Pesquisar

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

23 de fevereiro de 2011 - JORNAL ESTADO DE SÃO PAULO


DESTAQUE DE CAPA - TENSÃO NO ORIENTE MÉDIO
Oposição avança no norte da Líbia e Kadafi promete ''resistir até a morte''
Ditador faz segundo pronunciamento na TV, desta vez prometendo esmagar ‘ratos e mercenários’ e permanecer no país até tornar-se ‘um mártir’; ministro do Interior deserta e convoca Forças Armadas a segui-lo, enquanto opositores falam em mais de 500 mortos

Reuters

Em meio ao avanço de forças opositoras, que já controlam praticamente metade da região costeira da Líbia, o ditador Muamar Kadafi foi à TV estatal garantir que ainda estava no país e esmagaria os "ratos e mercenários" que abalaram seu regime. "Não abandonarei esta terra. Morrerei aqui como mártir", prometeu ele diante de uma de suas residências em Trípoli, ainda parcialmente destruída por um bombardeio americano de 1986. Testemunhas relatam cenas de guerra nas ruas da capital. Automóveis com forças leais a Kadafi disparavam a esmo para intimidar a população. Segundo moradores, o regime aproveitou a madrugada para cometer "massacres". "Eles passavam pelos bairros atirando sem parar, como bandidos. Depois voltavam. Foi um completo terror até o amanhecer", disse um morador.
As batalhas mais violentas estariam sendo travadas no bairro de Fashloum, onde manifestantes montaram barricadas com entulhos e resistiam às investidas das forças de ordem. Do outro lado das barreiras improvisadas, militares e beduínos que apoiam Kadafi, muitos deles armados com AKs-47, montavam guarda. Baterias antiaéreas teriam ainda sido colocadas ao redor da emissora estatal. "A situação é exasperante", disse um outro morador.
Saif al-Islam, filho de Kadafi, anunciou a jornalistas que pelo menos 300 pessoas morreram em uma semana de distúrbios, incluindo 58 militares. A maioria das vítimas seria de Benghazi, segunda maior cidade da Líbia - que agora estaria sob controle de opositores. Forças que tentam derrubar o regime líbio, porém, falam em mais de 500 mortos. O ministro do Interior da Líbia, general Abdul Fatah Yunis, abandonou ontem o regime e convocou o restante das Forças Armadas a segui-lo. Segundo a TV Al-Jazira, o general teria afirmado que os protestos estão sendo conduzidos "pelo povo, que tem aspirações legítimas".
"Muamar Kadafi é história, resistência, liberdade, glória, revolução", disse aos berros o ditador à TV estatal, vestido com uma túnica marrom. A emissora do regime mostrou ainda cenas da Praça Verde - palco de violentos conflitos na segunda-feira - dominada por partidários de Kadafi beijando fotos do ditador. Citando fontes anônimas, a revista Time noticiou ontem que Kadafi teria ordenado a destruição de dutos de petróleo na região de Benghazi. A cotação de petróleo voltou ontem a bater o recorde em dois anos - o barril Brent fechou a US$ 108, 57.
A internet na Líbia continua bloqueada e o sinal de telefonia está intermitente. A crise do regime Kadafi é o episódio mais sangrento da onda de protestos no mundo árabe que já derrubou os governos da Tunísia e Egito. / NYT e REUTERS

DISCURSO NA TV
MUAMAR KADAFI - DITADOR DA LÍBIA

"Não deixarei a Líbia. Morrerei aqui como mártir"
"Os crimes que eles cometeram podem ser punidos com a execução sob a lei líbia"
"Vocês conhecem alguém decente que participe disso? São todos bêbados e drogados"
"Não usamos força ainda, mas usaremos se for necessário"
"Não sou presidente, não posso renunciar. Se tivesse um cargo renunciaria"


NOTAS & INFORMAÇÕES
Banho de sangue na Líbia

A insurreição popular contra o ditador líbio Muamar Kadafi completou ontem uma semana sob "uma obscena quantidade de disparos", como um morador da capital, Trípoli, descreveu a matança indiscriminada de seus concidadãos. A chacina foi levada a cabo, do ar e em terra, pelas forças do regime e por mercenários. A repressão, que parecia ter chegado ao auge na noite de segunda-feira, deixou centenas de mortos e feridos - os números são imprecisos nesse país praticamente segregado, onde os jornalistas estão proibidos de entrar e as comunicações são precárias.
Duas coisas, no entanto, são dadas como certas pela quase totalidade dos observadores estrangeiros: os dias de Kadafi estão contados e ele resistirá até o amargo fim, nem que para isso tenha de submeter a Líbia a um banho de sangue, o que os depostos autocratas da Tunísia e do Egito provavelmente não fariam, mesmo que pudessem. A principal diferença, à parte todas aquelas entre os três países, é que Zine El Abidine Ben Ali e Hosni Mubarak eram criminosos políticos e cleptocratas - mas não "cachorros loucos", como o então presidente americano Ronald Reagan chamou Kadafi, em 1986. Líder do golpe que acabou com a monarquia na Líbia, 17 anos antes, ele entrou em um surto psicótico do qual não se livrou até hoje, passadas quatro décadas.
Com a fantasia de suplantar o egípcio Gamal Abdel Nasser na pretendida condição de líder do mundo árabe, o coronel líbio inventou doutrinas revolucionárias, imitou o chinês Mao Tsé-tung escrevendo um Livro Verde sobre o "socialismo islâmico", implantou uma ditadura não menos feroz que a de Saddam Hussein no Iraque e se tornou o primeiro chefe de Estado a patrocinar ostensivamente o terrorismo no mundo. Depois que as sanções internacionais tiraram o fôlego da economia líbia, movida a petróleo, pagou fortunas em indenizações, fez as pazes com o Ocidente, abriu mão de seus projetos nucleares e reatou com os EUA, que o promoveram a aliado na guerra ao terror.
Foi visitado pelo então primeiro-ministro britânico Tony Blair e pela secretária de Estado Condoleezza Rice. Em 2009, na sede da ONU, trocou um aperto de mãos com um sorridente Barack Obama. Já então empresas americanas haviam assinado contratos milionários com a Líbia para dotar as suas Forças Armadas de sofisticados sistemas de comunicação. No ano passado, a Grã-Bretanha vendeu ao país mais de £ 200 milhões em equipamentos bélicos. Mais de uma vez Kadafi foi acolhido em Roma como amigo íntimo pelo notório premiê Silvio Berlusconi. A ENI, a estatal italiana do petróleo, assim como a britânica BP haviam se instalado na Líbia.
Ali, porém, só mudou a fisionomia do tirano, que deixou crescer o bigode e tingiu os cabelos (mantendo o uniforme de opereta, cravejado de medalhas). A selvageria do regime continuou idêntica. Isso não impediu que assomasse o pior dos mundos possíveis para qualquer déspota. É quando as suas vítimas perdem o medo e tomam as ruas. As manifestações na Líbia - cuja segunda cidade, Benghazi, passou para o controle dos revoltosos - só se intensificaram a cada ciclo de concentrações, tiros, mortes e sepultamentos. Ontem, uma testemunha disse ter visto pessoas tirando as camisas e expondo o peito às balas dos milicianos. O ciclo foi reforçado pelas ameaças do filho de Kadafi, Saif al Islam, de desencadear uma guerra civil, numa desalinhavada fala pela TV, domingo à noite.
Na segunda-feira, o pai, usualmente verborrágico, se deixou filmar durante 20 segundos sob um guarda-chuva. Ele apenas queria desmentir os rumores de que tinha viajado para a Venezuela do seu aprendiz de histrião Hugo Chávez e lamentar que a chuva o impedia de estar com os seus partidários no centro de Trípoli. Ontem, fez um interminável e desconexo discurso na televisão, atribuindo a "agentes estrangeiros" a revolta contra sua ditadura. Partidários é o que ele tem cada vez menos. O ministro da Justiça e diversos diplomatas, incluindo os da missão líbia na ONU, renunciaram. Mas, salvo uma reviravolta a esta altura inimaginável, Kadafi lutará até o último de seus aliados.


ESPAÇO ABERTO
Tunísia, modernidade islâmica

*Sergio Telles - O Estado de S.Paulo

As revoltas populares iniciadas na Tunísia, que estimularam as do Egito, ameaçam certamente outros regimes totalitários. Entretanto, é prematuro imaginar a súbita conversão democrática de países tradicionalmente autocráticos, onde a hierarquia de lealdades privilegia chefes de clãs e secundariza o Estado. Dentre eles a maioria árabe islâmica de origem tribal, cuja governabilidade veio sendo viabilizada por meio de ditaduras centralizadoras, a coesão nacional tendendo a ser coercitiva, apoiada pelas Forcas Armadas e leis corânicas de controle da população. Mesmo em nações pluralistas, como o Líbano, o direito de família ainda é regido pelas religiões.
O pan-arabismo de Nasser valeu-se do nacionalismo para reforçar-lhe a liderança dos egípcios. O igualitarismo francês, imposto pela guilhotina, demora na implantação de uma cidadania que a todos obrigue nesses países.
Evidencie-se a exceção da Tunísia, que se modernizou após a independência, em 1956, liderada por Habib Bourguiba. Ele aboliu a monarquia e promoveu um republicanismo laico. Sedentarizou os nômades nas aldeias e cidades, incutindo-lhes deveres cidadãos à francesa. Proibiu a poligamia e propiciou igualdade de direitos às mulheres. Politicamente autoritário, economicamente estatizante, inspirou-se na administração ocidental herdada da França colonizadora. Investiu na saúde e na educação públicas, em todos os níveis e especialidades.
Atento à urgência de atrair investimentos estrangeiros, preocupou-se com exibir uma Tunísia estável e confiável. Para tanto, reprimiu o radicalismo de inspiração iraniana, auxiliado pelo general primeiro-ministro Ben Ali, que destituiu Bourguiba, por senilidade, em 1987. Ben Ali propôs uma reconciliação nacional, libertando prisioneiros políticos, abrandando a censura, introduzindo um multipartidarismo - embora de fachada -, dele excluindo os fundamentalistas.
O atual território tunisiano abrigou diversas civilizações: fenício-cartaginesa, romano-bizantina, árabe, turca e ocidental. Protetorado francês desde 1881, conquistado no âmbito da disputa com os ingleses do espólio de um Império Otomano falimentar e decadente, teve movimentos nacionalistas a partir da Primeira Guerra Mundial. Habib Bourguiba, um dos principais líderes rebeldes, foi preso e deportado em 1938.
Após a Segunda Guerra - que se refletiu na Tunísia ocupada pelo exército alemão, expulso com as batalhas de liberação do norte da África - iniciou-se uma guerrilha independentista, severamente reprimida pelos franceses. A embaixada da República Popular da China em Tunis instalou-se no prédio que acolheu o Estado-Maior de Rommel...
A revolta simultânea na Argélia induziu a França a não dispersar meios para manter o domínio de uma colônia mais rica e promissora do que a Tunísia. Consequentemente, optou por aceitar a sua independência, praticamente inexorável com a derrota em Bizerta, último bastião estratégico que tentou preservar.
Ben Ali prosseguiu com as reformas sociais, favorecendo a classe média, majoritária, com créditos subsidiados para a aquisição de casa própria e até de automóveis. Empenhou-se na melhoria da infraestrutura para o desenvolvimento agrícola, industrial e turístico - este, hoje, com 6 milhões de visitantes ao ano.
Aplaudido pela mesma multidão que o execra, agora, foi reeleito quatro vezes, em 23 anos de mandato. Mesmo que desconfiados das fraudes nos sufrágios em favor de um candidato único, os eleitores não se constrangiam com rumores de corrupção, e o mantiveram no poder, coagidos, mas passivos. Creditam-lhe, como uma das justificativas, dados oficiais que ostentam 90% de escolaridade básica e quase nenhuma mendicância, fatores que distinguem o país numa região de contrastes sociais muito mais graves e evidentes.
Embora mantidos os direitos civil e criminal do Estado laico, o culto islâmico da interpretação moderada do Corão serve ao governo como fator de coesão nacional. Cúmplices, as grandes potências apoiaram o regime de Ben Ali por interesses estratégicos, políticos, religiosos e econômicos, conhecedoras de seus abusos no poder.
Apesar do êxodo, principalmente para a França, de mão de obra mais qualificada e de uma elite liberal dissidente, fortemente vigiada pela polícia secreta, a economia foi prosperando na agricultura de subsistência e de exportação: trigo, cevada, azeitonas, óleo de oliva, tâmaras, carnes e pescados. Os recursos minerais são gás natural, fosfatos (importados pelo Brasil), minério de ferro, chumbo e zinco.
A indústria representava um terço do Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 25 bilhões. Empresas europeias empenhadas em se beneficiar de salários menores do que os de seus operários confiaram aos tunisianos valores agregados a produtos têxteis e metalúrgicos. Investimentos significativos de Portugal, Espanha, Inglaterra, Alemanha e França desenvolveram a fabricação em zonas francas. China e Japão concorrem na construção de pontes e estradas no acesso à capital. Tunis necessita de reforma urgente do sistema de saneamento e vias pluviais.
No entanto, a crise mundial também afetou a Tunísia, reduzindo a oferta de empregos e frustrando os diplomados pelas faculdades criadas por Ben Ali. O choque eletrônico agravou ressentimentos populares com informações sobre o assalto aos magros cofres de um país de pequeno território, mas grandioso em sua milenar relevância histórica.
Coerente, o islamismo tunisiano provavelmente prosseguirá moderado e pacífico, preservando a modernidade que o distingue de alguns parceiros regionais e o prestigia internacionalmente.
*FOI EMBAIXADOR DO BRASIL NA MALÁSIA, NO LÍBANO E NA TUNÍSIA


DEFESA
O vaivém dos caças
A ministra dos Negócios Estrangeiros da França, Michèle Alliot-Marie encontrou-se com a presidente Dilma e o ministro Nelson Jobim (Defesa). Ela disse entender a posição do Brasil, que adiou a decisão sobre a compra dos caças, em que o francês Rafale era favorito. “Entendo que, com exigências orçamentárias, Dilma queira estudar melhor a proposta.”




PRESIDENTE
''Imprensa plural e investigativa é imprescindível'', afirma Dilma
Em festa de 90 anos do jornal ''Folha de S. Paulo'', presidente diz que construção de democracias exige de governos saber conviver com as críticas dos jornais e aceitar diferenças de opinião, de crença e de propostas

Roldão Arruda - O Estado de S.Paulo

Ao discursar na festa comemorativa do aniversário de 90 anos do jornal Folha de S. Paulo, na segunda-feira à noite, a presidente Dilma Rousseff afirmou que considera a imprensa livre "imprescindível" na construção das democracias e que os governos devem saber conviver com as críticas dos jornais.
"No Brasil de hoje, com uma democracia tão nova, todos nós devemos preferir, um milhão de vezes, o som das vozes críticas de uma imprensa livre ao silêncio das ditaduras", assinalou. "Uma imprensa livre, plural e investigativa é imprescindível para um país como o nosso."
Dilma discursou para uma plateia de quase 1.200 convidados, reunidos na Sala São Paulo, na região central da capital paulista. No início de seu discurso, ao saudar as autoridades e políticos presentes, mencionou o vice-presidente, Michel Temer e, indo além do protocolo, saudou também o ex-governador José Serra (PSDB), com quem disputou a eleição no ano passado. Mais tarde, ao sair da festa, conversou rapidamente com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Dilma destacou em diferentes partes de seu discurso a importância, no regime democrático, da convivência das diferenças de opinião, da liberdade de crítica e do direito de se expressar e se manifestar. "A multiplicidade de pontos de vista, a abordagem investigativa e sem preconceitos dos grandes temas de interesse nacional constituem requisitos indispensáveis para o pleno usufruto da democracia, mesmo quando são irritantes, mesmo quando nos afetam, mesmo quando nos atingem", disse.
Mais adiante, voltou a insistir no tema: "O amadurecimento da consciência cívica da nossa sociedade faz com que nós tenhamos a obrigação de conviver de forma civilizada com as diferenças de opinião, de crença e de propostas".
Estavam presentes, entre outras personalidades, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o prefeito da capital, Gilberto Kassab (DEM). Também participaram da comemoração os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Fernando Collor (PTB) e José Sarney (PMDB). A lista de autoridades e personalidades políticas incluía ainda os presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, e da Câmara, Marco Maia (PT).
Em seu pronunciamento, o governador Alckmin também destacou a questão da liberdade de imprensa, dizendo que se trata de um pleonasmo. "A imprensa só é se for livre", afirmou. No mesmo tom da presidente, ele falou sobre o dissenso: "A democracia nos ensina que as sociedades livres estão obrigadas a um único consenso: haver regras civilizadas para o exercício do dissenso".
A comemoração começou com um ato multirreligioso, com representantes de oito religiões (catolicismo, budismo, islamismo, espiritismo, protestantismo, candomblé, judaísmo e armênios apostólicos). No encerramento, a Sinfônica do Estado de São Paulo executou, sob a regência de Isaac Karabtchevsky, a Sinfonia N.º 6 de Villa Lobos.


OPINIÃO
Itaipu: conta extra de R$ 5 bi para o Brasil?

*Claudio Sales - O Estado de S.Paulo

Há o risco iminente de que seja votado na Câmara dos Deputados, ainda nesta semana, o projeto que altera o Tratado de Itaipu e que, se aprovado, custará mais de R$ 5 bilhões para os brasileiros. O líder do governo na Casa apresentou um requerimento de urgência ao Projeto de Decreto Legislativo n.º 2.600/10 com a intenção de inserir a matéria diretamente na pauta do plenário e, com isso, dispensar a instalação da Comissão Especial criada em 2010 para debater o tema e apreciá-lo com maior rigor. A pressa do governo em precipitar essa votação - que, aliás, não tem nada de urgente - preocupa pela falta de transparência em várias frentes. Principalmente quando se sabe que o Brasil não deve nada ao Paraguai e que a maneira mais rápida de prejudicar acordos futuros de integração energética é a quebra de contratos e tratados atuais.
O projeto do governo propõe alterar o Tratado de Itaipu para triplicar o valor pago pelo Brasil ao Paraguai a título de "remuneração por cessão de energia". Se aprovado, os brasileiros pagarão cerca de US$ 240 milhões a mais por ano pela energia proveniente de Itaipu, o que somaria mais de R$ 5 bilhões de reais até 2023, data em que os termos financeiros do Tratado poderão ser repactuados.
Tratados não devem ser objeto de mudanças levianas e oportunistas, principalmente quando surgem de demandas políticas de governos que passam e deixam a conta para os outros. Tratados são estabelecidos entre Estados. O de Itaipu foi firmado entre estadistas brasileiros e paraguaios em 1973 e, por ser uma peça jurídica perfeita, deve ser preservado. Esse tratado foi resultado de uma delicada arquitetura diplomática e financeira desenvolvida para tornar viável esse grande empreendimento que tanto beneficia ambos os países.
Mudanças nos termos pactuados não só dificultam a manutenção do delicado equilíbrio entre as partes, mas também representam um golpe mortal para futuros empreendimentos. Um novo acordo futuro com o calibre e a complexidade de Itaipu pode ser sumariamente descartado se for feita a alteração do Tratado de Itaipu.
No lado do Paraguai, os grupos de pressão, com o apoio de alguns políticos brasileiros, procuram obter mais dinheiro do Brasil com base na defesa da ideia de que o Tratado de Itaipu é "injusto" com o país. Uma falácia. Itaipu, além de fornecer 90% da energia consumida pelos paraguaios, gera receitas anuais de US$ 350 milhões, o que equivale a 15% da receita total paraguaia. E não esqueçamos de que o país obteve tudo isso sem assumir nenhum risco financeiro: todas as garantias para o financiamento de Itaipu foram dadas pelo Tesouro Nacional brasileiro.
No lado de cá, as justificativas apresentadas pelo governo federal e seus representantes no Congresso para alterar o Tratado são apoiadas na tese do aprimoramento das relações bilaterais com o Paraguai. Em nenhum momento aparecem argumentos que indiquem problema com os termos do Tratado de Itaipu. A proposta visa claramente a transferir recursos do Brasil para o Paraguai.
As justificativas são, portanto, de cunho político, e não econômico ou jurídico. O mais triste de toda a história é que, por causa de uma manobra de oportunistas, o Tratado de Itaipu deixará de ser uma peça juridicamente perfeita e diplomaticamente justa.
Mas isso pode ser evitado.
O Brasil não precisa se acanhar diante das pressões paraguaias e pode tranquilamente afirmar que o Tratado foi excelente negócio para nosso vizinho. Com base nessa constatação apoiada em fatos e números, a presidente do Brasil e o nosso Congresso têm a oportunidade de enviar duas mensagens. A primeira é: "Neste país, contratos e tratados são cumpridos, independentemente de pressões políticas". A segunda: "Manter o Tratado de Itaipu é a melhor maneira de "ajudar o Paraguai" e de manter abertas as portas de futuros projetos de integração energética".
Simples assim. Complexo assim.
*PRESIDENTE DO INSTITUTO ACENDE BRASIL - SITE: WWW.ACENDEBRASIL.COM.BR


COMBUSTÍVEIS
Gabrielli descarta alta no preço dos combustíveis
Para presidente da Petrobrás, cotações internacionais do petróleo podem passar por oscilações, mas não há necessidade de repassá-las ao consumidor

Elder Ogliari e Kelly Lima

O presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, voltou a admitir ontem, em Porto Alegre, que as cotações internacionais do petróleo podem passar por algumas oscilações, mas descartou mudanças na política de preços no País.
"Não vamos repassar para o mercado brasileiro a volatilidade do preço internacional", afirmou, durante entrevista coletiva no Palácio Piratini, sede do governo do Rio Grande do Sul.
"Não vejo, nos fundamentos do mercado de petróleo, nada que justifique uma tendência permanente de aumento de preços", destacou o executivo.
Para justificar o raciocínio, Gabrielli lembrou que a produção mundial atual, de 86 milhões a 87 milhões de barris por dia, é pouco superior à demanda de 85 milhões a 86 milhões de barris.
Gabrielli citou ainda a capacidade ociosa da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), de 4 milhões a 5 milhões de barris por dia.
"Não há razões para que o preço seja continuamente crescente. Está crescendo por razões especulativas", comentou.

Praticamente nulo. A alta do preço do barril de petróleo no mercado mundial, por causa dos conflitos no norte da África, tem impacto praticamente nulo no curto prazo para o Brasil, acredita o analista Nelson Rodrigues de Mattos, do Banco do Brasil.
A Petrobrás mantém sua política de não acompanhar as oscilações no mercado exterior, reajustando seus preços de gasolina e diesel - que correspondem a mais de 60% das vendas da companhia. Apenas o querosene de aviação (QAV), a nafta e o óleo combustível são reajustados mensalmente.
"Somente se a crise se prolongasse e o patamar de preços permanecesse por meses, teríamos alguma modificação nos preços internos da gasolina e do diesel. Já a alta dos demais derivados pode ter um impacto indireto em outros setores da economia", avalia Mattos.
Ele destaca que o País também está isento dos impactos de possíveis cortes na produção naqueles países, já que sua importação é derivada especialmente da Nigéria, que está fora da região do conflito.
Segundo o analista, os preços do diesel e da gasolina no mercado interno ainda estão pouco defasados em relação à alta no mercado internacional. "Há uma diferença de 2%, coisa bem distante dos mais de 20% em anos anteriores, que justificaram o aumento", comentou.
A alta volatilidade do preço do barril deverá ser preponderante nos próximos meses no mercado internacional, na opinião de Gabrielli. Anteontem, em evento no Rio, o executivo destacou que a expectativa é de que este "sobe e desce" se prolongue por todo o semestre e até avance um pouco.
Segundo ele, há uma série de incertezas que contribuem para este cenário. A primeira delas é como a Opep vai reagir. "A Opep tem condições de colocar rapidamente 5 milhões de barris por dia no mercado, mas a produção tem estado estável e não dá para saber se eles vão tomar alguma atitude", afirmou.
Ontem ele voltou a atribuir às variáveis geopolíticas e às incertezas quanto à recuperação das taxas de crescimento de grandes economias, como a americana, a europeia e a japonesa, a forte oscilação de preços do petróleo.


AVIAÇÃO
Embraer chega a 19% do mercado executivo

A Embraer informou ontem ter conquistado uma participação de 19% no mercado global de aviação executiva - um crescimento considerável, já que essa participação era de 3% em 2008. Foram entregues no ano passado 145 jatos executivos, 23 a mais que em 2009. Segundo a empresa, foi o maior aumento no número de aviões entregues, em termos absolutos, entre todos os fabricantes no mercado mundial de aviação executiva.


Avião cai sobre casa no Recife; piloto fica ferido

Monica Bernardes e Solange Spigliatti - O Estado de S.Paulo

Dois acidentes com aviões deixaram feridos ontem no Norte e no Nordeste. No Recife, um avião de pequeno porte caiu sobre uma residência, no bairro do Pina. O piloto ficou ferido.
Conforme informações do Corpo de Bombeiros, o avião era experimental e teria sido fabricado na cidade de Caruaru, no Agreste pernambucano. A queda ocorreu por volta das 13h15, mas nenhum dos moradores da residência ficou ferido.
À noite, um avião que transportava 47 passageiros e quatro tripulantes fez um pouso forçado no Aeroporto de Altamira, no Pará. De acordo com a Trip Linhas Aéreas, um passageiro teve ferimentos leves.

Cumbica. Um avião da Lufthansa que ia para Munique teve de retornar ao Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, na noite de anteontem, após apresentar problemas técnicos. De acordo com a Lufthansa, todos os passageiros foram reacomodados em voos na segunda-feira e ontem.


TENSÃO NO ORIENTE MÉDIO
''Pais'' do levante, tunisianos dão apoio a líbios
Jovens de Túnis vão às ruas contra repressão no país vizinho e dão como certa saída de Kadafi; Tunísia recebe famílias de refugiados

Andrei Netto - O Estado de S.Paulo

As declarações do ditador líbio, Muamar Kadafi, prometendo lutar "até o martírio" provocaram revolta em Túnis, capital da Tunísia, onde o governo de Zine al-Abidine Ben Ali foi o primeiro a cair na onda de protestos que se alastra pelo Oriente Médio. Em solidariedade aos vizinhos ao leste, milhares de manifestantes tunisianos se concentraram na manhã de ontem em frente ao consulado da Líbia.
Com palavras de ordem e bandeiras da Líbia anteriores a 1969 (quando Kadafi assumiu o poder) eles gritavam: "Ben Ali, Mubarak, agora Kadafi", enumerando os ditadores árabes já derrubados - com o coronel líbio no mesmo balaio.
Em Ras Djir, maior posto de fronteira com a Tunísia, onde a guarda líbia chegou a ser desmobilizada por algumas horas no domingo, o clima é de alívio entre as centenas de tunisianos que conseguiram deixar o país vizinho.
"Não se sabe ao certo o que está acontecendo no país, mas todos falam que uma carnificina pode acontecer", disse ao Estado Mehdi Charbi, tunisiano que trabalhava no lado líbio.
Quem deixa o país é motivado principalmente por relatos ou rumores que tomou conhecimento. E não raro as informações são totalmente contraditórias.
"O governo está caindo", garante Yannis Masmoudi. "Kadafi está chamando mercenários do Níger, Chade, Gabão e Congo. Não sei se os líbios vão conseguir derrubar o governo", retruca Rayen Cheniour.
Um indício de que o governo já não controla direito o país é o fato de que muitos dos 30 mil tunisianos que vivem na Líbia estão deixando o país sem vistos de saída, normalmente exigidos.

Rumo ao Cairo. No lado oposto do país, na fronteira com o Egito, algumas equipes de jornalistas estrangeiros conseguiram ingressar na Líbia e se dirigiam a Tobrouk, uma das cidades que supostamente está nas mãos dos revoltosos.
Segundo relatos, praticamente toda a faixa de fronteira entre a Líbia e o Egito está fora do alcance das forças de Kadafi. Egípcios deixavam o território líbio com vans, carros e até mesmo charretes, contando histórias de mercenários e bombardeios contra civis desarmados.
"Kadafi está louco. Está ocorrendo um massacre lá", disse à Associated Press Ashraf Mohammed, que trabalha como carpinteiro em Tobrouk. "Estavam abrindo fogo contra civis e crianças. Nos contaram sobre bombardeios. Tenho amigos que não conseguiram fugir!"
As famílias que cruzavam a fronteira Egito adentro afirmavam que os guardas líbios haviam abandonado todos os postos. No lugar dos soldados, milicianos de tribos locais que decretaram guerra ao regime Kadafi controlavam o fluxo de pessoas.
Ainda na Líbia, policiais de trânsito tentavam controlar o fluxo de veículos, gritando para que os carros que levavam refugiados dessem lugar a ambulâncias que queriam passar.
Do lado egípcio da fronteira, militares montaram um hospital de campanha para acolher os cidadãos que fugiam da Líbia. "Há dois milhões de egípcios vivendo em território líbio e muitos deles estão voltando para casa", disse o médico Amin Gabr. "Por enquanto não tivemos casos de ferimentos graves - apenas contusões e ferimentos leves." / COM AP


Apreensão cresce entre brasileiros no país
Avião enviado à Líbia para resgatar cidadãos não obteve autorização para voar

Flávia Tavares - O Estado de S.Paulo

O clima entre os cerca de 600 brasileiros que vivem na Líbia, segundo estimativa do Itamaraty, é de apreensão. Desde que os confrontos começaram - primeiro em Benghazi, agora na capital, Trípoli -, eles vivem a tensa expectativa de sair do país em segurança.
"Nossa empresa disponibilizou um avião em Trípoli, mas ainda não tem autorização para o voo", diz Jórbelin da Silva Serqueira, técnico de saneamento da construtora Queiroz Galvão, que está em Benghazi há 9 meses. Cerca de 90% dos brasileiros na Líbia atuam no setor de construção civil ou petróleo, em empresas como Odebrecht, Andrade Gutierrez, Petrobrás e a própria Queiroz Galvão. "E se eles se arriscam voar e o presidente manda um caça abater o avião?", questiona.
É com esse tipo de temor que os estrangeiros convivem nesse momento. Serqueira está, com mais dezenas de brasileiros, em um hotel distante dos pontos de manifestação de Benghazi, onde, segundo ele, Kadafi não manda mais. "Aqui, a oposição já tomou conta. No domingo, ainda ouvimos muitos tiros, mas agora os revolucionários foram para Trípoli." Ele e os colegas estão seguros, com estoque de comida e acesso a canais internacionais de TV.
O momento de maior tensão foi quando o grupo atravessava a cidade para chegar ao hotel, guiado por um motorista líbio. "Passamos por homens fortemente armados e esse motorista nos disse que eram mercenários, contratados por Kadafi para matar opositores. Foi assustador."

Esportistas. Em Trípoli, a inquietação é maior. Heron Ferreira, técnico do time Al-Ahli, relata que, por causa do toque de recolher, das 16 horas às 9 horas, ele não testemunhou os conflitos. Mas ele e sua família ouvem do condomínio onde moram tiros e helicópteros sobrevoando a cidade desde sexta-feira. "A vida aqui sempre foi maravilhosa até o confronto", diz Ferreira, que tenta embarcar hoje com a mulher e a filha de 6 anos para Roma.
No mesmo condomínio, moram os demais integrantes da comissão técnica do time e outros brasileiros que trabalham com esporte no país, como Marcos Paquetá, técnico da seleção líbia. Ferreira lembra que, no dia 16, antes de os confrontos começarem, Kadafi esteve no clube para inaugurar a nova sede. Cerca de 5 mil pessoas estavam presentes. "Kadafi foi ovacionado. Há muita gente que o apoia por aqui."
Enquanto aguardam, os brasileiros se mantêm informados como podem. Apesar do bloqueio a alguns sites, eles têm conseguido falar com as famílias por Skype.

Retirada. Ontem à noite, o Itamaraty divulgou um comunicado segundo o qual um barco resgatará os funcionários da Queiroz Galvão em Benghazi e os levará a Malta. Segundo o Itamaraty, as embaixadas em Cairo, Roma e Atenas se mobilizaram para resolver a situação dos brasileiros na cidade. O resgate deve ocorrer entre hoje e amanhã. O governo francês colocou à disposição do Brasil dois aviões com autorização de pouso na Líbia, informou ontem a chanceler Michèle Alliot-Marie, após encontro com o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota.
COLABOROU RAFAEL MORAES MOURA


Conselho da ONU condena uso de violência na Líbia
A iniciativa teve o apoio do Brasil, em um sinal de que o governo Dilma está disposto a condenar ditaduras acusadas de violações

Jamil Chade - O Estado de S.Paulo

O Conselho de Segurança da ONU emitiu ontem uma declaração comum de seus 15 integrantes condenando o uso da violência pelo regime de Muamar Kadafi contra a oposição e exigindo uma solução negociada para a crise na Líbia.
O texto de consenso expressa "grave preocupação" e pede o "fim imediato da violência". A Líbia é conclamada ainda a "cumprir a obrigação de proteger sua população".
A iniciativa teve o copatrocínio do Brasil, no que seria o primeiro sinal de que o governo da presidente Dilma Rousseff está de fato disposto a abertamente condenar ditaduras acusadas de graves violações dos direitos humanos.
O Estado obteve informações de que o caos na Líbia levou a uma queda de braço nos bastidores da ONU. Em nome de quase toda a União Europeia, a Grã-Bretanha apresentou um pedido para que as Nações Unidas convoquem uma reunião especial do Conselho de Direitos Humanos, na qual uma proposta de investigação dos abusos seria colocada em votação. O debate deverá ocorrer na sexta-feira. O governo italiano de Silvio Berlusconi, amigo pessoal do ditador Muamar Kadafi, não decidiu se vai apoiar o pedido.
Mas foram dos governos árabes, africanos, Cuba e Venezuela que veio a maior resistência. Eles não aceitam o estabelecimento da investigação nem mesmo de uma reunião especial do Conselho de Direitos Humanos sobre o assunto. Assim, a proposta de convocação da reunião não foi assinada nem por Bahrein, Arábia Saudita, Líbia e Paquistão. A Jordânia foi a única da região a aceitar a reunião.

Mudança. A diplomacia brasileira apoiou a iniciativa dos britânicos, confirmando uma mudança importante em relação à posição do governo Luiz Inácio Lula da Silva no tratamento de direitos humanos na esfera internacional. Cuba, Venezuela não apoiaram a reunião. Na ONU, a posição brasileira havia sido alvo de polêmica e a presidente Dilma havia prometido que mudaria de posição. O Brasil havia apoiado os governos do Irã, Coreia do Norte, Sudão e outras ditaduras, provocando uma reação negativa por parte da opinião pública mundial.
Por princípio, o Brasil era contra a ideia de "singularizar" um país por violações aos direitos humanos, alegando que tal proposta apenas isolaria ainda mais o regime. Por isso, absteve-se em praticamente todas as votações que condenavam violações dos direitos humanos.
A posição acabou desgastando o país e levando a duras críticas contra o Itamaraty por parte de países democráticos e vencedores do prêmio Nobel da Paz. Em 2003, o ex-presidente Lula escolheu a Líbia como uma de suas primeiras viagens internacionais, o que foi alvo de críticas.
Considera-se que o primeiro teste real virá na sexta-feira, quando uma resolução contra a Líbia deve ser colocada em votação e o Brasil será obrigado a se posicionar. A declaração do Conselho de Segurança tem valor simbólico, mas mostraria que o órgão máximo da ONU está disposto a agir contra Kadafi.

Relações suspensas. O Peru anunciou ontem a suspensão de suas relações diplomáticas com a Líbia, tornando-se o primeiro país a tomar esse tipo de medida após a repressão dos manifestantes.
COLABOROU DENISE CHRISPIM MARIN


EUA mantêm-se cautelosos sobre reação diplomática

Denise Chrispin Marin - O Estado de S.Paulo

Pouco antes da obtenção de um consenso na votação do Conselho de Segurança que condenou a Líbia pela repressão aos manifestantes que protestam contra o regime de Muamar Kadafi, a secretária de Estado, Hillary Clinton, tinha se esquivado ontem de apresentar a posição americana na sessão. Ela indicou, porém, a intenção de não apoiar medidas unilaterais. "Quando tivermos uma maior compreensão do que realmente está acontecendo, nós tomaremos as medidas apropriadas conforme nossas políticas, valores e leis. Mas nós teremos de trabalhar junto com a comunidade internacional", afirmou.
Sem meios para interferir na crise líbia, o governo americano expressou preocupações maiores com a segurança de seus cidadãos no país, especialmente com diplomatas que não conseguiram retornar aos EUA. O presidente americano, Barack Obama fez ontem dois discursos em Cleveland e concedeu uma rápida entrevista a meios locais. Entretanto, não mencionou a repressão aos manifestantes na Líbia. Hillary voltou a "condenar fortemente" a violenta reação do regime às manifestações. Mas deixou claro que a situação dos americanos no país era o foco da sua preocupação. "Agora, como sempre, a segurança e o bem-estar dos americanos têm de ser nossa prioridade", afirmou à imprensa. O porta-voz do Departamento de Estado, Philip Crowley, disse que os EUA estão negociando o embarque e 35 funcionários da embaixada em Trípoli.


VISÃO GLOBAL
Egito fala em rever acordo com Israel
A chamada ''paz fria'' entre os dois países está cada dia mais fria após queda de Mubarak e dos eventos pós-protestos

*Edmund Sanders e Batsheva Sobelman, Los Angeles Times - O Estado de S.Paulo

A chamada "paz fria" de Israel com o Egito parece mais fria a cada dia que passa. Ontem, pela primeira vez desde a Revolução Iraniana, em 1979, o Egito permitiu a passagem de dois navios de guerra iranianos pelo Canal de Suez. Durante um ato religioso realizado na sexta-feira na Praça Tahrir, no Cairo, o clérigo contrário a Israel Yusuf al-Qardawi - que acaba de voltar ao Egito do exílio - pediu a "conquista" da mesquita al-Aqsa em Jerusalém Oriental, o terceiro local mais sagrado do Islã, tomado por Israel na Guerra dos Seis Dias de 1967.
Além disso, os fornecimentos de gás natural para Israel, Jordânia e Síria continuam suspensos desde que desconhecidos tentaram, no início do mês, explodir o gasoduto na Península do Sinai. Um organizador dos protestos que derrubaram o presidente Hosni Mubarak do Egito disse, na semana passada, que seu grupo se opõe à retomada das exportações para a "entidade sionista". Embora os israelenses tenham se acalmados depois que os militares egípcios garantiram que acordos internacionais como o tratado de paz egípcio-israelense de 1979 serão honrados durante o governo interin, líderes da oposição no Egito falam da necessidade de "reavaliar" ou "rever" o pacto histórico.
Alguns israelenses temem sinais de uma reação contra Israel depois de décadas de hostilidades mal contidas nas ruas egípcias, onde muitos ainda consideram Israel um inimigo. "Devemos lembrar que muitos dos jovens egípcios que protestaram nas ruas exigindo democracia e prosperidade são antiamericanos e anti-israelenses", disse Michael Laskier, professor de Estudos sobre o Oriente Médio da Universidade Bar-Ilan. "É possível que queiram acertar contas com ambos."
Mesmo que o próximo governo do Egito opte por manter o tratado de paz, muitos israelenses temem que um futuro Egito democrático decida seguir o exemplo da Turquia, outrora aliada de Israel, que no ano passado rompeu as relações diplomáticas.
Embora o tratado de paz exija que o Egito conceda a Israel a passagem através do canal e procure impedir que elementos hostis ataquem Israel de algum ponto atrás das fronteiras egípcias, outras formas de cooperação não fazem parte do acordo.
Além de acabar com as exportações de gás natural, que agora representam cerca de 40% dos fornecimentos de Israel, um futuro governo egípcio poderá interromper sua assistência suspendendo o fluxo de imigração africana através do Egito para Israel ou de armas para a Faixa de Gaza, sem violar as condições do tratado, dizem especialistas.
"A total abolição do tratado de paz põe em risco a importante ajuda americana", disse Laskier. "Portanto, talvez um novo regime faça de tudo para evitar enfurecer o governo Obama não comprometendo a paz, mas tampouco preservando-a. O tratado de paz poderia perder força ou mesmo seu sentido." /
TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

*É CORRESPONDENTE EM ISRAEL
É JORNALISTA
TEL-AVIV
Israel silencia após iranianos cruzarem Suez
Navios de guerra do Irã usam passagem egípcia pela primeira vez desde a revolução de 1979

Os líderes israelenses mantiveram um tenso silêncio ontem, depois do anúncio de que dois navios de guerra iranianos passaram pelo Canal de Suez e entraram no Mar Mediterrâneo na direção da Síria. Anteriormente, Tel-Aviv havia descrito a ação como uma provocação.
Um funcionário do governo israelense afirmou que a passagem das embarcações pelo canal deixou uma nova "pegada na região". Nenhuma embarcação do Irã havia usado a passagem desde 1979, quando o país realizou sua Revolução Islâmica. Sem poder se identificar, a fonte acrescentou que, dada a presença do Hezbollah ao norte de Israel e do Hamas ao sul - ambos apoiados pelo Irã -, o episódio causa grande preocupação .
As barcos iranianos não deveriam entrar no mar territorial de Israel, mas sua jornada entre a saída do Canal de Suez e a Síria ainda os tornam os navios de guerra iranianos a mais aproximar-se do país na história recente. Tel-Aviv afirmou que iria monitorar a movimentação.
À agência estatal Irna, a república islâmica declarou que os navios deveriam atracar em um porto sírio "nos moldes dos encontros fraternais entre os dois países", em uma mensagem destinada, aparentemente, a acalmar os ânimos. Citando uma fonte não identificada, a agência disse que tais visitas a países amigos são "usuais" e têm como alvo a "cooperação bilateral".
Mais cedo ontem, um funcionário do ministro da Defesa israelense, Ehud Barak, disse que Israel, obviamente, não estava nada satisfeito com esse desdobramento.
Mas ele reiterou a opinião de Barak declarada à Fox News na semana passada de que, apesar de a ação não ser bem-vinda por Tel-Aviv, não deve ser superestimada.
Barak falou com a imprensa ontem, mas não mencionou as embarcações iranianas. Disse, porém, que um novo escudo antimísseis, o Arrow 2, acabara de realizar um teste bem-sucedido, derrubando um míssil que representava as "futuras ameaças" que Israel poderá enfrentar, em clara referência a armas que poderiam ser disparadas contra Tel-Aviv por inimigos como o Irã. O premiê israelense, Binyamin Netanyahu, disse no domingo que o movimento iraniano é "extremamente grave".
NYT


DESASTRE NATURAL
Terremoto mata 75 na Nova Zelândia
Equipes de resgate tentam encontrar sobreviventes sob os escombros em Christchurch, onde há mais de 300 desaparecidos

Membros das equipes de resgate enfrentaram uma fria noite de chuva vasculhando, com a ajuda de cães farejadores e escavadeiras, os escombros em busca de sobreviventes após o poderoso terremoto de 6,3 graus na escala Richter que atingiu ontem a segunda maior cidade da Nova Zelândia, Christchurch, matando ao menos 75 pessoas, segundo números oficiais.
Algumas pessoas gritavam sob os escombros dos prédios. Uma mulher soterrada usou seu telefone celular para ligar para seus filhos e despedir-se. Fotografias e vídeos de Christchurch, uma graciosa cidade do século 19 de quase 400 mil habitantes, mostravam pessoas correndo pelas ruas, deslizamentos despejando rochas e destroços nas vias e amplos danos aos edifícios. Testemunhas relataram a queda da torre da Catedral de Christchurch.
Representantes do governo alertaram que o número de mortos deve aumentar, pois havia mais de 300 desaparecidos, alguns dos quais poderiam estar presos nos escombros de muitos edifícios que desabaram com a força do terremoto de 6,3 graus e dos tremores secundários que ainda abalam a cidade.
"Número significativo". "Acho que os habitantes desta cidade devem se preparar para um número de mortos possivelmente significativo", disse aos repórteres o prefeito Bob Parker pouco depois de declarar estado de emergência e ordenar a retirada do centro da cidade. Centenas de moradores assustados amontoaram-se em abrigos temporários.
Parker pediu aos moradores que se preparassem para passar uma noite sem eletricidade nem água encanada. Alimentos e água potável seriam trazidos à cidade durante a noite, disse ele.
A missão de resgate estava sendo prejudicada pelos repetidos tremores secundários de magnitude considerável e pelo clima úmido e frio da noite.
O primeiro-ministro John Key disse que a extensão do estrago ainda era desconhecida, mas que a Nova Zelândia tinha vivido "seu dia mais sombrio", assim como um de seus piores desastres naturais.
"Trata-se de uma completa tragédia para esta cidade, para a Nova Zelândia e para o povo com o qual tanto nos importamos", disse ele à TVNZ, emissora nacional de TV. "As pessoas estão sentadas na calçada, desesperadas, com a cabeça entre as mãos. A comunidade está em total agonia."
Alguns centros de triagem e clínicas de emergência foram improvisados em toda a cidade para atender ao fluxo de vítimas. Representantes do governo dizem que a principal instalação médica da cidade, o Hospital de Christchurch, estava se preparando para receber muitos mortos e feridos. Alguns foram transportados por via aérea até hospitais fora da zona do terremoto.

Falta de ambulâncias. Na tarde de ontem, representantes do governo disseram que não havia ambulâncias suficientes na cidade. Vídeos gravados no local mostravam trabalhadores de um escritório carregando seus colegas feridos a bordo de caminhonetes e veículos mais possantes. O aeroporto de Christchurch foi fechado, e sua página na internet anunciou a reabertura na manhã de hoje apenas para voos domésticos.
Imagens da emissora 3 News New Zealand mostravam equipes de emergência tirando vítimas feridas de edifícios danificados, entre eles um prédio de quatro andares, o Pine Gould Guinness, que foi praticamente arrasado. Os três andares superiores do prédio, construído na década de 60, desabaram enquanto trabalhadores apavorados corriam para se esconder sob as mesas. Vídeos mostravam uma mulher se segurando ao teto enquanto funcionários dos serviços de emergência usavam um guindaste para resgatá-la. "Havia um homem no segundo andar enterrado até a cintura nos escombros", disse à TV um sobrevivente do edifício Pine Gould.
TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL - NYT
FONTE: EJORNAL ESTADO DE SÃO PAULO


Nenhum comentário:

Postar um comentário