DESTAQUE DE CAPA
Líbios traçam tática de guerrilha para derrubar Kadafi na ''batalha de Trípoli''
Andrei Netto - O Estado de S.Paulo
"Não temos medo, não temos fome, não temos sede, não temos cansaço. Por muitos anos tivemos nossas cabeças na alça de mira de Muamar Kadafi. Agora chegou a hora da liberdade." A frase, dita por um rebelde líbio na noite de sexta-feira, enquanto dirigia em meio ao Saara, resume o estado de espírito dos insurgentes. Eles já dominam grande parte do interior da Líbia e preparam a tomada de Trípoli.
Reunidos às centenas em cada vilarejo, armados de fuzis AK-47 e espingardas de caça e comunicando-se por meio de rádios e celulares, os revoltosos coordenam ações para o que chamam de "batalha de Trípoli", o assalto simultâneo da capital nos próximos dias, com o qual pretendem encerrar os mais de 41 anos do regime de Kadafi.
A reportagem do Estado ingressou no oeste da Líbia, uma região que Kadafi ainda considera sob seu completo controle. A realidade é diferente do discurso oficial. Em diferentes cidades e vilarejos, grupos revoltosos abafam - pela dissuasão ou pela força, com um mínimo de vítimas possível - a resistência de tribos vizinhas ainda fiéis ao coronel.
Entre os insurgentes, uma palavra de ordem é repetida à exaustão: revolução. Ingressar em Trípoli e depor Kadafi é o que move rebeldes de cidades como Nalud, Jadou, Az Zintan ou Al- Zawiyah, pelas quais a reportagem passou rumo à capital.
Os revoltosos pegam em armas por não acreditar mais que Kadafi será derrubado por manifestações pacíficas, como ocorreu na Tunísia e Egito. "Na Líbia há mercenários e um regime duro e não há Forças Armadas que possam defender o povo", justifica Salah Khalifa, 43 anos, um dos porta-vozes dos revoltosos de Nalud. "No início foi um movimento popular pacífico. Mas então o regime começou a usar contra quem protesta máquinas de guerra, como artilharia antiaérea. Cada um precisou pegar em armas para se defender."
Entre os grupos, a troca de informações é permanente, em especial sobre a ação dos mercenários de Mali, Níger, Chade e Burkina Faso, contratados por Kadafi para lutar contra o povo líbio. Para a tomada de Trípoli, o movimento das guerrilhas tribais é cada vez organizado.
"Por meio da coordenação, as populações de diferentes tribos e etnias queimaram a carta da guerra civil entre amaziejhs e árabes (dois povos que convivem na Líbia) que era usada por Kadafi", explica Khalid Sukri, militante em Jadou. "É claro que não é muito organizado, mas estamos tentando coordenar a partilha de armas e munição com Zawara, por exemplo, para a tomada de Trípoli, a grande batalha", explica o médico Othmam Mohamed, de Az Zintan.
A coordenação acontece tanto em cidades quanto em meio a colinas de areia e pedras do deserto do Saara, onde alguns grupos rebeldes improvisam acampamentos paramilitares para tomar novos vilarejos, bases militares do regime e "comitês revolucionários" - as instâncias governamentais da Líbia -, sempre que possível sem deixar vítimas.
Nas estradas do país, barreiras com homens armados foram organizadas. Outros são encarregados de patrulhar as estradas da região e manter veículos de escolta, circulando em picapes. Códigos também foram estabelecidos para possibilitar a passagem de comboios de revoltosos. Em caso de movimento suspeito, a guarda é acionada e os veículos considerados "táticos" - como os que por 48 horas transportaram a reportagem até a capital - deixam o asfalto e somem em meio ao deserto, onde encontram novos acampamentos ou cidades ocupadas.
Apesar de terem dominado um conjunto de vilarejos, o cuidado é extremo porque Kadafi estaria planejando cercar as cidades nas quais os manifestantes tomaram o controle para, então, atacar sem piedade com o Exército ou mercenários. Daí o número elevado de mortes - fala-se em 2 mil - em cidades como Benghazi, na costa leste do Mediterrâneo, e Al-Zawiyah, a dezenas de quilômetros de Trípoli.
Az Zintan, a primeira cidade do Oeste a se levantar, foi um exemplo. "Passamos quatro dias sitiados, lutando por uma causa, sem medo", conta Ali Abawama, um dos líderes ativistas. "Além de resistir, queríamos enviar uma mensagem clara aos manifestantes de Benghazi e de todo o leste. Juntos vamos libertar a Líbia."
Juntos contra o regime
PORTA-VOZ DOS REVOLTOSOS DA CIDADE DE NALUT
"Na Líbia há mercenários e um regime duro e não há Forças Armadas que possam defender o povo.
No início foi um movimento popular pacífico. Mas então o regime começou a usar máquinas de guerra, como artilharia antiaérea, contra quem protesta. Cada um precisou pegar em armas para se defender"
ALI ABAWAMA LÍDER OPOSITOR DA CIDADE DE ZENTEN
"Passamos quatro dias sitiados, lutando por uma causa, sem medo. Além de resistir, queríamos enviar uma mensagem clara aos manifestantes de Benghazi e de todo o leste. Juntos é que nós vamos libertar a Líbia"
Oposição leva governo paralelo a zonas ''liberadas''
Líderes de insurgentes que expulsaram Forças de Kadafi do leste da Líbia formam Conselho Nacional, poder administrativo civil
Lourival Sant’Anna - O Estado de S.Paulo
Os líderes do levante popular contra o regime do presidente Muamar Kadafi, há 41 anos no poder, anunciaram ontem a formação de um Conselho Nacional para administrar as cidades sob seu controle. Ele será composto por integrantes dos conselhos municipais das cidades "liberadas", ou seja, nas mãos dos opositores de Kadafi, que contam com a adesão de grande parte das Forças Armadas líbias.
O nome e o número dos integrantes do Conselho não foram definidos. Em entrevista coletiva, o novo porta-voz do grupo, o advogado de direitos humanos Abdul Hafeed Thouga, disse que o Conselho não tem um "líder", que não se trata de um governo transitório e que não há previsão de eleições. "Não se pode falar nisso quando a capital do país ainda está nas mãos do regime", explicou Thouga em uma sala de audiência da Corte de Justiça de Benghazi, segunda cidade do país.
Respondendo a perguntas de jornalistas de veículos predominantemente estrangeiros - toda a imprensa líbia é estatal -, o advogado rejeitou a possibilidade de aceitar ajuda externa para derrubar o regime Kadafi, o mais longevo ditador no mundo árabe.
"Somos totalmente contrários a qualquer intervenção internacional", afirmou Thouga, falando em árabe, com tradução para o inglês. "O restante da Líbia será liberada pelos participantes da Revolução de 17 de fevereiro, e os remanescentes das Forças Armadas leais ao regime serão derrotados pelo povo."
Poder civil. Os protestos começaram no dia 15, por causa da prisão de outro advogado de direitos humanos, Fathi Terbel, que trabalha para as famílias de uma parte dos 1.270 presos políticos executados em 1996. Mas a data da "revolução" foi escolhida em função de outra manifestação, em 17 de fevereiro de 2006, duramente reprimida e distorcida pelo regime como sendo em protesto contra caricaturas do Profeta Maomé publicadas por um jornal dinamarquês.
Thouga esclareceu também que o novo Conselho é composto exclusivamente de civis e não tem relação direta com a fatia do Exército que apoia o movimento contra Kadafi - que, aos 68 anos, planejava tornar seu segundo filho, Saif al-Islam, seu sucessor.
O advogado disse que a função do Conselho será cuidar do dia a dia das cidades que não estão mais sob o governo de Kadafi, de maneira a desmentir a previsão do ditador de que elas mergulhariam no "caos" por causa da ruptura com Trípoli. Exprimindo sua opinião pessoal, e não do Conselho, que ainda não se reuniu, o advogado descartou a possibilidade de negociar com Kadafi: "Não há o que negociar com um governante que viola os direitos humanos e provoca um derramamento de sangue."
Ele reconheceu a importância do apoio de parte dos militares líbios, mas realçou que as Forças Armadas têm um papel diferente dos civis. "Temos colaborado com as Forças Armadas e temos esperança de que o regime caia nos próximos dias, quem sabe nas próximas horas", frisou ele.
Depois de quatro dias e quatro noites de duros enfrentamentos entre milhares de jovens civis - armados com granadas de pólvora caseiras e coquetéis molotov - e as Forças especiais de Kadafi, a adesão do Exército ao movimento, no fim de semana passado, foi decisiva para que Benghazi passasse às mãos da oposição.
A cidade de 1 milhão de habitantes (Trípoli tem 2 milhões e o país todo, 6 milhões, incluindo 2 milhões de estrangeiros) continuava em festa ontem. Milhares de manifestantes se reuniram em frente à Corte de Justiça para exigir a saída de Kadafi.
Na avenida costeira que passa pela praça, filas de carros buzinavam, muitos trazendo a bandeira vermelha, preta e verde, com um crescente e uma estrela brancas na faixa preta - o símbolo do país antes de Kadafi assumir, num golpe militar, em 1969.
NACIONAL
Dilma quer Comissão da Verdade neste ano
Maria do Rosário, Jobim e Cardozo vão procurar líderes partidários para aprovar projeto de lei já enviado ao Congresso no primeiro semestre
Jamil Chade - O Estado de S.Paulo
Os ministros Nelson Jobim (Defesa), José Eduardo Cardozo (Justiça) e Maria do Rosário (Direitos Humanos) vão procurar líderes partidários no Congresso para articular a criação da Comissão da Verdade e Justiça, para esclarecer mortes, desaparecimentos e torturas durante a ditadura militar, ainda neste semestre.
A mobilização dos ministros começará nas próximas semanas, segundo informou ontem Maria do Rosário, em Genebra. Apesar dessa articulação pela Comissão da Verdade, a ministra afirmou que a presidente Dilma Rousseff não tem planos de propor uma revisão da Lei da Anistia. "Não cabe ao Executivo propor isso. Essa deve ser uma questão da sociedade", disse Maria do Rosário.
Segundo a ministra, a criação da comissão está entre as prioridades do governo. "Vamos ter um diálogo mais direto com os líderes, sobre o significado disso", explicou. Mas insistiu que o Executivo não irá além disso. "Alguns acham que pode ser a porta para buscar a revisão da Lei da Anistia. Mas nós nos movemos dentro do que está no ordenamento jurídico do Brasil", afirmou. "É uma comissão do resgate da memória, do direito de saber o que ocorreu. Não cabe ao Executivo hoje, com os limites que temos, iniciar o debate da anistia. Não é nossa proposta e nem está dentro das nossas possibilidades."
Cronograma. No Congresso, os líderes dos partidos aliados vão tentar a aprovação do projeto de lei que cria a Comissão da Verdade ainda no primeiro semestre deste ano.
O texto em discussão no Legislativo foi enviado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em maio do ano passado e diz que a comissão tem por objetivo "promover a reconciliação nacional" e "o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior". Na época, houve reação de setores militares, que temeram tratar-se de proposta revanchista.
"O ideal é votarmos a proposta como ela veio do Executivo", disse ontem o líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira (SP). "O projeto já foi costurado com os Direitos Humanos, a Defesa e a Justiça", afirmou.
Em janeiro, Maria do Rosário já havia se comprometido a trabalhar pela aprovação do projeto. Ministro da Defesa desde o governo Lula, Jobim travou duros embates com o antecessor da ministra, Paulo Vannuchi. Após a posse de Dilma, reafirmou apoio à criação da comissão. / COLABOROU EUGÊNIA LOPES
Ministra diz que direitos humanos pautam governo
Jamil Chade - O Estado de S.Paulo
Criticado nos últimos anos por poupar críticas a ditadores, o governo brasileiro tentará passar uma mensagem inequívoca: os direitos humanos estarão no centro da agenda de Dilma Rousseff, tanto em sua política interna como na política externa. Mas fará um alerta: o Brasil não aceitará que crises internacionais, inclusive na Líbia, sejam tratadas de forma unilateral ou por invasões e devem ter sempre uma solução multilateral.
A mensagem será dada hoje na reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, pela ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos. O encontro marca a estreia do governo Dilma nos fóruns internacionais de direitos humanos. Regimes autoritários e democracias não escondem a expectativa sobre qual será a posição do novo governo brasileiro.
"Vamos falar claramente que o governo da presidente (Dilma) tem os direitos humanos como o centro de sua política", afirmou a ministra. Segundo ela, a posição de destaque do País no cenário internacional será usada para promover essa ideia.
Nos últimos anos, o Brasil se absteve em votações sobre o Irã, Coreia do Norte e Sudão. Dentro do Palácio do Planalto, Itamaraty e da Secretaria de Direitos Humanos há uma percepção clara de que houve erros.
Ao chegar a Genebra, Maria do Rosário optou por não criticar o governo Lula, mas não respondeu se vai votar pela suspensão da Líbia do Conselho de Direitos Humanos. Segundo ela, o governo não vai abrir mão de sua posição de que soluções para crises devem ser encontradas de forma multilateral e em fóruns internacionais. Para ela, até o governo de Barack Obama está entendendo essa posição brasileira.
NOTAS & INFORMAÇÕES
O mapa da violência no País
O quadro da violência no Brasil está mudando. Antes concentrada nas áreas mais pobres das regiões metropolitanas do Sudeste, agora está se expandindo para as regiões mais pobres - especialmente para o interior e para a periferia - das capitais do Nordeste. Esta é a região onde os índices mais cresceram - entre 1998 e 2008, os homicídios aumentaram 65%; os suicídios, 80%; e os acidentes de trânsito, 37%.
No caso específico da violência criminal, enquanto São Paulo e Rio de Janeiro registraram queda acentuada do número de homicídios, entre 1998 e 2008, em alguns Estados nordestinos a situação se tornou crítica. No Maranhão, os assassinatos cresceram 297% e na Bahia, 237,5%. Em Alagoas, que em 2008 ocupava o 1.º lugar no ranking de homicídios, os novos bairros da região metropolitana de Maceió ganharam o nome de Iraque e Vietnã, sendo tratados pelas autoridades locais como verdadeiros campos de batalha. Para a Organização Mundial da Saúde, taxas superiores a 10 homicídios por 100 mil habitantes configuram "violência epidêmica". Em Alagoas, o índice foi de 60,3 assassinatos por 100 mil habitantes, em 2008.
Esta é a síntese do Mapa da Violência de 2011, um amplo levantamento que é realizado anualmente nos mais de 5,5 mil municípios brasileiros pelo Instituto Sangari, com apoio do Ministério da Justiça. Em sua 12.ª edição, o trabalho foi elaborado com base nos dados do Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde.
Segundo o coordenador do trabalho, Julio Jacobo Waiselfisz, a tendência de desconcentração da violência decorre de dois fatores: a multiplicação dos polos de crescimento econômico, por um lado, e as deficiências estruturais do poder público, por outro. "Os polos emergem com força e peso econômico, mas quase não têm a presença do Estado em serviços de segurança pública, que continuam praticamente à míngua. Em determinado momento, capitais e áreas metropolitanas começam a receber investimentos para melhoria do aparato de repressão e mais eficiência policial. Mas as áreas do interior, antes consideradas calmas, ficam desprotegidas", diz ele.
Além da desconcentração da violência, o estudo mostra uma tendência de crescimento dos índices de homicídio entre a população jovem. Segundo o IBGE, em 2008 o Brasil tinha um contingente de 34,6 milhões de habitantes com idade entre 5 e 24 anos - o equivalente a 18,3% de toda a população brasileira. Entre 1988 e 2008, quase 40% das mortes de pessoas dessa faixa etária foram causadas por assassinatos. Nas demais faixas etárias, os assassinatos representaram somente 1,8% do total de óbitos.
A expansão da chamada "vitimização juvenil" decorre de várias causas. No interior do Nordeste, por exemplo, vaqueiros e agricultores trocaram o cavalo pela moto - o que, conjugado com o abuso de álcool, resultou numa significativa elevação do número de mortos em acidentes de trânsito. No caso dos homicídios, as vítimas são, em grande maioria, negras. No Estado da Paraíba, por exemplo, o número de negros assassinados foi 12 vezes maior, proporcionalmente, que o de vítimas brancas, entre 2002 e 2008.
Segundo o Mapa da Violência de 2011, o número de jovens brancos que foram vítimas de homicídio caiu 30% nesse período. Já entre os jovens negros houve um aumento de 13%, no mesmo período. Isso decorre, basicamente, da má distribuição de renda, das diferenças de escolaridade e das desigualdades de oportunidades entre brancos e negros. Por serem mais afetados pela pobreza, pelo analfabetismo e pela falta de opções profissionais, muitos jovens negros se envolvem com o tráfico e passam a roubar para comprar crack - e isso os leva a se envolverem nas guerras entre quadrilhas e a se tornar alvos de justiceiros, milícias e esquadrões de extermínio.
Exibindo as históricas disparidades sociais e regionais do País, o Mapa da Violência de 2011 não traz maiores novidades. Não obstante, é um instrumento importante para a formulação de políticas que combinem programas sociais, melhoria de serviços públicos para os setores carentes e estratégias mais eficientes de combate à criminalidade.
AEROPORTOS
Cumbica terá estacionamento high tech
Carro vai seguir automaticamente para a vaga, em sistema totalmente automatizado, sem manobrista; capacidade do local vai triplicar
Nataly Costa - O Estado de S.Paulo
Com um custo estimado em R$ 200 milhões, o Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, vai ganhar um novo estacionamento. No mesmo lugar onde hoje fica o pátio, serão construídos dezenas de módulos metálicos de até seis andares, com pisos móveis interligados por elevadores. Do térreo, o carro segue automaticamente para a vaga, sem necessidade de manobrista.
O sistema vai aumentar a capacidade das atuais 2.948 para 9.716 vagas nos próximos três anos.
De acordo com a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), o primeiro módulo ficará pronto em até um ano a partir do início do contrato com a concessionária vencedora do pregão, marcado para março. Nesse período de obras, Cumbica perderá 460 vagas.
"Se fosse um edifício-garagem tradicional, seria preciso interditar toda a área do estacionamento. Com esse projeto, a expansão é muito mais rápida e os módulos já podem ser operados à medida que vão ficando prontos", explica Claiton Resende Faria, superintendente de Relações Comerciais da Infraero.
Automatizado. Diferentemente de um edifício-garagem de concreto, com espaços para circulação de carros e pessoas, os estacionamentos automáticos de Cumbica não vão usar mão de obra humana e, do primeiro andar para cima, tudo vai ser vaga.
O usuário circula apenas no térreo, onde pega o tíquete, deixa o veículo e depois vai buscá-lo. Uma vez pago o bilhete, o carro chega em poucos minutos, trazido por meio de elevadores e rampas móveis.
À empresa vencedora, na prática, cada vaga de Guarulhos vai sair por R$ 21 mil - o total é quase um terço do que vai custar a primeira fase do terceiro terminal de passageiros do aeroporto, previsto para 2014.
Faria não confirma se a tarifa atual do estacionamento - R$ 7,50 a hora ou R$ 31,50 a diária - vai subir.
"Só vamos saber mediante estudo da empresa ganhadora. O fato é que o valor hoje está defasado, não sofre aumento há três anos. Estacionamentos similares em shoppings cobram o dobro do valor da hora."
Espaço disputado. O caos no atual estacionamento de Cumbica é famoso entre os passageiros do aeroporto - segundo a Infraero, por lá chegam a passar quase mil carros por hora em períodos de pico.
A falta de vagas é frequente e as alternativas dos motoristas são pouco ortodoxas: estacionam irregularmente nos canteiros, corredores e vagas para deficientes.
"Vim buscar minha mãe cadeirante e não encontrei uma vaga, só lá nos fundos. Mas já é sorte ter uma vaga", diz o gerente de vendas Sérgio Zampieri.
Os horários de pico da manhã e do fim da tarde são os piores. "Não tem praticamente sinalização, você fica rodando 20 minutos para achar lugar", diz o comerciante Eduardo Leal.
Os terminais de Brasília, Porto Alegre e Salvador e o Santos Dumont (no Rio) devem ser os próximos a receber a mesma tecnologia em seus estacionamentos, de acordo com os planos da Infraero.
LÁ TEM
O edifício-garagem automático que será construído no Aeroporto de Cumbica já é uma solução bastante usada em países da Europa e da Ásia. O Aeroporto de Xangai, o maior da China - com fluxo de 17.15 milhões de passageiros em voos internacionais, dos quais 9 milhões estrangeiros - é um dos que adotaram o sistema.
Aqui no Brasil, algumas empresas privadas já possuem o sistema, mas é inédito em aeroportos.
Com reforma, Viracopos vai dobrar o número de vagas
Nataly Costa - O Estado de S.Paulo
Por 1% do valor de Cumbica, o Aeroporto de Viracopos, em Campinas, é o próximo a receber obras para um novo estacionamento. O edital para a contratação do projeto de ampliação foi publicado na quarta-feira e o pregão, marcado para dia 10. A empresa vencedora vai desembolsar cerca de R$ 2 milhões para dobrar o número de vagas do aeroporto, que comporta apenas 600 carros.
O sistema de sinalização, iluminação e entrada e saída de carros será renovado - a reforma deve durar 5 meses. As intervenções são parte da ampliação prevista para Viracopos, que terá nova pista de pouso e um segundo terminal de passageiros.
As obras estavam paradas havia dois anos por falta de licença ambiental. O aeroporto é rodeado por vegetação nativa e comunidades rurais. Há um mês, saiu a liberação do Conselho Estadual de Meio Ambiente de São Paulo. Parte do novo terminal fica pronta até 2013.
ENERGIA
Grandes apagões viram rotina no Brasil
Só este ano, já foram registradas 14 grandes ocorrências; dos seis maiores blecautes registrados no mundo desde 1965, três foram no País
Renée Pereira - O Estado de S.Paulo
Dez anos depois de mergulhar no maior racionamento da história, o Brasil volta a conviver com problemas no setor elétrico. Mas, desta vez, a crise não está na falta de energia, como ocorreu em 2001, mas na dificuldade de fazer o produto chegar até o consumidor final. Nos últimos meses, uma série de apagões e blecautes regionais causaram transtornos e prejuízos aos brasileiros.
Só neste ano, até o dia 22, foram 14 grandes ocorrências, conforme relatório do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). A maior delas deixou o Nordeste sem luz por até cinco horas. O incidente - ainda sem explicações precisas - garantiu ao Brasil o título de país com o maior número de blecautes de grandes proporções. Das seis maiores ocorrências registradas no mundo desde 1965, três são do Brasil: em 1999 (97 milhões de pessoas), 2009 (60 milhões) e 2011 (53 milhões), segundo a consultoria PSR. O maior ocorreu na Indonésia, em 2005, atingindo 100 milhões de pessoas.
Além dos grandes apagões, que normalmente ocorrem por falhas no sistema de transmissão, a população também tem convivido com uma série de desligamentos na rede de distribuição, de responsabilidade das concessionárias. Nesses casos, os cortes estão limitados às áreas de concessões das empresas, cidades ou bairros. As companhias alegam que a culpa é de São Pedro e que as redes não têm suportado as fortes chuvas.
Os constantes blecautes estão traduzidos na piora do indicador de qualidade do fornecimento de eletricidade, medido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Nos últimos três anos, o tempo médio que o brasileiro ficou sem luz subiu quatro horas. "Hoje temos energia e não conseguimos entregá-la com a qualidade necessária. O problema é que o governo nunca explica o real motivo dos apagões", afirma o diretor-presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Carlos Faria.
Para especialistas, a origem dos apagões está em investimentos menores que a necessidade da rede de transmissão e distribuição. "Houve um descompasso entre os investimentos da geração e transmissão", afirma o presidente da Compass Energia, Marcelo Parodi. Mas o problema não é a falta de novos empreendimentos, já que a Aneel tem feito leilões contínuos de linhas de transmissão e as distribuidoras, ampliado o número de clientes.
O problema está nos equipamentos antigos, que nem sempre recebem a manutenção adequada, especialmente diante do forte aumento do consumo. De 2000 pra cá, o uso de energia pelo brasileiro subiu 36%, apesar do racionamento, que derrubou em 8% o consumo em 2001.
"Se uma empresa não está investindo o suficiente agora, o problema só vai ocorrer anos mais tarde", afirma o presidente da PSR Mário Veiga. Ou seja, os apagões de hoje podem ser resultado de anos sem investimentos adequados.
OPINIÃO
Contágio revolucionário
José Roberto de Toledo - O Estado de S.Paulo
As revoltas no mundo árabe provam que imprensa e oposição são vitais para sustentar um regime. Nada a ver com bajular os poderosos de plantão. Ambas só funcionam quando são livres e críticas. Só assim criam canais de debate e aliviam as tensões sociais que se acumulam ao longo do exercício do poder.
Ditadores de hoje, monarcas do século 19 e dirigentes comunistas dos anos 1980 não se deram conta que tampar essas válvulas é o mesmo que selar uma panela de pressão. Quando a temperatura sobe, o ar se expande e, sem saída, só lhe resta explodir o que o contém.
Aí, não adianta pintar o cabelo para fingir que o tempo não passou. Mubarak aprendeu isso no Egito, Kadafi está aprendendo na Líbia.
O aumento de preço dos alimentos esquentou a insatisfação popular ao ponto de ebulição nos países árabes. Foi o último tapa no fundo da garrafa que fez esparramar todo o ketchup. Por quê?
Não poder prover sua família de comida é um empurrão às praças para qualquer pai, marido ou filho. Em uma sociedade machista, se não for um provedor, o homem vê ameaçado seu status de chefe familiar. Como os ditadores, fará quase qualquer coisa para sustentá-lo.
A fome só não apela mais ao instinto de sobrevivência humano do que o risco iminente de morte violenta. Daí ser o principal recurso das ditaduras promover a insegurança da população.
Não funcionou na Tunísia nem no Egito porque protestar não pareceu arriscado demais aos revoltosos. Dezenas de mortos entre centenas de milhares de manifestantes não configuram uma taxa de mortalidade paralisante quando há perspectiva de derrubar o ditador.
Kadafi viu o que aconteceu aos vizinhos e recorreu à manobra mais violenta que pode comandar: fuzilar pessoas a esmo nas ruas. Usou o terror como contraponto às cenas heroicas transmitidas pela TV da multidão defenestrando outros tiranos. É como se desafiasse os civis: "Sua revolução custa uma carnificina, pagam para ver?" Estão pagando.
Quando a turba perde o medo, fica quase impossível controlá-la. Depois que a população já havia sido contaminada pelo bombardeio de imagens e notícias, as ditaduras árabes em processo de queda censuraram a imprensa estrangeira, culparam a Al-Jazira e desligaram a internet. Foi inútil.
Se regimes políticos sem mecanismos de distensão social criaram o caldo de cultura onde nasceu o germe revolucionário, a Al-Jazira foi o mosquito que transmitiu esse vírus de um país árabe a outro. A picada via satélite inoculou coragem em populações que estavam submetidas ao mesmo tipo de flagelo. Virou uma epidemia.
O contágio de ideias acompanha o homem desde que ele começou a se espalhar sobre a terra. Da tecnologia à política, a cultura humana se propaga por imitação. Se deu certo ali, por que não fazer aqui?
No final dos 80, após o colapso do comunismo na URSS, a "cortina de ferro" desmanchou-se como se fosse de espuma. Regime após regime, ditador após ditador, todos caíram como dominós, em uma rapidez que deve ter deixado a CIA se roendo de inveja.
A diferença, desta vez, foi a coordenação exercida via redes sociais. As primeiras manifestações no Cairo foram marcadas pelo Facebook. Quando se deu conta de que havia sido driblada, a repressão já não tinha mais o que fazer senão desconectar a internet. Era tarde demais.
Nos países da região onde os governantes tentaram promover a distensão em vez da repressão, as manifestações de revolta não ganharam, por ora, escala de revolução. Na Jordânia, o rei dissolveu o governo; na Arábia Saudita, anunciou pacote bilionário de bondades.
Eles procrastinaram, mas não resolveram o problema que mais ameaça a estabilidade do regime: a ausência de um sistema democrático com liberdade de expressão e de oposição.
Pode-se argumentar que outros regimes tampouco dispõem disso e aparentam estabilidade. Mas a todos falta ao menos um dos outros três elementos que detonaram a crise árabe: na China, não há fato econômico grave; em Cuba e na Coreia do Norte, não há Facebook nem Al-Jazira.
A exceção é o Maranhão.
TENSÃO NO ORIENTE MÉDIO
ENTREVISTA: SALAH KHALIFA, opositor da cidade de Nalud
''Nós quebramos a barreira do medo''
Protestos no Egito e Tunísia encorajaram movimento contra Kadafi, afirma Salah Khalifa, porta-voz de rebeldes
Andrei Netto - O Estado de S.Paulo
O "fim do medo", em explicação dada pelo porta-voz dos insurgentes da cidade de Nalud, Salah Khalifa, foi a razão de o levante armado ter contagiado o interior da Líbia. O Estado teve a oportunidade de conviver com os militantes que tomaram as cidades de Nalud, Jadou e Az Zintan. Sem qualquer moderação em suas declarações, Khalifa prevê a criação de uma Assembleia Constituinte após a queda do regime de Kadafi. "Nós, líbios, precisamos de eleições. O Ocidente não precisa temer", afirma.
Qual é a razão da mobilização na região de Nalud?
Estamos cansados desse regime. Não há saúde, não há educação, não há nada. Para todos os lados que olhamos, na Tunísia, no Egito, vemos revolucionários. Fomos encorajados. Nós quebramos a barreira do medo.
Há conexão entre o movimento de Nalud e o de outras cidades?
Os movimentos surgiram espontaneamente e crescem da mesma forma. Mas é claro que há organização, para nos tornarmos mais fortes contra o regime. Há dois momentos de coordenação. O primeiro foi no início, quando começamos a agir juntos, uns em solidariedade aos outros. O segundo é agora, quando estamos nos organizando para a tomada de Trípoli. Estamos esperando as tropas que vêm do leste, com tanques. Quando eles chegarem a Tarhuna, vamos partir de nossa região.
Qual é a principal intenção do movimento?
Derrubar o regime e dar início a um processo constitucional. Por decisão de Kadafi, a Líbia não tem uma Constituição.
Com eleições democráticas ou com um novo líder?
Com eleições. Nós, líbios, precisamos de eleições. O Ocidente não precisa temer. Temos conhecimento sobre a sociedade e a cultura da Líbia. Sabemos como o país se organiza. Temos conhecimento sobre as minorias, sobre suas diferenças culturais.
Este é um movimento religioso ou político?
Queremos uma constituição para sermos orientados por ela, com um Estado que a respeite. A motivação é política. As pessoas estão lutando por seus direitos. Temos uma religião, mas nossa motivação é política.
Vocês têm em mente um Estado laico ou teocrático?
Seria muito difícil ter um Estado teocrático na Líbia. Acredito que o próximo Estado será aberto à prática de outras religiões, como o Cristianismo.
A Líbia é formada por inúmeras tribos - pequenas sociedades, que têm até línguas próprias. Como pretendem formar um verdadeiro país?
Esse é o argumento que Kadafi tenta passar ao resto do país e ao exterior. A ideia de que somos tribos diferentes, com culturas diferentes e interesses contrários. Não é verdade. Basta ver este momento. Todos estão em um único movimento para derrubar o regime. Não há obstáculos para trabalharmos juntos e buscarmos algo em comum.
O movimento tem algum líder?
Sim, há um líder. Mas ele segue escondido e tudo é decidido a partir de consultas a ele. Seria muito estúpido expor nosso líder nesse momento, quando ainda não sabemos os desdobramentos dos fatos.
Este líder tem ambição política?
Sim, felizmente sim. Ele pretende ter um papel político.
Vocês estão informados de que houve protestos em várias capitais do Oriente Médio e do mundo árabe em favor da Líbia?
Sim. Mas a Líbia é um pouco diferente dos outros países. Na Líbia não se trata mais de uma revolução. É um levante popular que vem sendo reprimido de forma violenta. As pessoas têm sido mortas brutalmente. Decidimos pela revolta mesmo sem a proteção de um Exército forte, como na Tunísia ou no Egito.
No Egito e na Tunísia, os movimentos tiveram origem popular, mas com manifestações pacíficas. Por que na Líbia é essencial que o movimento seja armado?
Há mercenários e um regime duro. Não há Forças Armadas para defender o povo. No princípio foi um movimento pacífico, mas o regime começou a usar máquinas de guerra, como artilharia aérea. Cada um precisou pegar em armas para defender a si próprio.
ANÁLISE
Pior cenário: uma nova Somália no Norte da África
*Neil MacFarquhar - O Estado de S.Paulo
O coronel Muamar Kadafi fez uma advertência estrondosa, exortando seus minguantes seguidores à guerra civil. "No momento apropriado, abriremos os depósitos de armas para que todos os líbios e tribos sejam armados", vociferou num microfone portátil no entardecer de sexta-feira. "Para que a Líbia fique vermelha em chamas!"
O pior cenário se a rebelião derrubar Kadafi - que preocupa autoridades antiterrorismo americanas -, seria o de um Afeganistão ou uma Somália. Mas há outros que poderiam ocupar um vácuo, incluindo tribos poderosas ou uma coalizão pluralista de forças de oposição que estão apertando o cerco perto da capital. Os otimistas esperam que a deliberação da oposição persista; os pessimistas temem que a unidade só dure até Kadafi partir.
O maior medo - e um sobre o qual os especialista divergem - é que a Al-Qaeda ou grupos islâmicos da própria Líbia, que suportaram uma feroz repressão e podem ter as melhores habilidades organizativas entre a oposição, possam chegar ao poder.
Para responder às ameaças de que após os Kadafi virá um dilúvio islâmico ou tribal, Mustafa Mohamed Abud al-Jeleil, o ministro da Justiça que fugiu para o Leste, realizou um fórum na semana passada. "Nós só queremos um país - não há nenhum emirado islâmico ou a Al-Qaeda em parte alguma", disse Abud al-Jeilel à televisão Al-Jazira. "Nosso único objetivo é libertar a Líbia e permitir que as pessoas escolham o governo que quiserem." / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK
*É CORRESPONDENTE DO "NYT" NO CAIRO
Entrada na Líbia ''de Kadafi'' requer negociação
Andrei Netto - O Estado de S.Paulo
O ingresso no território líbio controlado por Muamar Kadafi, o oeste do país, exige horas de negociações com agentes de fronteira e, principalmente, com insurgentes. Eventualmente, 26 horas. Estado e The Guardian entraram pelo posto de fronteira de Dehiba, na fronteira com a Tunísia. A cidade líbia mais próxima é Wazen, a primeira a oeste de Trípoli a cair nas mãos dos revoltosos. Quem quer cruzar precisa negociar com "passadores" - pessoas que vivem do comércio ilegal de combustíveis e alimentos. "Posso levá-lo em segurança por 60 quilômetros. Depois disso, não me responsabilizo", oferece um insurgente líbio. Passadores tunisianos tentam dissuadir estrangeiros. "Não vá, é muito perigoso. Líbios são bárbaros. Eles não são confiáveis e mudam de ideia a cada dois passos", diz I.M.
Os obstáculos burocráticos na fronteira são maiores para quem não tem visto de entrada na Líbia - o país deixou de concedê-los. Entre os dois postos de fronteira, o tunisiano e o líbio, uma caminhonete de insurgentes apanha os estrangeiros e sobe pelo Saara, em claro desafio às autoridades. No interior do país, ao contrário do que se especula, a imprensa é bem recebida pelos rebeldes, que denunciam as atrocidades de Kadafi e tentam explicar suas intenções à opinião pública internacional. "É um orgulho tê-los aqui, porque podemos mostrar o que estamos passando", comemora Ali Abawama, que atua em uma cidade que ficou sitiada quatro dias por mercenários. "Os outros (jornalistas) foram para a parte já liberada."
General dissidente estima que 98% dos militares desertaram
Ordem de disparar contra manifestantes e o uso dos mercenários para atacar civis [br]motivaram abandonos
Lourival Sant’Anna - O Estado de S.Paulo
O general Suleiman Hassan, do Corpo de Engenharia do Exército líbio, tem uma estimativa bastante favorável ao movimento que busca a derrubada do ditador Muamar Kadafi: segundo ele, 98% dos militares aderiram.
"Espero que o regime caia dentro de dois ou três dias", disse Hassan ao Estado. O general fez um apelo para que as unidades do Exército em Trípoli apoiem a oposição. "É muito importante que os militares participem da Revolução, porque Kadafi está utilizando mercenários para atacar o povo", argumenta Hassan. "Por dinheiro, existem pessoas que estão matando os nossos filhos."
Hassan explica as razões que levaram os militares líbios a romper com o regime: a ordem de disparar contra os manifestantes e, uma vez desobedecida, o uso dos mercenários para atacar os civis. De acordo com o general, os mercenários, recrutados principalmente na África negra, vieram em vôos fretados por Kadafi para cumprir a tarefa recusada pelos militares. A relação de Kadafi com grupos armados da região é antiga. O ditador líbio financiou, por exemplo, rebeldes no Chade para atuarem contra as Forças Armadas sudanesas em Darfur, região que busca mais autonomia em relação ao governo central do Sudão.
A recusa dos militares de sustentar o regime foi determinante. Ordens como a de bombardear manifestantes com aviões de guerra ou utilizar navios para atacar os jovens que cercavam o complexo que abriga as forças especiais em Benghazi permitiram a vitória da oposição e a romper o mito sobre o poder de Kadafi.
Os movimento de deserção em massa começou com dois pilotos da Força Aérea, há exatamente uma semana. Na ocasião, os dois coronéis levaram seus caças para Malta, onde disseram às autoridades que haviam recebido ordens para bombardear manifestantes. Na quarta-feira, outros dois pilotos desertaram ao se ejetar durante o voo.
''Exército abriu fogo contra manifestantes''
Brasileiro que trabalhava em empreiteira na cidade de Benghazi, na Líbia, relata o cenário de horror que tomou conta do país
Glauber Gonçalves - O Estado de S.Paulo
Barreiras, grupos com armas pesadas andando pelas ruas e milhares de estrangeiros mal acomodados no porto à espera de resgate. O cenário deixado para trás pelos brasileiros que viviam em Benghazi pouco lembrava o de semanas atrás, antes da eclosão de revoltas populares na cidade, contou ontem ao Estado o engenheiro carioca Roberto Roche, do hotel em que está hospedado, em Atenas.
Funcionário da empreiteira Queiroz Galvão, ele vivia na Líbia havia três anos com dois filhos e a mulher. "Era o lugar mais tranquilo do mundo. Estamos com o coração partido de sair de lá", lamenta.
O executivo disse que, nos dias que antecederam os conflitos, a população já se organizava por meio de sites de relacionamento, porém silenciava nas ruas, temerosa de repressão do regime. A primeira reação do regime: abrir fogo contra opositores desarmados.
"Os nossos funcionários diziam que não ia dar em nada, porque o pessoal morre de medo do Kadafi. E, de repente, virou uma guerra civil. Aquele pessoal que não falava nada começou a aparecer armado e as mortes começaram a ocorrer", relata.
Residente em uma área onde moravam outros brasileiros, Roche acompanhou de perto os conflitos. No início, a população, desarmada, avançava sobre o Exército, que atirava "indiscriminadamente". Segundo ele, armas foram distribuídas à população e era comum encontrar grupos de "garotos de 17 ou 18 anos armados com (fuzis) AK-47".
A previsão é a de que os brasileiros e portugueses que estão em Atenas embarquem às 10 horas de hoje em um voo da TAP fretado pela Queiroz Galvão.
Último brasileiro não sai de casa há oito dias
Após férias no Brasil, mecânico de aviões voltou à Líbia dois dias antes de a crise estourar
Lourival Sant"Anna - O Estado de S.Paulo
O mecânico de aviões André Luís Claro Poças passa 28 dias trabalhando na Líbia e outros 28 dias em férias no Brasil, para onde vai com passagens compradas pela companhia, a Petroair, estatal líbia de transporte aéreo para o setor do petróleo. Poças voltou de suas últimas férias no dia 13 - dois dias antes de começarem os protestos que levaram a um levante sem precedentes contra o ditador Muamar Kadafi. Há oito dias, não sai de casa.
Hoje, Poças é o único brasileiro de que a embaixada tem notícia ainda na Líbia - com exceção dos diplomatas e dos jornalistas que vieram cobrir o conflito.
"Eu não imaginava que isso pudesse acontecer", recorda Poças, que não foi o único surpreendido pelas proporções que o confronto assumiu. Ele conta que, alguns dias antes de voltar do Brasil, recebeu email de um colega da refinaria onde trabalha, em Sirte, cidade localizada entre Benghazi, o principal reduto da oposição, e Trípoli, a capital ainda dominada por Kadafi. Teoricamente um alvo militar, a refinaria está isolada.
A pista de pouso usada pelos aviões que transportam seus funcionários foi interditada por obstáculos - Poças não sabe se pelo governo ou pela oposição.
As estradas não oferecem segurança nem para o percurso de 600 quilômetros a oeste, onde fica Trípoli, nem para os 250 quilômetros rumo a leste, onde se encontra Benghazi.
Forças fiéis ao regime de Kadafi e dos rebeldes disputam o controle sobre todos os acessos. A saída pelo mar também está fechada.
Incomunicável. Para aumentar o isolamento, Poças está sem internet e não consegue fazer ligações de seu celular. É a sua mulher que liga todos os dias, de São José dos Campos, onde mora com seus dois filhos, um de 20 outro de 18 anos. Geralmente ela só consegue completar a ligação de madrugada, por causa das linhas congestionadas. Técnicos em telecomunicações disseram ao Estado que o governo restringiu em 60% a capacidade das linhas telefônicas.
O brasileiro conta que a situação ao redor da refinaria e na cidade mais próxima, Jedabia, a 70 km de distância, é tranquila. O mecânico, de 44 anos, mora na Líbia desde 2007, quando o país comprou o primeiro avião da Embraer. Em 2010, mais dois jatos do mesmo modelo, RJ-170, foram adquiridos. Poças conta que, desde o início dos confrontos, os três aviões foram levados para o aeroporto militar de Mitiga.
Empresas brasileiras com apoio do Itamaraty retiraram da Líbia um total de 3.500 pessoas, entre brasileiros e cidadãos de muitos outros países. O último grupo saiu no sábado do porto de Benghazi num navio com 148 pessoas, fretado pela construtora Queiroz Galvão, em direção à Grécia (mais informações abaixo). O outro brasileiro que ainda restava, Fernando Silva Farias, funcionário da empresa franco-alemã Schlumberger, embarcou também no sábado para o Brasil.
Países como a Grã-Bretanha organizaram operações de guerra para retirar seus cidadãos da Líbia. Aviões militares britânicos pousaram no deserto para resgatar os nacionais que não conseguiam sair por terra, pelo mar ou pelo aeroporto de Benghazi. Todos chegaram à Europa e estão bem.
Barco chega em Malta
Uma embarcação italiana com cerca de 1.750 funcionários da Odebrecht, de várias nacionalidades, chegou ontem à ilha de Malta. A maioria era natural de países asiáticos.
Violência já deixou 100 mil refugiados, diz ONU
Maior parte dos que fogem da Líbia é de egípcios e tunisianos que trabalhavam no país; Nações Unidas vê 'emergência humanitária'
Jamil Chade - O Estado de S.Paulo
Mais de 100 mil pessoas já deixaram a Líbia fugindo da violência, anunciou ontem a ONU. As Nações Unidas chamaram atenção ainda para o estado de "emergência humanitária" que os combates entre forças opositoras e o regime de Muamar Kadafi produziu.
A maior parte dos refugiados que deixa a Líbia rumo à Tunísia e ao Egito é de estrangeiros que trabalhavam no país e não de líbios. Ontem, o Alto Comissariado da ONU para Refugiados iniciou o transporte de tendas, alimentos e remédios para atender as pessoas que cruzavam as fronteiras.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha indicou que, apenas ontem, mais de 10 mil pessoas deixaram a Líbia em direção à Tunísia. Do lado da fronteira entre a Líbia e Egito, a conta já chega a 55 mil refugiados.
A ONU apelou para que os governos dos países vizinhos colaborem e atendam os refugiados. "Há uma emergência humanitária e precisamos dar uma resposta", afirmou o Alto Comissário de Refugiados da ONU, António Guterres.
O temor da organização é que a já instável situação política da Tunísia e do Egito acabe se agravando diante do fluxo de pessoas provenientes da Líbia. A ONU chegou a criticar o que chamou de "exagero" da Itália, que alertou sobre a possibilidade de 1,5 milhão de pessoas cruzarem o Mediterrâneo em direção ao país europeu. Segundo Guterres, quem de fato precisa de ajuda são Tunísia e Egito.
Europa e EUA estudam envolver Otan na crise líbia
Potências debatem a imposição pela aliança de uma zona de exclusão aérea; Itália suspende pacto de não agressão
Jamil Chade - O Estado de S.Paulo
Governos europeus e os EUA tentarão mobilizar hoje aliados em Genebra para acelerar a queda de Muamar Kadafi e definir os próximos passos em relação à crise na Líbia. Washington e Bruxelas anunciaram a intenção de ir além da resolução aprovada no Conselho de Segurança da ONU no fim de semana e trabalham com a possibilidade de que a Otan seja acionada, aplicando uma zona de exclusão aérea no país. Ontem, a Itália suspendeu seu acordo de não agressão com Trípoli, o que permite o uso de suas bases no sul do país.
Pela primeira vez desde a eclosão da crise, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, a chefe da diplomacia da União Europeia, Catherine Ashton, e outros ministros discutem hoje em Genebra como frear os confrontos na Líbia. "É muito cedo ainda para dizer como isso tudo acabará", declarou Hillary antes de embarcar para a Suíça. O Brasil não enviou seu chanceler. A representante será a ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, que não se encontrará com os líderes para debater a situação.
A secretária de Estado e Ashton discutirão a questão militar e ainda decidirão como encaminhar a denúncia contra Kadafi ao Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes contra humanidade. Questionado sobre uma possível ação militar, Ashton disse que "todas as opções estão sobre a mesa". O chefe da diplomacia britânica, William Hague, deu declaração semelhante.
Aliança atlântica. Na sexta-feira, a cúpula militar da Otan promoveu uma reunião de emergência em Bruxelas. Segundo o Estado apurou, o encontro serviu para que uma avaliação militar da crise fosse realizada, assim como um levantamento das forças da aliança com melhor acesso ao Norte da África.
As potências da aliança atlântica não falam em intervenções militares e o secretário-geral da Otan, o dinamarquês Anders Fogh Rasmussen, descartou na semana passada a possibilidade de intervir na Líbia. Rasmussen, porém, garantiu que a aliança militar "continuará a monitorar a situação" e convocará consultas para "estar preparada para qualquer eventualidade".
Roma suspendeu ontem seu acordo de não agressão com a Líbia, de 2008, o que na prática permite o uso de bases no sul da Itália para eventuais ações militares ou para que a zona de exclusão aérea seja monitorada.
Ministra brasileira critica elo de EUA e Europa com Kadafi
Jamil Chade - O Estado de S.Paulo
Em visita a Genebra, a ministra dos Direitos Humanos do Brasil, Maria do Rosário, criticou europeus e americanos "por terem apoiado por anos regimes autoritários que atendiam a objetivos estratégicos de Washington, Paris ou Londres". Hoje, ela participa da reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU. A ministra criticou ainda os que defendem uma intervenção internacional para tentar frear a violência. "As intervenções em geral também produzem crises de direitos humanos."
Nenhum comentário:
Postar um comentário