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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

VALOR ECONÔMICO


OPINIÃO
Obama busca negócios, mas frustra empresários

*Sergio Leo

Barack Obama vem aí, celebrar a reaproximação com o governo brasileiro e explorar a parceria econômica com o Brasil, mas desagradou a mais forte associação de empresários do país, a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), ao excluir a capital paulista de seu roteiro. Obama vai à favela no Rio, planeja fazer discurso histórico no litoral carioca, e a Fiesp, frustrada, reclamou da ausência da escala paulista, em contatos com os emissários de Obama que visitaram o Brasil nos últimos dias. As conversas desses emissários, aliás, indicam que os EUA ainda estão em busca de uma agenda plausível para o Brasil.
O último desses enviados foi o subsecretário de Estado para Assuntos de Economia, Energia e Negócios, José Fernandez, que, recebido em jantar pela Fiesp, na noite de quinta-feira, ouviu as queixas sobre a (falta de) visita de Obama - e, enquanto os executivos experimentavam a entrada, de sopa de cogumelos, foi direto: "o que podemos fazer para estimular parcerias entre empresas brasileiras e americanas?", indagou. Na visita ao Brasil, Fernandez insistiu que a relação entre os dois países passa por seu momento ideal ("sweet spot") e que os dois governos têm de aproveitar agora, antes que surja qualquer atrito que atrapalhe a aproximação bilateral.

Os EUA ainda buscam uma agenda plausível para o Brasil
"Por momento ideal quero dizer uma convergência de interesse e possibilidade", explicou ao Valor logo após o jantar. "Temos novo governo no Brasil, grande interesse de empresas americanas de negócios, comércio e investimento com o Brasil, empresas brasileiras grandes investidoras nos EUA e grandes oportunidades aqui no setor de infraestrutura". As oportunidades de aproximação dos dois países são das que se vê "uma vez na vida", disse ele.
Fernandez está encantado com o fato de que boa parte do crescimento das vendas dos EUA ao Brasil foi de equipamentos comprados para a exploração de petróleo no Brasil e diz não ver problema na intenção da Petrobras de aumentar o conteúdo nacional de seus investimentos no petróleo das camadas do pré-sal. Sugere que há espaço para isso sem abalar negócios das companhias americanas. Mas o otimismo do simpático subsecretário de Estado não atrai todos. Executivos de grandes construtoras brasileiras dizem não ter interesse em atrair sócios americanos para as obras do PAC ou para explorar juntos o mercado brasileiro do pré-sal, no qual a tecnologia da Petrobras não tem rivais no mundo.
Nas conversas com o governo, o otimismo teve mais eco; o subsecretário-geral do Itamaraty para assuntos econômicos e tecnológicos, Pedro Luiz Carneiro de Mendonça, um dos cérebros da atuação do Brasil no G-20, grupo das economias mais influentes do mundo, diz ter ficado entusiasmado com as visitas de Fernandez e, pouco antes, do secretário do Tesouro, Timothy Geithner, pelo grau do interesse demonstrado em criar uma agenda comum com o Brasil.
À exceção da nova conversa sobre infraestrutura e oportunidades de negócio no Brasil para companhias americanas, porém, os temas abordados não vão muito além da agenda já firmada com o governo George Bush: propostas como cooperação para atuar em terceiros países na América Central e África, colaboração em pesquisas sobre uso do etanol, manifestações de amizade e interesse no campo cultural. Os documentos vazados pelo WikiLeaks mostram como, com Bush, havia interesse em estreitar laços com o Brasil e o tema energia foi o que se encontrou para criar uma "agenda positiva" em meio a divergências dos dois governos.
A administração Obama passa a sensação de algo semelhante: há interesse político de ter o Brasil ao lado, e interesses econômicos, a começar pela necessidade de aproveitar o mercado brasileiro para expandir exportações americanas; mas ainda se tateia à procura de uma agenda positiva mais sólida. Voltou-se a falar no Fórum de Altos Executivos dos dois países, que tem servido bem para atacar a burocracia que atravanca os negócios, mas que se atolou numa campanha fadada ao fracasso, a defesa do acordo para evitar bitributação.
O aumento de investimentos de firmas brasileiras nos EUA cria impulso para um acordo de bitributação, mas nem o fisco brasileiro nem o americano aceitam mudar seus procedimentos para criar mecanismos contra a bitributação. Conseguiram chegar a um acordo para trocar informações sobre contribuintes - que vem sendo bombardeado por empresários brasileiros no Congresso, temerosos do uso que a Receita dará às informações recebidas dos Estados Unidos.
Para o Brasil, o maior interesse é descobrir maneiras de aumentar as medíocres taxas de crescimento das exportações ao mercado americano, e é uma simplificação excessiva atribuir o mau desempenho do Brasil à falta de um acordo de livre comércio com o país, ou à decisão do governo Lula de rejeitar a Área de Livre Comércio das Américas. O Mercosul, desde 2004, propôs um acordo de livre comércio com os EUA - ideia que voltou a ser levantada, sem receber reação, pela Fiesp no jantar com o subsecretário José Fernandez. Falta maior empenho das próprias empresas brasileiras, e sobra competitividade de concorrentes como a China.
"Números de comércio e investimento mudam, importante é a tendência de crescimento, que é positiva", minimizou Fernandez. É compreensível a falta de interesse do governo americano em negociações de comércio com o Mercosul: o acordo de livre comercio com a Colômbia até hoje rasteja no Congresso americano, apesar de a tarifa média para produtos colombianos já estar em ridículos 0,1% nos EUA. A boa relação entre os governos pode, no entanto, remover obstáculos não-tarifários às exportações dos dois países, como regras sanitárias e normas técnicas - como a administração Bush já vinha fazendo.
Obama quer marcar a visita como uma nova fase nas relações entre os dois países. Começou frustrando o empresariado paulista, e, aparentemente, ainda procura uma agenda nova para apresentar. Tem a seu favor, até agora, o interesse do governo brasileiro em fazer da visita um êxito diplomático da gestão Dilma Rousseff.

*Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras


POLÍTICAS PÚBLICAS
Inovação deve ter foco, dizem analistas
Ideia não é abandonar a indústria, mas definir onde é possível avançar mais

Heloisa Magalhães | Do Rio

A indústria brasileira vem perdendo espaço no mercado doméstico para os produtos importados e também perdeu competitividade para concorrer em outros países com produtos "made in China", "made in Coreia", "made in" algum país asiático. Embora o câmbio seja hoje apontado como o grande vilão da indústria brasileira, ele não é o único responsável pela perda de participação dos produtos brasileiros no consumo doméstico e também no de outros países. Para um grupo cada vez maior de especialistas, a recuperação da participação perdida e a conquista de novos espaços passa pela inovação. Mas o importante, insistem, é traçar uma rota de incentivo à inovação com foco nos segmentos onde o país tem capacitação e possa fazer diferença. A ideia, dizem, não é abandonar a indústria, mas fazer "escolhas" em setores nos quais o país pode dar um salto a médio e longo prazo.
Na última década, o país perdeu competitividade de tal forma que levou o professor Antonio Barros de Castro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a caracterizar a indústria brasileira, com honrosas exceções, de "descartável do ponto de vista internacional". Para Barros de Castro é preciso "um ativismo forte, mas não para manter, e sim para transformar".
Ele e outros dois especialistas em política industrial - os professores David Kupfer, também da UFRJ, e Carlos Américo Pacheco, do Instituto de Economia da Unicamp - avaliam que há a necessidade de uma política científica e tecnológica diferente daquela que vem sendo realizada. "O foco da política tecnológica brasileira tem que ser para segmentos ou setores ou para parte de setores ou para um conjunto de setores similares. A questão de ciência e tecnologia é um desafio em qualquer lugar do mundo. O Brasil não é diferente", avalia Kupfer.
Carlos Américo Pacheco destaca que o Brasil vai ter que fazer escolhas. "Não vamos conseguir resolver todos os problemas sistêmicos no curto prazo. Há falta de recursos humanos e de ação coordenada, e toda essa agenda é de médio e longo prazos. Temos que resolver questões de logística e de infraestrutura, e o problema cambial não vai ser solucionado de um dia para outro. Temos aí dois anos para equilibrar apenas as questões macroeconômicas e depois poderemos realmente avançar " diz.
Tanto ele como Kupfer destacam áreas nas quais o país pode avançar e posicionar-se internacionalmente de uma forma mais competitiva e diferenciada, observando que esses segmentos "são até óbvios", como lembra o professor da Unicamp. "Andar firme no agronegócio, em toda a cadeia que envolve o petróleo, com o pré-sal, manter a base de desenvolvimento científico no que diz respeito aos recursos da biodiversidade, energia, na aeronáutica, setor aerespacial que são indutores de tecnologia pelo mundo afora são setores que formariam um mapa interessante para serem depois completados com dimensões da economia do conhecimento", lista Kupfer.
Ele avalia que todos os setores citados contam com bases bem constituídas, mas precisam continuar recebendo investimentos para abrir caminhos novos e acumular mais massa critica para avançar. "Não se deveria definir um número muito grande de áreas, mas algumas com margem ampla de ação de longo prazo, envolvendo recursos de empresas e governamentais", diz o professor da UFRJ.
Kupfer lembra que não foi por acaso que o país avançou no agronegócio. "A ideia de celeiro do mundo não é porque temos terra e sol. Foi reflexo de décadas de um sistema de acumulação, inovação e pesquisa tecnológica. Na agropecuária recente, houve um puxão na ciência que deu oportunidade para descobertas na biologia e genética, e, do lado econômico, a questão do alimento ganhou uma difusão de teses de segurança alimentar. A bioenergia, por exemplo, poderá encontrar soluções na agropecuária. Trata-se de uma linha que podemos avançar muito e chegar o mais próximo da fronteira internacional", diz ele.
O professor lembra que já existe toda uma cadeia voltada à inovação que, se exacerbada, tem tudo para avançar ainda mais. O amplo envolvimento de um setor trouxe resultados importantes para o país, lembra Carlos Américo Pacheco, citando o exemplo da indústria aeronáutica. Tudo começou nos anos 40, com a criação de órgãos e a formação de mão de obra no setor, que levaram à criação da Embraer, empresa com destaque no cenário internacional.
O professor da Unicamp lembra que as energias renováveis estão na agenda mundial e nessa agenda o Brasil está devendo ao mundo. "Os Estados Unidos estão buscando novas fronteiras na biotecnologia e a China também. Para sermos cada vez mais competitivos, é preciso recursos para termos uma biotecnologia de classe mundial", afirma.
Na avaliação dos especialistas, o país tem uma "joia da coroa", como define Kupfer ao se referir a tecnologia envolvendo o pré-sal. "É preciso concentrar toda a política pública nessa mina de ouro para potencializar o conhecimento que se transfere para a indústria eletrônica, mecânica, a robótica e a ligada à tecnologia do conhecimento que estará envolvida ao redor", afirma o professor da UFRJ.
Ao tomar posse no fim de janeiro do comando da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, Glauco Arbix, especialista em politica industrial e inovação, deu um sinal da razão de ter sido escolhido. Ele foi taxativo: "O Brasil precisa de um choque de inovação em todas as esferas e dimensões, na economia e na sociedade", disse. Falou em "mobilizar o Brasil para inovação", mas lembrou que "a inovação é uma combinação de processos, conclusões e síntese de eventos anteriores". E reconheceu: "Não há varinha de condão. Há travessia, criação e uso intensivo de conhecimento processado por pessoas", disse.


Em dez anos, investimento na área cresce 75%

Tarso Veloso | De Brasília

A decisão do governo de promover avanços nas áreas de pesquisa e tecnologia no país, especialmente em inovação, está evidente desde a posse da presidente Dilma Rousseff. O assunto dominou os primeiros passos de pelo menos dois ministros, Aloizio Mercadante, da Ciência e Tecnologia, e Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Atualmente, os principais projetos de fomento ao setor estão ligados ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), cuja pasta será afetada pelos cortes no Orçamento de 2011.
São vários os programas de incentivo à inovação, entre os quais se destaca a Lei do Bem. Sancionada em 2006, ela oferece incentivos fiscais a empresas que realizam pesquisas tecnológicas e de informação. O Congresso discute alguns mecanismos para expansão da lei, mas ainda não estão claras as mudanças que os parlamentares pretendem fazer. No primeiro ano de vigência, em 2006, 130 empresas declararam investimentos de aproximadamente R$ 2,2 bilhões em pesquisa e inovação. O número saltou, em 2009, para 542 empresas e R$ 8,3 bilhões em investimentos. A contrapartida do governo em renúncias fiscais chegou a R$ 1,38 bilhão apenas em 2009. Na lista de empresas participantes existem desde pequenas fábricas até gigantes multinacionais como a Ambev e a Alcoa.
Os investimentos, por meio da Lei do Bem, ainda estão muito concentrados no Sudeste. Dos R$ 8,3 bilhões investidos em 2009 em pesquisa e desenvolvimento, R$ 7,2 bilhões foram aplicados nessa região. Das 542 empresas que investiram em 2010, 111 foram da área de mecânica e transportes, 53 de eletrônica, 47 da área química, 43 de metalurgia, e 40 de alimentação.
O ministro do MCT, Aloizio Mercadante, anunciou nos primeiros dias de sua gestão a intenção de avançar com os programas de incentivos à inovação para ganhar mais autonomia nos setores da indústria, aviação e automotivo. Dados do MCT indicam que o dispêndio total em pesquisa e desenvolvimento, no Brasil, cresceu de R$ 12 bilhões no ano 2000, correspondentes a R$ 25 bilhões corrigidos, para R$ 44,4 bilhões em 2010, um aumento real de 75%. Quanto à relação com o Produto Interno Bruto (PIB), o setor passou de 1,02% para uma estimativa de 1,25% em 2010.
Em seu discurso de posse, Mercadante chegou a dizer que o primeiro grande desafio do país é o da sustentabilidade ambiental e a obrigação de gerar baixos índices de emissão dos gases de efeito estufa e outros agentes poluidores. Esse, a seu ver, é um desafio importante para os cientistas envolvidos com a inovação.
Ainda de acordo com dados do ministério, até pouco tempo atrás havia poucas opções de financiamento para a pesquisa e inovação nas empresas. Recentemente, as duas áreas passaram a ser uma prioridade comum da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e do Plano de Ciência, Tecnologia e Inovação 2007-2010 (Pacti). O MCT firmou acordo com entidades empresariais, federações de indústrias, associações setoriais e o Sebrae para fomentar a inovação nas empresas nacionais.
Alguns dos primeiros novos programas anunciados pelo governo Dilma estão também ligados à inovação. Por exemplo, o aumento do acesso à internet rápida no país. O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, disse, em janeiro, que o governo deverá investir na produção de um tablet (aparelho portátil com acesso à internet) nacional. Atualmente, com os impostos de importação, o valor dos aparelhos se torna impeditivo para a maioria da população.


BRASIL/CURTAS

Santos Dumont (1)
Liminar da Justiça Federal do Rio suspendeu as restrições que entrariam em vigor nesta semana para operações de pouso e decolagem no aeroporto Santos Dumont, informou a Folhapress. Em dezembro, o Instituto Estadual do Ambiente concedeu licença ambiental para o aeroporto que incluía restrições a pousos e decolagens entre 6h e 8h e de 20h às 22h30.

Santos Dumont (2)
A liminar concedida pelo juiz Marcello Enes Figueira, da 18 Vara Federal do Rio, atende a um pedido da Infraero, responsável pela administração do aeroporto. Segundo a decisão, o órgão ambiental não tem competência para interferir no número de voos e essa atribuição cabe à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), responsável pela regulação do setor.


EMPRESAS/CURTAS

Voos no interior paulista
A Passaredo deixa de operar as cidades paulistas de Marília, Bauru e Presidente Prudente a partir de hoje, segunda-feira. Segundo a empresa, essas rotas apresentam demanda insuficiente para a oferta de 50 assentos por voo, além de serem de curta distância para voos com jatos Embraer ERJ 145. As aeronaves que serviam as três localidades, Embraer EMB-120 Brasília, serão desativadas. As cidades passarão a ser atendidas por meio da recente parceria entre a Passaredo e a Gol, firmada em dezembro.


EMPRESAS/WHAT’S NEWS



COLUNISTAS
Os sindicatos e o Estado

*Luiz Werneck Vianna

Os sindicatos estão retornando às páginas políticas, e, por várias razões, não há nada de imprevisto nisso. A primeira delas é a de que eles sempre fizeram parte, em lugar estratégico, da construção da moderna ordem capitalista brasileira, não apenas como base passiva do seu desenvolvimento, mas como protagonistas de momentos determinantes da sua história. Não se pode contar os episódios da montagem da indústria de base sem a participação política dos sindicatos, muito particularmente nas lutas pela criação das indústrias da siderurgia e do petróleo. E, mais recentemente, narrar a conquista da democracia política, consagrada pela Carta de 1988, sem se deter na história dos metalúrgicos do ABC e do sindicalismo da época.
O empreendimento para as tarefas da modernização do país, sob a forma autoritária com que foi concebido e realizado, em especial após a institucionalização do Estado Novo, em 1937, teve como um dos seus pontos de partida, como é largamente sabido, a regulação pela lei dos sindicatos e dos direitos trabalhistas, consolidados, em 1943, pela CLT. Era mais do que uma frase denominar o Ministério do Trabalho como o "ministério da Revolução". Pela Carta de 1937, aos sindicatos delegaram-se papéis de caráter público, convertendo-os em correias de transmissão da vontade do Estado às massas dos trabalhadores, que deviam se alinhar "ao pensamento dos interesses da Nação".
Com essas marcas institucionais, defendidas pelo Ministério do Trabalho e pelo recém-criado aparato do judiciário trabalhista, o sindicalismo perdeu autonomia, figura da fórmula corporativa com que as elites estatais davam curso à sua empreitada de nos trazer "por cima" o moderno e a modernização. A tutela de que eram objeto se fazia compensar não só pela legislação de amparo ao trabalho, mas também por meio de forte manipulação simbólica, instalando-se um culto oficial de consagração do trabalho e do trabalhador. O paradoxo da situação foi o de que, ao se interditar a política aos sindicatos, eles foram expostos a ela, embora de modo inteiramente subordinado, com a sua conversão em agências paraestatais. O fato é que esse tipo de construção tornou-os mais próximos da dimensão do público do que da de mercado, e esse traço, de algum modo, vai se instalar no seu DNA institucional.
Findo o Estado Novo, a Carta de 1946 preservou, "sem a ganga autoritária", no dizer de um jurista de então, as linhas mestras da legislação anterior, mas, naquela nova circunstância de liberdades civis e de avanços nas liberdades públicas, o sindicalismo inicia uma fase de crescentes postulações por autonomia diante dos controles exercidos sobre eles, com base em um duplo movimento: agindo no campo propriamente sindical, de um lado, e, de outro, a partir de suas intervenções no interior do Estado, onde estava instalado em algumas posições-chave, notadamente no sistema previdenciário.
Nessas ações, atuavam amparados por partidos, alguns ocupando posições influentes no aparato estatal. Sob a presidência de João Goulart, dirigente do PTB, começa a se inverter a relação entre sindicatos e Estado: eles passam a invadir, levando com eles suas políticas, o sistema construído para tutelá-los. Goulart chegou a ser acusado de pretender instalar uma república sindicalista no país.
O regime militar, que alterou minimamente a legislação, baniu a presença dos trabalhadores do interior do Estado e exerceu cerrado controle das atividades sindicais que já não dispunham, no mundo da política, com os partidos que antes lhes apoiavam, todos dissolvidos por ato discricionário. Naquele contexto desfavorável, o retorno à vida dos sindicatos não virá da política, mas de suas ações no mercado, em que se notabilizou, sob a liderança de Lula, o sindicalismo da ABC, que contestava a legislação da CLT em nome da autonomia dos trabalhadores.
Tal orientação política do sindicalismo, que o PT herdou das lutas sindicais do ABC, se não foi abandonada, foi deixada em segundo plano nos dois mandatos de FHC, apesar das vizinhanças doutrinárias entre o PT e o PSDB em matéria da legislação sindical, ambos contrários ao princípio da unicidade. Na oposição ao governo de FHC, contudo, o PT, ao caracterizar as suas propostas de reformas, entre elas a sindical e a trabalhista, como atentatórias a direitos dos trabalhadores, começa a deslizar da sua denúncia da CLT para uma admissão implícita, ao menos como movimento tático e circunstancial, da necessidade da sua permanência.
Tal mudança de posições, porém, se consolida, igualmente por razões instrumentais, no primeiro mandato presidencial de Lula, com a legislação que disciplina sobre as centrais sindicais, a que se acrescenta a abertura do Estado à sua participação, como no caso, em 2007, das próprias negociações que culminaram com a atual regulação do salário mínimo. Com isso, o sindicalismo se unifica, reabilitando-se, no curso do governo Lula, as práticas e os quadros com origens e motivações diversas das que vieram à luz com a emergência do sindicalismo do ABC.
A questão do mínimo salarial, ora contrapondo sindicatos ao governo, tem aí suas origens, e as disputas sobre o valor a ser estipulado não tem o seu valor de face. O que as centrais querem é o seu lugar de volta no interior do Estado, que entendem que o governo Dilma lhes recusa. Sua memória de tempos idos, reavivada por sua prática nos oito anos de governo Lula, em nada sugere que aceitem, sem resistência, serem enviados de volta ao mundo do mercado e ao prosaico cotidiano sindical. Inclusive porque, agora, estão mais fortes, de uma perspectiva puramente sindical, do que em qualquer outro momento da sua história, e também porque foi o próprio PT, partido governante, quem declinou de sua proposta de reforma sindical, que sinalizava para outros caminhos.

*Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador da PUC-Rio. Escreve às segundas-feiras


ÁFRICA
Incertezas de um novo Egito em formação
Militares dissolvem Parlamento e convocam eleição; incógnita é quantas demandas conseguirão ser atendidas

Financial Times, do Cairo

O Exército do Egito consolidou o controle do país ontem, mas também procurou garantir à população seu comprometimento com uma transição democrática ao dissolver o Parlamento, suspender a Constituição e prometer eleições gerais em seis meses.
Em sua principal ação desde a queda do presidente Hosni Mubarak, na sexta-feira, o conselho supremo militar anunciou um cronograma para a transição e afirmou que um comitê seria nomeado para examinar as emendas constitucionais, atendendo algumas (mas não todas) demandas da população. No sábado, o órgão já havia garantido que respeitaria os tratados internacionais - um assunto crucial já que o Egito é um dos únicos dois países do Oriente Médio (além da Jordânia) que mantém relação diplomática com Israel.
Ao manter o governo formado por Mubarak antes de sua queda, no entanto, o Exército jogou por terra as esperanças que de criaria um conselho presidencial, como muitos representantes da oposição haviam pedido. Em vez disso, Mohammed Hussein Tantawi, presidente do conselho militar e ministro da Defesa do país, será o rosto do país no momento.
O premiê Ahmed Shafiq, escolhido por Mubarak no dia 29, tentou transmitir à população a sensação de normalidade no governo. "Os assuntos de governo estão sendo transmitidos ao conselho militar como se estivessem sendo passados ao presidente da República", disse ele ontem à imprensa, logo após o anúncio das mudanças pelos militares. "Não houve qualquer mudança na forma ou método de trabalhar".
Embora a população egípcia ainda esteja ansiosa em relação às intenções de longo prazo dos militares, líderes da oposição receberam bem das mudanças, dando ao Exército tempo e espaço para manobrar a transição. A liderança juvenil que organizou os protestos de rua que derrubaram o governo também fizeram declarações, em geral, positivas.
Mas à medida que eles olham para o futuro, as suas enormes expectativas podem bater de frente com a realidade do Egito, um país assolado por problemas econômicos e sociais construídos ao longo de décadas de desgoverno.
Os eufóricos manifestantes dizem que conseguiram administrar tão bem a Praça Tahrir - o ponto central das manifestações no Cairo - que poderiam administrar o país inteiro. A não ser, claro, pelo fato de o Egito ter 40% da população de 80 milhões vivendo abaixo da linha da pobreza, 44% da força de trabalho ser analfabeta e 54% estarem no trabalho informal. Quanto os militares poderão acomodar das demandas ainda é uma incógnita.
A tentação será criar empregos públicos. O país precisa de 700 mil postos por ano para evitar uma alta no desemprego. Mas com déficit fiscal de quase 8% do PIB, o Estado não pode se dar ao luxo de abordagens populistas.
O anúncio militar ocorreu no momento em que a Praça Tahrir foi aberta ao tráfego pela primeira vez em mais de duas semanas, enquanto os egípcios dobravam suas tendas e se preparavam para voltar para casa. Mas centenas de outros ficaram ali - alguns dizendo que só sairiam quando a Constituição fosse reescrita e o governo inteiro afastado. Outros ainda chegavam à capital, entre eles policiais destacados para reprimir os protestos, agora exigindo salários melhores.
Nos países vizinhos, as manifestações populares por mudanças políticas continuaram no fim de semana, e tudo indica que não serão caladas pelos cassetetes.
Na Argélia, 26 mil pessoas desafiaram a polícia, apesar dos esforços do presidente Abdelaziz Bouteflika de esvaziar o movimento ao prometer dar um fim ao Estado de Emergência e tomar atitudes para diminuir o desemprego. Líderes da oposição anunciaram ontem que irão às ruas todos os fins de semana até que o regime atual caia. "O medo acabou", resumiu um deles ao "FT".
No Iêmen, os protestos antigoverno, na capital Sana, foram respondidos com violência pela primeira vez neste fim de semana. Muitos foram feridos e detidos.
No Irã, dois líderes da oposição e candidatos nas eleições presidenciais de 2009, Mir-Hossein Moussavi e Mehdi Karroubi, pediram a seus simpatizantes que se solidarizem com os egípcios e saiam às ruas hoje. A temida Guarda Revolucionária ameaçou a população com prisão.
Mas a renúncia de Mubarak começa a incitar porções do Oriente Médio que estavam quietas até então: líderes palestinos também se anteciparam à onda de insurgência na região e anunciaram as adiadas eleições para Parlamento e Presidência para setembro. O pleito estava marcado originalmente para o ano passado, mas divisões entre os palestinos acabaram minando os planos.
"A região nunca mais será a mesma", sentenciou Shadi Hamid, diretor de pesquisas da Brookings Doha Center. "O que as populações do Oriente Médio estão percebendo é que elas podem ir às ruas sempre que quiserem. E isso é um novo paradigma".

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