DESTAQUE DE CAPA - BRASIL
Explorados até o último centavo
Sem que soubesse, Joana (nome fictício) teve a casa - a qual levou uma vida para comprar - vendida pelo filho. Ele também a surpreendeu com dois empréstimos que fez em nome dela. Imobilizada pelas sequelas de um acidente vascular cerebral, a aposentada de 83 anos vive hoje em um asilo. Os maus-tratos de que foi vítima revelam mais uma face cruel de um país onde 64% dos lares são sustentados por pessoas com mais de 60 anos de idade: a exploração financeira de idosos. No DF, em média, o Ministério Público pede a abertura de dois processos judiciais por mês. "Num contexto em que o idoso não costuma denunciar, é um número alto de ocorrências", diz a promotora Sandra Julião. "E posso afirmar que em 100% dos casos temos a família envolvida." página 9
CONGRESSO
Gastos cada vez maiores
Despesas na Câmara cresceram 18% entre janeiro e março. No Senado, aumento de custos ficou em 11%
» Leandro Kleber
» Izabelle Torres
Enquanto os ministérios fazem um esforço para reduzir gastos por ordem da presidente Dilma Rousseff, o Congresso passa alheio ao clima de corte dos R$ 50 bilhões anunciado pelo Planalto no fim de fevereiro. No primeiro trimestre, só a Câmara aumentou em 18% suas despesas globais, incluindo folha de pessoal, terceirizados e investimentos (obras e compras de equipamentos).
O mesmo ocorreu no Senado, que desembolsou 11% a mais entre janeiro e março deste ano em comparação à igual período de 2010. A explicação é que nas duas casas um novo plano de carreira dos servidores passou a valer somente a partir do segundo semestre de 2010, o que inflou a comparação neste começo de ano.
Só que o governo, depois de avaliar o desempenho das receitas e das despesas da União no primeiro bimestre, recomendou, em março, um “ajuste” de R$ 80 milhões ao Poder Legislativo. Até agora, porém, o orçamento do Congresso e do Tribunal de Contas da União só cresceu. A folha de pagamento é o item que mais pesou. Na Câmara, saltou de R$ 658 milhões para R$ 807 milhões, um aumento de 22%. No Senado, a mesma rubrica, que também é a de maior custo, pulou de R$ 583 milhões para R$ 658 milhões, 13% a mais.
Na Esplanada, a situação é diferente. O Ministério do Turismo, chefiado por Pedro Novais, registrou a maior redução de despesas neste ano. A pasta, que vive basicamente de emendas parlamentares — alvo de cortes do Palácio do Planalto — gastou 19% menos neste ano em comparação ao mesmo período de 2010. O Ministério das Cidades, comandado por Mário Negromonte, também sofreu para desembolsar recursos neste começo de 2011. O montante pago chegou a R$ 2 bilhões no primeiro trimestre, R$ 368 milhões a menos do que o verificado em 2010. Os dois ministros fazem parte de uma lista restrita do primeiro escalão do governo — seis nomes no total — que ainda não tiveram reuniões oficiais com a presidente Dilma no Planalto.
Para ajustar as contas da União, o governo refez a programação orçamentária de 2011 baseando-se num corte de R$ 50,1 bilhões. Para chegar a essa cifra, a equipe econômica da presidente Dilma se viu obrigada a adiar concursos e convocações, reduzir em 50% os custos com diárias e passagens e suspender aluguéis. Nem programas-vitrine como o Minha Casa, Minha Vida escaparam dos cortes.
Justificativas
O Senado reconhece o crescimento das despesas e o atribui ao plano de carreira dos funcionários, que só foi adotado a partir do segundo semestre do ano passado. A assessoria de imprensa argumenta que no primeiro trimestre de 2011 o reajuste salarial ainda não havia sido implementado. Se descontada a inflação, afirma a assessoria, o incremento real das despesas da instituição é de apenas 5%.
Na Câmara, a justificativa para o aumento de gastos vem dos novos concursados. Desde o ano passado, chamou pouco mais de 50 novos servidores por mês para assumir os postos referentes ao certame realizado em 2007. Segundo técnicos do órgão, somente em janeiro foram 100 pedidos de aposentadorias, com as vagas abertas preenchidas por concursados. Com a média salarial de R$ 9 mil, os novos servidores incham as contas da Casa.
VOO 447
Em meio aos destroços, corpos
Ministra francesa anuncia que foram encontrados restos mortais perto dos pedaços do Airbus descobertos no fundo do Atlântico, no domingo. A emersão da fuselagem e das vítimas vai ocorrer em no máximo 30 dias
Edson Luiz
Débora Álvares
Quase dois anos depois do acidente que resultou na morte de 228 pessoas, partes da turbina e da asa do Airbus foram descobertas a mais de quatro mil metros de profundidade do Oceano Atlântico |
As autoridades francesas confirmaram ontem que, além dos destroços do Airbus A330 da Air France encontrados no fundo do Oceano Atlântico, no domingo, há corpos de vítimas no local. O anúncio foi feito em Paris pela ministra da Ecologia e Transportes, Nathalie Kosciusko-Morizet. Ela calculou que, em no máximo um mês, o material encontrado começará a ser resgatado. O aparecimento de partes do avião, desaparecido em maio de 2009, fortalece a possibilidade de serem encontradas as duas caixas-pretas, o que ajudaria a esclarecer os motivos da queda do aparelho na rota Rio de Janeiro-Paris.
Os pedaços da fuselagem do Airbus foram encontrados no domingo, mas a confirmação da existência de corpos ocorreu ontem, quando a ministra francesa, acompanhada de representantes do Bureau de Investigações e Análises (BEA, sigla em francês), concedeu uma entrevista para mostrar imagens dos destroços encontrados, como uma turbina e o trem de pouso, ambos praticamente sem grandes avarias.
Nathalie observou que há a possibilidade de os corpos serem identificados, mas não se manifestou quanto ao número de vítimas.
Conforme a ministra, está aberta uma licitação para montar as operações de resgate dos destroços do avião e dos corpos das vítimas do fundo do oceano. “A fase para trazer à tona o avião poderá ser iniciada daqui a três semanas a um mês, assim como a recuperação dos corpos”, explicou Nathalie. O chefe da BEA, Jean-Paul Trodec, ressaltou que a localização dos destroços é um caminho para que o acidente — ocorrido em 31 de maio de 2009 e que resultou na morte de 228 pessoas — seja esclarecido. “Existe a esperança de que poderemos encontrar uma explicação para o que aconteceu”, disse Trodec, referindo-se às duas caixas-pretas.
Se encontradas, as caixas-pretas do Airbus poderão esclarecer a suspeita de que houve falhas nas sondas de velocidade Pitot, que teriam sido congeladas no momento em que a aeronave atravessava uma tempestade. Segundo o diretor do BEA, o equipamento — obrigatório em todos os aviões — vai permitir a verificação dos parâmetros de voo e as conversas dos pilotos.
Segundo o jornal francês Le Monde, a nova fase de buscas custará entre 5 e 6 milhões de euros e, até agora, já foram gastos em torno de 21,6 milhões de euros nas operações de busca de destroços e resgate de corpos. De acordo com o Le Figaro, as primeiras fotos enviadas pelo navio Alucia mostram pedaços do avião e corpos a uma profundidade de mais de quatro mil metros. A pressão e a temperatura da água podem ter ajudado a conservar os restos mortais. A publicação revela ainda que os responsáveis pelas investigações cogitam o uso de técnicas especiais para fazer o içamento e novos meios para facilitar a identificação das vítimas. “Trazer os corpos de uma profundidade tão grande após dois anos de permanência na água sem destruí-los e evitando a corrosão (das peças encontradas) nas águas mais quentes da superfície será importante para o resgate”, afirmou uma fonte próxima aos responsáveis pelas investigações.
Ajuda de robôs
A fuselagem do Airbus foi encontrada por robôs submarinos do modelo Remus — dois da fundação americana Waitt e um do instituto alemão Geomar — , que também conseguiram fazer imagens dos escombros. As autoridades francesas não explicaram de que forma conseguiram localizar os corpos, que estariam em uma faixa de 10.000 quilômetros quadrados, próximo a Fernando de Noronha, onde os submarinos não tripulados fizeram a varredura. A operação do fim de semana foi a quarta etapa da tentativa de se acharem os destroços da aeronave. A primeira fase ocorreu poucos dias depois do acidente, quando a cauda do avião e os corpos de 50 vítimas foram resgatados (veja a arte).
O governo brasileiro não deverá tomar parte da retirada dos destroços e corpos, apesar de o material estar na costa do país. Pela legislação internacional, cabe à nação de origem da aeronave acidentada fazer o resgate. Em maio, a Força Aérea Brasileira (FAB) e a Marinha auxiliaram no resgate aos corpos de 50 vítimas do voo 447.
22 horas submersos
Os três robôs têm cerca de 800kg e medem cerca de quatro metros. Podem ficar por até 22 horas submersos e são operados de uma central que fica em um navio. Eles foram equipados com câmeras, cujas imagens são lançadas para a embarcação. Apesar de o equipamento ter condições de içar o material encontrado, as autoridades francesas planejam adotar outros mecanismos de resgate dos destroços do avião e dos corpos das vítimas.
VOO 447
Tensão e saudade voltam à tona
A descoberta de corpos no Oceano Atlântico faz com que familiares das vítimas do Airbus A330 revivam momentos de dor e angústia quase dois anos após o acidente
Débora Álvares
Edson Luiz
A angústia voltou a atormentar as famílias das vítimas do voo 447 depois do anúncio de que mais corpos foram encontrados próximos aos escombros do Airbus A330, que caiu próximo a Fernando de Noronha, em maio de 2009. Parentes do maestro Silvio Barbato que moram em Brasília não tinham mais esperanças de encontrar os restos mortais dele. A família entrou em estado de choque com a notícia confirmada pelo governo francês. A mãe da brasiliense Juliana de Aquino, Valquíria de Aquino, preferiu não se pronunciar sobre a notícia.
“Reacendeu o sentimento daquele momento difícil que passamos. Não tinha mais esperanças. Fica a expectativa de resgatar os restos mortais e fazer o exame de DNA. E isso mexe com a família”, diz Rolando Bonaccorsi, tio do maestro, assegurando que a família está ansiosa. Saber que o corpo do filho pode estar entre os restos humanos localizados no domingo fez Maria Eva Marinho chorar novamente. “Agora que já estava retomando minha vida, saber disso é reabrir a ferida. Ele já estava descansando. E se os restos mortais dele não forem localizados? Vou sofrer ainda mais”, diz. A mãe de Nelson Marinho Filho manteve-se longe das investigações e soube, na manhã de ontem, da informação dos corpos.
Ao contrário da esposa, Nelson Faria Marinho acompanhou de perto de todas as novidades sobre o acidente aéreo. Presidente da Associação dos Familiares das Vítimas do voo 447, ele destaca que, desde a manhã de ontem, quando as informações sobre a localização de corpos começaram a circular, ele recebeu várias ligações e e-mails de parentes das vítimas. “As reações são variadas. A maioria não teve os corpos. Não houve enterro. E isso é um problema que se arrasta. Agora, essa notícia vem acalentar.” Apesar do tempo, a ausência do corpo do filho comove Nelson. “Para mim, especialmente, não ter identificado os restos mortais do meu filho traz a sensação de que, a qualquer momento, ele vai bater aqui na porta dizendo que conseguiu se salvar.”
Na França, a notícia foi recebida entre comemorações e tristeza por familiares das vítimas. O vice-presidente da Entraide et Solidarité AF447 — a associação dos familiares das vítimas no país —, Robert Soulas, considerou o anúncio dos restos mortais achados como “excelente notícia, que recompensa nossa tenacidade”, conforme disse ao jornal Le Monde. Segundo a publicação, apesar disso, todas as entidades que reúnem parentes das vítimas classificam a descoberta como “traumatizante”. “O problema dos corpos é espinhoso. Não sabemos em que estado estão”, alertou Robert Soulas.
ARI CUNHA
Visto, Lido e Ouvido
História de Brasília
Não há informação oficial, mas está correndo a notícia de que a aeronáutica tomará todos os apartamentos de sargentos no Plano Piloto, para oficiais, enquanto que esses ocupantes serão transferidos para o Setor Econômico. A ser verdadeira, não há notícia mais antipática. (Publicado em 6/4/1961)
Segundo tempo
» Espetacular o trabalho do comandante José Ferreira de Barros. Parabéns a toda a equipe. O grupamento dos fuzileiros Navais tem um projeto de esportes, reforço escolar e informática para toda a garotada contemplada pelo Bolsa Família. Muitos já mostraram que merecem acompanhamento especial até as Olimpíadas.
QUESTÃO AGRÁRIA
Ruralistas esticam a corda
CNA, entidade que defende regras mais flexíveis de preservação no Código Florestal, patrocina manifestação de produtores
» Ivan Iunes
» Josie Joronimo
Esvaziada pelo diálogo cada vez mais aberto entre representantes da agricultura familiar e o Ministério do Meio Ambiente, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) patrocina durante o dia uma manifestação com 20 mil pessoas, para cobrar a aprovação da reforma do Código Florestal pela Câmara dos Deputados. A entidade pretende flexibilizar as regras atuais de preservação, especialmente para os pequenos proprietários, mas enfrenta forte resistência. Os benefícios defendidos pela CNA, como a consolidação das áreas hoje desmatadas, seriam extensíveis a todos os produtores do país — incluindo os grandes pecuaristas. E é nesse gargalo que o ministério e entidades do campo apresentam maior aversão à proposta dos ruralistas. Para eles, a flexibilização deveria atingir somente os casos de interesse social — leia-se agricultura familiar.
Capitaneados pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da entidade, cerca de 20 mil produtores ligados à CNA prometem um abraço simbólico no Congresso durante a tarde de hoje. A parlamentar pede que as flexibilizações no Código Florestal obedeçam a “critérios humanos”, mas não admite que elas atinjam em primeiro lugar a agricultura familiar. “O critério é mais do que técnico. É humano, é consideração, é solidariedade com essas pessoas que são pobres, que representam quase 80% dos produtores”, ressalta Kátia.
A previsão do governo é de que o novo Código Florestal seja votado no máximo nos primeiros dias de maio. Integrante da bancada ruralista, o deputado Vander Loubet (PT-MS) defende que as flexibilizações atinjam todos os produtores donos de terras considerados pequenos — com até quatro módulos —, independentemente do perfil de produção, se familiar ou comercial. “Tem que ser para todos. É claro, emendas serão apresentadas, nossa bancada é plural. Temos alguns problemas regionais, mas ao Centro-Oeste a proposta contempla bem, em relação à discussão sobre as matas ciliares e reservas”, defende Loubet.
Concessão
Oficialmente, o Ministério do Meio Ambiente pressiona para que não existam exceções quanto às áreas de reserva legal. Nos bastidores, a pasta admitiria apenas a concessão do benefício para a agricultura de perfil familiar. De São Paulo, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, indicou que um acordo entre a pasta e as lideranças da Câmara está mais do que pavimentado.
O ministério aceitaria flexibilizações no Código, especialmente as que respeitassem os diferentes biomas brasileiros. O ministério só não admite anistia aos desmatadores, nem que as áreas desmatadas irregularmente por grandes e médios produtores sejam consideradas consolidadas — o que na prática os desobriga da recomposição. “Ninguém está falando em ceder, estamos construindo uma base jurídica para acolher a diversidade de situações no Brasil”, disse Izabella.
Presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) reforça o coro do MMA e afirma que o Congresso precisa encontrar uma “posição de equilíbrio”, mas somente a agricultura familiar poderia ser contemplada com exceções às novas regras ambientais. “Primeiro temos que garantir a área de preservação de 30 metros em relação à reserva legal. Aos agricultores familiares com propriedade de até quatros módulos, pode-se aplicar excepcionalidade, mas só depois de comprovar o modo de produção”, diz Rollemberg.
"Ninguém está falando em ceder, estamos construindo uma base jurídica
para acolher a diversidade de situações no Brasil”
Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente
MST em 32 fazendas
» Ana Elisa Santana
Menos de uma semana após o novo presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Celso Lacerda, assumir o posto, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) iniciou o Abril Vermelho, com a invasão de fazendas em todo o estado da Bahia. Desde a última sexta-feira até a noite de ontem, manifestantes haviam se alojado em 32 propriedades no estado. A meta é ocupar, ao longo do mês, em torno de 50 terrenos na Bahia e 120 em todo o Brasil.
A mobilização deste ano pede que as reivindicações do MST entrem na pauta do novo governo. Lembra, ainda, os 15 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, quando 19 manifestantes sem-terra morreram e dezenas ficaram feridos em confronto com a Polícia Militar em 17 de abril de 1996, no Pará. “São 15 anos de impunidade e cobramos que o governo faça um plano emergencial para assentar as famílias acampadas em situação de conflito em todo o país. A expectativa é que a presidente Dilma Rousseff possa anunciar metas para a reforma agrária”, afirma Márcio Matos, integrante da direção nacional do MST. De acordo com ele, atualmente há 100 mil famílias acampadas no país à espera da desapropriação de terras.
Entre os dias 10 e 17, o movimento vai fazer, em Eldorado dos Carajás, um acampamento pedagógico com 500 jovens. Haverá atividades culturais e debates em memória ao massacre de 1996. Em Belém, 700 trabalhadores rurais ficarão acampados na Praça da Leitura entre os dias 15 e 19.
Em meio a invasões e protestos, o Incra mantém posição amistosa. Celso Lacerda já pediu que fossem agendadas reuniões com o MST e com outros movimentos sociais e entidades para conversar sobre o programa de reforma agrária. No entanto, ainda segundo o Incra, não há encontros confirmados e novas equipes estão sendo montadas. O órgão afirma que ainda não recebeu contato do MST. O movimento dos trabalhadores sem-terra, por sua vez, sustenta que a pauta é antiga e a mesma desde o governo anterior. “Nós estamos aguardando o governo dizer quais ações serão feitas”, diz Márcio Matos.
Pressão por terras
Representantes da Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do DF se reuniram, ontem, com o presidente do Incra, Celso Lacerda. Eles pedem que o órgão atenda pedidos de crédito para a produção e de desapropriação de terras. Cerca de 200 pessoas, segundo a PM, estão acampadas em frente ao prédio do órgão. Sem avanços no primeiro encontro, uma nova reunião entre as partes está será realizada hoje.
REVOLTA NO ORIENTE MÉDIO
Repressão brutal
Policiais e atiradores disparam contra manifestantes que exigiam a renúncia do presidente do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, na cidade de Taez. Violência ameaça aliança com os Estados Unidos
» Renata Tranches
Em um dia de violenta repressão aos manifestantes que pedem sua renúncia imediata, o presidente do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, viu-se ontem ainda mais isolado, após a notícia de que os Estados Unidos teriam mudado de posição e estariam pedindo sua renúncia. Há 32 anos no poder, o mandatário enfrenta uma onda de protestos no país inspirada pelos levantes no Egito e na Tunísia, que teve início no fim de janeiro. No último domingo, o líder iemenita chegou a pedir à oposição que encerrasse as revoltas para facilitar as conversações.
Na tentativa de sufocar as manifestações, policiais e homens armados à paisana abriram fogo contra populares nas cidades de Taez e Hudaida. Segundo relatos de testemunhas em Taez, cidade ao sul da capital Sanaa, a polícia disparou contra os que tentavam tomar a sede do governo, matando 17 pessoas e ferindo 86. No porto de Hudaida, às margens do Mar Vermelho, a polícia disparou munição real e gás lacrimogêneo contra centenas de manifestantes que marchavam rumo ao palácio presidencial. Segundo fontes médicas citadas pela agência Reuters, pelo menos 250 pessoas ficaram feridas.
“As manifestações em Taez estão completamente fora de controle hoje (ontem). Faltam médicos e curativos na praça para atender aos feridos”, relatou Mona Mohammed, ao Correio, pela internet, referindo-se à Praça Liberdade, onde se concentraram os protestos na cidade. A iemenita, que participou dos protestos em Taez, relatou cenário de caos. “A situação no Iêmen no momento não está nada boa, especialmente em Taez e em Hudaida, onde forças do governo estão atirando contra os manifestantes.”
Imagens da rede de TV Al-Jazeera mostravam uma fila de homens, aparentemente vítimas de gás lacrimogêneo, prostrados e sendo atendidos por médicos no chão de um hospital improvisado em uma mesquita em Taez. Pessoas também recebiam os primeiros socorros em praças da cidade. “O regime nos surpreendeu com a extensão da matança. Não acho que o povo fará outra coisa além de sair de peito aberto para esgotar a munição do governo”, declarou o parlamentar Mohammed Muqbil Al-Hamiri à TV-Al Jazeera. Em Sanaa, segundo relatos à agência France-Presse, militares que se juntaram à oposição impediram sem violência que 200 policiais se aproximassem da Praça da Mudança, perto da universidade, onde desde 21 de fevereiro os manifestantes estão acampados.
Enquanto isso, o presidente parecia perder o principal aliado. Citando autoridades norte-americanas e iemenitas, o jornal The New York Times destaca que Washington teria “mudado de posição silenciosamente”. Segundo a publicação, o governo dos EUA teria indicado que a posição de Saleh é insustentável e que ele deveria deixar o cargo. A reportagem também sustenta a improbabilidade de que Saleh consiga as reformas exigidas. Até então, o presidente do Iêmen era visto como um aliado na luta contra a organização terrorista Al-Qaeda na Península Arábica (AQAP, por sua sigla em inglês).
Condenação
Os Estados Unidos condenaram o uso da violência pelas forças de segurança para repreender os manifestantes, mas não confirmaram oficialmente a informação divulgada pelo Times. Durante coletiva de imprensa, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Mark Toner, definiu a situação de ontem no Iêmen como “chocante”, mas se negou a comentar a reportagem.
Segundo artigo da respeitada revista de política internacional Foreign Policy, um oficial iemenita sugeriu que os Estados Unidos começaram a mudar sua posição após Saleh iniciar as negociações internas com a oposição para sua saída do poder, há cerca de uma semana. A mesma fonte disse à revista que o presidente e opositores teriam concordado com um governo de transição comandado pelo vice-presidente Abdrabouh Mansour, que pertence ao Congresso Popular Geral (CPG), o partido de Saleh.
“Aparentemente, os Estados Unidos estão envolvidos na negociação para garantir que Saleh possa deixar o país em segurança após sua renúncia”, afirma o artigo. O texto acrescenta que Washington estaria se preparando para manter sua forte política de contraterrorismo com qualquer político quer que assumir o poder no Iêmen.
Regime líbio aceita negociar reformas
O regime líbio está disposto a debater uma ampla reforma política, incluindo eleições ou um referendo, com a seguinte condição: o ditador Muamar Kadafi deverá permanecer no poder. “A maneira como a Líbia é governada é um tema à parte. Que sistema político vamos aplicar neste país? Isto é negociável, podemos conversar, é possível fazer tudo, eleições, referendo etc.”, disse o porta-voz do governo líbio, Mussa Ibrahim, citado pela agência France-Presse. Ibrahim afirmou que “o líder (Kadafi) é a válvula de segurança para o país e para a unidade da população e das tribos”. “Pensamos que ele é muito importante para qualquer transição a um modelo democrático.”
No entanto, a julgar pela reação do Conselho Nacional de Transição (CNT, de oposição) a uma proposta anterior feita pelo regime, as possibilidades de o novo plano ser aceito são quase nulas. A ideia anterior contemplava a transferência de poder a Seif Al-Islam, um dos filhos de Kadafi — tinha sido descartada pelos rebeldes. “Isso é totalmente rejeitado pelo Conselho”, declarou ontem Shamsedin Adulmelah, porta-voz do CNT, em Benghazi (leste). “Kadafi e seus filhos devem ir embora, antes de começar qualquer negociação diplomática.” Os insurgentes insistem que não há espaço para diálogo enquanto o coronel ou familiares seguirem ditando as ordens no país.
Em outro revés diplomático para o regime, a Itália tornou-se ontem o quarto país a reconhecer o CNT como “único interlocutor legítimo”, segundo o chanceler Franco Frattini. França, Catar e Maldivas já haviam estabelecido relações diplomáticas recíprocas com Benghazi. Por sua vez, o vice-ministro de Relações Exteriores líbio, Abdelati Obeidi, enviado do governo de Kadafi a Atenas, reuniu-se com o primeiro-ministro grego, Giorgos Papandreou. O regime “busca uma solução” na Líbia, confirmou o chanceler grego, Dimitris Droutsas, depois do encontro, realizado em Atenas.
Reunião
Na próxima semana, o Catar sediará a primeira reunião do Grupo de Contato sobre a Líbia. “O encontro permitirá avançar no trabalho acertado durante a conferência de Londres, manter a unidade internacional e reunir um leque de nações em apoio a um melhor futuro para a Líbia”, declarou o ministro das Relações Exteriores britânico, William Hague, durante audiência ante o Parlamento do Reino Unido.
No campo de batalha, forças leais a Kadafi e insurgentes combatiam ontem perto do terminal petroleiro de Brega, 800km a leste de Trípoli, provocando a fuga de centenas de famílias. “Bombardeiam o centro da cidade e ninguém nos protege”, reclamou à France-Presse uma mulher beduína. “Os soldados de Kadafi atiram contra todos que saem à rua. Não há água nem eletricidade”, completou o marido. Os rebeldes conseguiram aproximar-se da cidade, mas foram rejeitados pela artilharia das forças de Kadafi.
HAITI
Martelly vence pleito presidencial
O cantor popular Michel Martelly (foto), 49 anos, venceu as eleições presidenciais no Haiti com cerca de 67% dos votos, anunciou ontem o Conselho Eleitoral Provisório. Os números são preliminares e o resultado oficial deve ser divulgado até o próximo dia 16. Martelly disputou o segundo turno com a ex-primeira-dama Mirlande Manigat, 70 anos, e sucederá René Préval. O anúncio deveria ter ocorrido na quinta-feira passada, mas foi adiado depois de o conselho ter identificado um elevado nível de fraudes e irregularidades durante a contagem dos votos, como no primeiro turno.
TRAGÉDIA NA ÁFRICA
Acidente com avião da ONU mata 32
Pelo menos 32 pessoas morreram em um acidente com um avião da missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo. O desastre ocorreu quando o piloto tentou pousar a aeronave sob forte chuva em Kinshasa, por volta das 14h (10h no horário de Brasília). “Confirmamos que apenas uma pessoa sobreviveu, das 33 que estavam a bordo”, declarou à imprensa o porta-voz da ONU, Farhan Haq, em Nova York. Segundo a agência AFP, o avião se partiu em vários pedaços na pista. Trata-se do primeiro acidente com um avião da ONU no país desde o início da missão de paz, em 1999.
CHINA
EUA pedem libertação de ativista
Os EUA pediram que a China liberte imediatamente o artista e militante dos direitos humanos Ai Weiwei, detido no fim de semana. A polícia vem se recusando a dar explicações sobre os motivos da detenção do artista, denunciou sua esposa, Lu Qing. O artista, crítico do governo, foi preso no aeroporto de Pequim. “Estamos muito preocupados com a prática de desaparecimentos forçados, detenções extrajudiciais e condenações de ativistas”, disse Mark Toner, porta-voz do Departamento de Estado norte-americano.
JAPÃO
Toneladas de água radioativa no mar
Tatiana Sabadini
Mais de 11 mil toneladas de água radioativa devem ser despejadas a partir de hoje no Oceano Pacífico pela empresa responsável pela usina nuclear de Fukushima — a Tokyo Electric Power (Tepco). A polêmica estratégia foi a única saída encontrada para esvaziar os tanques dos reatores, permitir a reparação do sistema de resfriamento e evitar uma catástrofe ainda maior. Os níveis de radiação despejados no mar são 100 vezes mais altos do que o normal, mas, segundo as autoridades japonesas, não devem causar nenhum dano a saúde das pessoas. O presidente da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Yukuya Amano, afirmou que a operadora da usina errou por não tomar medidas suficientes para evitar acidentes como o causado pelo terremoto e pelo tsunami de 11 de março.
A grande quantidade de água usada pelos técnicos da usina nas instalações nucleares para frear o aquecimento dos reatores e o vazamento de fumaça radioativa sobrecarregou as máquinas e provocou inundações nas galerias subterrâneas. O líquido dificulta o acesso ao sistema de rede elétrica e dos circuitos de resfriamento. “É necessário esvaziar depósitos usados para o tratamento de dejetos. Mas esses depósitos estão atualmente com mais de 10 mil toneladas de água levemente radioativa. E é preciso retirá-la”, explicou um comunicado da Tepco ontem. A nova operação deve durar cinco dias. A água será jogada, aos poucos, por uma saída de 20cm.
Para Aquilino Serna, professor de engenharia nuclear do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os técnicos japoneses não tinham opção para contornar a situação. “É claro que não é a decisão ideal, mas, das opções, é a mais adequada. Com uma grande quantidade de água radioativa e a preocupação de que ela atinja algum lençol freático, o mar foi a escolha mais óbvia, porque permite uma diluição da radiação muito mais rápida”, diz o especialista.
As chances da contaminação atingir outros países são poucas. “Os níveis de radiação devem se concentrar mais na própria região. O que deve ser feito é um monitoramento constante. Porém as áreas mais distantes também precisam ser pesquisadas”, afirma Serna. De acordo com o professor, o trabalho em Fukushima será de longo prazo. “Quando terminada a fase de resfriamento, eles precisarão avaliar todos os impactos radioativos na área e isso deve levar muito tempo. Por fim, precisarão blindar a usina para garantir que não aconteça novas liberações”, explica Serna.
Críticas
Em um evento sobre segurança nuclear realizado em Viena, o presidente da AIEA criticou a Tepco por não se preparar contra catástrofes naturais. “As medidas adotadas pela operadora não foram suficientes para evitar esse acidente”, disse Amano, em entrevista coletiva. O diretor da agência lembrou que outra usina japonesa, comandada pela mesma empresa, sofreu danos com um terremoto, em 2007, e também causou um incêndio e vazamento de água contaminada. Durante o encontro, ele afirmou que “lições precisam ser aprendidas com o acidente de Fukushima” e sugeriu novas regras globais para programas nucleares.
Além de mudar suas regras de segurança nas usinas nucleares, o Japão também avalia a política ambiental. O vazamento de radiação pode ter consequências no meio ambiente da costa e na flora marítima.Para se redimir, Tóquio declarou ontem que deve revisar as metas de redução das emissões de carbono para em um índice abaixo dos 25% até 2020.
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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