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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

232 de fevereiro de 2011 - O GLOBO


DESTAQUE DE CAPA
Ainda mais isolado, Kadafi diz que só deixa poder morto
Rebeldes ampliam controle sobre cidades do Leste; petrolíferas suspendem produção

Apesar de ter sofrido novas baixas em seu governo, com a renúncia de seus ministros da Defesa, do Interior e do chefe de Gabinete, o ditador Muamar Kadafi desafiou os líbios ao garantir que prefere morrer como mártir a deixar o poder. Kadafi manteve o tom ameaçador, advertindo que “limparia a Líbia casa por casa” se os manifestantes não recuassem. Metade da costa líbia já estaria sob o domínio de rebeldes. Opositores controlam várias cidades do Leste e vigiam terminais e oleodutos contra a ação de vândalos. A petrolífera italiana Eni suspendeu parte de suas atividades no país, incluindo o gasoduto responsável por 10% do gás natural que a Itália consome. A empresa, que produz um terço do 1,5 milhão de barris diários da Líbia, assegurou, no entanto, que conseguirá atender aos clientes. Já a espanhola Repsol suspendeu todas as suas atividades.


ANCELMO GOIS

Desconto no ar
A Anac firmou acordo com as voadoras para garantir a seus dirigentes uma tarifa especial com desconto de 75% nas passagens aéreas. Em Frei Paulo, este cala-boca tem nome: conflito de interesse.

ZONA FRANCA
Foi inaugurada ontem, em Brasília, a Rádio Marinha, em radiodifusão nas cidades de São Pedro da Aldeia e Corumbá. A programação também poderá será acessada via internet.


COMPRA DE CAÇAS
Para vender caças, ministra francesa oferece transferência total de tecnologia
Michèle Alliot-Marie diz apoiar Brasil no Conselho de Segurança da ONU

BRASÍLIA. A ministra dos Negócios Estrangeiros da França, Michèle Alliot-Marie, dedicou o dia ontem ao esforço de tentar vender ao Brasil caças Rafale. Em reuniões separadas com a presidente Dilma Rousseff, com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e com o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, a ministra disse que nenhuma proposta se iguala à francesa em transferência de tecnologia.
Michèle declarou que, se fechar com os franceses, o Brasil terá autonomia para passar adiante a tecnologia adquirida. E reiterou o apoio da França à aspiração brasileira de ocupar assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU):
— Vamos transferir, se o Rafale for escolhido, a totalidade da tecnologia para que o Brasil seja autônomo para fazer eventuais adaptações e, se assim desejar, poder vender para outros países. Nenhum outro país fez essa proposta — disse ela, em entrevista no Itamaraty.
Ao lado de Michèle, Antonio Patriota repetiu o que a francesa já ouvira de Jobim, pela manhã, e que voltaria a escutar de Dilma à tarde: num momento de corte de R$ 50 bilhões do Orçamento, a presidente analisa propostas. Além dos Rafale, fabricados pela francesa Dassault, estão no páreo os modelos F-18 Super Hornet, da norte-americana Boeing, e os Gripen NG, da sueca Saab.
— Existe corte orçamentário. A presidente quer refletir e há compreensão dos três concorrentes sobre os prazos e o desejo brasileiro de reflexão — disse Patriota. — O que caracteriza a França, nessa relação, é a disposição da transferência de tecnologia. Uma disposição muito bem recebida e que nós já temos constatado em vários projetos em andamento, que é efetiva e é real — acrescentou o ministro.
Michèle entregou a Dilma carta assinada pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy. Segundo o Planalto, a mensagem reafirma a disposição de cooperar com o Brasil nas áreas de defesa, energia nuclear e ciência e tecnologia. Em nota, Jobim destacou que Dilma tomará a decisão quando julgar oportuno. Já Michèle disse que considera legítimo que Dilma queira “refletir”:
— É perfeitamente normal, já que o presidente Lula não quis tomar a decisão, dizendo que caberia a ela (Dilma) — afirmou a ministra.
JOGOS OLÍMPICOS DE 2016
Transolímpico transformará a Salvador Allende
Com BRT, via ficará parecida com a Avenida das Américas, com 5 faixas em cada sentido, canteiros e ciclovias

Isabela Bastos

Hoje sem acostamentos asfaltados nem calçadas, mal sinalizada, com iluminação insuficiente, cheia de curvas perigosas e remendos no asfalto, a movimentada Avenida Salvador Allende — por onde passam 59 mil veículos por dia — será totalmente repaginada para os Jogos Olímpicos de 2016. A via, que faz parte do traçado do BRT Transolímpico — corredor expresso ligando a Barra a Deodoro, passando sob o Maciço da Pedra Branca —, deverá ficar parecida com a Avenida das Américas.
Dos atuais 30 metros de largura e quatro faixas de rolamento (duas por sentido), a Allende passará a ter 80 metros de largura e dez faixas (cinco por sentido). As faixas centrais serão reservadas ao sistema de transporte por ônibus articulados batizado de Bus Rapid Transit (BRT).

Projeto é encurtado para reduzir custos
O restante do corredor expresso aproveitará ainda outras vias de Jacarepaguá, Curicica, Jardim Sulacap e Magalhães Bastos, como as estradas do Calmet e de Curicica e as ruas André Rocha e Salustiano Silva. Também estas vias, hoje estreitas e muitas vezes residenciais, passarão a ter 40 metros de largura.
— A nova Salvador Allende terá três faixas por sentido na pista central e duas na lateral, assim como a Avenida das Américas no trecho da Barra.
No restante do Transolímpico, o corredor terá três faixas por sentido, sendo uma em cada direção para o trânsito local dos bairros. A partir da Taquara, será aberta uma nova via que cortará a Colônia Juliano Moreira, transpondo através de pontes e viadutos algumas estradas da região, como a do Rio Grande e da Boiúna — explicou o secretário municipal de Obras, Alexandre Pinto.
Parte do caderno de encargos dos Jogos, o BRT Barra- Deodoro foi concebido originalmente como opção de ligação expressa para desafogar o saturado trânsito de Jacarepaguá e seus arredores. Durante os Jogos, o corredor ligará dois dos quatro núcleos de competições. Na Barra, atenderá à chamada família olímpica, a turistas e a jornalistas que transitarem entre o Riocentro, o Parque Olímpico e a Vila dos Atletas. Na outra ponta, a nova estrada desembocará em Deodoro, onde será construído o Parque Radical, que sediará as provas de pentatlo moderno, esgrima, tiro e moutain-bike, entre outras, em áreas militares às margens da Avenida Brasil.
Anunciado pela prefeitura em maio passado e com previsão de início de obras para o primeiro semestre deste ano — adiado agora para o fim do ano —, o projeto do Transolímpico está passando por um freio de arrumação.
O objetivo é diminuir os custos de implantação, orçados inicialmente em mais de R$ 3 bilhões — e que devem cair para R$ 2,1 bilhões, segundo o prefeito Eduardo Paes. O trajeto original, que teria 26km, foi encurtado em 3km, com a exclusão de uma variante que seria construída na Avenida Duque de Caxias, na Vila Militar. Também está sendo reestruturado o trecho do corredor entre as avenidas Marechal Fontenelle e Brasil, em Magalhães Bastos, para diminuir a quantidade de desapropriações.
Outra mudança de peso é o tamanho do túnel que será construído sob o Maciço da Pedra Branca. A previsão original era que as galerias tivessem 3.800 metros. Pela nova geometria da obra, o túnel foi encurtado para 1.800 metros. O número original de estações — 18 — também será modificado. O projeto perdeu ainda uma estação subterrânea que seria construída na Taquara, para fazer a integração do BRT com as redes de ônibus locais. Os passageiros chegariam à estação por escadas rolantes e elevadores, ideia que foi abandonada.
— A integração com a rede alimentadora local continuará a ser feita na Taquara, mas no nível da rua — disse Pinto.
Segundo Paes, a prefeitura quer que o número de desapropriações em Magalhães Bastos, Sulacap e Vila Militar fique em torno de 700 imóveis, bem menos que as cerca de 3.500 desapropriações que estão sendo feitas para a implantação do TransCarioca, corredor que ligará a Barra ao aeroporto Internacional Tom Jobim.
— Em Magalhães Bastos a gente optou por negociar faixas de terrenos com o Exército do que partir para a desapropriação dos imóveis de terceiros. Estimamos os gastos com desapropriações em cerca de R$ 300 milhões — disse Paes.




REVISÃO DE BENEFÍCIOS
Anistia de ex-cabos da FAB custa R$12 milhões por mês

BRASÍLIA. As 2.530 anistias de ex-cabos da Força Aérea Brasileira (FAB) que o governo decidiu revisar custam caro para o Erário. Por mês, são R$12 milhões. Em média, cada cabo recebe um pagamento mensal de R$5 mil. O valor referente a atrasados a que eles teriam direito chega a R$1,2 bilhão, em valores atualizados. Cada anistiado, em média, receberia, além do benefício mensal, mais uma parcela única de R$200 mil a título de retroativos. Nenhum centavo dos atrasados foi pago até agora pelo Ministério da Defesa.
A decisão de reanalisar os benefícios vai exigir que os cabos provem que foram perseguidos pelo governo militar. Mas boa parte deles terá dificuldade de comprovar perseguição política. Nas fichas funcionais de muitos deles há até elogios de oficiais superiores pelo comprometimento com a ditadura militar. Sobre um dos cabos, a ficha diz: “Fiel aos reclamos da pátria, sem  trair o regime democrático e o juramento sagrado de bem servir o Brasil, tendo permanecido imune à ameaça vermelha”.
Outro requerente da anistia foi elogiado por seu superior hierárquico por ter tomado parte do desfile comemorativo do 1º aniversário da “Revolução Democrática Brasileira”.
Todos foram beneficiados pela interpretação da Comissão de Anistia, que considerou a edição de uma portaria de 1964 um ato de exceção. A portaria estabeleceu na época o desligamento dos cabos das Forças Armadas.
Em pelo menos três manifestações nos últimos anos, pareceres da Advocacia Geral da União (AGU) entenderam que essa portaria foi um ato de regulamentação de pessoal para resolver uma questão administrativa. Esse é o entendimento do Ministério da Defesa e foi o do Tribunal de Contas da União, que, em 2006, recomendou a revisão dessas anistias.
As entidades de cabos já anunciaram que entrarão na Justiça. Argumentam que passaram cinco anos da concessão das indenizações, prazo limite para rever ato administrativo.
(Evandro Éboli)


VÍTIMAS DA DITADURA
MP vai investigar desaparecimentos na ditadura

Evandro Éboli

BRASÍLIA. O Ministério Público Militar do Rio abriu procedimento para investigar os responsáveis pelo desaparecimento de ao menos 40  ativistas de  esquerda que  foram  levados para  unidades militares  no estado,  durante a ditadura. A iniciativa é do promotor Otávio Bravo, para quem é preciso esclarecer os casos de desaparecimento forçado durante o regime militar. O promotor compara esses casos de desaparecimento a sequestros.
Bravo pediu ajuda de entidades como o Tortura Nunca Mais, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Secretaria Nacional de Direitos Humanos. A presidente  do Tortura Nunca Mais  do Rio, Cecilia Coimbra,  encaminhou ontem ao promotor uma relação de 40 nomes de desaparecidos políticos.
Otávio Bravo solicitou também indicação de testemunhas que possam colaborar para esclarecer esses casos. O grupo enviou nomes de parentes de quatro desaparecidos: Mário Alves de Souza Vieira, Rubens Paiva, Carlos Alberto Soares de Freitas e Stuart Angel Jones. Além deles, a  investigação do promotor inclui  também desaparecidos que passaram por prisões no Espírito Santo, estado que, com o Rio, também faz parte da 1ª Circunscrição Judiciária Militar.
— Não tenho a ingenuidade de achar que algum desses sequestros ainda esteja em curso. Evidentemente, não estão.
Mas, para dizer que esses crimes estão prescritos e seus responsáveis anistiados, é preciso saber como terminaram.
O objetivo da ação é esclarecer como tudo aconteceu. Se essas pessoas estão mortas, se foram libertadas ou se fugiram — disse Bravo.
No material enviado ao promotor, o Tortura juntou biografias dos desaparecidos, reportagens e depoimentos de militares e torturadores.
— O gesto do Ministério Público é corajoso e pode ajudar a elucidar e a esclarecer — disse Cecilia Coimbra.
Bravo disse que uma de suas motivações foi a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA de condenar o Brasil por graves violações ao direitos humanos na repressão à Guerrilha do Araguaia, no ano passado. Para justificar a instauração da investigação, o promotor listou, ao todo, 21 razões, entre as quais convenções internacionais assinadas pelo governo brasileiro nessa área. Ele lembrou que sequestro é crime tipificado no Código Penal Militar.
O promotor disse que a tendência é concluir que esses desaparecimentos (ou sequestros) acabaram na década de 70.
— Aí, resta um delito, que também não está prescrito de jeito nenhum: ocultação de cadáver. Ficaria recompensado se achasse ao menos um corpo, para dar alento a uma família


ACIDENTE AÉREO
Dois acidentes em pousos

Hans von Manteuffel

RECIFE e BELÉM. Dois acidentes com aviões provocaram grandes sustos ontem. Em Recife, um monomotor caiu sobre uma casa, no bairro do Pina. Ele estava se preparando para pousar no Aeroclube, no mesmo bairro. O piloto Antônio Carlos de Carvalho, de 42 anos, que estava sozinho, sofreu fraturas e escoriações, e seu estado era grave ontem à noite.
No Pará, um avião da Trip com 47 passageiros derrapou na pista no aeroporto de Altamira, anteontem à noite. Segundo a Aeronáutica, um dos trens de pouso quebrou e uma das hélices tocou o solo. O avião saiu da pista e parou numa área gramada. Uma turbina pegou fogo. Um passageiro se feriu sem gravidade.


COPA 2014
Improvisação preocupante
Diretor de Operações do Comitê Organizador do Mundial diz que movimento extra nos aeroportos em dias de jogos será absorvido por medidas complementares com o governo

Fábio Fabrini 
BRASÍLIA

O diretor de Operações do Comitê Organizador da Copa de 2014, Ricardo Trade, disse ontem que o órgão prepara, em conjunto com o Ministério do Esporte, um projeto alternativo de atendimento nos aeroportos durante o evento. Um dos principais gargalos do país, com obras já em atraso, os terminais não serão ampliados para além da necessidade corriqueira das cidades-sede. O movimento extra nos dias de jogos terá de ser absorvido por medidas complementares, já em debate com o governo..
— De repente, posso fazer uma estrutura temporária, em que as pessoas não passem aperto naquele dia, mas não precisa ser uma intervenção definitiva, porque não vai deixar um legado..
Seria um investimento que não se justifica — disse, citando o exemplo do aeroporto de Confins, em BH. Lá, em vez de aumentar o terminal especialmente para a Copa, uma solução seria usar a Base da Aeronáutica em Lagoa Santa para operações do evento, como pousos e decolagens de jatos privados. — A gente tem sempre que pensar em não deixar nada ruim para depois, sem utilização, com capacidade acima — justificou Trade, acrescentando que até junho o estudo com as soluções para a os terminais deve estar pronto..
O comitê organizador não vê o aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio, como um caso particular, ainda que, dois anos depois, estará recebendo passageiros das Olimpíadas. Segundo o órgão, o governo deve discutir se cabe, para a capital fluminense um aporte especial de recursos com vistas a 2016. Inicialmente os investimentos são de R$ 687 milhões, para reforma do terminal 1 e conclusão do terminal 2. A promessa é entregar tudo até o meio de 2013. Como o Planalto pretende trocar o comando dos órgãos de administração aérea, o comitê aguarda a definição dos nomes para reiniciar conversas..
Ricardo Trade disse que os aeroportos estão entre as preocupações da Fifa para a Copa de 2014. Até agora, das 13 ampliações previstas, só quatro saíram do papel..
— Claro que, quando a gente fala em atrasos de obras, a gente tem que ficar preocupado. Eles (os representantes da Fifa) se preocupam um pouco por algumas delas não estarem sendo realizadas. Isso está sendo resolvido no período da presidente Dilma, porque ela entrou pisando no acelerador — assegurou o diretor.
Trade participou ontem do Seminário Geral das Sedes da Copa do Mundo da Fifa, em Brasília, com representantes das 12 cidades. Questionado sobre um possível impacto do ajuste fiscal anunciado pelo governo nas obras da Copa, respondeu que os projetos estão blindados:
— Esse corte não significa corte nos investimentos para a Copa. Isso está bem claro nas palavras do governo.
Até julho, a Fifa deverá tomar decisões importantes, como a escolha das cinco sedes da Copa das Confederações. Trade descartou a exclusão de qualquer uma das capitais para o evento principal, em 2014, por causa de atrasos nos preparativos — em Natal, as obras não avançaram.

Silva nega irregularidades
O objetivo do Seminário Geral das Sedes da Copa do Mundo da Fifa, que termina amanhã, é orientar as cidades sobre as providências nas mais diversas áreas. O presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, participou da abertura, ao lado do ministro do Esporte, Orlando Silva. Questionado sobre denúncias de irregularidades em convênios do Programa Segundo Tempo, envolvendo Ongs ligadas ao seu partido, o PCdoB, Silva afirmou que mandou apurar as denúncias, publicadas no jornal “O Estado de S.Paulo”:
— É inadmissível qualquer tipo de desvio de qualquer recurso público. A orientação é que seja apurada rigorosamente qualquer denúncia que é feita, porque nós temos convicção de que o correto é fazer sempre a melhor utilização do dinheiro público.
Rio, Belo Horizonte, Salvador, São Paulo e Brasília sediarão os jogos de futebol masculino e feminino na primeira fase das Olimpíadas de 2016.


PANORAMA ECONÔMICO
Míriam Leitão

Nada é impensável
O Egito aceitou pela primeira vez em 32 anos que navios iranianos passassem pelo Canal de Suez. Foram para a Síria, para manobras militares conjuntas. Isso preocupa Israel e Estados Unidos. A Europa teme o suprimento de petróleo da Líbia. A Arábia Saudita tem medo do que acontece no Bahrein. O mundo prende a respiração com os fatos do norte da África.
Tudo que acontece hoje em cada país, mesmo pequeno, tem efeitos muito além das suas fronteiras. Não há simplificações possíveis. Tudo é de uma complexidade estonteante. A dúvida na Líbia é para onde vão os chefes tribais, como no Egito era para onde iriam as Forças Armadas. O destino do ditador Muamar Kadafi será o resultado desse jogo tribal, cada vez mais contra ele. Ele cometeu o erro de deixar tribos, principalmente as que ficam perto de Beghazi, em situação social de abandono. A renda superconcentrada é combustível de insatisfação. O que a Europa teme é o suprimento de petróleo e gás, os negócios de suas empresas e o risco de fragmentação do país.
O Egito ainda não voltou ao normal. A bolsa de valores não conseguiu ontem abrir novamente. Teme-se que as ações despenquem. Há um enorme risco de desinvestimento no país. Um exemplo: dias antes da eclosão do movimento, a Votorantim foi ao Egito em missão comandada por Fábio Ermírio de Moraes com um plano de investimento na área de cimento. A tendência é deixar suspenso esse plano até a situação ficar mais estável. Inúmeras empresas estrangeiras suspenderam decisões de investimento. Há cinco milhões de egípcios fora do país e que mandam renda para suas famílias. Essa importante fonte de renda e divisas está também se reduzindo. Desses, um milhão trabalham na Líbia, portanto, os problemas na Líbia também afetam o Egito. O povo que da Praça Tahrir derrubou um ditador quer tudo para já: melhores serviços na educação, saúde, maiores salários, empregos. E quer também que sejam demitidos todos os ministros nomeados por Mubarak. Vários já foram, mas o próprio chefe da junta militar, Mohamed Hussein Tantawi, foi ministro da Defesa de Mubarak por 20 anos. O primeiro-ministro, Ahmed Shafiq, também. Portanto, o novo poder nasceu no velho regime. Até na idade: um tem 79 anos, o outro, 73 anos.
A economia em crise aumenta a insatisfação. O turismo está parado, hotéis e restaurantes, vazios. Bancos com dificuldade de retornar às atividades normais. E os preços dos alimentos estão subindo. O Egito pediu à Austrália que forneça trigo mais barato, mas o governo australiano respondeu que a cotação é internacional. Além disso, a produção do país foi atingida pelas recentes enchentes.
As exportações brasileiras para o Oriente Médio quadruplicaram durante a última década, de US$ 2,04 bi, em 2001, para US$ 10,5 bi, em 2010. A Líbia não é parte desse grupo. Para lá, as vendas saíram de US$ 35 milhões para US$ 456 milhões. Houve um aumento grande de empresas brasileiras nos países árabes, como construtoras, mineradoras, e fornecedoras de alimentos. O desafio agora é manter na nova situação a mesma intensidade das relações. Mas hoje, o pior problema é como proteger as centenas de brasileiros em Tripoli e Benghazi, na Líbia. Os países da região temem o contágio por vários motivos.
Veja-se a situação da Arábia Saudita. Ela é uma monarquia como a de Bahrein, e até agora as repúblicas é que têm caído. A primeira monarquia que cair aterrorizará as outras. Bahrein é um país pequeno, uma ilhota com um milhão de habitantes, mas tem uma ponte que liga à Arábia Saudita. Do lado de Bahrein, a maioria da população é xiita e reclama que não tem seus direitos respeitados porque o governo favorece os sunitas. A Arábia Saudita tem uma pequena parte da população xiita, mas vivendo exatamente perto da ponte que a liga ao Bahrein.
Para complicar ainda mais a situação, em Manama, onde a população está nas ruas protestando, está uma base naval americana de 3.500 efetivos.
A Arábia Saudita tem um governo que parece sólido, a mesma dinastia que governa o país desde que ele foi fundado nos anos 1930. O problema é que os príncipes governantes que se sucedem no cargo ainda são os filhos de Abdulaziz Al-Saud, o fundador do Reino. Ele teve 36 filhos homens. O rei Abdullah tem 87 anos e ontem voltou ao país depois de três meses de tratamento médico.
Seu irmão, o príncipe herdeiro, tem 83 anos. O ministro da Defesa tem 81 anos.
Essa gerontocracia governa o país de forma tirânica, tendo o Alcorão como constituição, e a Sharia como código penal. Fala-se pouco das barbaridades dos Saud porque é uma ditadura amiga do Ocidente que fornece preciosos 10 milhões de barris/ dia de petróleo.
O Irã tem conseguido manter pela repressão o governo, por dois motivos. De um lado, o governo islâmico que assumiu há 32 anos montou um programa de assistência social das áreas rurais que haviam sido abandonadas pelo Xá Reza Pahlevi. Isso dá ao regime uma base de lealdade junto à população mais pobre. Segundo, o presidente Mahmoud Ahmadinejad, oriundo das Guardas Revolucionárias, aumentou o poder desse grupo militar dando a eles empregos na direção do complexo industrial estatal, que é 60% da indústria do país. No Egito, uma parte da diplomacia vinha defendendo a ideia de que o país nada tinha a ganhar hostilizando o Irã. A permissão inédita em 32 anos de que navios de guerra iranianos passassem pelo Egito é um sinal de que esse grupo está sendo ouvido. Afinal, o atual governante era o mesmo Tantawi que, como ministro da Defesa, recusou outros pedidos. O mundo está mudando rapidamente, as peças no tabuleiro se mexendo com enorme rapidez. Nada mais é impensável.
 fonte: JORNAL O GLOBO

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