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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

25 de fevereiro de 2011 - VALOR ECONÔMICO


AVIAÇÃO
Remoção de aviões começa em março

Adriana Aguiar | De São Paulo

A Justiça começará em março a remover os 119 aviões envolvidos em processos e que estão se deteriorando em diversos aeroportos do Brasil. O primeiro será um Airbus da Vasp, sem painel de controle, poltronas e até sem teto, que está parado no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Em seguida, deve-se dar um destino a outras oito aeronaves da companhia aérea em Congonhas, estacionadas em uma área de 170 mil metros quadrados pertencente à Infraero. A ideia é recolher até dezembro todas as aeronaves existentes no país.
Essas metas fazem parte do Programa Espaço Livre, desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O Comitê Executivo, que conta com representantes da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Infraero, membros da Aeronáutica, Ministério Público, entre outros, realizou ontem sua primeira reunião.
Além dos aviões de companhias aéreas falidas (Vasp e Transbrasil), serão retiradas aeronaves particulares, que contam com pendências judiciais, como questões de sucessão familiar ou que pertenciam a traficantes de drogas. Esses aviões, que ficam anos parados à espera de uma decisão judicial definitiva, têm um custo médio diário de estadia de R$ 1,2 mil.
O destino desses aviões agora será definido pela Anac, que deve desenvolver estudos para avaliar o grau de deterioração de cada um. Segundo o juiz-auxiliar da Corregedoria do CNJ Marlos Melek, muitos terão que ser vendidos para compradores de sucatas. "Porém, alguns terão um destino mais nobre", diz. Segundo ele, o governo do Distrito Federal, por exemplo, pretende comprar um desses aviões para decorar a biblioteca de uma escola pública, o que deve servir como mais um atrativo para que as crianças utilizem o espaço. Um órgão publico do Rio de Janeiro também manifestou interesse em utilizar uma dessas aeronaves para treinamentos de segurança policial. O Museu Asas de um Sonho também pretende adquirir pelo menos um dos aviões da Vasp.
Para evitar novas ocorrências, a Aeronáutica deve apresentar em 60 dias ao CNJ um estudo para apontar aeroportos de referência que poderiam receber esses aviões, onde eles poderão ficar parados por, no máximo, oito meses. Caso a pendência na Justiça não seja resolvida a tempo, o avião deverá ser leiloado e o valor será depositado em conta judicial, que indenizará a parte que vencer a ação. "Não vamos permitir que novos aviões de R$ 30 milhões sejam vendidos por R$ 200 mil", diz Melek.


PROGRAMA ESPACIAL
Unidade será lançada dia 28 para apoiar programas relacionados a satélites
Laboratório reduz gargalo espacial

Virgínia Silveira | De São José dos Campos, para o Valor

O Brasil está prestes a resolver um dos principais gargalos do seu programa espacial. Na segunda-feira, o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, inaugura o Laboratório de Identificação, Navegação, Controle e Simulação, o primeiro em sua categoria na América do Sul, concebido para suportar as atividades de desenvolvimento de um sistema de navegação utilizado na estabilização de satélites em órbita e na orientação de um foguete no espaço.
O novo laboratório, que custou R$ 15 milhões e foi financiado com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), está vinculado ao projeto Sistemas de Navegação Inercial para Aplicação Aeroespacial (SIA). Administrado pela Fundação de Desenvolvimento e Pesquisa e avaliado em R$ 40 milhões, o projeto SIA é responsável pelo desenvolvimento de uma plataforma inercial completa. O primeiro protótipo da plataforma, de acordo com o coordenador do SIA, Waldemar de Castro Leite, já está com 70% do seu desenvolvimento concluído e a previsão é que o sistema seja testado no ano que vem, durante o lançamento do foguete brasileiro VLS.
Com capacidade para testar sensores em um nível de precisão de 0,1 grau por hora, o equivalente à medição de movimentos 100 vezes menores que o de rotação da Terra, o laboratório também estará disponível para atender a empresas de outros setores não ligados ao programa espacial, na área de sistemas inerciais. "O Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial poderá testar, de forma precisa, nesse laboratório, o sistema de controle do seu veículo aéreo não tripulado, em fase de desenvolvimento", diz Castro.
A Petrobras, segundo Castro, terá a opção de fazer no Brasil a calibração dos sistemas PIG. Esse dispositivo é usado com a finalidade de limpar o interior de dutos no fundo do mar. Empresas como a Embraer e a Navcom, que adotaram sistemas de navegação inercial em seus produtos, também poderão utilizar a estrutura do laboratório para fazer a calibração desses equipamentos e economizar o investimento feito em unidades estrangeiras.
A execução do projeto SIA está a cargo do Instituto de Aeronáutica e Espaço, órgão de pesquisa e desenvolvimento vinculado ao departamento aeroespacial. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) também participa do projeto, mas com o objetivo de montar uma malha de simulação real do sistema de controle de um satélite. O Instituto de Aeronáutica vai fornecer para o Inpe um dos sistemas da plataforma inercial, chamado de girômetro, explicou Castro.
O sistema inercial de um foguete é composto por dois sensores principais: o girômetro e o acelerômetro, que repassam as informações sobre a posição do foguete no espaço para o computador de bordo do veículo. A plataforma inercial localiza e orienta o foguete durante a sua trajetória de lançamento, indicando, inclusive, os desvios de rota que possam ocorrer nesse período.
Ao desenvolver seu próprio sistema de navegação espacial, o Brasil entra para o seleto grupo de países capazes de desenvolver um dos componentes essenciais de um veículo lançador e, por isso, deixa de se submeter a todo tipo de embargo por parte dos países desenvolvidos. "Desde 1989, nenhum foguete de sondagem brasileiro foi lançado com sistema de controle, por conta das dificuldades para se adquirir esse sistema no exterior", afirma Castro.
Os sistemas inerciais dos protótipos de foguetes lançados pelo departamento aeroespacial, nos últimos 15 anos, foram comprados da Rússia e da França, em meados da década de 1990, mas com a oposição dos Estados Unidos. Os satélites que o Brasil fez com a China levam um sistema de controle de órbita chinês. Para os novos satélites brasileiros em desenvolvimento, o Inpe está adquirindo o controle de uma empresa argentina. As aeronaves SuperTucano, da Embraer, utilizam um sistema da empresa americana Honeywell.
O domínio da tecnologia que envolve o sistema de navegação de veículos espaciais, segundo Castro, é estratégico, pois dará ao Brasil mais autonomia para o desenvolvimento do seu programa espacial, que há vários anos vem sendo afetado por sucessivos embargos tecnológicos. As negociações para a compra dos sensores da central inercial do primeiro protótipo do VLS, da Rússia, por exemplo, levaram mais de dois anos para serem concluídas e aprovadas. Os embargos ainda persistem e também afetam a compra de componentes para os satélites do Inpe.
A tecnologia do SIA, segundo o coordenador do projeto, também está sendo repassada para a indústria nacional. O desenvolvimento da plataforma inercial envolve um consórcio de empresas formado por Mectron Engenharia, Equatorial, Optsensys, Navcon e Compsis.


EU & FIM DE SEMANA
Um novo começo
Barack Obama procura estabelecer "química" com Dilma Rousseff e reiniciar relação que chegou ao seu ponto mais baixo no governo Lula.

Alex Ribeiro | De Washington

Quando a presidente Dilma Rousseff foi eleita, as relações entre o Brasil e os EUA estavam nos seus piores momentos em muitos anos. O Conselho Nacional de Inteligência (NIC, na sigla em inglês), orgão do governo americano responsável por traçar estratégias de longo prazo para as políticas militar e externa, discutia por que o grande vizinho mais ao sul, com quem os americanos dividem valores como democracia e livre mercado, havia votado no Conselho de Segurança das Nações Unidas contra a aplicação de sanções ao Irã, acusado de desenvolver um programa nuclear em desacordo com as regras internacionais.
Os dois lados se estranhavam em temas como a polêmica derrubada do governo de Honduras, o socorro humanitário às vítimas do terremoto no Haiti, a tentativa dos americanos de ampliar sua presença militar na Colômbia, a política monetária expansionista nos EUA.
Lobistas brasileiros andavam preocupados com a imagem negativa do país em Washington, algo muito ruim para os interesses econômicos das empresas. Havia rumores de que o deputado Eliot Engel, que lidera o "Brazil Caucus", grupo no Congresso que discute questões relacionadas ao país, considerava abandonar o posto porque sua base eleitoral judaica em Nova York estava furiosa com ações do governo brasileiro, como o reconhecimento do Estado da Palestina. "Vai ser difícil achar um voluntário para substitui-lo", lamentava um lobista.
De repente, o clima mudou. Em entrevista ao jornal "Washington Post", em dezembro, Dilma marcou diferenças importantes com o regime iraniano. Rejeitou o apedrejamento de Sakineh Mohammadi Ashtiani, condenada à morte por suposto adultério, e estendeu a mão para o governo Obama. "Vou tentar construir laços mais próximos com os EUA", disse.
No poder, Dilma tratou de trocar o comando do Itamaraty. Saiu Celso Amorim, que teve uma relação abrasiva com os EUA, e entrou um diplomata da nova geração, Antonio Patriota, que conhece bem Washington. Foi embaixador aqui e, mais do que isso, entende a cabeça dos americanos, entre outros motivos por que é casado com uma americana.
Os EUA responderam rápido. A secretária de Estado, Hillary Clinton, sacrificou o reveillon para comparecer à posse de Dilma, e Barack Obama anunciou viagem ao país [ele chega a Brasília dia 19], em rara menção a assuntos externos feita por um presidente no tradicional discurso ao Congresso e Suprema Corte sobre "o estado da União".
"O governo Obama estava ansioso para se aproximar do novo governo brasileiro, e vice-versa", avalia Michael Shifter, presidente do Interamerican Dialogue. "É um esforço para reiniciar a relação, depois de um período difícil no último ano do governo Lula", afirma Mauricio Cárdenas, diretor da Latin American Initiative, no Brookings Institution.
Poucos em Washington acham, porém, que os problemas foram superados. Dilma fez declarações contra abusos aos direitos humanos no Irã, mas até agora não se pronunciou sobre o programa nuclear do país, tema central de discórdia com os EUA. Também não se sabe ao certo como será resolvido o impasse a respeito da readmissão de Honduras à Organização dos Estados Americanos (OEA).
"Não dá para apagar a história apenas com uma entrevista", afirma Julia Sweig, pesquisadora sênior e diretora de estudos latino-americanos no Council on Foreign Relations.
Para uma fonte do Palácio do Planalto, a visita de Obama ao Brasil ajudará a quebrar o gelo e, se for bem-sucedida, poderá contribuir para que se estabeleça uma proximidade diferenciada entre ele e Dilma. "A relação pessoal entre os presidentes Lula e [George W.] Bush constituiu base importante para o bom relacionamento entre Brasil e EUA nos últimos anos", concorda Roger Noriega, que foi o secretário responsável pelas relações com a América Latina no Departamento de Estado no governo Bush e hoje é pesquisador do American Enterprise Institute.
A realidade, porém, é que as relações entre Brasil e EUA começaram a se deteriorar ainda no governo Bush, em parte devido à política americana no Oriente Médio e ao fracasso das negociações da Área de Livre Comercio das Américas (Alca). "Lula e Bush tinham muita química entre si, mas a agenda foi vazia naquele período", afirma Julia Sweig, do Council on Foreign Relations.
A relativa falta de empatia de Obama com a América Latina surpreende, porque o começo de seu governo foi promissor. Em abril de 2009, com três meses no cargo, o presidente americano arrancou aplausos numa reunião de cúpula das Américas em Trinidad e Tobago ao defender "um novo começo" nas relações entre os EUA e Cuba. Ele conversou com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, um dos maiores adversários dos interesses americanos na região, e prometeu mudanças nas relações com a América Latina. "A política dos EUA não deve ser de interferência nos outros países, o que também significa que os EUA não podem ser acusados de todos os problemas que acontecem na região", disse.
Três semanas antes, em uma reunião do G-20 em Londres, Obama foi mostrado pelas câmeras de televisão fazendo festa para Lula. "Esse é o cara", disse o presidente americano. "O político mais popular do planeta."
"Obama criou expectativas muito altas", afirma Shifter, do Interamerican Dialogue. "Talvez Lula tenha achado que a política para Cuba fosse mudar rapidamente, o que não aconteceu."
A relação começou a azedar cedo, em fins de julho de 2009, quando da destituição do presidente de Honduras, Manuel Zelaya, empresário que dera uma forte guinada à esquerda.
"Obama assegurou a Lula que iria trazer Zelaya de volta ao poder", afirma Mark Weisbrot, codiretor do Center for Economic and Policy Research. No fim, os Estados Unidos reconheceram o governo escolhido nas eleições convocadas pelos militares. "Governos da região, incluindo o Brasil, viram uma ameaça que remonta aos dias em que golpes militares tiravam governos de esquerda do poder."
As coisas pioraram um pouco mais com o anúncio de que os EUA planejavam instalar novas bases militares na Colômbia. "A expansão das bases militares na Colômbia é algo que nem a administração Bush tentou fazer", diz Weisbrot.
Chegou-se ao fundo do poço quando o Brasil votou contra sanções ao Irã no Conselho de Segurança da ONU, no ano passado. Antes, o Brasil havia costurado com a Turquia um acordo para um terceiro país enriquecer urânio para o Irã, mas os americanos bombardearam a ideia.
Não há nada, no curto prazo, sendo discutido nas Nações Unidas sobre o problema central do programa nuclear iraniano, apenas direitos humanos, e em dezembro o Brasil deixará seu assento rotativo no Conselho de Segurança da ONU, reduzindo as chances de o país se envolver naquele tema espinhoso no curto prazo. Mas essa é uma ferida ainda aberta no governo Dilma. "É um assunto que vai voltar à tona em algum momento, porque é uma alta prioridade para os EUA", prevê Shifter." Será importante observar como os dois países vão lidar com isso."
De forma semelhante, ainda está pendente a reintegração de Honduras à OEA, à qual o Brasil se opõe. "Esse é um tema que, mesmo no governo Dilma, coloca os dois países em lados diferentes", afirma Weisbrot. "Os EUA querem a readmissão de Honduras, mas o Brasil se opõe porque quer algumas garantias, incluindo proteção aos direitos humanos."
De todo modo, EUA e Brasil conseguiram tocar uma agenda relevante em 2010. Os dois países chegaram a um acordo, por exemplo, na disputa sobre os subsídios americanos à produção de algodão, que se arrastava havia dez anos. Os Estados Unidos foram fundamentais para garantir o aumento das cotas do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI), usando o poder de veto para pressionar europeus, que se opunham à reforma. Também em 2010 foi assinado um acordo militar, algo que não existia desde 1977, quando o tratado em vigor foi denunciado pelo então presidente Ernesto Geisel.
"O Brasil é o melhor aliado que os Estados Unidos podem ter", observa Mauricio Cárdenas, do Brookings Institution. "As relações [americanas] com a China e a Rússia serão sempre tensas." O Brasil, afirma, é um país democrático, ocidental, com economia de mercado e muito respeitado internacionalmente. "Se o Brasil tem uma opinião sobre o tema China, isso pesa muito mais do que a posição dos Estados Unidos, pela simples razão de que o Brasil tem credibilidade."
O forte crescimento da China é um fato novo que aproxima Brasil e Estados Unidos. Nos últimos anos, os chineses aumentaram sua presença na América Latina, com empréstimos para governos da região e investimentos no setor de produtos básicos, como minério. Hoje, o país asiático é o maior parceiro do Brasil, com uma corrente de comércio de US$ 56 bilhões. É um motivo de preocupação para os americanos, que veem diluir sua influência na região, mas a China começa a ser considerada de forma crítica também pelo governo de Dilma.
"A ascensão da China é motivo para o Brasil ter uma relação mais fluida com os Estados Unidos", afirma o professor Matias Spektor, da Fundação Getúlio Vargas, no Rio. Segundo ele, o Brasil reproduz com a China padrões típicos de país em desenvolvivimento versus país industralizado, exportando produtos básicos e importando bens industrializados. "Não seria adequado a gente ter um canal privilegiado com Washington?", pergunta. "Hoje não temos esse canal, em parte porque não precisávamos dele. Mas será que, com o novo Brasil e a nova China, não vamos precisar?"
Não se espere, porém, muita coisa concreta da visita de Obama. Recentemente, o presidente americano deu apoio à Índia em sua pretensão de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, mas é improvável que faça o mesmo com o Brasil, com o tema do Irã ainda não completamente esquecido. Com sua economia ainda patinando, há pouca receptividade nos Estados Unidos para medidas de liberalização comercial como a Rodada Doha. Há alguma chance de o Congresso americano derrubar no fim do ano a barreira ao etanol brasileiro, mas ainda é muito cedo para Obama se comprometer com o tema.
Para preencher o vácuo, escalões técnicos dos dois países correm contra o tempo. Procuram colocar no papel medidas capazes de mostrar que o encontro teve consequências palpáveis -por exemplo, um mecanismo permanente para resolver controvérsias comerciais e de investimentos.
"Não é preciso avançar com Doha para melhorar as relações comerciais entre os dois países", afirma Noriega, do American Enterprise Institute. "Muitas empresas americanas veem o Brasil como um território proibido, porque a economia é um pouco fechada."
Julia Sweig, do Council on Foreign Relations, pondera que essa não será uma visita com resultados concretos. "Será uma viagem simbólica."
Com um pronunciamento em Brasília (dia 19) e passagem por uma favela no Rio (dia 20), o presidente americano deve protagonizar um verdadeiro show midiático. "No mundo todo, a popularidade de Obama é maior do que a dos Estados Unidos e, nesse ponto, o Brasil não é diferente", afirma Clifford Young, diretor-executivo do Ipsos Public Affairs. Obama provavelmente vai reconhecer o Brasil como um importante ator mundial e prometerá cooperação para o país superar gargalos do desenvolvimento econômico e social.
Para o americano médio, porém, a viagem deve passar em branco. A opinião pública não se interessa muito por assuntos internacionais, exceto quando há guerras envolvendo os EUA. Os políticos também dão pouca importância ao tema.
Na semana passada, o responsável pela América Latina no Departamento de Estado, Arturo Valenzuela, depôs na Câmara de Deputados. Não há nada mais relevante em sua agenda de trabalho, até porque é a primeira vez que Obama vai à América Latina, exceto por duas visitas ao México, país que é quase um assunto interno para os EUA, e a reunião de Trinidad e Tobago.
Durante o depoimento de Valenzuela, deputados da Flórida, onde há uma grande comunidade de cubanos, perguntaram muito sobre as relações com o regime de Raúl Castro. Alguns queriam saber da Venezuela. Uma deputada de Ohio o questionou sobre o emperrado acordo de livre-comércio com a Colômbia, porque, segundo ela, quatro grandes empresas de sua base eleitoral têm interesse no assunto.
"O Congresso é muito paroquial, mas o governo Obama entende a importância da America Latina", diz Shifter, do Interamerican Dialogue.


Parceria com interrogações
Assis Moreira | De Paris

As relações entre Brasil e Estados Unidos começaram a se deteriorar ainda no governo Bush, com Lula, apesar do bom relacionamento entre os dois presidentes
Em novembro do ano passado, quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou a presidente eleita Dilma Rousseff a Barack Obama, numa recepção de líderes do G-20 em Seul, o ocupante da Casa Branca comentou, bem-humorado: "Finalmente, alguém da delegação brasileira não tem barba".
Na mesma noite, em outro local da capital sul-coreana, o ambiente era de alta tensão num jantar de ministros de finanças. O secretário americano do Tesouro, Tim Geithner, ouvia de cara amarrada a avalanche de críticas do brasileiro Guido Mantega e de outros ministros contra a frouxa política monetária dos Estados Unidos, acusada de derrubar o valor do dólar e jogar o custo do ajuste da economia americana sobre os parceiros. "Não vamos nos esquecer dessas críticas", reagiu Geithner em tom imperial.
Desde que Dilma assumiu o poder, os EUA já enviaram Geithner a Brasília para discutir politica cambial, e agora vai o próprio Obama. Para influentes interlocutores dos EUA, a percepção americana é de que Dilma ainda não definiu o continuísmo ou uma nova linha na politica externa, e Washington quer aproveitar o momento em que "o pau ainda não está torto" para criar um novo clima de confiança na relação bilateral. No entender desses interlocutores, os EUA acham que o novo governo está mais disposto a buscar sintonia de posições na cena internacional. Se isso é verdade ou não, provavelmente nem o novo governo sabe ainda.
O primeiro teste pode ser justamente sobre o Irã, que causou o estremecimento diplomático no fim do governo Lula. Todos na comunidade internacional querem saber qual será o voto do Brasil sobre uma resolução apresentada pelos EUA no Conselho de Direitos Humanos, para criação de um relator especial para o Irã, instrumento forte de monitoramento do regime de Ahmadinejad.
Washington sabe que, para o Brasil votar a favor, tem que haver uma pré-negociação bilateral. E quem ouve representantes dos dois lados agora só escuta menções a "dinâmica positiva" e "vontade de dialogar", de forma que o Brasil estaria inclinado a votar favoravelmente pela proposta americana.
No G-20, que se torna o diretório econômico do planeta, o Brasil tinha sido visto em Seul por parceiros como muito condescente com os chineses e mais incisivo em relação aos americanos. Mas agora certas nuances começam a aparecer.
Na reunião de ministros de finanças, em Paris, o Brasil não apoiou os EUA, mas não se alinhou automaticamente à China, como tampouco ficou claramente contra a insistência de Pequim em recusar taxa de câmbio como indicador de desequilíbrio na economia.
Guido Mantega expressou divergência com os EUA, notando que o problema persiste "porque os países avançados não conseguiram se recuperar da crise. E a melhor medida é um estimulo eficaz dos Estados Unidos e da União Europeia, que ajudaria a reduzir o desequilíbrio mundial".
Mas ele cobrou também da China que deixe sua moeda se valorizar. "Não há um único responsável, mas um conjunto de responsáveis pela situação atual do desalinhamento das moedas", afirmou.
Os americanos não creem em aliança sólida, fechada, do Brasil com a China, e sim em uma aliança de conveniência de grandes emergentes com interesses específicos muito diferentes. E Washington quer ampliar a cooperação triangular com o Brasil e terceiros países - por exemplo, na África - onde a presença chinesa é crescente.
Na área comercial multilateral, o diálogo entre Brasil e EUA é permanente, ainda mais na nova tentativa de concluir a Rodada Doha. O Brasil não é um "deal maker" na negociação global, mas os americanos sabem que o país é um "deal breaker" - não é suficiente, mas é necessário, para fechar um acordo. Em todo caso, mesmo se o Brasil atender a todas as demandas americanas de abertura de mercado para seus produtos, Doha ainda continuará dependendo de um compromisso entre os EUA e a China.
Um novo impulso na relação entre Brasília e Washington será facilitado pelo conhecimento do ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, e pela postura positiva observada também do lado do assessor internacional de Dilma, Marco Aurélio Garcia.
Persiste, porém, a duvida sobre até que ponto os EUA estão realmente dispostos a admitir o Brasil colocando o pé no círculo central de poder na ordem mundial. Um dos "barbudos" do governo Lula, o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, que teve vários choques com os EUA, costumava contar uma conversa com alta autoridade americana. Depois de argumentar que um verdadeiro parceiro devia dizer "não" em certas situações, ele ouviu do americano o seguinte: "Pode ser, mas o que gostamos mesmo é dos amigos que dizem "sim".



ANÁLISE
Novas realidades em questão

*Roberto Abdenur | Para o Valor, do Rio

Lotado na embaixada em Washington entre 1973 e 1975, pude sentir de perto as então fortes contradições de interesses entre Brasil e Estados Unidos. Viria depois a vivenciar muitas delas, de forma mais intensa, como assessor na área econômica do secretário-geral e depois chanceler Saraiva Guerreiro, entre 1976 e 1984. Comércio bilateral, rodadas comerciais multilaterais, dívida externa, diálogo Norte-Sul, energia nuclear, política econômica: em muitos temas víamos os Estados Unidos como o grande adversário, o grande oponente, o principal obstáculo a nossos desígnios de desenvolvimento. Vinte anos mais tarde, em abril de 2004, após longo périplo por outras plagas, encontrei-me embaixador em Washington. Ao longo de minha gestão, até janeiro de 2007, fui testemunha de notáveis mudanças. O relacionamento bilateral, outrora tão acentuadamente assimétrico e por vezes mesmo antagônico, passava por acelerado processo de transformação. Questão antes de vida ou morte, a dívida externa havia pura e simplesmente sido por nós tirada do mapa. A vulnerabilidade externa, manifestada pela última vez em 1999, ao impacto da crise asiática, se reduzia. Divergências em torno da Alca e Doha já não mais tinham impacto sobre o conjunto do relacionamento. Tornava-se frondosa a tessitura das relações, com a criação de numerosos mecanismos de diálogo e cooperação. Uma visão recíproca, calcada em maior objetividade e pragmatismo, viabilizava inédito sentido de parceria e convergência de interesses. Etanol, energia, igualdade racial, apoio à África propiciavam oportunidades de somar esforços em temas de interesse comum, e também em favor de terceiros.
O que se vem dando é uma verdadeira mudança na natureza mesma do relacionamento Brasil-Estados Unidos. Claro está ser ele ainda marcado por acentuada assimetria quantitativa: o PIB americano, de mais de US$ 14 trilhões, é cerca de sete vezes o nosso. Mas era mais do que dez vezes maior até poucos anos atrás, e a brecha tende a diminuir com o Brasil crescendo mais rapidamente do que os Estados Unidos. Algo novo sobressai: está em curso drástica mudança na dinâmica desse relacionamento. Marca-o hoje um novo sentido de mutualidade, entrelaçamento e interdependência. Torna-se o Brasil investidor de considerável monta nos Estados Unidos. As multinacionais americanas aqui faturam alto. Geram, assim, substanciosas remessas de lucros a suas matrizes. Parte expressiva de nossas reservas de US$ 300 bilhões financia o Tesouro americano. E o relacionamento bilateral é impactado pelas profundas mudanças na inserção externa do Brasil. Pois passamos de fator de crise e instabilidade à condição de atores influentes na busca de soluções para desafios globais de variada ordem. Na economia, no comércio, nas finanças, no ambiente, no clima, em questões de paz e segurança.
Feita essa constatação, passo a algumas reflexões, à guisa de contribuição para que essa saudável evolução - que é, a rigor, também do interesse dos Estados Unidos - se consolide e amplie.

Vem se dando uma importante mudança na própria natureza e na dinâmica do relacionamento entre o Brasil e os Estados Unidos

Do lado brasileiro, convém deixarmos para trás a visão dos Estados Unidos como adversários, e passarmos a tê-los, em variadas situações em que isso se afigura válido, como companheiros de jornada rumo a níveis mais elevados de desenvolvimento interno e de projeção externa. Não cometamos o equívoco de achar que conquistaremos posições decisórias na reconfiguração do sistema internacional contra os Estados Unidos, ou à sua revelia. Não cabe supormos que afastamento ou contraposição gratuita sirvam a nossas conveniências de longo prazo. Regozijemo-nos com a diluição do poder no plano internacional e o surgimento de novos poderes e polos - mas não cometamos o erro de subestimar a capacidade de inovação da economia, e de renovação da sociedade americana. Alegremo-nos, por breve momento, com o fato inédito de estarmos bem quando os Estados Unidos enfrentam ainda prolongada crise - mas não celebremos as dificuldades por eles vividas, que acarretam prejuízos também a nossos interesses. Sigamos a promover a integração regional, mas não tenhamos ilusões quanto a que nossos vizinhos se disponham a fazer opção preferencial pelo Brasil em detrimento dos Estados Unidos. Nem vejamos a integração sul-americana, ou novas parcerias com outros emergentes, como alternativas a mais intenso intercâmbio com os Estados Unidos, ainda por longo tempo a maior economia, o maior mercado e a principal fonte de inovação no mundo.
Quanto aos Estados Unidos, cabe esperar que sejam capazes de avançar no reconhecimento das especificidades que conferem ao Brasil singular "soft power" no plano internacional. Foi graças a isso que ajudamos a fazer de nosso entorno região privilegiadamente pacífica e distante dos eixos de tensão geopolítica que tanto atormentam outros continentes. Não deve Washington entreter a ilusão de ver o Brasil como "aliado", disposto a alinhar-se prestimosamente com suas posturas. Não faz sentido suponham os Estados Unidos que o Brasil deva "corresponder" a preferências ou expectativas suas. As convergências, que só tendem a aumentar com as mudanças no relacionamento bilateral e as novas realidades internacionais, serão tanto mais legítimas e frutíferas quanto verdadeiramente expressivas dos melhores interesses de cada lado. Tampouco faz sentido certa tendência, neste momento visível em Washington, de "punir" o Brasil pela atitude que teve o governo anterior no caso iraniano, negando endosso a nossa postulação, hoje mais justificada do que nunca, por assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. No plano regional, é importante que os Estados Unidos não vejam a aglutinação econômica e politica da América do Sul (e, em alguns casos, da América Latina) como hostis a seus desideratos.
A visita do presidente Obama pode abrir nova e promissora etapa no relacionamento bilateral. As bases para isso foram dadas por avanços significativos, mas ainda incrementais. A hora é chegada para a consagração de uma nova parceria, lastreada em projeção de sentido verdadeiramente estratégico do potencial de benefícios que as relações bilaterais cada vez mais tendem a acarretar, para os dois povos e para o resto do mundo.
*Roberto Abdenur, diplomata aposentado, integrou o serviço exterior brasileiro por 44 anos. Foi secretário-geral do Itamaraty e embaixador no Equador, China, Alemanha, Áustria e Estados Unidos


ANÁLISE
Crise árabe vai exportar inflação para o mundo

Javier Blas | Financial Times

Por décadas, a política agrícola da região do Oriente Médio e Norte da África foi extremamente simples: as exportações de hidrocarbonetos custeiam as importações de carboidratos.
À medida que a agitação social e política varre a região, essa política tem duas implicações para os mercados de commodities: os países tentarão de tudo para manter elevados os preços do petróleo e acumularão estoques de alimentos, o que empurrará para cima os preços dos produtos agrícolas.
Esse intercâmbio - fornecer ao mundo petróleo e gás em troca de cereais - é claro num país como a Líbia, que é um dos maiores importadores per capita de trigo no mundo. E é também claro na Argélia e na Arábia Saudita. Não surpreende que, ao definir um nome para seu programa de ajuda ao Iraque, suspendendo parcialmente um embargo após a Guerra do Golfo (1990-91), a ONU tenha optado por Petróleo por Comida.
O Oriente Médio e o Norte da África têm pouca terra cultivável e ainda menos água. Por isso a região se tornou, nos últimos 40 anos, o maior importador mundial de alimentos, especialmente cereais. O Egito é o maior comprador mundial de trigo; a Arábia Saudita é a principal importadora de cevada. E a região é também a principal importadora de açúcar.
É improvável que sua dependência da importação de alimentos mude em prazo previsível.
A riqueza da região, baseada em hidrocarbonetos, gerada a partir da primeira crise do petróleo (em 1973-74) e a falta de responsabilização política levaram a região a soluções insustentáveis para solucionar seu problema alimentar.
A Arábia Saudita iniciou um programa para cultivar trigo no deserto, acessando aquíferos. Com dinheiro abundante e nenhuma hesitação quanto a esgotar recursos hídricos, Riad conseguiu uma vitória inicial. O reino estava não apenas cultivando trigo suficiente para se alimentar como também para colher um excedente destinado à exportação para toda a região. Mas o sucesso veio com um preço muito alto: Riad pagou preços cinco vezes acima dos níveis internacionais. E, por fim, a água acabou. Dois anos atrás, durante a crise alimentar de 2007-08, Riad anunciou o fim de seu programa de cultivo de trigo. Desde então, o reino se tornou um dos maiores importadores de trigo no mundo.
Com população jovem em crescimento, nos próximos dez anos a necessidade de importação de alimentos só tenderá a crescer na Arábia Saudita e na região.
Seus governos parecem concordar: os países estão acumulando estoques estratégicos ou até mesmo criando suas próprias corretoras de produtos agrícolas. O menor sinal de alguma insatisfação social - especialmente se acompanhada de inflação no preço dos alimentos - é enfrentado, em pânico, com um esforço de compras no mercado internacional de alimentos, em tentativas de inundar os mercados locais com suprimentos e baixar os preços no mercado doméstico. Todos esses fatores contribuem para manter elevados os preços das commodities agrícolas em todo o mundo.
O alimentos estão mais caros na região, e os subsídios, também maiores, e por isso a região tem todo incentivo para manter elevados os preços do petróleo.
O Oriente Médio e o Norte da África estão vivendo uma crise política que para o resto do mundo constitui-se em ameaça inflacionária.
FONTE: JORNAL VALOR ECONÔMICO

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