bernardo Figueiredo, em seminário no Clube de Engenharia no Rio.
Na quarta-feira, uma fonte do governo disse à agência Reuters que o governo deveria adiar de abril para julho o leilão de concessão do Trem de Alta Velocidade (TAV), que ligará as cidades de Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro. O projeto é uma obra prioritária do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com custo total de R$ 34,6 bilhões, incluindo obras civis, desapropriação e equipamentos. Entre os itens que podem ser reavaliados, de acordo com o diretor-geral da ANTT, está o ritmo de adoção de conteúdo nacional. Os potenciais investidores pedem para que a velocidade de introdução da produção local seja mais lenta no começo da obra.
Outra possibilidade é a isenção de alguns tributos que incidem sobre equipamentos para o projeto, entre eles o Imposto de Importação. “Os pedidos mais complexos são mais difíceis de serem atendidos, como a mudança no modelo”, disse Figueiredo ao se referir a uma demanda de investidores por maior participação estatal no empreendimento.
O diretor da ANTT estimou que a obra comece apenas na segunda metade de 2012. “É difícil estar pronto para as Olimpíadas, mas pode ser que as partes envolvidas façam um esforço”, afirmou. “Seis anos é o prazo máximo (para conclusão da obra)”, completou.
A decisão final sobre a data do leilão deverá ser tomada após reunião da presidente Dilma Rousseff, entusiasta do trem-bala, com representantes do Ministério dos Transportes, da Casa Civil e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mas a expectativa de Figueiredo é que o anúncio da nova data seja feito pelo ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, na próxima semana.
Consórcios
Desde a semana passada, reuniões em Brasília entre os Transportes, a ANTT e o BNDES analisam os pedidos dos investidores — entre eles os espanhóis da Talgo — de adiar o leilão. As empresas querem mais tempo para analisar a viabilidade econômico-financeira do projeto e formar os consórcios que entrarão na disputa.
Este será o segundo adiamento do leilão do TAV. Inicialmente, a licitação ocorreria em 16 de dezembro do ano passado, mas foi remarcada para 29 de abril. Apenas o consórcio liderado por empresas da Coreia do Sul estava preparado para a entrega das propostas, que ocorreria em 11 de abril. O projeto, de 500 quilômetros de extensão, prevê a interligação dos aeroportos internacionais de Viracopos (SP), Guarulhos (SP) e Galeão (RJ).
Petrobras compra 100% da Innova
A Petrobras anunciou ontem a compra de 100% do capital social da Innova, empresa petroquímica controlada anteriormente pela Petrobras Energia Internacional, subsidiária argentina controlada pela Petrobras Argentina (Pesa). O valor da operação, aprovada pelo Conselho de Administração das duas empresas, Petrobras e Pesa, é de US$ 332 milhões e o desembolso será feito em dinheiro. “O interesse da Petrobras é alinhar esse ativo petroquímico aos existentes no Brasil, criando sinergias entre eles, e também com investimentos futuros, inclusive com o Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro)”, informou a estatal. A Innova está localizada no Polo de Triunfo (RS) e produz estireno, poliestireno e etilbenzeno, matérias-primas da borracha sintética, de resinas acrílicas e da resina poliéster, utilizados na fabricação de descartáveis, tintas, isopor, pneus, embalagens e papel.
VISÃO DO CORREIO
Para preservar a imagem do país
O Brasil tem estado em evidência nos últimos anos por razões extremamente positivas: o crescimento expressivo da economia, a consolidação democrática, a implantação de projetos de combate à pobreza. Deveria permanecer na singular e privilegiada conjuntura por alguns anos, em função de acontecimentos globais que aqui acontecerão, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. No entanto, nossa capacidade de administração está sob questionamentos porque, e isso é fato inconteste, temos enfrentado problemas na condução da preparação do primeiro evento, o maior — e não apenas de caráter esportivo — do planeta.
O maior crítico da postura brasileira tem sido o presidente da Federação Internacional de Futebol (Fifa), Joseph Blatter. É importante ressaltar que há, nem tão ocultas assim, motivações políticas na manifestação do suíço: o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e do Comitê Organizador da Copa 2014, Ricardo Teixeira, não o apoia à reeleição (prefere o catariano Mohamed Bin Hammam). Mas, analisando-se friamente, Blatter tem razão. Sediar evento de tal porte exige do nosso país renúncia ao amadorismo, à improvisação e à nossa cultura de deixar tudo para a última hora.
Há estádios cujas obras de restauração ou construção nem sequer começaram. A rede hoteleira carece de atenção especial. Os aeroportos, peça fundamental nessa engrenagem, continuam sobrecarregados. Alguns deles, incluindo os de 12 cidades-sede, nem projetos de reestruturação têm — e o compromisso é de reformá-los até 2012, a pouco mais de um ano da Copa das Confederações, torneio que antecede a Copa.
Das 24 obras planejadas, apenas quatro foram iniciadas — entre elas, um improvisado terminal em Viracopos, em Campinas, no interior de São Paulo. Assim, o cronograma põe sob sério risco os investimentos de mais de R$ 5 bilhões programados pelo governo até 2014. Eis outro grave sinal de alerta: menos de 3% dos recursos programados efetivamente saíram dos cofres estatais. A política de abertura do capital da Infraero, que agora está subordinada à recém-criada Secretaria de aviação Civil, ainda está sendo gestada.
As autoridades de esferas distintas de poder (planejamento, execução, fiscalização) devem, antes de tudo, evitar a mais séria das ameaças: arranhar, desde já, a imagem crível de força emergente que tanto custo exigiu para nascer no Brasil.
Conexão diplomática
Silvio Queiroz
Os pontas de lança do capital alemão mal disfarçam a urgência de arrebatar as coroas possíveis antes que os chineses abocanhem tudo
Quem dá mais que os chineses?
Na viagem de vinda da nutrida comitiva empresarial que acompanhou nesta semana no Brasil o ministro alemão de Transportes e Desenvolvimento, Peter Ramsauer, as conversas preparatórias falaram muito de três nomes: Copa, Olimpíada e PAC. Nada a estranhar, quando a Europa está outra vez se lançando ao Atlântico atrás de negócios no Novo Mundo. A diferença é que, 500 anos depois de Colombo e Cabral, as caravelas vêm também do outro lado da Terra: os pontas de lança do capital alemão mal disfarçam a urgência de arrebatar as coroas possíveis antes que os chineses abocanhem tudo o que couber em seu apetite de expansão. “Eles estão preocupados de verdade, todos falavam nisso”, confidenciou à coluna um integrante da .
É claro, o tamanho do dragão parece ainda mais assustador quando visto a uma semana da partida da presidente Dilma Rousseff para Pequim, na companha de mais de 200 empresários — parte deles não sairá do Brasil. A mera escolha da China como destino da primeira viagem oficial de longo curso do novo governo fala por si, como ouviram também os norte-americanos — tanto que mandaram logo Barack Obama, sem fazer caso ao costume de primeiro esperar em casa pelos vizinhos sul-americanos. E, só na última semana, andaram por Brasília os chanceleres da Dinamarca e da Noruega, esta última parceira de alguma data na prospecção e exploração de petróleo em águas profundas.
Como notou um observador brasileiro com acesso aos bastidores da investida alemã, fala-se agora do Brasil, nas rodas do alto capital, como a “bola da vez”. Crescimento constante e estável, obras e mais obras por fazer e dinheiro em caixa para financiá-las fazem do país cenário de um animado leilão.
Presidente à vista
É na longa história comum, que inclui o legado de uma geração de imigrantes e a presença já familiar de um grande número de empresas, que a Alemanha tem uma de suas cartas mais fortes na corrida pelos negócios por aqui. É com esse dado que a diplomacia de Berlim, em fase de redescoberta da América Latina, vai investir nos próximos meses. Já na semana que vem, vai comemorar 40 anos da embaixada em Brasília, com um concerto. Em maio, para marcar 140 anos de relações bilaterais, está sendo esperado o presidente Christian Wulff. No parlamentarismo alemão, as funções do chefe de Estado são mais protocolares, mas uma visita — até por definição — sempre abre portas.
Fica a expectativa pelo primeiro encontro entre Dilma e a chanceler Angela Merkel, que têm em comum o pioneirismo feminino no governo de seus países.
A senha foi Ruanda
O tema da ação militar ocidental na Líbia, cujo início foi ordenado por Barack Obama no Palácio do Planalto, foi abordado pelo presidente americano com a anfitriã, no encontro reservado que mantiveram pouco antes. Segundo fontes que tiveram acesso ao teor da conversa, Obama justificou a iniciativa — da qual o Brasil discordou, se abstendo na votação em que o Conselho de Segurança autorizou o uso da força contra Kadafi — invocando o fantasma de Ruanda. São, na verdade, centenas de milhares de almas que atormentam a consciência coletiva da diplomacia americana, cuja hesitação contribuiu para o massacre da minoria étnica tutsi, na guerra civil de 1994.
A revelação é mais um indicador da importância que vem assumindo, como peça estratégica do Departamento de Estado sob Hillary Clinton, a embaixadora dos EUA, na ONU, Susan Rice (foto). Na campanha de 2008 pela Casa Branca, foi ela uma das principais assessoras de Obama para política externa. E, assim que seu nome começou a ser cotado para o posto, ela confessou, em entrevistas, que o genocídio dos tutsis era a grande frustração de sua carreira. Rice, que não tem parentesco com a ex-secretária de Estado de George W. Bush, tem sólida formação acadêmica e interesse acentuado pela África. Fez carreira na administração federal sob o governo de Bill Clinton, mas tendo como mentora a então secretária de Estado, Madeleine Albright, que em 1997 indicou-a secretária-assistente para África.
AFEGANISTÃO
Ataque à ONU mata oito estrangeiros
Multidão protestou contra a queima do livro sagrado islâmico por um pastor americano
Renata Tranches
O ato extremista de um pastor norte-americano, que queimou um exemplar do Corão há duas semanas, foi respondido ontem no Afeganistão por muçulmanos enfurecidos que promoverem um massacre no Escritório da Organização das Nações Unidas em Mazar-i-Sharif (Unama), principal cidade no norte do país. De acordo com a ONU, pelo menos oito estrangeiros morreram no ataque: três funcionários do escritório e cinco guardas nepaleses. O incidente teria resultado também na morte de um número não determinado de manifestantes afegãos, totalizando cerca de 20 vítimas, segundo a agência de notícias Reuters. Duas teriam sido decapitadas. No fim da tarde, a polícia da província de Balkh informou que um homem foi preso sob suspeita de ser o mentor do ataque, mas sua identidade não foi revelada.
Um porta-voz policial de Mazar-i-Sharif, Lal Mohammad Ahmadzai, afirmou que insurgentes talibãs teriam se infiltrado entre os manifestantes. Segundo o relato, milhares de pessoas se reuniram diante da sede da missão, após as orações de sexta-feira — dia santo da semana islâmica —, e começaram a apedrejar as instalações. Alguns manifestantes teriam tomado as armas dos seguranças e começado a disparar. Depois, atearam fogo no prédio.
Outra fonte policial disse à agência de notícias Reuters que os manifestantes atacaram as vítimas dentro do complexo da ONU. O chefe da missão ficou ferido. Os governos da Noruega e da Suécia confirmaram que cidadãos de seus países estão entre os mortos. O porta-voz da missão, Dan McNorto, confirmou, pelo site da Unama, que o ataque ocorreu após a manifestação. “A situação ainda está confusa e estamos trabalhando para averiguar os fatos e cuidar do nosso pessoal”, declarou.
Os manifestantes fizeram uma declaração exigindo que o governo afegão “rompa qualquer ligação diplomática com os Estados Unidos, se eles não julgarem o pastor que queimou o Corão”. Eles pediram ao Parlamento afegão que “declare ilegal a presença de tropas estrangeiras” no país, onde cerca de 132 mil soldados enviados pelos EUA e aliados dão proteção ao governo de Cabul, assediado pelos talibãs. Protestos contra a queima do livro sagrado muçulmano ocorreram em diversas cidades afegãs, sob o lema de um “dia de fúria”.
Segundo o jornal britânico The Guardian, o incidente é visto como um desastre para a ONU, porque ocorre apenas uma semana depois de o presidente Hamid Karzai anunciar que a cidade seria uma das primeiras áreas do país a serem entregues pela força multinacional às tropas do governo afegão. O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, condenou o “ataque ultrajante e covarde”. Nos EUA, o presidente Barack Obama divulgou nota denunciando o assassinato de “pessoas inocentes”: “Condeno nos termos mais fortes possíveis o ataque contra a Missão de Assistência da ONU no Afeganistão”.
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