Pesquisar

segunda-feira, 4 de abril de 2011

03 de abril de 2011 - JORNAL ESTADO DE SÃO PAULO


ESPAÇO ABERTO
Esquerda, política e cultura

*Luiz Sérgio Henrique

Não é de bom alvitre aceitar pelo valor de face o que um indivíduo ou mesmo toda uma época pensam de si mesmos. Feita a ressalva, consideremos juízos recentes da presidente da República sobre o legado recebido do seu antecessor. Segundo Dilma Rousseff, só levando em conta quatro orientações básicas se entenderia o País redesenhado a partir de 2003: manutenção do crescimento com estabilidade, redirecionamento social do gasto público, expansão do mercado interno e, last but not least, nova inscrição do País na ordem global, na qual, pela primeira vez, ele se moveria autonomamente em busca de alianças no sul do planeta.
Se o mundo fosse um mecanismo automático, tal conjunto de circunstâncias felizes haveria de acontecer em paralelo com uma efervescência cultural semelhante à de outros momentos de inflexão historicamente incontroversos.
Assim, retomando o raciocínio de outro prócer petista, os anos 1930 trouxeram não só a modernidade industrial, ainda que sob forma autoritária, mas também obras do porte das de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque e Caio Prado Júnior. Depois, o período áureo do nacional-desenvolvimentismo, particularmente com JK, seria contemporâneo dos teóricos do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), dos sociólogos da USP, da arquitetura de Niemeyer e da música de Tom Jobim. E nesta primeira década do século 21 não haveria nada comparável, em termos de reflexão sobre o Brasil, aos dois momentos decisivos mencionados.
O argumento tem fôlego, mas tem também pelo menos uma forma torta de tentar ser aceito por muitos, até pelos adversários, e se tornar mais ou menos consensual. A forma torta consistiria, obviamente, em se valer de recursos do Estado, em especial de seus órgãos de cultura, para uma experiência in vitro de animação intelectual em torno dos dois governos Lula e deste que lhe sucede. Mas, como também é óbvio, nada impede que instâncias como fundações partidárias ou encarregadas de preservar o legado de ex-presidentes promovam a tentativa legítima de influenciar os rumos da cultura e preparar, da forma que acharem melhor, suas novas florações.
Política e cultura ou, mais especificamente, esquerda e cultura - eis um tema extremamente rico em nosso país, no qual, a partir da década de 1920, um Partido Comunista, quase sempre tragicamente ilegal, exerceu gravitação maior ou menor, temporária ou mais constante, sobre gente como os citados Caio Prado e Niemeyer, como Drummond e Oswald de Andrade, Graciliano e Portinari, Jorge Amado e Ferreira Gullar.
Essa fatal clandestinidade, nos seus momentos ruins, significou espírito de seita e consequente empobrecimento político e cultural, mas, nas horas mais distendidas, ao menos fazia entrever abertura e mútua fecundação. E, o que me parece mais importante, acenava para uma espécie de reconciliação não conservadora com a cultura nacional e, em outro plano, com a ideia decisiva da democracia política.
Valha como signo daquela primeira reconciliação a profunda relação entre Astrojildo Pereira, um dos pais fundadores do PCB, em 1922, e o velho Machado de Assis, suposto autor elitista. Os céticos podem dizer que se trata de um belo exemplo anacrônico, mas cabe opor a esse ceticismo o último e esplêndido romance de Moacyr Scliar, Eu vos Abraço, Milhões, no qual aquela relação é um dos motivos centrais. E como signo da adesão democrática, a árdua defesa do caminho pacífico de resistência ao regime militar, em certo momento uma decisão solitária na esquerda, ainda não suficientemente compreendida em todo o seu largo alcance, muito além daquela conjuntura.
É num sentido próximo a esse, acredito, que o sociólogo Luiz Werneck Vianna interpretou a vitória de Lula em 2002 como uma espécie de absolvição da História brasileira. Narrativas da nossa História como sucessão de desgraças ou de arranjos pelo alto estavam entranhadas em parte da melhor tradição intelectual, e não só de esquerda, e também na ideologia do partido que então assumia o poder. Contudo, segundo o sociólogo, não podia ser inteiramente desventurado um país que, só 14 anos depois da promulgação de sua Carta mais democrática, permitia que um líder de origem sindical, figura central de um Partido dos Trabalhadores, alcançasse a condição de dirigente máximo de uma nova fase do seu trajeto histórico.
Esse fato de enorme significação demandava, e ainda demanda, uma revisão de fundo por parte do novo sujeito à frente do País por um período que, já agora, se estenderá por, no mínimo, 12 anos. Terminou definitivamente o tempo das bravatas, como, para ir à raiz do problema, o leguleio obreirista por ocasião da assinatura da Carta de 1988. Não faz sentido, como a crise de 2005 se encarregou de demonstrar, promover o uso distorcido das instituições, primeiro entre todas o Parlamento, cuja centralidade está assegurada em todas as modernas democracias. E chegou o tempo, também, de inventariar e arquivar as variadas formas de "patriotismo de partido", que vê rupturas imaginárias a partir do próprio surgimento, exagerando-as retoricamente até o ponto da caricatura: "Nunca antes neste país"...
Sociedade "ocidental" que somos, de vocação aberta e plural, nenhum ator conseguiria moldá-la a seu arbítrio. Na sua projeção externa, o País está fadado a impregnar a defesa dos seus interesses com a consigna fundamental dos direitos humanos, atuando em mais do que prováveis situações de colapso de autoritarismos de direita ou de esquerda. E, internamente, o desafio é combinar, de modo permanente, o programa social com o método da democracia. Quanto mais profunda a convicção do ator, mais coerente a sua ação - e mais produtivo o impacto sobre modos de fazer cultura, que por ora nem sequer pressentimos. Porque, no fundo, não importa a virtù do ator, o espírito sopra onde quer.

*TRADUTOR E ENSAÍSTA, É UM DOS ORGANIZADORES DAS OBRAS DE GRAMSCI EM PORTUGUÊS


NACIONAL
ENTREVISTA: GARIBALDI ALVES FILHO (RN) - Ministro da Previdência Social
'Brasil deve ser o único país que paga pensões ao deus-dará'
O ministro que chamou a pasta de "abacaxi" confirma que só ajustes pontuais serão feitos, mas critica o fator previdenciário - "virou a Geni" - e defende o fundo complementar para servidor

Edna Simão e Rui Nogueira - O Estado de S. Paulo

Indicado pelo PMDB, Garibaldi Alves Filho (RN) não pensou duas vezes em deixar o Senado para comandar o Ministério da Previdência Social. Aos 64 anos, terá de administrar um "abacaxi", como ele mesmo disse na posse - o rombo de cerca de R$ 100 bilhões nas contas da previdência social -, sem promover reformas impopulares, e lidando com projetos-bomba do senador Paulo Paim (PT-RS) no Congresso.
Em entrevista ao Estado, Garibaldi confirma que a Previdência passará só por pequenos ajustes. Para já, a mudança em debate está restrita à aprovação de projeto de lei criando um fundo de previdência complementar para o funcionalismo público. Não há nada em estudo para fazer alterações na Previdência do trabalhador da iniciativa privada (INSS). O ministro admite, porém, que há pontos que precisam ser atacados: "O Brasil deve ser o único país que paga pensões ao deus-dará".
O ministro defendeu a substituição do fator previdenciário, que chamou de "Geni da Previdência", por outro mecanismo mais transparente. A seguir, trechos da entrevista:

Quando o sr. tomou posse foi criticado por servidores ao dizer que estava pegando um "abacaxi". Em três meses, quantos deles descascou?
Tive que ser realista e os servidores sabem muito bem que tenho o maior apreço pela Previdência Social e por eles. O que eu digo é que o abacaxi realmente existe. Mas não é que eu estou gostando!

A presidente Dilma já deixou claro que não haverá uma reforma previdenciária ampla, mas admite ajustes pontuais. Qual o ponto chave?
Existe um projeto na Câmara que trata do fundo de previdência complementar para o servidor público. Há uma grave distorção (entre a previdência do servidor público e a da iniciativa privada) e o País perdeu a capacidade, às vezes, de se indignar. Os servidores não chegam a um milhão de pessoas e a necessidade de financiamento é de R$ 52 bilhões. Por outro lado, a outra Previdência (INSS) tem uma necessidade R$ 42 bilhões para beneficiar 24 milhões de pessoas. Não responsabilizo os servidores. Para mim está muito claro que as vantagens atribuídas aos servidores no curso de suas carreiras, como as incorporações de vencimentos, acabaram gerando essa distorção. É essa despesa que o País não pode continuar a pagar. Por isso existe o projeto criando um fundo de pensão para os servidores. Hoje os servidores não têm teto de aposentadoria (no INSS é de R$ 3.689).

O projeto de criação do fundo já enfrenta resistências no Congresso.
Há uma oposição e ela é indevida. Dizem, por exemplo, que o Judiciário faria oposição. Para eles, não deveria ser criado apenas um fundo, mas vários fundos. No Supremo senti que há um desejo de examinar melhor esse projeto. Esse fundo vai alcançar os servidores daqui para a frente. A economia pode até não ser tão significativa, mas representa uma sinalização de que o governo está querendo dar uma solução para problemas como esse.

O sr. não teme que comece a haver uma pulverização de fundos, um para cada categoria de servidor público?
Acho que é inconveniente. Na minha concepção, seria o último recurso. Vão-se os anéis e ficam os dedos.

No caso do INSS, se tivesse que eleger um problema, qual seria atacado?
Precisa haver alguns ajustes. Mas eu não estou, há essa altura, muito seguro de que possamos ter essas modificações. Não sinto o governo mobilizado.

A pensão por morte, sem regras no Brasil, não precisa de ajuste?
Como especialistas mostram, o Brasil deve ser o único país que paga pensões ao deus-dará. Isso vem se repetindo e se renovando. As pessoas não se conscientizam de que é preciso mudar.

Existe alguma ação para mudar isso?
Aqui não existe. Por enquanto, temos constatações, estudos. Essa é uma decisão que é do governo.

Existe a possibilidade de adoção da idade mínima para aposentadoria?
O limite de idade não é aquela coisa de ovo de Colombo, que, de repente, dá um estalo. Já existe em outros países. Nós temos o fator previdenciário, que é um artifício muito menos transparente do que a idade mínima. A gritaria contra o fator é, sobretudo porque ninguém entende bem aquele cálculo.

Mas o governo, pelo que vem sendo dito, só extinguirá o fator se houver um mecanismo alternativo.
Eliminar o fator previdenciário pode gerar um desequilíbrio nas contas. Não há conclusão do que seria melhor para substituir o fator, que é estigmatizado. Virou a Geni da Previdência. As pessoas não entendem (o cálculo) e se sentem atingidas. O fator é odiado.

Seria melhor substituir o fator pela chamada fórmula 85/95, que considera a idade e o período de contribuição?
É mais didático porque soma idade com o tempo de contribuição. Existem defensores dentro do Congresso que se voltam muito para essa vertente. Mas eu não tenho elementos para dizer se essa fórmula é a alternativa. Precisa haver uma decisão de governo.

A presidente deu alguma orientação de como o sr. deve conduzir as chamadas bombas do senador Paulo Paim?
Ela conversou com o Paim. E eu achei muito bom porque, de qualquer maneira, sou colega dele no Senado. Fui parceiro em alguns projetos desses. Votei com ele. Eu não poderia também chegar e dizer: o que passou, passou. Os projetos dele precisam passar por uma revisão. Em alguns, ele poderia ter consciência de que são inviáveis. Mas ele esteve aqui também para conversar comigo. Disse a ele que estava realmente pronto para conversar. Creio que com ele será difícil e sem ele mais difícil ainda. Ele deve ser conquistado, mas eu não tenho as armas para isso. A presidente é que tem condições para negociar. Eu acho que ele se sente muito prestigiado no Parlamento e (ao mesmo tempo) é o inimigo público número um do Executivo.

Com a informatização, as agências da Previdência Social não trocaram as filas na rua por uma fila virtual?
Acho que existe isso. Não vou contestar. Mas é uma minoria diante do clamor que existia contra a Previdência. Inaugurei nove agências e não se sente esse clamor. E tem até um caso pitoresco: no MS, eu falava dos desafios da Previdência, que a média idade do brasileiro está crescendo e que isso deveria ser enfrentando. Aí uma velhinha disse: "Então o sr. quer que eu morra". Considerei uma reação muito bem humorada. Poderia ter dito outras coisas.

O que o sr. tem a dizer sobre a visão de que o elevado déficit da Previdência se resolve com combate à fraude?
Não acho que resolva. Hoje não existem aquelas grandes fraudes, como a de Georgina de Freitas. Mas ainda chegam denúncias como uma que fiquei sabendo recentemente: estavam sendo pagos 2.300 benefícios a mortos. Isso é prova de que ainda há vulnerabilidade no sistema. A Previdência é muito grande e é difícil domar essa fera.

Com o corte de R$ 50 bi, como ficou a revisão do teto previdenciário?
O Supremo já mandou pagar a diferença e isso ainda não aconteceu. Estavam reservados R$ 2 bilhões para o pagamento desse teto e de outros precatórios. Sentença judicial é para ser cumprida.

PROPOSTAS DE ESPECIALISTAS PARA O SISTEMA

Pensões por morte
Estabelecer um período mínimo de contribuição; acabar com o pagamento integral do benefício; extinguir o benefício com novo casamento; estabelecer idade máxima para os filhos beneficiários

Idade mínima
Estabelecer uma idade mínima de referência para solicitação de aposentadoria por tempo de contribuição

Previdência complementar
Com a aprovação do fundo (proposta no Congresso), os novos servidores públicos federais teriam de contribuir para, caso queiram, receber uma aposentadoria superior ao teto do INSS, que é de R$ 3.689,66

Acúmulo de benefícios
Estabelecer regras para evitar que isso ocorra por um período longo


Pensão é um dos principais ralos da Previdência
Ministério quer mais rigor na concessão do benefício, que representa 1/3 de seus gastos; especialistas defendem também fundo complementar para servidor

Edna Simão - O Estado de S. Paulo

Diante da dificuldade política de promover uma grande reforma, o governo federal mapeou, com ajuda de especialistas, os principais ralos a tapar na Previdência Social - tanto da iniciativa privada quanto do serviço público - para garantir a sustentabilidade das contas no longo prazo. Um dos ajustes urgentes é estabelecer critérios para a concessão de pensões por morte.
Segundo especialistas, também é fundamental discutir a fixação de idade mínima e a criação do fundo de previdência complementar para os servidores públicos. Além disso, é preciso debater a redução da diferença de idade para solicitação da aposentadoria entre homens e mulheres e os setores urbano e rural.
Com base em experiência de outros países, analistas da área acreditam que é fundamental levar em conta o número de filhos, valor da pensão e a idade para a liberação da pensão por morte. No Brasil, não há nenhum tipo de restrição. A pensão é paga à família do trabalhador quando ele morre, independentemente do tempo mínimo de contribuição. O benefício só deixa de ser pago quando o pensionista morre, se emancipa ou completa 21 anos (no caso de filhos ou irmãos do segurado) ou acaba a invalidez (caso de pensionista inválido).
A avaliação é de que, se houver vontade política, uma alteração como essa seria mais simples de ser implementada do que uma grande reforma, pois depende apenas de lei ordinária (maioria simples no Congresso).

Generoso
Segundo o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Paulo Tafner, o regime brasileiro é muito generoso na comparação internacional. Ressaltou que essa despesa tem crescido ano a ano e já representa um terço dos gastos previdenciários. Na avaliação do especialista, existem países que pedem, por exemplo, tempo de contribuição mínima e, no caso da viúva (ou do viúvo), exigem um período mínimo de casamento.
Além disso, nem sempre o pensionista recebe o valor integral e há estabelecimento de uma idade máxima para que filhos recebam o benefício. "O governo poderia estudar a adoção de algumas dessas restrições", afirmou.
O ministro da Previdência, Garibaldi Alves Filho, disse que, apesar do consenso dos especialistas, não há sinalização do governo federal para que sejam promovidas mudanças. "O que posso defender junto ao governo é que haja modificações", afirmou.

Desigualdade.
O benefício previdenciário médio recebido pelos servidores públicos é de R$ 5.972. Já o dos trabalhadores do INSS corresponde a R$ 714.


NACIONAL
Caso Bolsonaro põe imunidade em xeque
Declarações do deputado, consideradas racistas e homofóbicas, abrem debate sobre liberdade de expressão; especialistas veem 3 hipóteses de punição

Roldão Arruda - O Estado de S.Paulo

As declarações do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) sobre negros e homossexuais, consideradas racistas e homofóbicas, desencadearam na semana passada um ácido debate sobre os limites da liberdade de expressão e da imunidade parlamentar. Falou-se tanto em cassação de mandato quanto na possibilidade de não haver nenhuma punição possível. Tecnicamente, o deputado está protegido pelo artigo 53 da Constituição de 1988, segundo o qual os direitos de deputados e senadores são invioláveis em qualquer caso de manifestação de opinião. Mas segundo especialistas ouvidos pelo Estado existem três possibilidades de punição.
A primeira delas, a de maior consenso, fala na punição pela própria Câmara, se for constatado que ele violou regras do decoro parlamentar. A segunda ocorreria no caso de se aceitar a tese de que ele não estava no exercício da profissão quando fez as declarações ao programa humorístico CQC, da TV Bandeirantes. Nesse caso não disporia de imunidade e poderia ser levado à Justiça.
A terceira hipótese, a mais polêmica, mas não menos citada nos debates que animaram as redes sociais virtuais na semana passada, defende a tese de que a imunidade parlamentar não atinge a prática de crimes - como o crime de racismo, do qual ele é acusado.
"Eu nunca daria meu voto a esse deputado, que é preconceituoso e estimula condutas antiétnicas fronteiriças ao nazismo. Mas é preciso considerar que, se ele emitiu suas opiniões no exercício do mandato, está fundamentalmente protegido pela imunidade parlamentar que aparece no artigo 53 da Constituição", observa o advogado Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP. "Ele diz que eles não podem ser punidos civil e penalmente por questão de opinião, palavra e voto. Não pode haver controle externo da Câmara."
O controle de eventuais abusos cabe à própria Câmara, segundo Serrano. Ele acredita que a primeira tarefa dos parlamentares encarregados de tratar do caso deve ser a análise do programa de TV. "Para mim não está claro se ele entendeu mesmo a pergunta feita pela cantora Preta Gil, sobre como reagiria no caso de um filho dele se relacionar com uma mulher negra", afirmou. "Mas se a Câmara concluir que entendeu e quis ofender, dizendo que não iria discutir relações promíscuas, ele tem de ser cassado."

Na atividade. Para o presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio de Souza Neto, a questão inicial mais relevante é definir se ele estava mesmo exercendo a atividade parlamentar quando falou. "A imunidade só vale no exercício efetivo da atividade", enfatizou. "Ele manifestou aquelas opiniões num programa de entrevistas e também humorístico, falando da família dele, de relacionamentos, cogitações de cunho privado que não envolviam projetos de lei e debates legislativos."
Souza Neto também aponta a hipótese de julgamento por crime de racismo. "Ao mesmo tempo que garante a imunidade nos casos de opinião, palavra e voto, nossa Constituição reprova com vigor a prática do crime de racismo, o único que foi caracterizado pelos constituintes como inafiançável e imprescritível."
Se o processo seguir na linha da judicialização, o mais provável é que acabe chegando ao Supremo Tribunal Federal (STF), que até hoje não apreciou nenhum caso desse tipo.
O debate apenas começou. Logo nos seus primeiros momentos, Bolsonaro deixou clara sua estratégia de defesa. Vai argumentar que se confundiu com as perguntas, previamente gravadas, e não teve intenção racista. Em relação aos ataques aos homossexuais, não vai recuar e, se possível, pretende até avançar. "Estou me lixando para o movimento gay", disse na terça-feira. Três dias depois seus dois filhos que também seguem a carreira parlamentar, um como vereador e outro como deputado estadual, no Rio, engrossaram o coro, dizendo que o alvo da família é o culto à homossexualidade que afirmam existir no Brasil.
Para grupos que advogam a punição, Bolsonaro, conhecido também por defender violações de direitos humanos ocorridas nos anos da ditadura militar, incluindo mortes e torturas, já teria ultrapassado a fronteira do democraticamente aceitável.

PARA ENTENDER
Nos EUA, a liberdade para falar é total
Os limites da liberdade de opinião, trazidos à cena pelo episódio Bolsonaro, acabam de ser testados nos EUA. No mês passado, a Suprema Corte rejeitou um pedido para punir integrantes de uma igreja evangélica que costumam ir a funerais de mortos na guerra do Iraque com faixas dizendo que Deus castiga o país por causa de sua tolerância com homossexuais. "Deus odeia bichas", é uma das expressões usadas. Puni-los por intolerância, decidiu a corte, seria restringir a liberdade de opinião.
No caso dos parlamentares, a imunidade é sagrada: eles falam o que quiserem. O cargo é destinado mesmo à parlamentação, à polêmica. Vale lembrar que, em caso de corrupção e violação de leis, ele é julgado na Justiça comum, como qualquer cidadão.


ENTREVISTA - MARGARIDA PRESSBURGER, do Subcomitê de Prevenção da Tortura da ONU
''Somos um país racista e homofóbico''

Luciana Nunes Leal - O Estado de S.Paulo

A advogada Margarida Pressburger fez o curso de direito nos primeiros anos da ditadura militar, de abril de 1964 a dezembro de 1968. "Entrei com a "gloriosa" e saí com o AI-5", brinca a carioca de 67 anos que há um mês assumiu, em Genebra, uma vaga no Subcomitê de Prevenção da Tortura (SPT), da Organização das Nações Unidas (ONU).
É a primeira vez que o Brasil integra o subcomitê. Criado em 2002 para fiscalizar presídios e outras instituições de privação de liberdade suspeitas de práticas de tortura e maus tratos, ele também denuncia a aplicação de penas cruéis ou degradantes. Este ano, o subcomitê vai inspecionar três países: Ucrânia, Mali e Brasil.
Margarida comemora a aprovação, pelo governo brasileiro, da proposta da ONU de investigar violações de direitos humanos no Irã. É uma crítica da decisão do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se recusou, em novembro de 2010, a apoiar resolução que pediu o fim de pena de apedrejamento naquele país. Para ela, Lula excedeu-se no "jogo de cintura" da política externa.
No Brasil, a abertura dos arquivos da ditadura é uma de suas bandeiras. Indagada sobre a nota do Brasil em direitos humanos, foi curta e direta: "De um a dez? Um. Somos um país homofóbico, racista."

Qual será sua primeira missão como integrante do Subcomitê de Prevenção da Tortura?
Estou indo para a Ucrânia no dia 14 de maio. Lá vamos fazer inspeções e visitas a locais de privação de liberdade. Este ano três países serão visitados: Ucrânia, Mali e Brasil. No Brasil eu não me envolvo. Os três países sabem, não é mistério. O mistério é só sobre as datas, que são mantidas por enquanto em sigilo, com exceção da Ucrânia, que já foi comunicada.

O que vai ser investigado na visita à Ucrânia?
A denúncia é a mesma em todo o mundo: tortura em locais de privação de liberdade. Torturas físicas em delegacias, presídios, carceragens. Também vamos a asilos, manicômios, abrigos. Enfim, em todos os lugares onde existe algum tipo de tortura, seja física ou psicológica. Eu já ouvi de agentes brasileiros: "Se não torturar, ninguém fala nada." Essa é a mentalidade. O presidente (dos EUA, George W.) Bush, na sua biografia, diz que salvou a vida de milhares de cidadãos norte-americanos porque utilizou a tortura. É a cultura da tortura. A gente tem de entender que cultura não é tortura. Mahmoud Ahmadinejad (presidente do Irã) acha normal apedrejar uma mulher até a morte. A gente aqui não acha. A presidente Dilma não aprovou o procedimento do presidente Lula ao se abster na ONU.

Qual o significado da posição do Brasil de aprovar uma investigação sobre violação de direitos humanos no Irã?
O rumo mudou, isso deu para perceber no primeiro dia do governo Dilma, que, ao contrário do que alguns pregavam, não é a continuação do governo Lula. Vai ser o governo Dilma, vai deixar a marca dela. E Dilma, ainda mais por ter sido uma ativista política, uma "subversiva" que sofreu os piores tipos de tortura imagináveis, não vai ter aquele jogo de cintura que o Lula teve.

Na sua avaliação, Lula teve jogo de cintura em excesso?
Lula para mim é um grande estadista. Tem aquela história de querer ficar bem com todo mundo. Até mesmo a visita, o beija-mão com Ahmadinejad, não é a característica de Dilma e ela mostrou isso na semana passada. O Lula era um pouquinho fanfarrão. Largava os assuntos mais sérios nas mãos de assessores, inclusive a Dilma.

A sra. acha que o ex-presidente foi muito permissivo em relação a direitos humanos?
Não tenho a menor dúvida de que o presidente jogou o Brasil no panorama mundial. É a personalidade dele. Ele achava que estava trabalhando em cima de direitos humanos. Teve um grande ministro, Paulo Vannuchi, que só não fez mais porque tolheram. O Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) é uma obra-prima, pela forma como foi originalmente redigido. Vannuchi sofreu pressão de todos os lados, da Igreja à bancada retrógrada do Congresso. Teve de alterar a questão do aborto, voltar um pouco atrás na Comissão da Verdade. Acho que agora a Dilma vai recuperar esse tempo.

A senhora defende a punição dos responsáveis por torturas no regime militar?
O Supremo Tribunal Federal decidiu que a Lei da Anistia era bilateral. Então, não vejo como possa surgir punição, infelizmente. A Argentina tem 486 torturadores presos e recentemente prendeu um ancião. Não é porque é um velhinho ou uma velhinha que ficou bonzinho. Entendo que tortura é crime inafiançável. Meu irmão foi barbaramente torturado. O Lula não foi torturado, não teve parentes torturados. Ele sentiu a ditadura, foi perseguido, mas nunca foi torturado. Com a Dilma doeu e doeu muito. Mesmo que os torturadores não possam ser condenados, as famílias têm direito. Eu tenho direito de saber quem fez isso com meu irmão.

A senhora tem orientação do governo para a atuação na ONU?
Não, minha atuação é totalmente independente. Sou representante do Brasil, não do governo. No subcomitê, posso até desagradar à presidente Dilma, à ministra Maria do Rosário (da Secretaria Especial de Direitos Humanos).

Qual será o foco do subcomitê na visita ao Brasil?
Serão os locais de privação de liberdade. Deverá vir uma pré-comissão em maio e eles vão definir. Querem visitar alguma coisa no Norte e outra no Sul. Há presídios em que você tem celas de 12 pessoas nos quais ficam 30 ou 40. Um se encosta na parede e os outros encostam no ombro e vão dormindo, em pé. Durante o banho de sol, eles têm de ir sem sandália havaiana, porque acham que é perigoso. Nunca consegui descobrir qual é a letalidade da sandália havaiana.

Os relatórios do subcomitê podem produzir algum efeito concreto?
Quando conversei com a ministra Maria do Rosário sobre a vinda do SPT, ela disse "ainda bem". Se o SPT fizer um relatório dizendo que viu, alguém vai chamar a ONU de mentirosa? É como a sentença do Araguaia. A Corte Interamericana disse que as famílias têm de receber seus desaparecidos. A presidente Dilma vai cumprir a sentença da Corte Interamericana.

A sra. tem certeza?
Se ela não cumprir, será uma decepção muito grande. Mas acho que não vou me decepcionar.

Em relação aos direitos humanos, em que patamar o Brasil está?
De um a dez? Um. Somos um país homofóbico, racista. Enquanto você não tiver a mentalidade de colocar nas escol



ECONOMIA
Gasto público no trimestre contraria discurso de Dilma
Foram R$ 13,2 bi a mais em gastos em relação a 2010. Já os investimentos tiveram queda de R$ 300 mi

Encerrado o primeiro trimestre do mandato de Dilma Rousseff, o retrato das contas públicas contraria seu discurso na campanha. Gastos com investimentos caíram. As despesas com salários, custeio da máquina pública e da rotina do governo subiram. Com pessoal e custeio, o governo gastou R$ 10 bilhões a mais no primeiro trimestre em comparação ao mesmo período de 2010. Incluindo gastos com juros, a soma chega a R$ 13,2 bilhões. Já em investimentos, a redução foi de pouco mais de R$ 300 milhões. Os dados foram lançados no Sistema Integrado de Administração Financeira e pesquisados pela ONG Contas Abertas. O governo, entretanto, discorda: "Nós estamos cortando o custeio administrativo, não estamos cortando os investimentos", disse Dilma em março, na Bahia, em inauguração de obra do PAC.


Apesar de promessa de Dilma, governo corta investimentos
Em 3 meses de governo, gastos crescem R$ 13,2 bi e apenas 6,19% dos investimentos autorizados pelo Orçamento foram empenhados

Marta Salomon, de O estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Encerrado o primeiro trimestre do mandato da presidente Dilma Rousseff, o retrato das contas públicas contraria o discurso feito por ela desde a época da campanha eleitoral. Os gastos com investimentos, que deveriam ser preservados dos cortes, caíram. Já as despesas com salários, custeio da máquina pública e da rotina do governo subiram. É justo o oposto do pregado no discurso oficial.
Com pessoal e custeio, o governo gastou R$ 10 bilhões a mais no primeiro trimestre em comparação ao mesmo período do ano passado. Se forem incluídos os gastos com juros, o aumento chega a R$ 13,2 bilhões. É praticamente um quarto do corte de R$ 50 bilhões feito no Orçamento deste ano e é dinheiro suficiente para bancar quase um ano do programa Bolsa Família. No fim do mês passado, o Estado mostrou que haviam aumentado até gastos com diárias e passagens, supostos alvos de cortes.
Já em investimentos, os gastos caíram pouco mais de R$ 300 milhões na comparação com 2010. Os dados foram lançados no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), que registra gastos federais, e foram pesquisados pela ONG Contas Abertas.
O governo diz que está fazendo outra coisa. "Estamos cortando o custeio administrativo, não os investimentos", disse Dilma Rousseff em março, na Bahia, ao inaugurar uma obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Dos R$ 8,2 bilhões despendidos em investimentos nos primeiros três meses deste ano, R$ 7,9 bilhões se referem a pagamentos de contas herdadas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Os programas incluídos no Orçamento de 2011 propriamente dito, aquele que seria preservado de cortes, praticamente não saíram do lugar.
Nos primeiros 90 dias de governo, apenas R$ 306 milhões foram pagos até o momento, o que significa que o projeto foi realizado e o governo quitou a conta. O volume de investimentos previstos para este ano, porém, chega a R$ 63,7 bilhões. Desse montante, apenas 6,19% passaram pela primeira etapa burocrática do gasto público, o chamado "empenho", que é feito quando o governo compromete o dinheiro com o pagamento de alguma obra ou serviço ainda em execução.
De acordo com as informações lançadas até a última quinta-feira no Siafi, os ministérios dos Transportes Educação e Defesa foram os que mais pagaram investimentos, sobretudo os contratados antes da posse da presidente. Mas o dinheiro foi consumido quase integralmente por despesas já contratadas e deixadas pelo governo Lula.
No mesmo período, quatro ministérios não registraram nenhum pagamento de investimentos autorizados pelo Orçamento de 2011. Estão praticamente parados os investimentos dos ministérios do Desenvolvimento Agrário, Turismo, Cultura e Pesca. O Ministério do Esporte tampouco avançou em novos investimentos. Essas são pastas com grande volume de emendas parlamentares, principal alvo dos cortes. O ministério que mais avançou em investimentos autorizados no ano foi o da Saúde, cujas despesas estão protegidas pela Constituição.
As contas deixadas por Lula ainda vão pressionar os investimentos nos próximos meses de mandato de Dilma Rousseff. Abril começou com contas não quitadas de R$ 47,7 bilhões só nesse tipo de despesa. Parte desses contratos deverá ter o pagamento suspenso, conforme adiantou o Estado no mês passado. A queda nos investimentos ocorre também nas empresas estatais federais. Nos primeiros três meses deste ano, a redução foi de R$ 1,4 bilhão.



Apenas 0,1% do PAC foi pago no primeiro trimestre
Dos R$ 40,1 bilhões de gastos autorizados por lei para este ano, apenas R$ 54,4 milhões foi pago no primeiro trimestre

Marta Salomon - O Estado de S.Paulo

Pressionados por uma conta bilionária herdada do ano eleitoral, os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não foram poupados pelo ajuste fiscal do governo Dilma Rousseff.
Dos R$ 40,1 bilhões de gastos autorizados por lei para este ano, apenas 0,1% (R$ 54,4 milhões) foi pago no primeiro trimestre.
No mesmo período, foram pagos R$ 5,4 bilhões de contas pendentes deixadas por obras e serviços contratados durante o governo Lula, parte deles ainda quando Dilma Rousseff comandava o PAC, na condição de ministra-chefe da Casa Civil.

Levantamento. A liderança do PSDB, oposição ao governo, fez um levantamento do ritmo de execução das obras do PAC desde o início do programa, em 2007. Considerou os pagamentos feitos no ano e as contas pendentes deixadas naquele mesmo período para avaliar o desempenho do programa em cada ano.
Em 2009, ano da série em que o ritmo do PAC teria sido mais acelerado, segundo os critérios usados pelo levantamento, os gastos atingiram 75,5% do valor autorizado pela lei orçamentária. Isso significa que o PAC, cujos projetos levam o carimbo de prioridade no governo, nunca tirou do papel todos os gastos autorizados por lei.
O ano eleitoral de 2010 poderá ultrapassar o desempenho obtido em 2009 assim que o governo acabar de quitar as obras e serviços contratados no ano passado.


OBRAS
Com vento a favor, revolta dos peões se espalha pelo País
Operários ganham poder de barganha e fazem greve até por passagem de avião para visitar parentes no Nordeste

Alexandre Rodrigues - O Estado de S.Paulo

Os incidentes provocados por greves que se espalharam por grandes canteiros de obras em diferentes regiões revelam que os trabalhadores da construção civil no País têm em comum hoje mais do que a insatisfação com as condições de trabalho.
Com os investimentos em infraestrutura e do mercado imobiliário crescendo mais que a oferta de mão de obra em todo o País, os operários do setor ganham poder de barganha e querem dos patrões mais do que reajustes.
A repercussão da revolta dos operários que erguem a hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, há duas semanas, estimulou outros incidentes com vandalismo e incêndios, como nos canteiros das usinas de Santo Antônio, também no Rio Madeira, e de São Domingos, em Mato Grosso do Sul. O episódio de Jirau ainda deu fôlego a movimentos grevistas na termoelétrica de Pecém, no Ceará, e na Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.
Levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que a onda de paralisações de trabalhadores da construção já tinha começado em janeiro, no próprio canteiro de Jirau, com barricadas e piquetes que não reivindicavam aumento, mas melhoria no transporte, alojamento, assistência médica e folga para ver a família.
Em fevereiro, trabalhadores das obras da Arena do Grêmio, no Rio Grande do Sul, pararam 19 dias. Um dos pedidos atendidos foi passagem de avião para visitar parentes nos Estados de origem, a maioria do Nordeste. A greve dos funcionários na construção de habitações populares do programa Minha Casa, Minha Vida na Bahia, iniciada em fevereiro, durou mais de um mês por reivindicações como cestas básicas e cursos profissionais.
"Os movimentos têm reivindicações em comum, que são melhores condições de trabalho. Dentro delas está o salário, mas a insatisfação mais forte é com jornadas excessivas, desrespeito a acordos coletivos, más condições de transporte, alojamento e alimentação", diz José Silvestre Oliveira, coordenador de relações sindicais do Dieese. "As condições sempre foram muito precárias nesse setor. Com a velocidade da informação, essa motivação comum começou a pipocar. E pode ter certeza de que vamos ter mais nos próximos dias."
Pela TV. Quando viram a TV exibir em todo o País as reivindicações dos manifestantes, que deixaram os alojamentos de Jirau em chamas, um grupo de operários das obras do Porto do Açu, no norte fluminense, não teve dúvidas: também queria atenção à sua pauta, há meses entregue à construtora que ergue o porto de R$ 4 bilhões do empresário Eike Batista.
Na madrugada da última terça-feira, bloquearam a entrada do empreendimento com uma barricada de pneus em chamas e pararam 1,2 mil operários. Dois dias depois, reabriram o porto com toda a pauta atendida, incluindo plano de saúde para familiares, adicional de 30% de periculosidade e reajuste.
"O movimento em Jirau nos inspirou, claro, porque aqui também as condições de trabalho são muito ruins. Vimos na TV os companheiros lutando, por que ficaríamos de braços cruzados?", diz José Eulálio, líder sindical dos trabalhadores da construção civil no norte fluminense. "Conseguimos porque a mídia mostrou e o Eike mandou um representante da empresa dele obrigar a construtora a aceitar nossos pedidos. Sem trabalhador, nem tem obra."
A afirmação é cada vez mais verdadeira no setor, confirma Sergio Watanabe, presidente do Sinduscon-SP, sindicato das construtoras paulistas. Com o aumento das obras, falta mão de obra com experiência. Marceneiros, pedreiros e ajudantes, que até pouco tempo formavam uma das categorias mais desvalorizadas do mercado de trabalho, são agora disputados como profissionais qualificados.
"Hoje não tem desemprego na construção em São Paulo, é abaixo de 2%, pleno emprego. Não tem mão de obra para contratar, a não ser tirando de outros setores da economia e treinando no canteiro de obras. No passado, os nordestinos vinham para esse tipo de trabalho, mas o crescimento do setor é igual em todo o País, inclusive no Nordeste. Temo até que possa haver uma inversão no fluxo desse tipo de trabalhador", afirma Watanabe.
Ele admite que o resultado disso é a obrigação das construtoras de aceitar reajustes reais mais elevados e melhoria dos benefícios e condições de trabalho para não perder operários para os concorrentes. "Manter o funcionário hoje é fundamental. As empresas disputam o funcionário das outras pela necessidade de cumprir prazos. É um problema que o setor vai continuar a viver no curto prazo."




AVIAÇÃO
Aeronave da TAP faz pouso de emergência em Salvador
Causa do problema ainda é desconhecida; passageiros permanecem no local
02 de abril de 2011 | 10h 14

Ricardo Valota, da Central de Notícias

SÃO PAULO - Uma aeronave da TAP Portugal, que saiu por volta das 23 horas de sexta-feira, 1, do Aeroporto Internacional Antonio Carlos Jobim, do Galeão, no Rio de Janeiro, e fazia o voo 186 para Lisboa, realizou um pouso de emergência à 1h05 deste sábado, 3, no Aeroporto Internacional Deputado Luís Eduardo Magalhães, em Salvador.
Depois de cerca de duas horas de voo, segundo os passageiros, a tripulação informou que, por problemas técnicos em uma das turbinas - que teria parado - a aeronave pousaria em Salvador para reparos. Passageiros afirmam que ouviram um estouro, seguido de fumaça e cheiro de queimado.
Ainda, segundo a assessoria da TAP, os cerca de 240 passageiros, após o pouso, que transcorreu normalmente, foram acomodados em hotéis em Salvador e embarcariam até as 9h45 novamente para a capital portuguesa em uma segunda aeronave, que saiu de Lisboa e teria pousado na capital baiana.
Passageiros reportaram o problema no Twitter e criticaram a falta de apoio da companhia aérea. O passageiro Manuel Sanches postou fotos e relatou que "uma turbina parou" e que a TAP "abandonou os passageiros no chão do aeroporto".
De acordo com a empresa, o avião A-330 fez um "pouso tranquilo no aeroporto de Salvador". Outra aeronave seguirá para Salvador e tem previsão de chegada para as 19h45. Os passageiros embarcarão às 21h05 com destino a Lisboa. A empresa informa que os passageiros terão suas conexões garantidas pela companhia.

(Texto atualizado às 12h25)



Southwest cancela 300 voos após pouso de emergência nos EUA
Decisão foi tomada depois que umdos aviões da empresa fez um pouso de emergência após um grande buraco ter se aberto na fuselagem
02 de abril de 2011 | 19h 51

Reuters

A companhia aérea norte-americana Southwest Airlines informou que deve cancelar 300 voos marcados para este sábado, depois que um dos aviões da empresa fez um pouso de emergência após um grande buraco ter se aberto na fuselagem.
Passageiros a bordo do voo 812 da Southwest, que ia de Phoenix a Sacramento, na sexta-feira, ouviram um forte ruído e depois um buraco se abriu na aeronave Boeing 737-300 forçando o piloto pousar em uma base militar em Yuma, Arizona. O incidente fez a empresa deixar em terra sua frota de 79 Boeings 737 para avaliações.
Engenheiros da Southwest e da Boeing vão inspecionar a aeronave na base e a companhia aérea divulgou que está trabalhando com autoridades para determinar a causa do incidente.
Com as inspeções, que devem levar vários dias para serem concluídas, a Southwest informou que está cancelando cerca de 300 voos neste sábado.
Um total de 931 Boeings 737-300 são operados por companhias aéreas ao redor do mundo, com 288 deles nos Estados Unidos, afirma a Agência Federal de Aviação dos EUA (FAA).
O piloto do jato fez uma rápida descida de uma altitude de 34.400 pés (10,3 quilômetros) para 11.000 pés (3,4 quilômetros), seguindo procedimento padrão para chegar a uma altitude onde oxigênio adicional não é necessário.


ENTREVISTA: MARCO AURÉLIO GARCIA - Assessor especial da Presidência para assuntos internacionais
Instalado no Palácio do Planalto desde a primeira eleição de Lula, em 2003, é tido como um dos ideólogos da política externa brasileira. Gaúcho nascido em 1941, professor licenciado de história da Unicamp, passou nove anos no exílio antes de ajudar a fundar o PT, do qual já foi presidente
''Claro que há mudanças na política externa''
Visão de Dilma sobre direitos humanos e novo cenário internacional alteram diplomacia, reconhece Garcia; "Brasil não tem simpatia por autocratas nem afinidade com Irã"

Roberto Simon - O Estado de S.Paulo

Se o Itamaraty ainda hesita em admitir publicamente, o assessor para assuntos internacionais do Planalto, Marco Aurélio Garcia, entrega de bandeja: "Há mudanças na política externa? Claro que sim". Ele afirma que a presidente Dilma Rousseff está decidida a imprimir sua marca na diplomacia - a começar pela questão dos direitos humanos, particularmente cara à ela - e o contexto internacional mudou.
Com a transição entre governos, o próprio Garcia parece ter recalibrado o discurso. O Brasil "não tem simpatia por autocratas", diz, e "nenhuma afinidade com o Irã". Olhando para o passado, porém, ele defende que os abraços de Lula no líbio Muamar Kadafi ou no sírio Bashar Assad não são motivos de constrangimento. O "professor", como é chamado, subiu ainda o tom das críticas à intervenção na Líbia, um "precedente autorizando, sempre que houver uma guerra civil, a ONU a interferir em proveito de uma força". A seguir, a entrevista.

Há indícios - entre eles o voto do Brasil na ONU pelo envio de um relator ao Irã - de que a política externa está tomando um novo caminho. Qual é a dimensão dessa mudança?
Primeiro, é preciso falar sobre o voto em si. Já havia iniciativas do governo Lula nessa área e, diante de denúncias, nós votamos simplesmente pela criação de um relator. Caberá a ele definir em seu informe qual é a situação encontrada e, então, nós teremos de nos manifestar. Há mudanças na política externa brasileira?  Claro que sim. Elas são determinadas não só pelas alterações na realidade internacional, mas também pela diferente percepção que a presidente tem em relação ao mundo. Não vou trabalhar com a ideia de diplomacia presidencial, mas as grandes decisões partem do presidente. Lula sempre deu grande ênfase às questões sociais. Dilma manterá essa sensibilidade do governo anterior, mas quer enfatizar as questões ligadas a seu passado de prisioneira política.

E isso significará, por exemplo, uma mudança na forma como o Brasil vota na ONU quando o assunto é direitos humanos?
Cada caso é um caso. É evidente que um exemplo já foi dado. Outros virão.
Ao contrário do que tem sido dito, não houve da parte do governo brasileiro leniência no que diz respeito aos direitos humanos. Mais de 90% das moções apresentadas no Conselho de Direitos Humanos da ONU tiveram voto positivo do Brasil. Nós temos a preocupação de que essas votações não sejam seletivas - apenas contra os países do sul - e possam abordar de forma equilibrada todas as situações.

O Brasil nunca votou contra Cuba e sempre votou contra Israel. Isso não é ser seletivo?
Nós teríamos de ver concretamente quais foram as moções apresentadas. Não posso comentar em aberto. Na própria entrevista da presidente ao Washington Post, que tem sido tão mencionada como um ponto de inflexão, ela dizia querer rever tanto a situação do Irã quanto a de Guantánamo. No caso do Irã, quem suscitou a questão da senhora Sakineh (Ashtiani, condenada a apedrejamento) foi o Lula. Quando estivemos em Teerã, concluímos um processo que levou à libertação da francesa Clotilde Reiss. Houve iniciativas do chanceler Celso Amorim em relação aos cineastas presos e à comunidade bahai. Trabalhamos numa outra clave, mas de maneira nenhuma há leniência.

Ao mesmo tempo, quando se pensa na relação com o Irã, é impossível esquecer a frase comparando opositores massacrados a torcedores frustrados.
Essa comparação foi em uma outra situação, na eleição. Eu invoco o que disse à época: "Acho muito positivo (o protesto nas ruas)". Essa era a avaliação da diplomacia brasileira. Positivo porque demonstra a vida política na sociedade iraniana.

E a brutalidade de um regime disposto a tudo para se manter no poder.
Sim, mas houve manifestações. Não tenho informações para dar ou não validade às eleições. Mais ainda, não temos nenhuma afinidade com o governo do Irã. Ele é religioso, nós somos uma república laica. Eles têm leis que condenamos. Mas o que nós fomos fazer no Irã naquele momento foi outra coisa: tentar frear um programa (nuclear) militar, permitindo uma solução negociada. As potências não aceitaram e optaram pelas sanções.


Em 2003, o Brasil ajudou a eleger a Líbia presidente da Comissão de Direitos Humanos da ONU. Meses depois, Trípoli conseguiu, com apoio brasileiro, suspender da comissão a ONG Repórteres Sem Fronteiras, que havia protestado contra a eleição. Esse tipo de voto tem lugar no governo Dilma?
A presidente tem um critério definido para a questão de direitos humanos - o qual compartilho totalmente. Ela, pessoalmente, tem uma história muito vinculada à questão dos direitos humanos - foi presa política. E diz o seguinte: "Por fidelidade à minha história, serei intransigente quanto aos direitos humanos e à defesa das mulheres". Nisso aí, não há nenhuma posição idiossincrática.

Parece bem diferente de Lula, que não se importava em abraçar ditadores.
O presidente Lula tem seu estilo, diferente do apresentado por Dilma. Nunca ninguém observou o fato de que Lula chamava Bush de "companheiro". Não acredito que, do ponto de vista estrito, Bush pudesse ser qualificado de "companheiro". Mas são estilos. Da mesma forma que ele conviveu aqui com pessoas que vinham do "antigo regime" (ditadura militar), ele podia perfeitamente conviver com certas figuras internacionais. Quando se fizer a história da política externa do governo Lula, esse aspecto não terá caráter fundamental. O que há de fundamental - e continuará neste governo - é a boa relação com a América do Sul, América Latina, África, China, Índia, União Europeia e EUA.

Bom relacionamento com os EUA, mas com grandes atritos - bases na Colômbia, Irã, Honduras, Cuba, comércio...
E o que você queria? Que ficássemos silenciosos?

Constato um fato: houve atritos significativos na relação bilateral.
A relação com os EUA é boa, mas, como em todo relacionamento, tem áreas de aproximação e de conflito. Muitas das críticas vêm de um período em que bom relacionamento significava submissão. Como diz o Chico Buarque, era a época em que falávamos fino em Washington e grosso com o Paraguai e com a Bolívia. Isso acabou, agora falamos igual com todo o mundo.

Sobre a situação na Líbia, o Brasil pede ou não a saída de Kadafi?
Não. O Brasil não tem incorporado essa questão.

E como o sr. avalia a intervenção da Otan em território líbio?
Ao lado de Alemanha, Rússia, Índia e China - ou seja, de boa parte do Conselho de Segurança -, nós nos abstivemos na última votação porque estávamos antevendo que poderia haver problemas. Naquele dia, disse a um colega de um país do Conselho de Segurança que uma votação daquele tipo, primeiro, poderia abrir uma caixa de pandora na região e, segundo, criava um precedente gravíssimo, autorizando agora, sempre que houver uma guerra civil, que as Nações Unidas intervenham em proveito de uma força.

Se não fosse a ação militar, Kadafi teria tomado Benghazi, o que levaria a um massacre. O Brasil não fica numa posição confortável de criticar a intervenção sem propor uma forma concreta de evitar a tragédia?
Na mesma época da votação houve um massacre de cem pessoas na capital do Bahrein. As Nações Unidas saíram para proteger a população massacrada lá? Não temos nenhuma simpatia por Kadafi e por nenhum regime autocrático naquela região. As grandes potências, sim, têm simpatias. E têm revelado isso de forma muito enfática. Kadafi estava extremamente próximo das potências nos últimos tempos.

Lula chamou Kadafi de "meu amigo, meu chefe". Isso não é ter simpatia?
Nós não temos, posso lhe assegurar. Se tivéssemos, desenvolveríamos ações conjuntas com Kadafi. Uma vez ele me propôs a criação de uma espécie de Otan do Atlântico Sul. Disse-lhe: "Isso não está na nossa agenda, não vamos desenvolver". Claro que o Brasil tinha interesses econômicos na Líbia - inferiores aos da China, França, EUA e Grã-Bretanha. Mas tinha. Na verdade, a Otan interveio em uma guerra civil na Líbia. Agora está discutindo armar os rebeldes. Houve uma ação extremamente violenta, que acabou com o poder de fogo de Kadafi.

Seria melhor não ter essa intervenção e ficar diante de prejuízos humanos ao estilo Ruanda ou Darfur?
O Brasil não tem má consciência com os casos de Ruanda ou Darfur. Que os países que têm esse problema parem de tentar expiar isso pelo restante da vida. A Líbia, o Egito e todos os países da região têm direito a governos democráticos, com eleições e tudo. Fantástico. Mas a escolha desses governos deve ser resultante de um processo interno. O papel da comunidade internacional é assegurar que isso se faça sem violência. Agora, está se fazendo com violência. Será que o Iraque - com dezenas de milhares de mortos e com a brutal violação dos direitos humanos - não serviu de exemplo? Lá não morreram noventa e poucas pessoas, como no primeiro momento na Líbia.

Lula teve uma relação pessoal calorosa não só com Kadafi, mas com outros líderes da região que agora estão em apuros. É o caso do sírio Bashar Assad, que hoje ordena suas tropas a abrir fogo contra civis desarmados. Isso é motivo de constrangimento para o governo brasileiro?
Nossa "relação calorosa" com Bush é motivo de constrangimento? Da mesma forma que há um grupo que faz acusações gravíssimas contra o presidente Assad, há outro que responsabiliza os EUA por violações gravíssimas no Iraque. Procuramos desenvolver um diálogo com todas as forças políticas e nunca fizemos concessões - nas visitas que realizamos, não fomos celebrar o governo do Irã, da Líbia ou da Síria.

Há rumores de que, com a transição entre Lula e Dilma, o sr. perdeu espaço no governo.
Minha sala continua do mesmo tamanho (risos). Em novembro, havia um movimento quase consensual para que eu substituísse o ex-presidente argentino Néstor Kirchner como secretário-geral da Unasul. Vários governos haviam se manifestado nessa direção. Como a eleição (de Dilma) já havia ocorrido, eu expus à presidente a situação. Ela pediu que eu continuasse como assessor de política externa. Aceitei e aproveitei para solicitar uma estrutura maior. A presidente concordou.


ENCRUZILHADA CUBANA
Havana falha em cumprir suas metas de reforma
Março acaba e as 500 mil demissões do setor público anunciadas para o fim do 1º trimestre não ocorrem; congresso comunista tem diretrizes revistas

Guilherme Russo - O Estado de S.Paulo

Em setembro, o governo de Raúl Castro anunciou uma medida controvertida para modernizar a economia de Cuba: demitir 500 mil trabalhadores do funcionalismo público em seis meses. Tanto partidários do regime quanto opositores criticaram a intenção, que deveria ter sido posta em prática até o fim do primeiro trimestre de 2011. Passado março, porém, o presidente não chegou nem perto de sua meta.
"Raúl teve de paralisar o processo de demissões porque não foram criados postos de trabalho suficientes nesse período", disse ao Estado o economista cubano Oscar Espinosa Chepe, que trabalhou para o governo de Fidel Castro por quase 20 anos e já esteve preso por "traição" depois de passar à dissidência do regime.
A intenção do governo cubano é eliminar 1,3 milhão de postos para trabalhadores públicos - aproximadamente 25% do total de funcionários.
Até janeiro, cerca de 113 mil autorizações para os cubanos exercerem atividades privadas haviam sido emitidas pelo governo. No início de março, no entanto, o presidente cubano anunciou que a transição para uma economia de mercado mais competitiva em Cuba tardará pelo menos cinco anos.
De acordo com um cálculo feito pela agência Reuters, nas províncias de Granma, Camaguey e Santiago de Cuba, cerca de 7 mil funcionários foram dispensados. Antes da demissão em massa, cerca de 85% da população cubana ocupava cargos no governo. Segundo Chepe, a província de Havana - que abriga a capital homônima - já sente também o efeito de algumas demissões e outras medidas do regime.
O economista contou que o corte do projeto social que mandava os adolescentes estudar no campo, envolvendo os alunos em oficinas de agricultura, fez com que os jovens voltassem a viver com os pais.
"Antes eles tinham uma calça, uma camisa, comida... E agora suas famílias é que estão sofrendo, pois não tiveram compensações salariais (para prover o sustento dos estudantes antes garantido pelo governo). Isso é preocupante", diz Chepe.

PARA ENTENDER
Entre os dias 17 e 19, o 6.º Congresso do Partido Comunista Cubano ocorre em Havana para ratificar medidas - como cortes em subsídios sociais e emissões de autorizações de trabalho privado - que pretendem modernizar a economia da ilha


ARTIGO
Cuba, a inércia e as revoluções árabes

*Philip Bowring, do International Herald Tribune - O Estado de S.Paulo

Preços subindo após anos de fracasso econômico, cinco décadas de um regime de partido único opressivo, uma primeira família envelhecida, um sistema educacional que produz graduados com poucas perspectivas, uma comunidade no exílio rica esperando nos bastidores.


Neste ano de revoluções, seguirão os cubanos o exemplo dos árabes e exigirão um futuro melhor e mais livre? Ou estarão condenados pela inércia gestada pelo igualitarismo socialista e pelo ópio da maravilhosa música cubana a permanecerem passivos? Ou poderá esse regime comunista seguir pares asiáticos como o Vietnã e transformar sua sociedade sem abrir mão do controle do poder?
O caso de Cuba é sui generis, mas muitos de seus aspectos fazem lembrar a Coreia do Norte, Mianmar, Vietnã ou a antiga União Soviética, bem como regimes árabes que ruíram ou estão ameaçados de ruir. Como muitos países árabes mostraram, a inércia pode persistir por décadas e a revolta surgir quando menos se espera. Uma avaliação superficial oferece poucos indícios de uma sublevação iminente aqui.
Mas há a expectativa de que o Congresso do Partido Comunista este mês - o primeiro desde 1997 - sugerirá até que ponto ele irá no abandono das palavras de ordem socialistas na busca dos ganhos econômicos de que precisa para seu poder sobreviver muito além da era bombástica, mas genuinamente igualitária, de Fidel Castro e da era mais pragmática de Raúl Castro.
A pressão aumenta não só no público, mas entre os 700 mil membros do Partido Comunista. Até onde o partido pode avançar para uma economia de mercado, abrindo mais espaço para o setor privado e o investimento estrangeiro, até que ponto conseguiria cortar subsídios e benefícios sociais? O caminho para as reformas significa mais cortes de empregos, rações alimentares menores, preços mais altos - maior risco de ressentimento popular.
O regime tem algumas coisas a seu favor. A primeira continua sendo a hostilidade americana, um embargo que é a imagem espelhada da mentalidade de fortim da Ilha de Cuba e torna respeitável o antiamericanismo.
A segunda são suas muito reais, internacionalmente reconhecidas e muito populares conquistas em saúde e educação. A terceira é a ausência de corrupção nos altos escalões. O culto oficial é de Che Guevara, morto há muito tempo, e não de Fidel Castro.
Os líderes levam vidas modestas, o partido tem uma base ampla e ninguém espera uma sucessão dinástica dos Castros. Menos admiravelmente, a população também está envelhecendo e caindo, de modo que suas pressões demográficas são o oposto das existentes no mundo árabe.
Mas se foi o tempo de um modelo econômico que, a despeito de toda retórica nacionalista e autossuficiente, e de slogans revolucionários gastos, sempre foi dependente de subsídios externos - atualmente do petróleo barato de Hugo Chávez, da Venezuela.
Os fiascos agrícolas de Cuba foram marcantes mesmo para os padrões da União Soviética e da Coreia do Norte, e a receita de turismo, remessas do exterior e minerais não só são insuficientes como criaram uma divisão entre os que têm e os que não têm acesso a moedas estrangeiras.
Raúl promoveu muitos militares e membros do partido mais jovens para o lugar de velhos revolucionários. O papel declarado dos militares na economia está crescendo. Esses novos líderes podem ser do tipo capaz de impelir Cuba para uma economia semiprivatizada ao estilo chinês em que mercado e partido dividem o poder.
Alguns deles já estão procurando fazer a própria cama, como congêneres de outras partes fizeram, no momento em que joint ventures com companhias estrangeiras que veem o vasto potencial de Cuba começam a proliferar.
Mas Cuba não tem a vastidão da China nem o porte médio de um autoconfiante Vietnã. É um pequeno país ao lado de um vizinho gigantesco que abriga 1 milhão de pessoas de origem cubana, a maioria das quais não quer que a ilha evolua para uma versão mais bem-sucedida do sistema corrente, mas quer que o partido seja varrido do poder e seu sistema e seu pessoal sejam substituídos.
Para sobreviver, portanto, o regime precisa de reformas econômicas e mais envolvimento com o mundo exterior para não ficar atolado. O regime precisa de dinheiro e de mercados estrangeiros, mas precisa também do embargo americano como uma muleta política. Para sobreviver, também, ele poderá ter de conceder mais espaço a seus dissidentes - aqueles que bravamente denunciam e se recusam a ser exilados - e com isso desarmar os que veem o sistema como um todo como uma relíquia opressiva.
Os homens de Raúl podem ser pragmáticos em economia, mas seus instintos são naturalmente autoritários e eles podem achar mais fácil conversar com capitalistas estrangeiros do que com seus artistas e intelectuais.
Cuba parece pouco propícia a uma contrarrevolução no futuro próximo. Mas mudanças estão sendo forçadas ao regime e será muito difícil o Partido Comunista lidar com elas. Conseguirá Cuba encontrar um espaço entre o fracasso socialista e voltar a ser uma colônia econômica dos Estados Unidos, um meio termo social-democrata entre a opressão do partido único e a corrupção e violência da Cuba pré-Fidel? / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK

*É COLUNISTA


TÓQUIO
Japão encontra vazamento em poço de reator; premiê vai à região
Tokyo Electric Power descobriu uma fissura em um poço que estava vazando água do reator 2

Reuters

TÓQUIO - O primeiro-ministro japonês fez neste sábado, 2, a sua primeira visita à região devastada pelo tsunami de 11 de março, enquanto autoridades que lutam para encerrar a pior crise nuclear mundial desde Chernobyl afirmaram que podem ter descoberto a causa de a radiação estar vazando para o mar.
A Tokyo Electric Power Co (Tepco) disse que descobriu uma fissura em um poço de concreto que estava vazando água do reator 2 em Fukushima, emitindo mil milisieverts de radiação por hora. 
"Com níveis de radiação aumentando na água do mar próxima à usina, estávamos tentando confirmar a razão para isso e, nesse contexto, essa pode ser uma fonte", afirmou Hidehiko Nishiyama, vice-chefe da Agência de Segurança Industrial e Nuclear (Nisa, na sigla em inglês).
O primeiro-ministro japonês, Naoto Kan (o segundo à direita), inspeciona uma base próxima à Fukushima (EFE/ Pool) 
Entretanto, ele alertou: "Não podemos dizer com certeza até estudarmos os resultados". A Tepco começou a despejar concreto no poço para estancar o vazamento, afirmou. O premiê japonês, Naoto Kan, conversou com refugiados que estão vivendo em um acampamento improvisado no vilarejo de pescadores de Rikuzentakata, arrasado pelo tsunami que chegou ao país depois que o Japão foi sacudido por um grande terremoto, deixando 28 mil mortos e desaparecidos.
"Será como uma longa batalha, mas o governo trabalhará duro junto com vocês até o fim. Eu quero que cada um faça o seu melhor, também", afirmou Kan a um sobrevivente que está abrigado em uma escola que virou refúgio no devastado nordeste japonês, segundo a agência de notícias Kyodo.
Mas alguns sobreviventes estão furiosos com o fato de Kan ter demorado três semanas para visitar o local, acusando o governo de pouco ajudar os refugiados a reconstruir suas vidas em meio aos escombros da devastação.
"O momento da visita dele foi tardio demais", afirmou Ryoko Otsubo. "Eu gostaria que ele tivesse visitado este lugar antes. Eu queria que ele tivesse visto as montanhas de escombros onde não havia estradas. Agora as estradas estão limpas."
Impopular e sob pressão para renunciar ou convocar eleições antes mesmo do desastre, Kan foi criticado pelo seu comando nas crises humanitária e nuclear do Japão, e sua liderança continua questionada. Após três semanas, os operadores da usina continuam longe de retomar o controle dos reatores danificados, e as varetas de combustíveis permanecem superaquecidas e com altos níveis de radiação vazando para o oceano.
O Japão poderá gastar até 300 bilhões de dólares nos esforços de reconstrução, a maior quantia já utilizada após um desastre natural.



OPINIÃO
Uma nova onda de premiações

*Marc Margolis - O Estado de S.Paulo

A América Latina está com a bola cheia. Esqueça a ebulição das bolsas e do mercado imobiliário. As nossas latitudes estão cheias de si mesmas. Nesta semana, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ganhou o prêmio Rodolfo Walsh pela liberdade de imprensa. Seu feito: dar voz a incontáveis pessoas, ignoradas pelas "elites dominantes" e, portanto, sem canal próprio de expressão, nas palavras do reitor da respeitada Universidade de La Plata.
Para o leitor desavisado, pode soar um impropério. Afinal, Chávez não é aquele que, em 2007, mandou tirar do ar a emissora mais popular do país, a RCTV, para depois encampar a rede Globovisión e afugentar seu dono, Guillermo Zuloaga, do país? E não foi ele que, com uma canetada, puxou a tomada de 34 estações de rádio só porque elas mantinham uma linha editorial distante de sua cartilha bolivariana?
Ele mesmo. Não é a primeira honraria esdrúxula do comandante do "socialismo do século 21", que, em 2004, faturou o Prêmio Internacional Kadafi de Direitos Humanos. Agradecido, o venezuelano correspondeu ao mimo, presenteando o líder líbio, Muamar Kadafi, com uma réplica da espada de Simon Bolívar, herói da independência latino-americana.
Mas há nesse afago mútuo algo novo no ar. Quando o Greenpeace inventou a "motosserra de ouro", era antes de mais nada uma forma irônica e bem-humorada de chamar atenção para a ameaça ao meio ambiente.
Blairo Maggi ganhou o troféu em 2006, não gostou e depois se redimiu, abraçando a causa verde. Se foi por vergonha, pressão cívica ou convicção pessoal, não se sabe. A ironia do Greenpeace, porém, teve seu mérito.
A nova moda de premiação, porém, é diferente. Mistura de cinismo com autoconvecimento, ela nasce da necessidade de tiranos e demagogos de justificar suas arbitrariedades, apropriando-se justamente das admiráveis bandeiras universais - a liberdade, convivência democrática, direitos humanos - que dia após dia tratam de sufocar.

Nova premiação. Assim, Chávez, que amordaça sua imprensa, transforma-se, na Argentina, em zelador da livre expressão com a bênção da presidente Cristina Kirchner, ela mesma empenhada em esmagar os jornais Clarín e La Nación. A autocracia sempre foi uma grande permuta. Já que flexibilizaram o conceito, há muitos outros prêmios que se pode imaginar nessa linha:
Troféu Companheiro Empreendedor. Com o comunismo em concordata, 500 mil a 1 milhão de servidores públicos cubanos serão dispensados para se defenderem como podem no mercado inexistente. Quem sobreviver merece mesmo uma medalha, pelo menos aqueles que não se enriquecerem demais
O Prêmio de Imperialismo Digital vai para Daniel Ortega. Ex-guerrilheiro sandinista, o presidente nicaraguense anexou um naco de pântano da Costa Rica, brandindo uma versão fajuta do Google Maps - versão que foi desmentida pelo próprio Google.
No quesito da Contabilidade Criativa, é páreo duro, disputado avo por avo entre o Instituto Nacional de Estatística e Censo da Argentina (Indec) e o seu par venezuelano, com a mesma sigla. Ambos milagrosamente calculam a inflação de seus respectivos países em metade do índice de analistas de mercado.
O fio condutor da nova premiação, é claro, é a iniciativa dos governos que falam em respeitar direitos, transparência e contas acuradas para depois ignorá-los. Eles reprimem suas sociedades em nome de libertação. É o "discurso duplo" de George Orwell, na versão 2.0.
Não é a primeira vez que um líder carismático latino usa o dom da palavra para cercear a dos outros. Juan Perón, o eterno caudilho argentino, subiu ao palanque e mandou fechar 110 jornais entre 1943 e 1946. Talvez nenhum dos seus discípulos de hoje chegue a tanto. No entanto, por se esforçarem, ganham uma estrelinha.

*É COLUNISTA DO "ESTADO", CORRESPONDENTE DA REVISTA "NEWSWEEK" E EDITA O SITE
 FONTE: JORNAL ESTADO DE SÃO PAULO

Nenhum comentário:

Postar um comentário