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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

10 de fevereiro de 2011 - ESTADO DE SÃO PAULO

Emendas parlamentares são alvo central do corte de R$ 50 bilhões do Orçamento
Em meio às tensas negociações com aliados para assegurar a votação do salário mínimo de R$ 545, governo anuncia economia radical; contenção dos gastos sugeridos por deputados e senadores pode chegar a R$ 18 bi dos R$ 21 bi aprovados pelo Congresso

Lu Aiko Otta e Tânia Monteiro - O Estado de S.Paulo

Em meio a uma tensa negociação com sua base no Congresso para garantir a aprovação do salário mínimo de R$ 545, o governo anunciou ontem um corte de R$ 50 bilhões em suas despesas que será cumprido, em boa parte, por emendas de parlamentares ao Orçamento de 2011. Dos R$ 21 bilhões incluídos pelo Legislativo na programação de gastos deste ano, R$ 18 bilhões, cerca de 86%, deverão ser decepados, segundo informou fonte do Palácio do Planalto.
Enquanto os parlamentares ficarão com seus projetos dormindo nas gavetas dos ministérios, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) sairá ileso do aperto. Ele não será reduzido, nem terá projetos adiados, afirmou ontem a ministra do Planejamento, Miriam Belchior. Ela, porém, não confirmou a magnitude dos cortes nas emendas.
Num claro enfrentamento das pressões do Congresso, o governo previu que o mínimo de 2011 será mesmo de R$ 545. "Não mais que isso", frisou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Se o valor for maior, serão cortadas mais despesas. O mesmo será feito se for aprovada a revisão da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física.

Setor produtivo. O enxugamento de gastos atingirá também o setor produtivo. O Tesouro vai reduzir os volumes que repassa ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a título de subsídio. "Significa que o BNDES vai trabalhar com os juros um pouco mais elevados", explicou Mantega.
Outra má notícia para o setor produtivo é que não há previsão de desonerações de impostos este ano. A presidente Dilma Rousseff prometeu, na campanha eleitoral, cortar a carga tributária sobre o setor produtivo. O governo acenou ainda com a desoneração a folha. "Isso só será possível se houver um esforço adicional, então, nesse momento, estou descartando", disse Mantega.
Ele acrescentou que o corte "tende a ser definitivo". Se for verdade, será uma mudança de padrão em relação a anos anteriores, quando o governo iniciava o ano anunciando contenção de despesas, mas liberava as verbas ao longo do ano, amparado num aumento de arrecadação.
Se as receitas se comportarem melhor do que o esperado, o governo tem outras opções além de gastar, disse Mantega: aumentar o superávit primário (economia de recursos para pagamento de juros da dívida pública), fortalecer o fundo soberano (uma espécie de poupança para ser usada em períodos de crise) ou fazer desonerações tributárias. O dinheiro não será necessariamente usado para aumentar gastos, embora isso possa ocorrer.
O governo deu demonstrações de que o corte é para valer. Miriam Belchior anunciou uma série de medidas que não se viam na Esplanada desde o Pacote 51, editado em 1997, na esteira da crise da Ásia. Na semana que vem Dilma assinará um decreto cortando pela metade os gastos com diárias e passagens. Os ministérios estão proibidos de comprar automóveis e nem poderão comprar, reformar ou alugar imóveis. A realização de concursos e a nomeação de novos funcionários estão suspensas.

TESOURADA

Corte no Orçamento exigirá sacrifícios, diz Mantega
- R$ 50 bilhões devem ser cortados no Orçamento 2011, que cairá de R$ 769,9 bilhões para R$ 719,9 bilhões
- R$ 18 bilhões dos R$ 21 bilhões em emendas parlamentares podem ser cortados pelo governo

Quem escapou
- PAC e área social serão preservados. Não haverá cortes, nem adiamento de projetos

Mínimo e IR
Não há recursos para um salário mínimo superior a R$ 545, e a correção da tabela do Imposto de Renda depende de negociação. Também não há recursos para desonerar investimentos ou a folha salarial

Setor Produtivo
Subsídios do Tesouro ao BNDES vão diminuir, o que significa que o banco terá de cobrar juros mais elevados. Se arrecadação vier acima do previsto, governo poderá aumentar a poupança (superávit primário), depositar no Fundo Soberano, fazer desonerações ou gastar

Prioridades
Estão suspensas nomeações de concursados e realização de novos concursos. Exceções serão analisadas caso a caso. Gastos com diárias e passagens serão cortados pela metade; está proibido comprar, reformar ou alugar imóveis. Não será autorizada compra de automóveis para uso administrativo; folha de pagamentos será auditada


Ministros apelam por manutenção do Fundo Partidário

Preocupados com os estragos que os cortes no orçamento dos ministérios e nas emendas parlamentares produzirão no Congresso, os ministros da Casa Civil, Antonio Palocci, e da Secretaria de Relações Institucionais, Luiz Sérgio, ambos petistas, convenceram a presidente Dilma Rousseff e a área econômica de que seria "importante" manter o acréscimo acertado de R$ 100 milhões do Fundo Partidário.
Os ministros explicaram a Dilma, numa reunião que se estendeu até a madrugada de ontem, que a manutenção do aumento do fundo foi fruto de acordo com partidos da base e da oposição, que estavam enfrentando graves problemas de verbas por causa dos gastos com as eleições. Dilma estava sensível ao apelo, afinal, eram R$ 100 milhões que atenderiam a todos e reduziriam o impacto dos demais cortes.
O reforço de R$ 100 milhões foi aprovado a nove dias do fim do ano e funcionou como uma "Mega Sena da Virada" para todos os partidos. Agora, os endividados poderão quitar suas contas com o dinheiro do contribuinte. E os que perderiam verba ficarão até mais ricos, apesar do desempenho eleitoral inferior em 2010.


COMPRA DE CAÇAS
Governo promete anunciar até julho novo caça da FAB
Prazo é dado por Dilma, que faz consultas à FAB para optar entre o Rafale francês, o F-18 dos EUA e o Gripen sueco

Roberto Godoy - O Estado de S.Paulo

A presidente Dilma Rousseff está disposta a anunciar a decisão do governo na escolha F-X2 - para o reequipamento da aviação de caça - até julho. O negócio envolve um lote de 36 aeronaves e é avaliado em US$ 6 bilhões.
O processo está sendo minuciosamente analisado no Palácio do Planalto. A presidente faz suas próprias anotações e levanta dúvidas. Dilma leu relatórios e ouviu especialistas. Ela sabe que o F/A-18 Super Hornet, da americana Boeing, é considerado a melhor máquina de guerra entre os oficiais da Aeronáutica. O preço final é intermediário, na faixa estimada de US$ 5,2 bilhões - acima dos US$ 4 bilhões da proposta da sueca Saab para seu Gripen NG e abaixo dos US$ 6,2 bilhões da oferta da francesa Dassault para o moderno Rafale.

Dilma tem discutido vários tópicos específicos. Quer saber se o pacote de transferência de tecnologia já garantido pela Boeing com o aval do governo dos Estados Unidos - em carta da secretária de Estado, Hillary Clinton, e em telefonema entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Barack Obama - não é suficiente para atender a expectativa da indústria aeroespacial.
Dilma ficou interessada nos detalhes referentes ao sofisticado radar digital multimodo. A presidente surpreendeu os técnicos ao querer saber como um projeto original dos anos 70, caso do F/A-18 de primeira geração, pode incorporar recursos stealth, para tornar a aeronave furtiva ante a detecção por radares. De acordo com um assessor presente na reunião, os militares ficaram surpresos com o elevado grau de informação de Dilma.
Os americanos aumentaram o tom, assumindo o compromisso de pagar os custos de 100 mil homens/hora da Embraer para habilitar a empresa no programa de desenvolvimento do Super Hornet. Também renovaram o acordo formal para pagar uma espécie de multa de 5% sobre o contrato cada vez que a abertura de tecnologia não seja cumprida.
O F/A-18 é a versão mais avançada do primeiro modelo, lançado em 1978 e do qual foram fabricados perto de 1.500 unidades. O Super, em linha desde 1997, soma pouco mais de 500 caças. Voa a 1.900 km/hora e cobre 2.346 km com 578 projeteis para um canhão de 20 mm, mais dois mísseis do tipo ar-ar. Em condição plena de combate, a carga de ataque é de 8,05 toneladas.

Mais música. A revisão do parecer técnico e financeiro da F-X2 aumentou o volume do que é música para os ouvidos da ala tecnológica da Força. A Saab quer fabricar no Brasil, em parceria ampla com a indústria, o Gripen NG. O caça está em desenvolvimento.
O País teria, assim, a oportunidade de criar um avião de combate com a característica BR. Com ciclo de maturação calculado em 30 anos, o empreendimento permitiria à Defesa, no futuro, passar a encomendar essa classe de supersônicos apenas ao complexo aeroespacial nacional, como explicou ao Estado um oficial engenheiro do setor.
Discreta, a francesa Dassault gastou o dia, ontem, em ação objetiva: reuniu 140 empresários de São José dos Campos para detalhar o seu método de transferência de tecnologia - até agora, único mecanismo qualificado claramente como irrestrito e a critério da FAB.


NOTA/EXÉRCITO
No Rio, sargento morre em treinamento militar

O Exército confirmou ontem que a terceiro-sargento técnico temporário Daiana Pereira Fernandes, de 25 anos, aluna do Estágio Básico de Sargento Temporário (EBST), morreu na segunda-feira, depois de passar mal em treinamento no Campo de Instrução do Girante, zona oeste do Rio. Daiana foi socorrida no primeiro exercício: pista de progressão diurna de 300 metros. Procedimento administrativo apura as circunstâncias. Segundo um militar, não fora constatado na seleção que Daiana sofria de cardiomiopatia. Ela teve parada cardíaca, insuficiência renal e passou uma semana em coma.


ESPAÇO ABERTO
Sem meias palavras

*Gustavo Binenbojn - O Estado de S.Paulo

Uma das características sorrateiras da censura é a de negar não apenas as ideias diferentes ou discordantes, mas, sobretudo, a de negar-se a si mesma. Em todos os tempos e em todos os lugares, a censura jamais se apresenta como instrumento do arbítrio, da intolerância ou de outras perversões ocultas. Ao contrário, ela costuma ser imposta em nome da segurança nacional, da moral ou quiçá até da própria democracia. Como regra, a censura é um mal que não ousa pronunciar o seu nome, preferindo travestir-se em expressões ambíguas e de forte apelo populista.
A expressão "controle social da mídia", em sua vagueza semântica, pode bem prestar-se a esse papel. Tamanha a sua repercussão, chegou a ser incluída no 3.º Plano Nacional de Direitos Humanos, sem muita clareza quanto ao seu significado. Cumpre, portanto, refletir sobre as possíveis acepções da expressão para separar o joio do trigo.
Existem duas maneiras básicas de compreender o que é o controle social da mídia. A primeira delas é centrada na figura do Estado e enfatiza o seu papel de agente regulador, fiscalizador e sancionador. Tal visão desconfia profundamente da liberdade como valor democrático e aposta no dirigismo estatal do discurso público. Ao tempo em que critica supostas distorções provocadas por grandes veículos de comunicação, essa corrente descrê da capacidade de discernimento e julgamento dos indivíduos.
Daí que, para esta linha de pensamento, há de haver um controle coletivo sobre o conteúdo do que se lê, ouve ou assiste, como forma de assegurar que os emissores das mensagens não manipulem ou distorçam o que deve chegar aos destinatários. Embora se fale em controle social, esse modelo não prescinde, na verdade, de uma agência central da qual partam os julgamentos e decisões sobre o que, afinal, mereça ou não integrar o discurso público. Tal agência só pode ser o Estado.
Não hesito em nomear, sem meias palavras, aquilo em que se traduz, na prática, a proposta dessa primeira corrente: censura. Esse tipo de controle social acaba por arrogar para o Estado um papel de curador da qualidade do discurso público, como se fosse possível situar algum ente estatal num ponto arquimediano do qual pudesse avaliar o que merece e o que não merece ser dito.
As duas questões principais que se colocam ao controle social da mídia realizado por intermédio do Estado são as seguintes: 1) Quais os critérios a serem utilizados no controle de conteúdo dos meios de comunicação? 2) Quem controla os controladores?
Ora, não há critérios objetivos, numa sociedade democrática, para definir o que merece ou não merece ser dito. Aliás, este é o traço distintivo fundamental entre a democracia e os regimes totalitários: a relatividade dos conceitos de bom, justo e verdadeiro. A garantia da liberdade de expressão e do livre fluxo de informações, ideias e opiniões - independentemente do seu mérito intrínseco - serve, precisamente, para assegurar a cada um de nós o direito de julgar e escolher, sem a tutela do Estado.
A segunda pergunta (quem controla os controladores?) tem resposta simples e desconcertante: ninguém. Uma vez aberta a porta do controle do discurso público pelo Estado, não há mais quem o possa controlar. Tornamo-nos todos reféns das visões de mundo dos burocratas de plantão.
A segunda acepção da expressão controle social da mídia é a única compatível com o regime constitucional de 1988, que baniu a censura e assegurou, em toda a sua plenitude, as liberdades de expressão, de imprensa e de informação. Tal visão é centrada na capacidade de julgamento e escolha dos indivíduos, desde que expostos a um ambiente livre e plural, capaz de gerar um robusto mercado de informações, ideias e opiniões. Assim, o controle social da mídia é a resultante da liberdade de escolha dos leitores, ouvintes e telespectadores, que tenderão a prestigiar os veículos de maior credibilidade e que ofereçam melhor qualidade em sua programação.
Em outras palavras, o crivo da opinião pública é a principal forma de controle das eventuais distorções provocadas pela mídia. O esclarecimento dos fatos pela emissora concorrente, a perda de audiência em razão da falta de credibilidade e a busca do público por novas e diversificadas fontes de informação e entretenimento (como as redes sociais e os portais de notícias na internet, por exemplo) são manifestações legítimas do controle social sobre a atuação dos meios de comunicação.
Para as situações extremas há mecanismos judiciais à disposição dos cidadãos. Tais mecanismos podem também ser compreendidos como formas de controle social. Refiro-me, por exemplo, ao direito de resposta e ao direito de retificação de notícia, que constituem instrumentos de participação do indivíduo na construção do discurso público pela imprensa. Além de um conteúdo tipicamente defensivo da honra e da imagem das pessoas, o direito de resposta cumpre também uma missão informativa e democrática, na medida em que permite o esclarecimento do público sobre fatos e questões do interesse de toda a sociedade. De outra parte, a responsabilização civil e penal, quando cabíveis, são certamente salvaguardas de defesa das pessoas contra eventuais abusos ou desvios.
Portanto, o desafio da chamada accountability da mídia envolve, sobretudo, a promoção de um ambiente pluralista e competitivo entre fontes e veículos de comunicação, no qual empresas, jornalistas independentes e cidadãos em geral poderão livremente divulgar suas versões e opiniões, assim como suas produções artísticas e culturais, cabendo aos indivíduos, de forma igualmente livre, formular seus juízos e exercer suas escolhas. Essa a única forma legítima de controle social da mídia.
*MASTER OF LAWS PELA YALE LAW SCHOOL, É PROFESSOR ADJUNTO DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO


Quando a imprensa é uma chance para a paz

Eugênio Bucci

Antes de olharmos o que se passa na Praça Tahir, no Cairo, onde o povo se aglomera para derrubar o ditador Hosni Mubarak e jornalistas de todos os países sofrem abusos e agressões, façamos uma breve escala no passado recente. Recapitulemos, em poucos parágrafos, a Guerra do Iraque, suas mentiras e a lição sutil - ainda não assimilada - que elas nos deixou. No dia 21 de janeiro, o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair prestou seu segundo depoimento à Comissão Chilcot, que investiga a participação do Reino Unido na invasão do Iraque. Houve protestos na audiência. "Suas mentiras mataram meu filho!", acusou Rose Gentle, mãe de um dos 179 soldados ingleses mortos no conflito. Nomeada pelo sucessor de Blair, Gordon Brown, a comissão tem a incumbência de esclarecer as verdades e as mentiras que levaram o Reino Unido à guerra e de preparar um relatório final para o Parlamento. Há muito a ser elucidado.
Hoje se sabe que pelo menos uma mentira, uma gigantesca mentira, foi decisiva para que, nos Estados Unidos, o então presidente George W. Bush obtivesse o apoio do Congresso para atacar o Iraque: a acusação de que o ditador Saddam Hussein fabricava secretamente armas químicas de destruição em massa. Como ficaria claro, a acusação era falsa. As tropas de Bush e Blair viraram o Iraque de pernas para o ar, localizaram Saddam Hussein escondido num porão, barbudo e alquebrado, mas não acharam arma química nenhuma. Mas ainda há mistérios no episódio. Por exemplo: quando bancou essa informação, Bush sabia que mentia? A pergunta está em aberto. Segundo seu ex-assessor político Karl Rove, em seu livro Courage and Consequence, lançado no ano passado, o ex-presidente foi sincero. E quanto a Blair? No depoimento à Comissão Chilcot, ele diz lamentar as baixas, como a do filho de Rose Gentle, mas considera que a guerra teve razões justas. Na opinião dele, o planeta estaria pior do que está se Saddam Hussein não tivesse sido arrancado do poder.
A discussão será longa. E, pelo menos até agora, um dos fatos mais relevantes da escalada da guerra vai ficando na sombra: a mentira que ajudou Bush a costurar sua base entre os parlamentares americanos, e que pesou de algum modo na decisão de Blair, foi disseminada e sustentada não apenas nos gabinetes dos políticos, mas na opinião pública. Ela foi endossada por alguns dos jornais mais influentes do mundo - que, depois, reconheceriam sua falha. Se Bush e Blair erraram, grandes e respeitáveis veículos de imprensa erraram junto. Chegamos, então, ao que deveria ser a maior lição desse episódio: a verdade deixou de ser a primeira vítima da guerra; hoje, a guerra não é mais a causa, mas a consequência da verdade vitimada. Até meados do século 20 prevaleceu como verdadeira uma frase atribuída, entre outros possíveis autores, ao senador americano Hiram Johnson (1866-1945): "Quando uma guerra começa, a primeira vítima é a verdade". Segundo a velha máxima, um país, ao entrar em conflito armado com outro, deveria aceitar de bom grado mentir sobre o inimigo e sobre si mesmo. Ganhar a guerra seria mais importante do que dizer a verdade sobre os fatos. Hoje, quando os interesses nacionais se veem obrigatoriamente mediados por algo que, em termos apressados, poderíamos chamar de um interesse público supranacional, cujo ponto mais alto é a paz, a informação jornalística já não pode ser vista ou tratada como arma de guerra. Ela é parte da base comum para o diálogo. O valor da informação jornalística situa-se acima dos cálculos dos governos, uma vez que é pré-requisito para a convivência entre as nações. Isso aumenta, é claro, a responsabilidade do jornalismo. Hoje, quando a verdade é violentada, a primeira vítima pode ser a paz. Uma grande mentira nas páginas de um grande jornal pode render, entre outras tragédias, as 179 mortes pelas quais Tony Blair diz chorar até hoje.
A conclusão é simples: se souber e puder acompanhar os fatos e documentá-los com um mínimo de honestidade e integridade, a imprensa pode ajudar a evitar abusos. Agora voltemos à Praça Tahir, no Cairo. Nela, e no seu entorno, os apoiadores do ditador Mubarak investem contra qualquer pessoa que represente a possibilidade de diálogo entre os cidadãos. Até o representante do Google no país passou semanas encarcerado. Celulares emudeceram e depois voltaram a falar. Os jornalistas Corban Costa, da Rádio Nacional, e Gilvan Rocha, da TV Brasil, ficaram presos por 18 horas. Na segunda-feira, a Embaixada do Egito no Brasil divulgou um pedido de desculpas, lacônico. Para a tirania que tenta sobreviver no Cairo, a imprensa, qualquer imprensa, da Al-Jazira ao Estadão (cujo correspondente, Jamil Chade, também foi agredido), é inimiga mortal. A ditadura não quer testemunhas. Sabe que todas as suas chances dependem da escuridão.
No caso do Iraque, a investigação jornalística sobre as armas químicas chegou tarde demais. A paz saiu perdendo. Agora, é diferente. Correspondentes do mundo todo estão a postos na praça. Querem fazer seu trabalho. Aos governos de todos os países, à ONU e às entidades da sociedade civil cumpre exigir da ditadura egípcia, com muito mais veemência, o devido respeito os jornalistas, que representam os olhos de todos nós. Por isso, uma agressão a um jornalista no Cairo deve ser repelida como uma agressão ao seu país de origem. A esta altura, ninguém sabe direito para onde vai o Egito. Mas, desde já, sabemos que sem repórteres por perto o caminho será muito mais sangrento. Garantir a presença da imprensa internacional na Praça Tahir é dar uma chance à paz. Omitir-se na defesa dos jornalistas equivale a patrocinar, indiretamente, a brutalidade que só prospera onde não há direito à informação.
*JORNALISTA, PROFESSOR DA ECA-USP E DA ESPM


ECONOMIA
Shell terá de vender ativos de empresa de querosene de aviação
Compra da Jacta, que pertencia à Cosan, pela Shell provocou concentração nesse mercado, segundo o Cade

Célia Froufe - O Estado de S.Paulo

A Shell terá de revender a uma terceira empresa os ativos comprados da Jacta, braço da Cosan que atua na área de combustíveis para aviação, se quiser pelo menos manter a carteira de clientes que obteve com o negócio. A ação, que terá de ocorrer em até 90 dias, foi determinada ontem pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Caso descumpra a medida, a Shell terá de pagar multa diária de aproximadamente R$ 20 mil e ainda corre o risco de ter toda a operação anulada.
O órgão antitruste foi rígido com o negócio fechado em 2009, por R$ 150 milhões, pois está preocupado com a competitividade do setor aéreo brasileiro, que está em franco crescimento no País. "O abastecimento é insumo essencial para a aviação e representa grande parte dos custos", disse o presidente interino do Cade, Fernando Furlan. "Além disso, teremos eventos importantes no País proximamente e este é um mercado de relevante valor estratégico."
O caso foi a julgamento pelo Conselho há cerca de três meses, e chegou a receber aprovação do então presidente Arthur Badin e do então relator do processo, César Mattos. Os dois tiveram seus mandatos expirados em novembro. Furlan, no entanto, pediu um prazo maior para se aprofundar no tema. E não gostou do que viu. Por isso, estimulou a Shell a apresentar uma proposta de acordo até a última segunda-feira.

Sigilo. As sugestões, que estão sob sigilo, chegaram ao Cade na terça, mas a avaliação dos conselheiros foi a de que a proposta era insuficiente para fomentar a concorrência no setor.
Com o negócio, no lugar de três empresas do setor - Jacta, Shell e BR Distribuidora - ficariam apenas duas companhias atuando. Em alguns dos aeroportos, conta-se também com a presença da Air British Petroleum (Air BP). A Shell deve questionar a decisão do Cade na Justiça.
TENSÃO NO MUNDO ÁRABE
Confrontos se espalham pelo Egito e regime ameaça endurecer repressão
Cidades remotas do sul e norte do país registram os primeiros choques entre manifestantes e policiais, enquanto trabalhadores convocam greves; opositores cercam prédio do Parlamento, no Cairo, e primeiro-ministro é obrigado a deixar o local disfarçado

Lourival Sant'Anna - O Estado de S.Paulo

O movimento pela renúncia do presidente Hosni Mubarak incorporou novos métodos e expandiu-se para novas áreas ontem, com a deflagração de greves, o cerco ao Parlamento e confrontos entre manifestantes e a polícia em áreas remotas do sul e norte do país, onde ainda não tinham ocorrido incidentes. A ampliação dos protestos, cujo epicentro continua sendo a Praça Tahrir, coincide com a ameaça de recrudescimento do regime.
Milhares de manifestantes se reuniram ontem na frente do Parlamento, no centro da cidade, exigindo a sua dissolução, assim como a saída de Mubarak. "Esse Parlamento é nulo", gritaram. "Abaixo a fraude." O Congresso foi eleito em dezembro, com vitória esmagadora do governo, que ficou com 95% das cadeiras, mas o resultado foi rejeitado pela oposição que, em grande parte, boicotou a votação.
O jornal Al-Dustour, de oposição, publicou ontem que, na véspera, o primeiro-ministro Ahmed Shafik teve de sair disfarçado do Parlamento cercado por manifestantes e não conseguiu entrar no prédio do Conselho de Ministros, próximo dali. O conselho teria sido transferido para a Rua 6 de Outubro, mais distante da área dos protestos.
Pela primeira vez desde que as manifestações começaram, no dia 25, os oposicionistas convocaram greves. Houve paralisações ontem dos funcionários da companhia estatal de energia elétrica e dos museus.
As principais queixas são salários baixos e corrupção. Mesmo com o aumento de 15% anunciado pelo governo, a maior parte dos funcionários continuará com os ganhos na casa dos US$ 100 ou menos. Os egípcios reclamam que os serviços públicos só são prestado mediante pagamento de propina.
Duas pessoas foram mortas e várias ficaram feridas num confronto entre 3 mil manifestantes e a polícia no Oásis de Kharga, na Província de Novo Vale, 500 quilômetros ao sul do Cairo. Cerca de 8 mil pessoas, a maioria pequenos agricultores, e também funcionários públicos, bloquearam a principal estrada entre a Província de Assiut, também no sul, e o Cairo, erguendo barricadas com palmeiras em chamas. Os manifestantes apedrejaram a van do governador da província, Nabil el-Ezaby, que tentou conversar com eles. O motivo da manifestação foi a escassez de pão. Já em Porto Said, no Canal de Suez, no norte do país, 300 manifestantes atearam fogo ao palácio do governo para protestar contra a falta de moradia.
Em reunião com diretores de jornais na noite de terça-feira, o vice-presidente Omar Suleiman advertiu para o risco de um "golpe" se os manifestantes continuarem se recusando a negociar. "Não podemos suportar essa situação por muito tempo e precisamos pôr fim a essa crise o mais rápido possível", disse.
Segundo o Banco Crédit Agricole Egypt, o país perde US$ 310 milhões por dia com a crise. Suleiman ainda avaliou que o Egito não está preparado para a democracia. As declarações intensificaram temores de que o governo volte a reprimir os protestos.
O porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, declarou que o Cairo "ainda não deu os passos necessários, que o povo do Egito precisa ver". "É por isso que cada vez mais pessoas saem para registrar suas queixas."

 Com Mubarak não há diálogo, diz irmandade
Maior grupo de oposição, fundamentalistas islâmicos afirmam que só iniciam negociação direta com regime quando presidente renunciar

Lourival Sant'Anna - O Estado de S.Paulo

A Irmandade Muçulmana anunciou ontem seu apoio à exigência dos manifestantes da Praça Tahrir de que o presidente Hosni Mubarak deixe imediatamente o cargo, e disse que só aceita negociar sob essa condição.
O mais antigo movimento fundamentalista islâmico, fundado em 1928 e dissolvido pelo governo duas décadas depois, atraiu ontem repórteres do mundo inteiro. Os jornalistas subiram o elevador de porta verde - a cor do Islã -, que ao partir toca um verso do Alcorão, para acotovelarem-se no apartamento da organização no bairro de classe média de Manial, no Cairo.
"As negociações não começaram ainda", definiu Mohamed Morsi, o principal porta-voz da organização, que se reuniu com o vice-presidente Omar Suleiman no domingo. "Elas vão começar só depois que o regime cair."
Acusada pelo governo de orquestrar as manifestações, com apoio de supostas forças externas, a irmandade reiterou que elas foram iniciativa dos jovens na Praça Tahrir. "Esse movimento não tem líderes", disse Morsi. "O que o lidera é o objetivo de tirar Mubarak do poder."
Segundo ele, além da saída do presidente, os outros dois objetivos são a dissolução do Parlamento e a liberdade de expressão. O porta-voz garantiu que a irmandade não lançará candidato próprio a presidente.
Um observador ouvido pelo Estado estima que a irmandade tenha entre 20% e 30% do apoio da população egípcia. Como nunca houve eleições livres nem pesquisas independentes no país, é difícil quantificar. Morsi considerou "insultosa e vergonhosa" a declaração de Suleiman, feita na noite de terça-feira a um grupo de editores de jornais, de que o Egito não está preparado para a democracia. "Do regime só sobraram restos", disse Essam El-Erian, outro membro da direção da irmandade. "O regime acabou. Mubarak devia reconhecer. Mas ele teima em não ouvir o povo."
Morsi disse que o Exército - que no passado reprimiu violentamente a Irmandade - "está fazendo um grande trabalho, protegendo os manifestantes". Mas advertiu que "há forças tentando destruir a relação entre o povo e o Exército". Segundo ele, entre 70 e 100 pessoas foram detidas na semana passada quando levavam medicamentos e comida para os manifestantes na praça, conduzidas a instalações do Exército e torturadas.


PARA LEMBRAR
Grupo radical é banido no Egito desde 1954

Criada em 1928 por Hassan al-Banna, a Irmandade Muçulmana era inicialmente uma rede de ação social para difusão do Islã. Já nos anos 40, porém, o grupo adotou uma plataforma política com objetivo de instaurar, por meio da luta armada, valores morais e religiosos no Estado e na sociedade do Egito. Ao deixar de lado o quietismo religioso e adotar uma estratégia política para alcançar um Estado islâmico, a irmandade tornou-se o primeiro movimento fundamentalista muçulmano e passou a servir de inspiração a radicais em vários lugares do mundo.
O rei Farouk desmantelou a irmandade em 1948 e o presidente Gamal Abdel Nasser baniu a organização em 1954. Nos anos 60, o grupo abriu mão da luta armada e, nas últimas duas décadas, aceitou participar de eleições. A irmandade continua banida, mas é tolerada pelo poder.


CENÁRIO
A manifestação que mudou o Egito

*Timothy M. Phelps - O Estado de S.Paulo

A revolta que abala o Egito não começou no Cairo, mas em Mahallah, cidade de indústrias têxteis e fortemente poluída, entre campos de algodão e hortaliças no Delta do Nilo. Os 32 mil trabalhadores dos centros têxteis estatais e de dezenas de milhares de outras fábricas particulares menores são a alma do movimento trabalhista egípcio. Seus líderes são notórios por não temer perseguições ou prisões. Um protesto nacional contra a alta do preço dos alimentos, desemprego e tortura pelas forças policiais país explodiu com violência na cidade em 2008, inspirando um movimento juvenil que acabou marcando os protestos pela derrubada de Hosni Mubarak. Enquanto as notícias dos protestos se espalhavam pelo país nesta semana, os líderes dos trabalhadores em Mahallah afirmaram que a melhora do padrão de vida já não basta. "Nosso slogan agora não é só reivindicações trabalhistas", disse o ferroviário Mohamad Murad, coordenador sindical e político de esquerda. "Agora, queremos mudanças."
Há pouco tempo, uma manifestação que reunisse várias centenas de pessoas era considerada grande no Egito. A polícia se encarregava de cuidar para que ela não escapasse do controle. Mas em 6 de abril de 2008 o movimento de Mahallah tornou-se conhecido em todo o país graças aos vídeos postados no YouTube, Facebook e outras mídias sociais. Depois que a polícia abriu o fogo e matou duas pessoas, os manifestantes promoveram atos de violência nas ruas, incendiando prédios, saqueando lojas e atirando pedras contra os soldados.  Mas o aspecto mais significativo foi que os manifestantes rasgaram e pisotearam um cartaz gigantesco de Mubarak na praça central, algo raro num país no qual o respeito pelo líder é promovido por um aparato de segurança cujos tentáculos chegam a cada quarteirão.
"Esse levante foi o primeiro a romper a barreira do medo em todo o Egito", disse Murad. "Ninguém poderá dizer que o Egito foi o mesmo dali em diante."
TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
*É REPÓRTER DO "LOS ANGELES TIMES"


HAVANA
Cuba levanta censura a blog de premiada opositora
Yoani Sanchez, a principal voz na Internet contra o regime castrista, pode ser lida por cubanos que vivem na ilha pela primeira vez em três anos

Cubanos que vivem na ilha comunista puderam acessar ontem pela primeira vez o blog Generación Y, da dissidente Yoani Sanchez, ganhadora de vários prêmios internacionais. Sem anunciar publicamente, o regime castrista retirou a página da lista de endereços de internet censurados.
"Na longa noite de censura, uma pequena brecha se abriu. Meu blog Generación Y voltou a receber luz da ilha", disse Yoani em sua conta no Twitter.
A página da dissidente foi tirada do ar em 2008, quando ela ganhou o prestigioso Prêmio Ortega y Gasset de jornalismo, na Espanha. No mesmo ano, a cubana de 35 anos apareceu na lista das cem pessoas mais influentes do mundo da revista Time. Yoani ganhou vários outros prêmios internacionais, mas o governo apreendeu seu passaporte e não permite que ela deixe Cuba.
O Generación Y descreve as dificuldades políticas e da vida comum sob o regime dos irmãos Raúl e Fidel Castro. Embora tenha grande repercussão internacional - seu conteúdo é diariamente traduzido em 15 idiomas -, o blog é pouco conhecido em Cuba, onde poucos têm acesso à internet. Mais de 100 mil pessoas seguem Yoani no Twitter.

Na mira. A internet tornou a blogueira uma das principais vozes da oposição ao regime castrista fora de Cuba. A fama fez o governo passar a atacá-la com frequência em suas publicações impressas e online.
Um vídeo divulgado na semana passada mostra uma reunião de autoridades cubanas discutindo sobre como a internet se tornara o novo "campo de batalha" contra os EUA. Yoani era citada várias vezes na conversa.
Uma joint venture cubano-venezuelana está instalando um cabo submarino de fibra ótica de 1.600 quilômetros que, pela primeira vez, levará internet rápida à ilha. A obra deve terminar no fim do mês. A expectativa, porém, era a de que a melhora no acesso não reduzisse o controle de conteúdo imposto por Havana. O governo cubano não deu explicações sobre o fim da censura ao blog de Yoani.
REUTERS


Blogueira cubana estreia domingo coluna no ''Estado''

Yoani Sánchez, a jornalista blogueira cubana que desde 2007 desafia o regime de Fidel e Raúl Castro, estreia neste domingo sua coluna no "Estado", que adquiriu o direito de publicação com exclusividade para São Paulo. A coluna terá periodicidade quinzenal.
Yoani, que se formou em filologia pela Universidade de Havana em 2000, já ganhou os prêmios Ortega y Gasset (2008), Maria Mors Cabot (2009) e Príncipe Claus (2010). Detida várias vezes pelo regime cubano e impedida de sair do país para receber as homenagens internacionais, Yoani já foi considerada uma das cem personalidades mais influentes do planeta pela revista americana "Time".
Fonte: Estado de SP

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