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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

15 de fevereiro de 2011 - JORNAL DO BRASIL


DESTAQUE DE CAPA - EGITO
O poodle no poder

Oficial que conduzirá a transição no Egito era considerado um capacho do ditador e por isso ganhou apelido jocoso. População está com medo.


Difícil convívio
O ditador caiu, mas o povo desconfia do Exército, que assumiu o poder, e da polícia, violenta e corrupta

Antony Shadid
THE NEW YORK TIMES

Um comunicado do comandante da Força Aérea do Egito, Reda Mohamed, transmitido pelas redes de televisão locais no último domingo, colocou o país sob responsabilidade do comando militar, quase 30 anos após o início do regime autoritário de Hosni Mubarak. O parlamento foi dissolvido e a constituição, suspensa. Uma eleição acontecerá em seis meses.
Apesar de apreciar o apoio popular, os militares terão a descomunal tarefa de mudar o cenário pós-revolução, em um país cuja população sofre com muitas adversidades. As iniciativas de suspender a carta magna e dissolver o Parlamento, escolhido em uma eleição desleal, já eram esperadas. O comunicado informou que o Conselho Supremo das Forças Armadas cuidará das leis no período de transição e confirmou a criação de um comitê para esboçar emendas constitucionais, prometendo submetê-las a referendo.
O ministro da Defesa do Egito, Field Tantawi, irá representar o país nacional e internacionalmente. Alguns manifestantes e diplomatas se referiam a ele como “o poodle de Mubarak”. Mas oficiais americanos afirmam que ele teve um importante papel no afastamento do ex-presidente.
– Nossa preocupação agora é trazer de volta a segurança para os cidadãos egípcios depois de quase três semanas de tumultos – disse Tantawi em uma coletiva de imprensa.
Desde que se apossaram do poder de Mubarak, os militares adotaram uma postura tranquilizadora, respondendo com palavras e atos à plataforma articulada por milhares de cidadãos na Tahrir Square. Mas, apesar de novos protestos, o povo ainda não sabe quais serão as regras militares.

Algumas exigências não foram atendidas
Enquanto líderes da oposição acolheram positivamente as iniciativas do novo governo, alguns cidadãos estão silenciosamente preocupados com o futuro papel da instituição, conhecida por tentar preservar seus vastos interesses financeiros e políticos.
– Tenho medo de que, nos próximos seis meses, o exército faça uma lavagem cerebral no povo para que pensemos que os militares são a melhor opção para o poder – disse a aeromoça Dina Aboul Seoud.
Centenas de policiais egípcios, uma das classes mais detestadas do país, foram para as ruas do Cairo exigir aumento de salário e um melhor tratamento. Eles culpam o ex-ministro do Interior, Habib el-Adly, pela má reputação da polícia e buscam perdão pelas ordens que, segundo eles, eram obrigados a obedecer.
– Nos forçavam a roubar a população. A mensagem era: não se preocupem com seus salários, pois vocês podem pegar o que precisarem das pessoas – contou Ayman Ali, policial há 11 anos.
A poucos metros dali, o tráfego voltava ao normal na Tahrir Square, um símbolo da revolução. Apesar do bom fluxo, os carros passavam entre manifestantes e observadores, muitos deles intrigados com o mural de fotos das pessoas mortas nos conflitos pendurado em um canto da praça.
Em uma explosão de dever cívico, jovens voluntários varreram as ruas, pintaram cercas e meios-fios, lavaram as pichações que pediam a retirada de Mubarak e plantaram árvores na praça. Soldados dirigiam um caminhão com um alto-falante que dizia: “O Egito é querido por nós”.
Apesar de centenas de manifestantes pedirem a permanência na praça até que sejam divulgados mais detalhes da reforma, as tendas estão sendo desmontadas, cartazes sendo retirados e caminhões empilhados com os cobertores que os mantiveram aquecidos durante os 18 dias de protestos.
Algumas exigências ainda não foram atendidas, entre elas a libertação de milhares de presos políticos. Para Essam al-Arian, um dos líderes dos manifestantes, o comprimento dessas exigências trará calma à sociedade.
– Confiar totalmente nos militares é impossível, pois nosso país tem, há 30 anos, instituições corrompidas em todos os setores. Não posso simplesmente supor que o exército seja honesto.

COISAS DA POLÍTICA
Wilson Figueiredo

O enterro de uma quimera
Tudo que precisava ser dito a respeito do novo governo está entendido e até subentendido.
E, antes que a presidente Dilma Rousseff comece a se repetir, por achar que a oposição ouviu mal, é melhor prevenir do que corrigir mais adiante a tendência da maioria a considerar públicos os próprios interesses. É passar logo da palavra à ação. A reforma política está à disposição. O que não foi dito nem ficou subentendido continua a cargo da oposição, desde a campanha eleitoral. A reforma consolidará um regime que já resistiu, galhardamente, a seis sucessões presidenciais. Não há precedente de normalidade equivalente senão na República Velha.
O que compete ao governo fazer, com cautela para não ser interpretado pelo avesso, é restaurar o poder da razão e esbanjar disposição de fazer a reforma política com prioridade. Sem medo de se equivocar. A presidente Dilma Rousseff não pensou duas vezes para cortar 50 bilhões de reais no Orçamento deste ano. Nem precisa lembrar que é o custo da gastança inicial do ex-presidente Lula na dupla campanha presidencial, da sucessora e dele próprio em 2014. Até indícios em contrário, é o foco para todas as interpretações políticas.
Já não se pode dizer o mesmo da oposição, depois de um mês e meio em hesitações e adiamentos. Nada mais enfadonho do que a repetitiva falta de objetividade. A sensação de vazio parlamentar, pela escassez de oradores com fôlego cívico, faz estragos na credibilidade da palavra e no poder ácido da oposição. Se a atual bancada oposicionista não tem nada melhor a oferecer, que exerça o direito de submeter o governo a uma tempestade de raios fulminantes. Não bastam apartes. O primeiro dever de casa por parte da oposição é reanimar a vida parlamentar. As sessões plenárias não foram criadas para facilitar a digestão de deputados governistas, e sim para fazerem eco à voz das ruas. À oposição cabe obrigar o governo a se defender, apertá-lo nas suas contradições e levá-lo ao inferno. No sentido figurado, que é pior.
Nos anos 50, Vargas e JK roeram, em seus mandatos, o pão que o diabo amassou e a oposição serviu. O udenismo foi carona na arrancada de Jânio Quadros rumo ao Planalto, mas pagou caro, como sócio retardatário, por em-purrar João Goulart para a fogueira em 1964. Por apenas sete meses no governo, a UDN padeceu vinte anos no paraíso militar. Nenhum presidente dormiu, entre 1946 e 1964, o duvidoso sono dos justos nas noites do mandato. A atual omissão oposicionista vem sendo paga acima do valor de mercado.
Na ilusão de que nunca será liquidada a dívida republicana acumulada, o ex-presidente Lula pintou e bordou, certo de que, ao submeter a democracia àquele espetáculo degradante na campanha eleitoral, estaria atenuando o deboche. Ao contrário. A democracia resistiu à erosão de métodos marginais com que Lula se permitiu a tentativa de degradar as liberdades inseparáveis da cidadania.
O governo Dilma Rousseff já disse a que veio: o que está subentendido, nas formas políticas de divergir ou concordar, é a credibilidade com que vai operar. Tem margem para uns e outros se sentirem reconfortados com um banho de purificação, pela reforma política, e a erradicação das práticas marginais que se incorporaram aos costumes, tais como a extinção dos hábitos inseparáveis da corrupção e as altas na cotação do voto parlamentar.
A oposição ainda não se livrou das sombras que a acompanham desde o advento da reeleição. A reforma política tem várias janelas pelas quais deverá entrar luz suficiente para expulsar assaltantes e traficantes de múltiplas especialidades administrativas. A abolição do segundo mandato já seria um bom começo. Ou o enterro de uma quimera.

FONTE: Jornal do Brasil



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