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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

24 de fevereiro de 2011 - ESTADO DE SP


DESTAQUE DE CAPA
Governo repete vitória no Senado e mínimo de R$ 545 valerá em março
Valor proposto por Dilma passa sem dificuldades pelo teste do Senado; PT enquadra Paulo Paim, que ameaçava votar contra, mas PMDB, com cinco dissidências, não repete coesão demonstrada por seus parlamentares na aprovação na Câmara

Eduardo Bresciani, Rosa Costa e Andrea Jubé Vianna - O Estado de S.Paulo

Em apenas três semanas o governo conseguiu vencer seu primeiro grande desafio no Congresso Nacional exercendo sua ampla maioria na Câmara e no Senado e aprovou o valor de R$ 545 para o salário mínimo. Na votação de uma emenda que elevava o valor do mínimo para R$ 560, ontem à noite no Senado, o governo conseguiu 54 votos dentre os 81 parlamentares da Casa e derrubou a proposta. A sanção deve ocorrer nos próximos dias para o novo salário passar a valer já em março.
Se na Câmara o PMDB passou no teste de fidelidade dando todos os seus votos à proposta da presidente Dilma Rousseff, no Senado o PT enquadrou o gaúcho Paulo Paim e entregou todos os seus 15 votos ao governo.
No PMDB do Senado, somente Jarbas Vasconcelos (PE) e Roberto Requião (PR) votaram contra o governo entre os 19 senadores da bancada. Jarbas é dissidente histórico e Requião, apesar de votar contra o Planalto, subiu à tribuna para dizer que é governista. Os peemedebistas Luiz Henrique (SC), Casildo Maldaner (SC) e Pedro Simon (RS) se abstiveram. Além dos R$ 560, propostos pelo DEM, foram realizadas mais duas votações nominais na sessão, todas vencidas com tranquilidade pelo governo. Na de R$ 600 o placar foi de 55 a 17 contra o valor, com cinco abstenções. Numa emenda que tentava retirar do texto a permissão de reajustes por decreto até 2015 o placar foi de 54 a 20 a favor do desejado pelo governo.
Na tribuna, governistas e oposicionistas repetiram os argumentos usados na Câmara. Algumas surpresas surgiram, como o pronunciamento de Pedro Taques (PDT-MT) contra o governo e o da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), que anunciou um voto pela sua "consciência" e se absteve nas duas votações sobre o valor, não acompanhando a oposição. A outra dissidente já era conhecida, a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS), que votou a favor do mínimo maior.

Cargos. Superada a pauta do mínimo, os líderes da base aliada acreditam que a partir da próxima semana pendências sobre as nomeações para o segundo escalão da administração federal começarão a ser resolvidas. O PMDB busca cargos no setor elétrico e em bancos públicos. Os nomes do ex-ministro Geddel Vieira Lima e do ex-governador José Maranhão estão na mesa para cargos na Caixa Econômica Federal. Orlando Pessuti, ex-governador do Paraná, pode ser encaixado na vice-presidência de governo do Banco do Brasil. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), trabalha para pôr no comando da Eletronorte o aliado José Antônio Muniz Lopes, ex-presidente da Eletrobrás.
O PT, à frente da maior parte do ministério, quer manter sua preponderância no segundo escalão. O foco do partido são áreas que possam trazer dividendos nas eleições municipais do próximo ano.
Derrotado nas eleições para o Senado, o ex-deputado Cláudio Vignatti, por exemplo, pode ficar com a presidência da Eletrosul. Outros partidos também pretendem fazer valer seus desejos. O PDT, que precisou conter uma rebelião na Câmara para ficar ao lado do governo, tentará agora emplacar o ex-senador Osmar Dias na vice-presidência de agronegócio do Banco do Brasil.
A compensação aos aliados virá também em "prestígio". Paulo Paim, que ameaçava votar contra o governo, foi chamado ao Palácio do Planalto para conversar com a presidente. Saiu de lá votando a favor dos R$ 545 e dizendo ter uma promessa de debate com o governo de bandeiras de sua campanha, o fim do fator previdenciário e o reajuste de aposentados que ganham acima de um mínimo.


NOTAS & INFORMAÇÕES
Da água para o vinho

Os assessores da presidente Dilma Rousseff repetem a toda hora que a diferença entre ela e o antecessor Luiz Inácio Lula da Silva é de estilo, não de substância. Pelo menos numa área crucial para um país como o Brasil - a política externa - o que se acaba de ver é outra coisa: uma mudança substancial, da água para o vinho. Inicialmente, os desconfiados podiam atribuir ao feminismo e à condição de ex-presa política da ainda presidente eleita a sua crítica aberta à recusa brasileira, no ocaso da era Lula, de condenar o Irã na ONU por graves violações de direitos humanos, notadamente no episódio da viúva Sakineh Ashtiani, condenada ao apedrejamento por suposto adultério e cumplicidade na morte do marido. A menos de um mês da posse, numa entrevista ao Washington Post, Dilma assegurou que a sua posição não iria mudar quando estivesse na cadeira presidencial. A promessa acaba de passar por seu primeiro teste.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas, sob a presidência da brasileira Maria Luiza Ribeiro Viotti, condenou anteontem por unanimidade o regime do coronel Muamar Kadafi pela selvagem repressão contra a população líbia, na tentativa de dar fim às manifestações pela sua derrubada do poder em que se instalou há 41 anos. O colegiado também exigiu uma solução negociada para a crise no país. O Brasil foi um dos patrocinadores do texto aprovado. Mais do que isso, sustentou a iniciativa da Grã-Bretanha, em nome da União Europeia, para que o Conselho de Direitos Humanos da ONU, em reunião extraordinária afinal marcada para amanhã, em Genebra, abra uma investigação sobre as atrocidades perpetradas pela tirania líbia. Previsivelmente, trabalharam contra a proposta - e a mera convocação do Conselho - os países árabes (exceto a Jordânia), africanos, Cuba e Venezuela.
Para ficar na última exibição de opróbrio da diplomacia lulista, em novembro último, ao se abster de condenar o Irã, o Brasil se alinhou com esses mesmos regimes, além da própria Líbia. Com Kadafi, o brasileiro tinha cevado relações quase tão próximas quanto as que mantém com os irmãos Castro e o caudilho Hugo Chávez. Em dezembro de 2003, quando ainda não havia completado um ano no Planalto, Lula teve em Trípoli o primeiro de seus quatro encontros com o tirano homicida. Numa tenda estritamente vigiada por soldados armados com metralhadoras, Lula afirmou que jamais esqueceu "os amigos que eram meus amigos quando eu ainda não era presidente". Não se tratava de negócios; era mesmo pessoal. Não admira que, de volta à Líbia, passados 6 anos e mais um encontro, daquela vez na Nigéria, Lula o saudasse como "amigo e irmão". Tampouco admira que, na boataria sobre a fuga de Kadafi, o Brasil tenha sido citado como um dos seus possíveis destinos, depois da Venezuela.
Pode-se apostar 1 milhão contra 1 tostão, portanto, que, se a tempestade de areia que varre o mundo árabe e engolfou a Líbia tivesse estalado quando Lula se tostava ao sol de sua popularidade e Dilma presidente ainda era uma miragem, o então chanceler Celso Amorim aceitaria de bom grado a instrução do chefe para minimizar a matança ordenada pelo "amigo e irmão". E o Brasil estaria na companhia de sempre ao lado dos opressores. Como a história não se escreve como Lula provavelmente teria apreciado, no seu lugar está uma defensora sem meios termos dos direitos humanos, e no lugar de Amorim está um chanceler, Antonio Patriota, que não poderia ter sido mais firme ao exprimir publicamente, mais de uma vez, o repúdio cabal do Planalto às atrocidades na Líbia.
Na terça-feira, enquanto a delegação do Brasil fazia a coisa certa na sede das Nações Unidas em Nova York, em Brasília, numa entrevista ao lado da colega francesa Michèle Alliot-Marie, o chefe da diplomacia brasileira usava as palavras certas - "inadmissível, inaceitável" - para qualificar a violência hidrofóbica de Kadafi contra manifestantes desarmados. O ensandecido Kadafi está submetendo o seu povo a sofrimentos sem paralelo nos 87 anos de vida independente da Líbia. Mas isso deu objetivamente à presidente Dilma a oportunidade de romper com uma política externa que só serviu para envergonhar o País na comunidade das nações democráticas.


ESPAÇO ABERTO
A cor da gata e a morte do rato

*Alexandre Barros - O Estado de S.Paulo

Desculpe, dona Solange, não se ofenda. A gata é a senhora. Mas, lendo o artigo, verá que o título foi por boa causa. Em 2007 a crise aérea rivalizou com a seleção brasileira: todos tinham opiniões, diagnósticos e estratégias. O ministro da Defesa disse que o caos aéreo seria resolvido. Poucos problemas: recapear as pistas e um novo presidente para a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Disse ele que, na aviação civil, a cor da gata era irrelevante. O importante era que ela matasse o rato.
Dona Solange chegou à presidência da Anac e as coisas pareceram começar a funcionar. De colete amarelo ela foi para a frente de batalha. Tudo parecia encaminhado e resolvido. As múltiplas vaidades envolvidas na administração do transporte aéreo civil pareciam engolidas pela decisão, energia e exemplo de dona Solange. Faltavam duas coisas simples, mas raras: gestão e energia. Dona Solange chegou com ambas. Que pena, a cosmética foi feita, mas não adiantou muito. Filas aumentaram e atrasos também. Culparam os pobres, que começaram a viajar demais.
Minha animação levou um banho de água fria na entrevista que a senhora concedeu a Miriam Leitão no programa Espaço Aberto em 17 de fevereiro de 2011, três anos depois de ter assumido o cargo e já dele saindo. Sua primeira afirmação, de que não há barreiras para a entrada de novas empresas aéreas no Brasil, me deixou pasmo. Por que será que só temos 7 ou 8 empresas aéreas? Faltam iniciativa e inventividade aos empreendedores brasileiros ou há alguma coisa oculta?
Segundo, a senhora disse que fechou os escritórios da Anac nos aeroportos porque tinham pouca utilidade. Eles eram ocupados por pessoas terceirizadas que pouco entendiam de aviação e a maioria das multas aplicadas às empresas acabava não se sustentando por falta de base legal. Ergo, eram inúteis. A senhora enfatizou, também, que o objetivo da Anac é ser autossuficiente, cobrando por serviços e aplicando multas. E mais, a senhora disse que as multas aplicadas pela Anac subiram de cerca de R$ 800 mil, em 2007, para R$ 17 milhões, em 2010, e isso era um bom sinal no caminho da Anac para a autossuficiência.
Os passageiros, entretanto, não têm com quem reclamar porque os escritórios não existem mais. A saída foi criar um 0800. Parece o candidato a presidente José Serra em 2002: abordado por uma moradora de uma área de baixa renda, mal ouviu a pergunta e sugeriu à eleitora que lhe mandasse um fax? Suponho que as pessoas, quando reclamam no 0800, recebem um número de protocolo. Lamento, dona Solange, mas sou descrente de que algo de bom vá ocorrer por essa via. Quando recebo esses números, monto um jogo da Mega Sena, invisto R$ 2 e ganho, de verdade, dois ou três dias de sonho a respeito do que farei com o prêmio da Mega Sena, caso o ganhe. Com os números de protocolo das agências não ganho nem as alegrias do sonho.
Considerar o aumento das multas um dos objetivos da Anac é um tapa na cara do passageiro. Só falta a agência fazer como o motorista de táxi de Salvador que, perguntado por um executivo apressado se não poderia andar mais rápido, respondeu: Meu rei, a pressa é toda sua! Mais desconsolador foi ouvir a senhora confessar humildemente (e notei que a senhora baixou o tom de voz) que uma entidade pública como a Anac tem uma série de limitações e? reticências.
Eu me lembrava da senhora de colete de serviço, dando a cara nos aeroportos e mostrando que havia alguém encarregado de tentar resolver problemas, dando aos viajantes a noção personificada de que havia alguém à frente do processo. Por essas e outras não me animei quando o presidente Lula anunciou o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, composto de empresários e pessoas bem-sucedidas, para ajudá-lo a governar melhor. Desse mato não saiu nenhum coelho. Não por que as pessoas que lá estavam não eram competentes, mas porque as limitações que a burocracia impõe aos que resolvem desafiá-la são implacáveis. Nada anda.
Circulou a notícia de que a presidente Dilma queria levar o empresário Jorge Gerdau Johannpeter para o governo, na esperança de que ele fosse capaz de desatar uma série de nós burocráticos. Como não se falou mais no assunto, acho que ele não aceitou. Aliás, melhor assim. Tomara que ele continue a comprar e a montar siderúrgicas mundo afora, administrando-as com critérios empresariais seus e de seus executivos. Para que correr o risco de ser um Gulliver em Lilliput? Apesar do seu tamanho em matéria de competência e de seu gigantismo em matéria empresarial, por que entrar numa situação em que ficaria atado por milhares de anões cujo princípio básico é não mudar nada, sobretudo para não correr riscos?
Pode ser que haja muita coisa errada com a educação no Brasil (e há) quando se diz que ela não educa as pessoas para serem competitivas. Mas essa ausência de educação adequada não é o único empecilho. Mais do que isso é a plêiade de normas burocráticas governamentais que tudo tenta regular para reduzir os riscos de mudança (toda mudança é ameaçadora?). Então, de uma vez por todas, gostaria de ajudar a jogar uma pá de terra na crença dos governantes de que conseguirão ser mais eficientes se levarem mais empresários eficientes em empresas privadas para dentro do governo.
O que conseguiremos será apenas um desperdício de talentos que mais bem aplicados estão crescendo com suas empresas, gerando empregos, lucro e multiplicando seus benefícios do que sendo atados ao chão como Gulliver, impedidos de levar a eficiência a que estão acostumados para um ambiente que recompensa os que nada fazem. A última frustração, dona Solange, foi a senhora não ter dito - mas, honestamente, eu não esperava: "parabéns, passageiro, a multa é toda sua?"
Boa sorte no novo cargo.
*CIENTISTA POLÍTICO, É DIRETOR GERENTE DA EARLY WARNING: RISCO POLÍTICO E POLÍTICA PÚBLICAS (BRASÍLIA)


FÓRUM DOS LEITORES

AEROPORTOS
Aumentos escandalosos
Se no Brasil não temos uma ditadura no plano político, temos uma no econômico. Digo isso a propósito do absurdo aumento das tarifas aeroportuárias, que entrará em vigor a partir de 14 de março, tanto nos voos domésticos quanto nos internacionais. As tarifas de embarque nos voos domésticos sofrerão aumento de 5% e nos voos internacionais, de 4,69%. Mas ainda deve ser repassado aos passageiros o aumento nas taxas de operação das companhias nos aeroportos - diferenciadas por aeroportos, tipos de aeronave e horários. Esses acréscimos escandalosos poderão chegar a absurdos 309% (caso de Guarulhos e Congonhas em horário de pico). Isso obviamente se vai refletir no custo da passagem. Não importa que a medida seja inspirada pelo objetivo de forçar a utilização de aeroportos ociosos ou os voos fora de horários de pico. O que importa é o exercício autoritário do poder estatal, que faz decretar um reajuste elevadíssimo sem aviso nem consulta prévios e de vigência quase imediata. Uma empresa privada não pode fazer isso, porque atua num ambiente concorrencial. O governo federal, não. Mas ninguém reclama e assim o Estado - com os políticos, os milhares de funcionários e burocratas, as empresas estatais e os inúmeros grupos e grupelhos que gravitam em torno dele - avança cada vez mais sobre a sociedade, servindo-se dela em vez de servir a ela.
PAULO AFONSO DE S. AMARAL - drpaulo@uol.com.br - São Paulo

Mau serviço
Não haveria problemas no aumento das tarifas dos aeroportos se o serviço fosse equivalente. Em Cumbica temos banheiros entupidos e lavatórios quebrados, sem nenhuma manutenção. Os usuários são tratados sem o mínimo respeito.

HERMANN WECKE - São Paulo


DORA KRAMER

Falso parâmetro
É má-fé ou falta de informação a alegação do Poder Executivo de que uma proposta de reposição salarial feita pelo Supremo Tribunal Federal ao Congresso servirá de parâmetro para o julgamento da ação de inconstitucionalidade que a oposição apresentará contra a ideia de reajustar o valor do salário mínimo por decreto até o fim do governo Dilma Rousseff.
Como diria aquele petista dublê de réu do mensalão e assessor do ministério da defesa: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
Primeiro, porque a proposta do STF para o reajuste dos ministros foi um ato administrativo. Não decorreu de decisão judicial e, portanto, é passível de contestação jurídica. Não há entre os ministros da corte unanimidade sobre a constitucionalidade do pleito.
Segundo, porque está em tramitação desde agosto de 2010 na Câmara e até agora só foi examinada pela Comissão do Trabalho. Nem sequer recebeu um parecer da Comissão de Constituição e Justiça. Quer dizer, para efeitos legais não existe, não podendo servir de parâmetro ou tida como jurisprudência para coisa alguma.
Em terceiro lugar, a proposta do STF fala de reposição salarial com base no artigo 37 da Constituição, que prevê a revisão anual dos subsídios, mas submete esse reajuste à autorização anual do Congresso com base nos limites estabelecidos pela Lei Orçamentária. Ou seja, nem de longe se refere a decisões que excluam a instância congressual. Ao contrário, vincula ao Orçamento aprovado pelo Legislativo.
Ademais, sem entrar no mérito da solicitação do Supremo ao Congresso, os subsídios dos ministros não estão constitucionalmente submetidos à necessidade da existência de uma lei específica.
No artigo 7 da Constituição está dito com clareza meridiana que o salário mínimo deve ser "fixado em lei" com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo.
Ora, quem garante que os reajustes anuais dos próximos anos baseados nos critérios estabelecidos no projeto de lei que fixa a política do mínimo - a variação do PIB dos dois últimos anos, mais a inflação do ano anterior - atenderão ao pré-requisito da preservação do poder aquisitivo do salário anterior?
A base governista desta vez aprovou sem problemas o que propôs o Planalto. Mas estamos apenas no segundo mês do governo: quem disse que a situação será sempre politicamente tão favorável?
Ainda assim, a maioria do Legislativo concorda em entregar sua prerrogativa de decidir ao Executivo.
Ocorre que o cumprimento da Constituição não é uma escolha, mas um imperativo. Se a oposição recorrer mesmo ao Supremo, a ação encontrará na corte um ambiente fértil ao entendimento de que o estabelecimento do valor do mínimo por decreto usurpa prerrogativa do Parlamento.
"Interna corporis". No dia seguinte à festa em comemoração pelos 90 anos do jornal Folha de S. Paulo houve uma série de manifestações irritadas - principalmente na internet - de petistas e/ou simpatizantes por causa da presença da presidente Dilma Rousseff na celebração.
Indignados com o que foi interpretado como um gesto de apreço ao "PIG", partido da imprensa golpista como os mais exaltados supõem estarem sendo criativos e ao mesmo tempo agressivos com a imprensa profissional (lato e stricto sensu), não se conformavam com a "submissão".
Qual submissão? O atendimento civilizado a um convite institucional? Ou talvez o problema real tenha sido o teor do discurso da presidente, mais uma vez considerando "imprescindível" a existência de uma imprensa pluralista, livre e investigativa na democracia.
Preferiam o embate permanente do antecessor. Embate este, seletivo. Pois quando o interessava Lula não perdia solenidades semelhantes nem a chance de atribuir o êxito de sua carreira à liberdade de imprensa.
Constatação. Itamar Franco está melhor como senador do que esteve como presidente. Deu um banho.


CONSELHO DE SEGURANÇA
Hillary evita apoiar pleito do Brasil na ONU
Secretária de Estado dos EUA encoraja País a lutar por vaga no Conselho de Segurança, mas não oficializa respaldo americano à ambição brasileira

Denise Chrispim Marin - O Estado de S.Paulo

Ao lado do chanceler Antônio Patriota, a secretária americana de Estado, Hillary Clinton, encorajou o Brasil a continuar seus esforços para integrar o Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) como membro pleno no futuro. Mas não deixou escapar nenhum sinal de apoio de seu país ao pleito brasileiro. A declaração da secretária antecipou a provável resposta do presidente Barack Obama, que fará sua primeira visita ao Brasil nos dias 19 e 20 de março.
"Nós admiramos muito o papel do Brasil como líder global e sua aspiração de ser membro permanente do Conselho de Segurança", afirmou a secretária. " Esperamos manter um diálogo construtivo com o Brasil sobre a reforma do Conselho", afirmou Hillary, ao ser questionada pela imprensa se as posições brasileiras sobre o programa nuclear iraniano no ano passado ainda seriam um obstáculo a esse pleito. "Acreditamos que há muitas áreas multilaterais nas quais o Brasil pode demonstrar sua liderança e damos apoio a esses esforços."

Outro compromisso. Hillary não esperou a resposta de Patriota, sob o pretexto de estar atrasada para uma reunião com o presidente Barack Obama. Seus assessores, entretanto, anotaram a discreta cobrança do chanceler brasileiro sobre a promessa feita pelo presidente americano em Nova Délhi, em 2009, de engajar seu governo na reforma do Conselho de Segurança.
Patriota insistiu que o governo brasileiro pretende contribuir com a solução de questões desestabilizadoras da ordem mundial, como a do Irã. "Na medida em que há um apreço ao trabalho que o Brasil vem fazendo no Conselho de Segurança, estamos muito bem posicionados aqui nos Estados Unidos", afirmou o ministro.
O país já demonstrou apoio explícito à ascensão do Japão e da Índia à posição de membros plenos do Conselho. O antigo suporte à Alemanha nunca foi reiterado por Obama. Ao Brasil, o apoio em curto prazo tornou-se inviável desde o voto contrário do País às sanções adicionais do Conselho de Segurança ao Irã, em junho passado.
Hillary Clinton destacou que o governo brasileiro obedeceu à decisão final e aplicou a nova retaliação. A secretária avaliou, no entanto, que para o governo americano a atitude não é suficiente, já que não permite uma visão clara do comportamento do Brasil como membro pleno do órgão mais relevante na área de segurança mundial.

REFORMA PARADA

Clube restrito
Os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU são Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido

Poderes
Membros permanentes do Conselho têm poder de veto sobre todas as deliberações do órgão

Lobby
As transformações geopolíticas das últimas décadas levaram a ONU a discutir a ampliação do conselho. Brasil, Japão, Alemanha e Índia reivindicam assentos permanentes, mas enfrentam a oposição de vizinhos e das grandes potências


Documentos dos EUA citam crises do PT

Telegramas divulgados ontem pelo WikiLeaks mostram que a diplomacia americana em Brasília avaliava que o caso do prefeito Celso Daniel, assassinado em 2002 em São Paulo, e o escândalo Waldomiro Diniz, em 2004, abalaram a reputação do PT.
Ao mencionar o episódio em que Diniz, então assessor de José Dirceu na Casa Civil, foi acusado de receber propina da máfia dos bingos, os diplomatas afirmam, em 2004: "Dirceu, já chamado de primeiro-ministro, está claramente enfraquecido, e o PT perdeu muito de sua reputação como partido íntegro",
A seguir, mencionam o caso do assassinato do prefeito de Santo André: "O caso Celso Daniel, o prefeito do PT assassinado em 2002, e a resistência de lideranças do partido de aprofundarem as investigações, também pesam contra o PT".
Por meio dos telegramas enviados ao Departamento de Estado americano, a Embaixada dos Estados Unidos traça perfil de Dirceu, chamando-o de "planejador metódico" e "frio". Diz que ele "não é corrupto", mas que, "como ilustram os casos Waldomiro e Celso Daniel, há uma percepção generalizada de que ele pode descer o mais baixo necessário para alcançar seus objetivos". Em outro telegrama, ao citar o mensalão, os documentos mencionam que a resposta dada por Lula no episódio foi fraca.


REGIME MILITAR
Arquivo Nacional só abre dados de Vlado com ordem de ministro
Autor de livro sobre o jornalista assassinado pela ditadura precisou de ajuda direta de Eduardo Cardozo para a consulta

Gabriel Manzano - O Estado de S.Paulo

Depois de enfrentar longas semanas de má-vontade - ou incompetência - de funcionários do Ministério da Justiça, e só graças à ajuda direta do ministro Eduardo Cardozo, o jornalista Audálio Dantas conseguiu, esta semana, autorização do Arquivo Nacional, no Rio, para consultar documentos sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975.
Não é a primeira vez que tais obstáculos ocorrem. Os problemas de acesso à memória guardada naquele Arquivo já provocaram, no final do ano passado, a demissão do historiador Carlos Fico. Durante a campanha eleitoral, a documentação sobre a então candidata Dilma Rousseff também foi mantida inacessível pela Justiça Militar.
Dantas, que viveu de perto os episódios ligados à morte de Vlado, nos porões da ditadura, está buscando informações para seu livro A Segunda Guerra de Vladimir Herzog, a ser lançado em breve. Sua aventura no Ministério incluiu viagens, muitos telefonemas, pedidos "absurdos e desrespeitosos" - entre os quais o atestado de óbito de Vlado e a certidão de seu casamento com Clarice Herzog, além de cartas pessoais a funcionários do ministério. "Imagine, eu apresentar aquele famoso atestado falso do médico Harry Shibata, segundo o qual Vlado tinha se suicidado!", comentou Dantas ao Estado.
O que funcionou, de fato, foram a denúncia do caso pelo site do Instituto Vladimir Herzog e pelo blog do jornalista Ricardo Kotscho, mais uma conversa direta com o ministro. "As autoridades continuam criando dificuldades", disse ele. "Fui atendido porque tive recursos de que um cidadão comum não dispõe."


Desaparecidos políticos terão casos investigados

Luciana Nunes Leal - O Estado de S.Paulo

O Ministério Público Militar iniciou no Rio de Janeiro, há duas semanas, investigação sobre o desaparecimento de militantes de esquerda durante a ditadura militar (1964-1985). Depois de ouvir as primeiras testemunhas, o órgão decidiu pedir informações às Forças Armadas sobre os desaparecidos políticos.
Serão investigados os casos de pelo menos 40 ativistas capturados no Rio e que passaram por unidades militares ou pelo centro de tortura clandestino que funcionou nos anos 70 na Região Serrana. Os nomes dos desaparecidos foram encaminhados pelo Grupo Tortura Nunca Mais ao promotor militar Otávio Bravo, que abriu a investigação.
Com base no entendimento do Supremo Tribunal Federal, de que o desaparecimento forçado equivale ao crime de sequestro, Bravo argumenta que os crimes não foram prescritos nem se enquadram na Lei de Anistia.


ECONOMIA
Governo enfrenta dificuldade para cortar gastos e já adia despesas
Discussão com os ministérios não foi concluída e ordem é adiar gastos; pagamento de precatórios de 2011 será adiado até julho

Beatriz Abreu e Edna Simão - O Estado de S.Paulo

O governo da presidente Dilma Rousseff já começou a definir a lista de gastos a adiar para pôr em prática o prometido aperto fiscal. Diante das dificuldades para decidir onde será aplicado o corte de R$ 50 bilhões, a ordem nos ministérios é "postergar despesas", fazer contingenciamento na boca do caixa. Um exemplo dessa estratégia é a decisão já tomada de atrasar o pagamento de sentenças judiciais, os chamados precatórios.
Os precatórios de 2011, que são ordens de pagamento da Justiça contra a União e órgãos da administração direta e indireta, somam R$ 7,409 bilhões e serão pagos entre maio e julho. Em 2010, o cronograma de pagamento foi adiado de janeiro para março, abril e maio. Considerando as requisições de pequeno valor (R$ 5,813 bilhões) - sentenças com valores iguais ou abaixo de 60 salários mínimos -, essa dívida chega a R$ 13,223 bilhões.
Para o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, a postergação dos pagamentos é uma ação estratégica legítima do governo diante da necessidade de controle dos gastos neste início do ano. "Não vejo problema. Mas quanto antes colocar em dia melhor porque os encargos com atrasos nos pagamento de precatórios são altos."
O raciocínio é o mesmo de uma empresa com problemas de caixa ou com necessidade de elevar seu superávit ao fim do ano: despesa adiada é recurso poupado. Nessa lógica se enquadram, por exemplo, os concursados já aprovados. Se o governo adia as novas contratações em alguns meses, o Tesouro faz economia na despesa de pessoal.
As discussões com os ministros para fazer os cortes de R$ 50 bilhões ainda não terminaram. Mesmo começando a pôr em prática o adiamento de despesas, a presidente Dilma disse, em recente reunião da coordenação política do Planalto, que não abre mão de chegar a uma poupança dessa ordem e que serão preservadas as receitas orçamentárias para o Ministério da Saúde e para o Legislativo e Judiciário.

Sem desgaste. O Estado apurou que a presidente decidiu preservar os orçamentos do Judiciário e do Legislativo. Isso evita um desgaste considerado desnecessário com os outros dois Poderes da República.
O detalhamento dos cortes no Orçamento deve estar concluído até o início da próxima semana. Os ministros têm apresentado as propostas, mas muitas delas são rejeitadas pelo Ministério do Planejamento.
O governo não trabalha com a possibilidade de receita extra para sustentar os gastos, nem mesmo para a área da saúde. O orçamento do ministério estará fora dos cortes, mas, por outro lado, não receberá um centavo a mais.
Nem mesmo a possibilidade de parlamentares sugerirem a criação de um novo imposto - semelhante à CPMF - será estimulada pelo Planalto. Os governadores defendem a criação de uma nova receita para custear os gastos com saúde, mas terão de intensificar as articulações com o Congresso porque o governo Dilma não quer ser o autor dessa proposta.
O aperto nos gastos tem relação direta com a expectativa do governo de não ser necessária uma alta significativa na taxa de juros para conter a aceleração da inflação. "O corte nos gastos ajuda um pouco", disse um ministro.
O cenário mostra que a inflação está em alta e, sem um tranco na economia, há o risco de o ano fechar com uma alta de preços acima do teto da meta, que é de 6,5%. / COLABORARAM JOÃO BOSCO E ANDREA JUBÉ VIANA


Arrecadação de janeiro é a 2ª maior da história
Recolhimento de R$ 91,071 bilhões, com crescimento real de 15,34% ante o mesmo mês do ano passado, pode ajudar a aliviar as contas do governo

Edna Simão - O Estado de S.Paulo

Influenciado pelos bons resultados da produção industrial, pelas vendas de bens e serviços e pela massa salarial de dezembro, a arrecadação de impostos e tributos registrou em janeiro o maior resultado já apurado para o mês e o segundo melhor desempenho da história. No mês passado, a Receita Federal recolheu R$ 91,071 bilhões, o que representa um crescimento real de 15,34% em relação a janeiro de 2010.
O recolhimento de impostos, bem acima das estimativas de mercado, deve dar um alívio momentâneo ao governo federal, que está contendo os gastos para conseguir mostrar comprometimento com o equilíbrio das contas públicas.
Segundo uma fonte do governo, a surpreendente arrecadação contribuirá para que o superávit primário (economia feita pelo governo para pagamento de juros) do Governo Central (inclui as contas do Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social) de janeiro, que será divulgado hoje pelo Tesouro Nacional, fique num patamar bastante elevado. Em janeiro de 2010, o superávit primário do governo central foi de R$ 13,537 bilhões.
O economista sênior do Besi Brasil, Flávio Serrano, também compartilha dessa avaliação. Ele estima, com base na alta arrecadação e na redução dos gastos em janeiro, que a economia do Governo Central para pagamento de juros será de algo em torno de R$ 20 bilhões.
Em janeiro, segundo o secretário-adjunto da Receita Federal do Brasil, Carlos Alberto Barreto, a arrecadação de tributos foi diretamente influenciada pela antecipação de pagamento do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social do Lucro Líquido (CSLL), que registraram conjuntamente uma expansão real de 24,17%, passando de R$ 19,215 bilhões para R$ 23,859 bilhões.
Esses tributos estão relacionados ao crescimento da produção industrial (2,7%), às vendas de bens e serviços (14,80%) e à massa salarial (17,98%) - esses porcentuais se referem à comparação entre o desempenho de dezembro de 2009 e o mesmo mês do ano passado.
Barreto explicou que em janeiro, normalmente, existe o efeito sazonal de pagamento da primeira cota ou cota única do IRPJ e CSLL do resultado apurado no último trimestre do ano anterior. No mês passado, para complementar, muitas empresas intensificaram a antecipação de pagamento desses impostos por conta de ajuste anual, referente ao lucro obtido no ano anterior. Mas o secretário-adjunto destacou que ainda é cedo para dizer que a antecipação do pagamento do tributo está ligada ao aumento da lucratividade da empresa ou à perspectiva de alta da taxa básica de juros (Selic), atualmente de 11,25% ao ano.
Diante da estimativa de redução do ritmo de crescimento econômico para algo em torno de 5% para este ano, Barreto projeta que a arrecadação deve registrar expansão nominal entre 10% e 12% em 2011. Se considerada a inflação de 4,5% (centro da meta), o aumento real variaria de 5,5% e 7,5%.

Realismo. Apesar do ritmo forte de elevação da arrecadação em janeiro, o secretário fez questão de dizer que sua previsão de recolhimento de impostos e tributos para o ano "não é pessimista; é realista". "As previsões têm de ser conservadoras", complementou Barreto. Segundo ele, se a economia registrar um ritmo de crescimento menor neste ano, como está sendo previsto, a arrecadação também é influenciada. / COLABOROU ADRIANA FERNANDES


Contas públicas de 2012 já preocupam
Reajuste do mínimo de 13% no ano que vem deve elevar despesas em R$ 22,5 bi

Lu Aiko Otta

A vitória do governo ao aprovar o salário mínimo de R$ 545 não serviu para convencer os analistas do mercado financeiro sobre sua resolução em apertar o cinto. É difícil encontrar quem acredite no corte de R$ 50 bilhões a ser detalhado nos próximos dias.
Além disso, há preocupação geral com as contas públicas em 2012, quando o mínimo deverá ter um reajuste de 13%.Sozinho, o novo piso responderá por um aumento de 1,7% nas despesas federais, segundo cálculo de Fernando Montero, economista-chefe da corretora Convenção. Nas contas da consultoria Tendências, o crescimento das despesas públicas decorrente do aumento do mínimo em 2012 chegará a R$ 22,5 bilhões.
"Aprovar o mínimo foi importante, mas já é página virada", avaliou o economista-chefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. A questão, agora, é o detalhamento dos cortes no gasto público. "O governo disse que vai cortar e todo mundo disse: "duvido". Aí disseram que o corte vai ser de R$ 50 bilhões e as pessoas perguntam: "onde?" Vão dizer: "aqui e ali. E todo mundo: "quero ver". O corte no Orçamento é algo em que só acreditarão quando tiver ocorrido, lá por outubro."
"Se o corte proposto vai ou não dar certo não depende de um simples anúncio ou do próprio detalhamento dos cortes", concorda Sérgio Valle, da MB Associados. "Dependerá dos resultados apresentados em cada mês a partir de agora."

Curiosidade. Montero está curioso para ver como o governo eliminará R$ 50 bilhões em despesas sem reduzir investimentos nem prejudicar a área social. Essa linha de ação foi reafirmada ontem pela presidente Dilma Rousseff, que visitou o Nordeste e afirmou que os investimentos, principalmente naquela região, serão preservados.
Ou seja, a tesoura seria direcionada só às despesas de custeio. "Não tem como fazer esse ajuste só cortando custeio, a conta não fecha", disse Montero. Na semana passada, o Estado publicou um estudo do economista Mansueto Almeida, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostrando que os gastos de custeio não relacionados à área social somaram R$ 53,7 bilhões no ano passado, valor que não deverá mudar muito este ano. Ou seja, se fosse para cortar R$ 50 bilhões só em custeio o governo teria de passar o ano sem comprar passagens aéreas, papel, cartucho de impressora. Tampouco poderia gastar com manutenção de estradas.
Nos bastidores, a informação é que ministérios da área social e os que conduzem empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) escaparão da tesoura. São justamente os que têm maior previsão de gastos, como Educação, Saúde, Transportes e Desenvolvimento Social. Os demais sofrerão cortes profundos. O ministério da defesa já adiantou que sofreu redução de 26,5% em sua programação de gastos, equivalente a R$ 4,024 bilhões. No ministério das Comunicações, o orçamento caiu de R$ 950 milhões para R$ 450 milhões.

Receitas. Enquanto as atenções estão voltadas para os cortes, o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, chama a atenção para o outro lado das contas públicas: as receitas. "Se a economia continuar crescendo na faixa de 4%, 4,5% e continuar o boom das commodities, será possível arrecadar mais e, sendo assim, a política fiscal está bem encaminhada no curto prazo." Ele acredita que as receitas surpreenderão positivamente, apesar de as consultorias estarem reduzindo suas projeções de crescimento econômico para este ano.
Na média do mercado, a projeção está em 4,5%. "Mas o emprego continua forte", observou. Além disso, os preços das commodities continuam em alta e a economia mundial está em recuperação. "Em 2010, acreditava-se que o Brasil poderia ter déficit comercial este ano, agora já se espera superávit", disse.
Isso tudo ajudará a elevar a arrecadação tributária, o que aumenta as chances de o governo cumprir a meta de superávit primário (economia de recursos para pagamento dos juros), fixada este ano em R$ 81,8 bilhões para a esfera federal.


Governo tenta reconstruir credibilidade na economia
Embate no Congresso pelo reajuste do mínimo é o primeiro esforço para vencer a desconfiança do mercado

Lu Aiko Otta - O Estado de S.Paulo

Ainda há muita desconfiança, mas o modo como a presidente Dilma Rousseff conteve as pressões para elevar o salário mínimo adicionou uma peça a mais num processo que começa a tomar corpo entre os economistas: a de reconstrução da credibilidade da política econômica.
Dilma prometeu austeridade nos gastos este ano e mostrou no primeiro embate com o Congresso que está disposta a entregar a encomenda. "O salário mínimo é apenas o começo do resgate da credibilidade da política fiscal, mas não deixa de ser um bom começo", diz o economista Sérgio Vale, da MB Associados.
Não é só na questão de gastos que o governo vem dando mostras de consistência. Ela pode ser vista, também, em relação aos juros. O Banco Central estreou o governo de Dilma elevando a taxa de juros de 10,75% para 11,25% em janeiro. Nem por isso se viram os ataques do "fogo amigo", tão comuns no governo Lula. De fato, pessoas próximas ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, um tradicional crítico da atuação da autoridade monetária, dizem que desta vez ele concordou com a alta dos juros.
"Não tem mais aquelas palhaçadas em véspera do Copom", diz o economista-chefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. Ele se refere a notícias vazadas para a imprensa antes ou logo após a reunião do Comitê de Política Monetária, dizendo que o presidente Lula torcia por um corte nos juros ou que não gostou da elevação da taxa.
Tampouco há ataques às medidas adotadas pelo Banco Central para conter o crescimento do crédito, que vão esfriar a economia. Em dezembro, foi elevada a exigência de depósitos compulsórios dos bancos, retirando de circulação R$ 61 bilhões antes disponíveis para emprestar.
Na quinta-feira, foram anunciadas regras mais rigorosas para controlar o risco das instituições financeiras ao conceder crédito. "Tem uma combinação bem combinada entre Fazenda, Banco Central, Planejamento e noticiário", acredita Gonçalves.
Ele suspeita até que o fato de os ministros da Defesa, Nelson Jobim, e das Comunicações, Paulo Bernardo, haverem explicitado o corte que sofrerão em seus orçamentos foi uma estratégia para dar mais credibilidade ao ajuste de R$ 50 bilhões. Mostra que há comprometimento deles com os novos valores.
Outro sinal de que o controle do gasto público vai ganhar relevância este ano é a ida do economista Márcio Holland para o comando da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Ele é dos que acreditam que uma boa política fiscal ajuda a evitar problemas no câmbio.
"Os sinais são convergentes e, com isso, os prêmios de risco podem cair, como estão caindo", diz o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas. "Quando há dúvidas se o governo vai agir desta ou daquela forma, há um prêmio, pois o mercado coloca prêmio em tudo."


Crise provoca queda no preço de commodities
Cotação de produtos como soja e arroz cai até 17% e pode ajudar no combate à inflação no País

Márcia De Chiara

Enquanto a Petrobrás mantiver a política de segurar o repasse da alta do preço do petróleo no mercado internacional para o preço da gasolina, o impacto da disparada do barril, que atingiu ontem US$ 111, pode até trazer um certo alívio para inflação ao consumidor, segundo avaliação do economista Miguel Daoud, diretor da Global Financial Advisor.
Ele sustenta esse raciocínio numa tendência detectada nos últimos dias. Por causa dos conflitos nos países árabes, está ocorrendo uma migração dos investidores em mercados futuros em commodities agrícolas para as commodities energéticas derivadas do petróleo (gás, diesel, gasolina, por exemplo).
Com isso, em 15 dias, os preços em dólar de vários alimentos recuaram. Desde o dia 9 deste mês até ontem, o preço futuro da soja na Bolsa de Chicago caiu 10%; do trigo, 15%; do arroz, 17%. Na Bolsa de Nova York, o açúcar recuou quase 5% no mesmo período. "Como as commodities agrícolas são um foco de pressão de preços no IPCA, a retração nas cotações pode ser positiva para a inflação, se a Petrobrás continuar amortecendo a elevação da cotação do petróleo. O Brasil é um país de sorte", diz.
Ele observa que a alta de alimentos é foco de pressão de inflação de países pobres. No IPCA, o índice oficial de inflação, a alimentação responde por cerca de um quarto do índice. No caso dos países ricos, a inflação é derivada da energia, diz Daoud. Com a disparada do petróleo, aumenta o risco de que os Estados Unidos elevem juros e atraiam os investidores para compra dos títulos do Tesouro, reforçando, a saída dos fundos das commodities agrícolas e a queda nos preços.
"Enquanto a Petrobrás segurar os preços, a alta do petróleo não terá impacto na inflação ao consumidor", afirma o analista da consultoria Tendências, Thiago Curado. "O impacto maior do petróleo será nos IGPs, que captam as cotações das matérias-primas no atacado", observa.
Fábio Romão, economista da LCA Consultores, acha que é cedo para imaginar que esse nível de preços do petróleo seja mantido. "Há muitas incertezas. Não dá para projetarmos um IPCA mais salgado nos próximos meses por causa da elevação dos preços do petróleo", diz .

Gasolina. No IPCA, por exemplo, a gasolina pesa 3,96% e as passagens aéreas, que são afetadas pelo querosene, um derivado do petróleo, respondem por 0,34% do indicador. Procurada pelo Estado, Gol e TAM, que dominam o mercado de aviação, informaram, por meio de assessoria de imprensa, que estão preparadas para enfrentar a volatilidade dos preços do petróleo.
A Gol informa que "não haverá repasse" da alta do petróleo para a tarifa aérea. A empresa relata que tem uma posição de hedge de petróleo que protege 20% do seu consumo de querosene dos próximos 12 meses. Para este trimestre, esse índice aumenta para 40%.
A TAM informa que a sua política de hedge cobre entre 10% e 60% das suas necessidades futuras de combustível ao longo dos próximos 12 meses. O gasto de combustível da companhia representa 34% das despesas operacionais.


AVIAÇÃO
Acidentes aéreos atingem nível mais baixo da história

Jamil Chade - O Estado de S.Paulo

A taxa de acidentes aéreos em 2010 atingiu o nível mais baixo na história, pelo menos entre as empresas que usam aeronaves produzidas no Ocidente - 93% do tráfego mundial. O problema é que, na América Latina, a taxa subiu e é três vezes superior à média mundial.
No mundo, a taxa de acidentes é de 0,61 para 1 milhão de voos com aeronaves ocidentais, como Boeing, Airbus, Embraer e Bombardier. Isso significa 1 acidente a cada 1,6 milhão de voos. Em 2009, a taxa havia sido de 0,71 - 1 a cada 1,4 milhão de voos. Em dez anos, a redução de acidentes foi de 42%.
No total, foram 17 acidentes com aeronaves construídas no Ocidente, ante 19 em 2009. Considerando todos os tipos de incidentes, o número aumentou. Passou de 90 em 2009 para 94 no ano passado.
O número de mortos aumentou em 2010. Passou de 685 em 2009 para 786 no ano passado. Em 2010, 2,4 bilhões de pessoas viajaram em 36,8 milhões de voos. Os locais mais seguros são Estados Unidos e Canadá, com taxa de 0,10 de acidentes.
Na América Latina, porém, a taxa foi três vezes superior à média mundial. Em 2010, foram registrados quatro acidentes com companhias aéreas comerciais. Um deles aconteceu na Bahia, em agosto, sem mortos. Segundo o relatório, o pior local para voar ainda é a África, com 7,4 acidentes para 1 milhão de voos - ou 23% dos acidentes aéreos.


Gol teve queda de 76% no lucro no ano passado
Na apresentação dos resultados feita ontem, a companhia creditou o recuo à valorização do real frente ao dólar

Silvana Mautone e Beth Moreira - O Estado de S.Paulo

O lucro líquido da companhia aérea Gol teve queda de 76% no ano passado em relação a 2009. De acordo com as normas do padrão contábil internacional (IFRS), o valor passou de R$ 890,8 milhões para R$ 214 milhões em 2010. A redução, segundo a empresa, é resultado da valorização da moeda brasileira frente ao dólar.
Já o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) foi de R$ 979,399 milhões no período - 76,1% maior que o de R$ 556,145 milhões registrado em 2009. A margem Ebitda ficou em 3,1%. A receita operacional líquida da companhia somou em 2010 R$ 6,979 bilhões, um aumento de 15,8% sobre os R$ 6,025 bilhões registrado no ano anterior.
Na apresentação dos resultados, o vice-presidente de finanças da Gol, Leonardo Pereira, disse que o aumento das tarifas aeroportuárias, anunciado recentemente pela Infraero, deverá ter um impacto de R$ 50 milhões no lucro operacional da empresa este ano. Ele explicou que a projeção leva em conta o conjunto de operações da companhia, número de voos, sazonalidade e utilização em horários de pico. As novas tarifas aeroportuárias no País entram em vigor a partir de 14 de março. A medida pretende deslocar parte dos voos para horários que não sejam de pico.
Pereira disse que a alta do petróleo no mercado internacional, provocada pelos conflitos em países no Oriente Médio, pode ser repassada futuramente para as tarifas, mas afirmou que a previsão inicial da empresa é de estabilidade no preço das passagens. "Historicamente, as tarifas vêm caindo, e a expectativa é que elas fiquem no mesmo patamar do ano passado. Mas isso vai depender do mercado como um todo", afirmou.



TENSÃO NO ORIENTE MEDIO
Tropas leais a Kadafi e mercenários cercam Trípoli para defender regime
Agentes das forças de segurança da Líbia teriam aderido aos insurgentes que já controlam o leste do país; testemunhas informam que ditador ordenou que seus partidários abram fogo de maneira indiscriminada contra qualquer foco de oposição perto da capital

Andrei Netto - O Estado de S.Paulo

Os sinais de que o regime do coronel Muamar Kadafi está desmoronando na Líbia são cada vez mais claros. Ontem, parte das Forças Armadas juntou-se aos insurgentes em grandes cidades do leste do país, como Benghazi, Tobruk e Ajdabiya, na província de Cyrenaique, que já passou às mãos dos revoltosos. Militares e mercenários estariam concentrados em um raio de 40 quilômetros de Trípoli, onde tentam garantir a sobrevida da autocracia.
Segundo organizações não governamentais, pelo menos 640 pessoas já morreram na mais violenta das rebeliões populares que estão transformando o mundo árabe. Mas testemunhas estimam esse número na casa dos milhares em todo o país.
No leste, próximo à fronteira com o Egito, o controle de imigração foi aberto e a segurança em rodovias e cidades passou a ser feita por manifestantes armados com fuzis AK-47 roubados dos arsenais ou de paus e pedras. Segundo as agências AFP e Reuters, que já ingressaram no país, soldados aliaram-se ao movimento popular em Ajdabiya, a 847 quilômetros da capital, Tobruk e Benghazi, ambas mil quilômetros a leste de Trípoli. Nessa região, vídeos registrados por insurgentes mostram prédios públicos e veículos incendiados, cartazes de Kadafi sendo destruídos e milicianos cercados por militantes.
Já em Trípoli, conforme testemunhos obtidos pelo Estado, a situação é diferente. Em torno da metrópole de 2 milhões de habitantes um anel foi formado pelos setores das Forças Armadas leais a Kadafi para garantir a segurança do regime. Ontem pela manhã, a situação era mais calma e não havia registros de manifestações nas ruas. A calmaria permitiu aos moradores ir às ruas buscar suprimentos. Tiros eventuais eram ouvidos, mas nenhum bombardeio teria sido realizado.
"Há tiros a toda hora e a polícia atira nos manifestantes a mando do governo. Mas não é verdade que a população tenha sido bombardeada na capital", disse o petroleiro tunisiano Mohamed Trizou, que deixou Trípoli e retornou à Tunísia com a mulher e um filho. Em Sabratha, a 70 quilômetros a oeste da capital, as Forças Armadas também teriam enviado tropas para tentar dispersar os manifestantes, que já teriam tomado sedes governamentais e prédios da polícia. Nas rodovias próximas, que cortam o deserto e conduzem a Trípoli, as barreiras policiais se multiplicaram. Nos 207 quilômetros que separam a capital e a passagem fronteiriça de Ras Jdir, na Tunísia, a principal porta de entrada terrestre do país, mais de 20 postos de controle foram montados pelas forças de ordem para controlar a saída e entrada de estrangeiros.
O resultado do conflito armado na Líbia já é o mais sangrento das revoltas árabes que se espalham pelo Norte da África e pelo Oriente Médio. Segundo a Federação Internacional das Ligas de Direitos Humanos (FIDH), de Paris, mais de uma centena de militares teriam sido executados por insubordinação.
Para Abdel Moneim al-Honi, representante da Líbia na Liga Árabe que renunciou ao posto, os dias de Kadafi no poder estão contados, mas o custo humano da revolta vai crescer à medida que o poder se sinta cercado. "Eu creio que seja uma questão de dias, não mais", estimou ao jornal Al-Hayat, da Arábia Saudita. "Ao mesmo tempo, penso que o levante custará caro à Líbia e aos líbios, porque Kadafi é capaz de tudo. Creio que massacres horríveis vão ocorrer."


Hegemonia de Kadafi depende de Exército fraco
Ditador líbio enfraqueceu deliberadamente as Forças Armadas temendo um golpe, dizem analistas

Hamza Hendawi, Associated Press - O Estado de S.Paulo

Muamar Kadafi jamais confiou em seu próprio Exército. Por isso, o homem que lidera a Líbia há 42 anos manteve enfraquecidas as Forças Armadas do país para evitar qualquer desafio sério a seu regime. Com dinheiro e clientelismo, ele instalou pessoas fiéis em postos-chave, equipou milícias e armou "comitês revolucionários" que representam o último reduto de apoio a ele e a seus poderosos filhos.
São estas forças que devem lutar por ele se o Exército regular decidir se voltar contra o governo. É por isso que ele conserva o controle sobre a capital, Trípoli, enquanto grandes partes do vasto território desértico fora da capital caem rapidamente nas mãos dos manifestantes contrários ao governo.
Este é também o motivo pelo qual o levante na Líbia não seguirá o mesmo rumo das revoltas no Egito e na Tunísia, países onde um Exército organizado e disciplinado interveio, afastando os líderes autoritários e poupando a população de uma situação de caos ainda maior.
Os levantes no Egito e na Tunísia - que fazem fronteira com a Líbia - levaram à deposição dos líderes num prazo relativamente curto. A situação na Líbia, por outro lado, já se mostra mais complicada e mortífera. Com Kadafi respondendo com força total e metade do território fora do controle do governo, este país norte-africano pode se fragmentar ou mergulhar numa sangrenta guerra civil.
A Líbia apresenta muitas fissuras. O sistema tribal de lealdade é forte e pode decidir o destino do regime. Kadafi passou muitos de seus anos no governo consolidando o poder em torno de si. Assim, além de enfraquecer o Exército e fortalecer as milícias locais, ele usou as amplas reservas de petróleo e gás do país para cooptar as tribos.
Kadafi privou seu povo de direitos básicos, reprimiu com mão de ferro todas as manifestações de dissidência e desperdiçou a riqueza da Líbia em países e tribos da África Subsaariana.
O excêntrico líder também recorreu a mercenários estrangeiros para reprimir os manifestantes, e testemunhas em Trípoli e em outras cidades disseram que os combatentes de outros países africanos usados para conter os protestos disparam contra a população revoltada.
Analistas dizem que o recrutamento de mercenários de países subsaarianos teve início nos anos 80 como programa secreto, mas sua presença na Líbia foi revelada nos últimos anos.
Até o momento, o uso de força excessiva por parte de Kadafi o ajudou a manter o controle sobre Trípoli, mas a perda da região oriental da Líbia - rica em petróleo e nas mãos dos manifestantes desde o começo da semana - poderia levar a um impasse duradouro.
Diferentemente de Hosni Mubarak, do Egito, e Zine al-Abidine Ben Ali, da Tunísia, que renunciaram por causa de levantes populares e evitaram uma situação de caos ainda mais generalizado, Kadafi prometeu lutar até a "última gota de sangue", pedindo a seus partidários que ataquem os manifestantes.
O Conselho de Segurança da ONU condenou a repressão e exigiu que a violência contra civis chegue ao fim imediatamente. Manifestou também sua "indignação diante da repressão a manifestantes pacíficos", expressando seu profundo pesar com a morte de centenas de civis.
A declaração sugere que a comunidade internacional ainda não crê que a situação na Líbia seja séria o bastante para motivar a declaração de uma zona de proteção internacional no leste do país, o anúncio de uma zona de exclusão aérea ou o estabelecimento de um limite que as forças leais a Kadafi talvez não ousassem ultrapassar. Mas a ideia pode ganhar força se Kadafi cumprir a promessa de resistir.
O professor George Joffe, especialista em Líbia que leciona na Universidade de Cambridge, crê que Kadafi disponha de força militar suficiente para seguir lutando, com um grupo estimado em 120 mil homens que inclui milícias fortemente armadas e leais a ele, as quais seriam prejudicadas com a queda de seu regime.
"Enquanto suas forças não forem afetadas por deserções, Kadafi pode resistir por quanto tempo quiser", disse.
Os analistas disseram que Kadafi, que chegou ao poder em 1969 por meio de um golpe militar, negligenciou deliberadamente os 50 mil homens das Forças Armadas para limitar sua capacidade de derrubá-lo. Em vez disso, esbanjou nos gastos com armas e privilégios para as milícias leais a ele e a seus filhos.
"O Exército foi deliberadamente mal equipado e mal treinado, sempre visto como ameaça ao regime", disse Charles Gurdon, especialista em Líbia e diretor administrativo da consultoria londrina Menas Associates.
Henry Schuler, outro especialista, acrescentou: "Kadafi age para garantir que o Exército seja incapaz de se revoltar contra ele". Entre as táticas empregadas pelo ditador está a insuficiência deliberada no fornecimento de combustível a unidades de lealdade suspeita, assim como a dificuldade de acesso a munição de verdade, disse Schuler.
Em se tratando de possíveis desfechos para a situação na Líbia, há muitos cenários possíveis. Uma luta até o fim, como ameaçou Kadafi, poderia ter como resultado um país ingovernável, dividido por fronteiras tribais ou regionais e com seus recursos energéticos inutilizados ou destruídos. Outra opção consiste na separação da região leste, tornando-se uma região autônoma semelhante àquela estabelecida nas áreas de maioria curda no Iraque após a Guerra do Golfo, de 1991.
"Como alternativa, a comunidade internacional pode oferecer a Kadafi uma saída ao garantir imunidade para o ditador e sua família, fazendo com que deixem o país" e evitando assim mais derramamento de sangue, disse o especialista líbio Saad Djebbar./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

PONTOS CHAVE

Militares

Depois de dois caças líbios aterrissarem em Malta e seus pilotos solicitarem asilo político, militares da Líbia passaram a demonstrar apoio aos rebeldes no leste do país

Ministros
O ministro da Justiça, Mustafa Jalil, deixou o governo. Em um ato considerado um duro golpe contra Kadafi, o ministro do Interior, Abdel al-Obeidi, também abandonou o cargo

Liga Árabe
Bloco regional árabe decidiu suspender o governo de Muamar Kadafi da organização, após relatos de bombardeios a manifestações contra seu governo em Trípoli e Benghazi

Diplomatas
O vice-embaixador líbio na ONU, Ibrahim Dabbashi anunciou que não compõe mais o regime de Kadafi. Por todo mundo, diplomatas líbios anunciaram sua saída do governo


Colapso de ditador traria à tona divisões históricas
Analistas alertam que combate na Líbia ameaça fragmentar o país nas regiões da Tripolitana, Cirenaica e Fezzan
Gustavo Chacra - O Estado de S.Paulo

Os levantes na Líbia podem fragmentar o país e levar ao renascimento da Tripolitana, Cirenaica e Fezzan. Eram essas as três províncias otomanas que foram unificadas na independência do país e deram lugar ao Estado líbio. Com história e interesses diferentes, as regiões se posicionam em lados antagônicos na atual crise líbia.
Os levantes contra o regime de Muamar Kadafi começaram em Benghazi, na Cirenaica (Líbia do Leste, na nomenclatura oficial). Maior região líbia em extensão, possui petróleo e uma composição étnica similar à do Egito. Nas zonas fronteiriças, as tribos cruzam de um lado para o outro como se vivessem sob as leis de um mesmo Estado.
Já a mais populosa Tripolitana (Líbia do Oeste) se localiza na costa ocidental do país. A influência de Kadafi é maior na região, especialmente entre o funcionalismo público. Mais fértil, sempre teve ligação maior com outros países do Norte da África, como a Tunísia, e a Europa - os líbios foram colonizados pelos italianos. Fezzan (Líbia do Sul), com uma população nômade que equivale a 5% do total, praticamente tem uma vida independente do regime, como se fossem um povo do deserto.
Com a intensificação dos protestos, Kadafi tem concentrado forças na defesa da Tripolitana. A manutenção de seu poder na Cirenaica seria altamente improvável.
"A população líbia se divide ao meio. A base de poder de Kadafi está no extremo oeste, em Trípoli. A oposição se concentra em Benghazi, no leste. Entre as duas regiões há 600 quilômetros de deserto vazio", diz análise da consultoria de risco político Stratfor.
"Isso racha o país em duas facções políticas, duas bases de produção de energia e duas infraestruturas de exploração", completa a análise de conjuntura.

Divisões sociais. As regiões líbias tampouco possuem uma identidade comum enraizada. Apesar de terem sido parte dos impérios grego, romano, bizantino e otomano, além de ocupações britânicas, francesas e italianas, sempre tiveram existências distintas, sem haver conexões efetivas entre as diferentes regiões.
Demorava semanas ou mesmo meses para ir por caravana da Tripolitana para Fezzan. Ex-colônia italiana, a Líbia teve papel central na luta pelo controle do Norte da África durante a Segunda Guerra.
"A história de Tripolitana, Cirenaica e Fezzan é de separação", diz o historiador Dirk Vanderwalle em seu livro A History of Modern Libya (História da Líbia moderna). Segundo ele, professor da Universidade Dartmouth, "as distâncias físicas sempre contribuíram para essa divisão entre as regiões".
Relatório da Biblioteca do Congresso dos EUA destaca também as diferenças étnicas. "Cirenaica foi arabizada mais cedo do que a Tripolitana e tribos beduínas a dominaram. Já os nativos berberes ainda existem na Tripolitana. Fezzan é composta por grupos étnicos minoritários", afirma o relatório.
As diferenças étnicas teriam papel importante na dinâmica política da Líbia, mas não representariam clivagens profundas como no Iraque - onde a disputa por poder atualmente gira em torno da divisão entre xiitas, sunitas e curdos.
Ao contrário do Iêmen e de Bahrein, que também enfrentam levantes, a Líbia não possui problemas com religião. Quase a totalidade da população é muçulmana sunita.


Grupo retirado da Líbia chega hoje ao Brasil
Funcionários ligados à construtura Andrade Gutierrez desembarcaram ontem em Portugal

Jair Rattner - O Estado de S.Paulo

Retirados da Líbia pelo governo português, chegam hoje a São Paulo quatro trabalhadores brasileiros da empresa Zagope, a sucursal portuguesa da Andrade Gutierrez, que estavam na Líbia.
Leandro Chapada de Oliveira, Gilberto Paris, José Rodrigues e Fernando Alves saíram de Trípoli na quarta-feira, dia 16, num avião militar da Força Aérea Portuguesa. Aterrissaram numa base aérea da Otan na Sicília, no sul da Itália, 1 hora e 20 minutos depois. O avião seguiu para Lisboa, onde chegou na madrugada do dia seguinte. Os quatro ficaram alojados num hotel a 15 quilômetros da capital portuguesa a até a hora do retorno ao Brasil.
Apesar de estarem num país em revolta, eles ficaram à margem da agitação. "Na cidade de Trípoli, não vimos nada. Ouvíamos os rumores, víamos pela televisão que havia problemas, mas (as autoridades) diziam que (os conflitos) estavam concentrados em Benghazi (a segunda cidade da Líbia, a 1.000 quilômetros de Trípoli", contou o carioca Leandro. "Depois, começaram a falar que (os protestos) estavam chegando próximo a Trípoli e o telefone e a internet foram ficando ruins."
O único problema que os brasileiros enfrentaram para sair da Líbia foi na chegada ao terminal aéreo de Trípoli. "Estava tudo congestionado, cheio de gente. Todo mundo estava desesperado para sair do país. Não conseguíamos entrar no aeroporto. Tivemos de ligar para o embaixador de Portugal, que deu um jeito para colocar a gente para dentro", contou Gilberto. Mas eles não tiveram dificuldades no caminho para o local. Contaram que o motorista era líbio e conhecia atalhos, evitando as estradas principais.
Leandro disse que não chegou a ver o que acontecia na cidade. "De noite, ficávamos em casa. De dia, estava tudo fechado." Gilberto contou que os líbios com quem eles trabalhavam nunca mostraram sua opinião sobre as manifestações. Segundo ele, para proteger-se, todos os funcionários de sua empresa passaram a morar num só endereço. "Reunimos o pessoal da empresa e ficamos na casa de um diretor, bem isolada. Foram três dias por lá. Ficamos sem sair às ruas, aguardando orientações."
Os quatro brasileiros moravam no bairro de Saraj, a 7 quilômetros do centro de Trípoli. "Se for comparar com o Rio, seria como a distância entre a Cinelândia e a Barra da Tijuca", diz Leandro. "Eram mais de 30 pessoas na casa do diretor", contou José Rodrigues. "A casa é grande, com três pisos. A gente ficava batendo papo e tentando contato por internet e pelo telefone."
Para dormir, várias pessoas dividiam cada quarto. Gilberto acha que as famílias no Brasil tiveram mais receio que eles. "Ficavam preocupados pela falta de comunicação. Viam as imagens pela TV, não havia telefone nem internet. Não conseguiam se comunicar com a gente."

Permissão. A construtora Odebrecht conseguiu ontem à tarde a autorização para pousar aviões fretados na Líbia e resgatar seus 3,2 mil funcionários que estão no país. A companhia fretou dois Boeing 747 que, até o fim da tarde de ontem, aguardavam para entrar no espaço aéreo líbio. Desde sexta-feira, 1,8 mil funcionários da empresa já deixaram o país em voos de carreira.
A intenção é levar os trabalhadores até Malta, no sul da Europa. De lá, cada um tentará voltar ao seu país de origem. Muitos operários que trabalham nas obras da Odebrecht na Líbia vieram da Tailândia, Vietnã, Filipinas e Egito. Os executivos são do Brasil e outros países da América Latina. Caso não seja possível para os funcionários conseguir voos a partir de Malta, a empresa terá de organizar viagens para outros países e acomodação.
A Odebrecht foi a primeira construtora brasileira a se instalar na Líbia desde a reabertura comercial do país, que passou dez anos sob embargo.
A empresa começou a trabalhar no país em 2007, em duas obras no valor total de U$ 1,4 bilhão: a construção de dois terminais do aeroporto internacional da capital, Trípoli, e a criação de um anel rodoviário. / COLABOROU MELINA COSTA

RETIRADA DA LÍBIA

Grã-Bretanha
Um avião fretado deveria retirar 300 britânicos de Trípoli ontem. Outro voo está programado

França
Dois aviões militares já levaram 402 franceses de volta. Outro partiu para a Líbia ontem

Alemanha
Um voo comercial com capacidade para 330 pessoas chegaria a Trípoli ontem

Bulgária
Um voo levou 110 búlgaros de volta ontem - o retorno de outro avião é aguardado

Estados Unidos
Dois catamarãs de Malta atracaram em Trípoli para a retirada de americanos e malteses

Canadá
A chegada do primeiro avião para a retirada de canadenses está prevista para hoje


Brasil e EUA preparam ''resgate conjunto'' na Líbia

Denise Chrispim Marin - O Estado de S.Paulo

Os EUA e o Brasil acertaram ontem uma ação conjugada para o resgate de seus cidadãos da Líbia. Durante conversa em Washington com a secretária de Estado, Hillary Clinton, o chanceler Antonio Patriota informou haver um barco pronto para retirar brasileiros de Benghazi e ofereceu lugares a americanos.
Segundo uma autoridade do Departamento de Estado, Hillary prometeu o mesmo aos brasileiros sitiados em Trípoli, onde uma embarcação alugada pelos EUA já aportou para resgatar os americanos e levá-los a Malta.
A questão líbia consumiu boa parte da conversa entre Patriota e Hillary, cuja agenda inicial concentrava-se na preparação da visita ao Brasil do presidente Barack Obama e a criação das bases para a relação do governo Dilma Rousseff com Washington.
A decisão sobre o resgate conjugado foi acompanhada por um veemente apelo de Hillary para que os americanos saiam "imediatamente" da Líbia.
Segundo o porta-voz do Departamento de Estado, Philip Crowley, as informações recebidas desde a manhã de ontem indicam aumento do risco de violência contra estrangeiros na Líbia.
Patriota deixou clara a preocupação com a situação e informou que o Brasil se associou a países que pretendem levar a violência do governo líbio contra pessoas desarmadas ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Liderança europeia. Ao final do encontro bilateral, diante da imprensa, a secretária de Estado destacou a falta de capacidade dos EUA de influenciar líderes líbios e afastou a adoção de sanções unilaterais. Depois da crise com a Coreia do Norte, no final de 2010, essa foi a primeira vez que Washington admitiu sua impossibilidade de pressionar diretamente um país. A tarefa, como Hillary indicou, foi delegada aos europeus. "Estamos trabalhando com muitos países que têm relações mais próximas com a Líbia", reconheceu Hillary.


Obama e ONU coordenam ação contra ditador
Na segunda-feira, chanceleres debaterão em Genebra medidas que devem incluir sanções e investigação internacional de ''massacres''

Jamil Chade - O Estado de S.Paulo

A comunidade internacional fecha o cerco contra Líbia e, por iniciativa dos EUA, ministros das principais potências se reunirão em Genebra na segunda-feira para estabelecer uma estratégia de sanções contra Muamar Kadafi, isolar o regime e dar uma demonstração de força para pressionar pelo o fim do massacre.
O presidente dos EUA, Barack Obama, pediu "coordenação multilateral" para a aplicação das medidas. Enquanto isso, 54 países convocaram uma reunião de emergência da ONU amanhã para votar uma resolução estabelecendo uma investigação internacional por eventuais crimes de guerra contra o líder líbio. Alguns governos chegaram a propor até mesmo a suspensão da Líbia de órgãos da ONU e até a Liga Árabe decidiu afastar Kadafi das reuniões até que ele mude de posição. Cresce a pressão para que Trípoli seja agora banida de órgãos da ONU.
Mas o sinal mais forte de pressão vem mesmo de Washington. Obama rompeu o silêncio, condenando energicamente o "ultrajante" massacre de civis e ordenou a Hillary Clinton que viaje para Genebra na segunda-feira para reuniões com seus homólogos da Rússia, UE, países árabes e outros emergentes. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, também tomará parte nas consultas.
A ONU votará a proposta de criação de uma comissão internacional para investigar e punir supostos massacres cometidos por Kadafi, que está sendo acusado de "crimes contra humanidade". O projeto de resolução, obtido pelo Estado, foi apresentado ontem aos governos.
O ponto principal da resolução seria a criação de uma "investigação internacional, independente e imparcial liderada pela ONU para avaliar as violações de direitos humanos na Líbia e garantir que haja punição contra os responsáveis". Na prática, a investigação poderia acabar numa condenação de Kadafi, o que o colocaria sob risco de um indiciamento internacional.
A UE quer estabelecer um acordo para impor uma lista de medidas contra Trípoli. As sanções devem incluir desde a proibição a Kadafi, sua família e seus ministros de viajar para a Europa, até o congelamento de bens, contas e empresas, o embargo de armas e outras restrições.
Com a lista preparada, ministros tomarão a decisão nos próximos dias sobre quais serão aplicadas imediatamente. A decisão veio depois que França e Alemanha convocaram para ontem uma reunião da UE. O governo da Itália já falava em "mil mortos" em decorrência do conflito.

Bloqueio. A Líbia foi por décadas alvo de um embargo internacional. Há seis anos, porém, negociou um acordo com americanos e britânicos estipulando que, em troca da renúncia a armas nucleares, voltaria a receber investimentos. Desde então, o país virou palco de uma corrida de multinacionais do setor do petróleo e construção civil.
Ontem, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, foi o primeiro a se pronunciar a favor de sanções e pediu ações judiciais contra os responsáveis à repressão. Sarkozy apelou para que a Europa suspenda toda sua relação comercial, financeira e econômica com a Líbia. Segundo o francês, as sanções deveriam mandar um recado para que "todos aqueles envolvidos na violência saibam que terão de assumir as consequências de suas ações".
O francês sugere que Kadafi não seja autorizado a entrar na Europa, nem que possa movimentar sua fortuna em bancos do continente. "A comunidade internacional não pode ficar com espectadora diante das violações em massa de direitos humanos", disse. Já a chanceler alemã, Angela Merkel, considerou que Kadafi decretou "guerra a seu próprio povo".
Nos EUA, a proposta do senador John Kerry é também de recuperar as sanções. Já o governo do Peru inesperadamente anunciou ontem o rompimento de todas as suas relações diplomáticas com a Líbia.


Repressão na Líbia deixa aliados em situação incômoda

Jamil Chade - O Estado de S.Paulo

Se o massacre na Líbia tem deixado grande parte da comunidade internacional estarrecida diante do comportamento de Muamar Kadafi, alguns países estão visivelmente em uma situação incômoda e revelam a dificuldade da comunidade internacional em chegar a um acordo sobre como lidar com violações aos direitos humanos. Na ONU, as delegações de Cuba, Venezuela, Bolívia, Nicarágua e Equador optaram por não apoiar a convocação de uma reunião de emergência para lidar com a crise em Trípoli. Nenhuma delas ainda afirma se votará na proposta de resolução que condena Kadafi pelo massacre. O silêncio não vem por acaso. Vários desses países nutriram por anos uma relação de proximidade com Trípoli. O líder líbio criou há 22 anos seu próprio Prêmio Nobel, chamado de Prêmio Kadafi de Direitos Humanos. Fidel Castro foi o vencedor em 1998, Evo Morales em 2000, Hugo Chávez em 2004 e o sandinista Daniel Ortega em 2010. Na Europa, a situação mais incômoda é a de Silvio Berlusconi, que tem tentado evitar críticas públicas contra o líbio.
 FONTE: JORNAL ESTADO DE SP

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