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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

11 de fevereiro de 2011 - ESTADO DE SÃO PAULO


DESTAQUE DE CAPA – TENSÃO NO MUNDO ÁRABE
Frustação Mubarak reitera que fica até setembro
Após sinais de renúncia, líder egípcio aferra-se ao poder e delega a vice chefia da transição apenas

Lourival Sant"Anna - O Estado de S.Paulo

O presidente Hosni Mubarak frustrou ontem à noite a expectativa de centenas de milhares de egípcios reunidos na Praça Tahrir - e possivelmente de milhões que o viam pela televisão - ao reiterar, num pronunciamento à nação, que permanecerá no cargo até as eleições presidenciais de setembro. Mubarak afirmou, sem dar mais detalhes, que tinha passado "alguns poderes, de acordo com a Constituição", para o seu recém-nomeado vice-presidente, Omar Suleiman.
O pronunciamento provocou fúria entre os manifestantes, que assistiram ao discurso num telão instalado no principal palanque da praça. "Amanhã (hoje) à tarde marcharemos até o Palácio Presidencial", gritaram eles, enquanto deixavam a praça.
Mesmo antes do aumento da expectativa sobre a renúncia de Mubarak, já estava prevista para hoje uma grande manifestação, que não se restringiria à Praça Tahrir, na saída da oração do meio-dia, a principal da sexta-feira, dia do descanso semanal muçulmano. A ideia, disseram os organizadores ao Estado, é ocupar outras praças do Cairo e de outras cidades do país.
O discurso, iniciado às 22h47 no Cairo (18h47 em Brasília), foi precedido de sinais por parte do Exército e do partido do governo de que o presidente renunciaria. Suleiman fez em seguida um pronunciamento também na TV estatal, afirmando que o governo vai "atender a todas as exigências" dos manifestantes, "dentro de um prazo determinado", e "a porta está aberta para mais diálogo".
O discurso de Suleiman deu novo sentido a uma declaração feita mais cedo pelo comandante do Exército na região do Cairo, Hassan al-Roweny. O general compareceu à praça e disse aos manifestantes: "Tudo o que vocês querem será realizado". Os manifestantes levantaram Al-Roweny no ombro, gritando: ""O Exército e o povo estão unidos.""
Mas tanto no discurso de Mubarak quanto no de Suleiman parece ter ficado claro que as exigências serão atendidas dentro do prazo por eles estipulado - ou seja, o presidente só sairá depois da eleição de setembro. "Voltem para casa, voltem para o trabalho", exortou Suleiman, dirigindo-se aos manifestantes. "Não ouçam canais de TV estrangeiros, cujo objetivo é trazer caos para o Egito." Mubarak também insistiu mais uma vez nessa tecla: "Nunca sucumbi a pressões internacionais". A TV estatal difunde constantemente versões de que as manifestações seriam orquestradas por outros países, em especial Israel.
Mubarak reiterou que não se candidatará a presidente em setembro, e "a vontade do povo será respeitada" na próxima eleição. Ele também prometeu "punir duramente" os responsáveis pela violência contra os manifestantes, que, segundo a ONU, deixou mais de 300 mortos (o governo admite metade disso). "O seu sangue não foi derramado em vão", dramatizou o presidente.
Pela primeira vez a cúpula das Forças Armadas reuniu-se ontem sem a presença do presidente, seu comandante-chefe. Antes da visita do general Al-Roweny, o novo presidente do governista Partido Nacional Democrático, Hossam Badrawi, que assumiu o cargo depois que toda a direção se demitiu, para tentar aplacar os protestos, também esteve na Praça Tahrir e deu a entender que Mubarak deixaria o poder. Ele disse que gostaria que o presidente "cumprisse sua promessa, que o Parlamento emendasse a Constituição, e dissesse que entende a legitimidade dos manifestantes e respeita as exigências dos jovens nas ruas".
Tudo isso criou enorme expectativa, de que Mubarak renunciaria para não enfrentar a manifestação maciça prevista para hoje.
O opositor Mohamed ElBaradei, após o discurso de Mubarak, advertiu que o Egito "explodirá e precisa ser resgatado pelo Exército". "O Exército deve salvar o país agora", afirmou Nobel da Paz em mensagem no Twitter.
O movimento continuou aumentando ontem, com greves de trabalhadores eclodindo em várias partes do país e em vários setores da economia. Nas indústrias têxteis da Província de Mahala, no norte do país, 24 mil trabalhadores cruzaram os braços, exigindo melhores salários e direitos sociais. Os funcionários dos trens que ligam as cidades egípcias também entraram em greve, assim como lixeiros e médicos. Um grupo de profissionais da saúde chegou ontem de manhã à Praça Tahrir, usando seus aventais brancos. Segundo informações, alguns hospitais no Cairo teriam parado de funcionar. Nas redações dos jornais do governo, jornalistas se rebelaram contra seus chefes, exigindo mudanças na linha editorial.
Nos EUA, o embaixador egípcio Sameh Shoukry disse à rede de TV CNN que, embora deva permanecer no cargo até setembro, Mubarak já não exerce nenhum poder no Egito. "Suleiman é o presidente de facto", afirmou.


17 DIAS DE PROTESTOS

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Demonstração de força
HOSNI MUBARAK - PRESIDENTE DO EGITO

"Expresso meu compromisso de levar adiante e proteger nossa Constituição e nosso povo, e transferir o poder à pessoa - não importa quem seja - que for eleita em setembro, por meio de eleições livres e transparentes"
"Pensei em transferir o poder do presidente ao vice-presidente (Omar Suleiman), de acordo com a Constituição. Estou seguro de que o Egito conseguirá superar essa crise: a vontade do nosso povo não pode ser quebrada, pois ela levantará com seus próprios pés uma vez mais"
"Provaremos nossa capacidade de alcançar os objetivos do povo de forma civilizada. Provaremos que não seguimos os outros, que não tomamos instruções de outros e ninguém pode decidir por nós mesmos"


Exército ganha força e cresce risco de golpe
Especialistas apontam para novo papel das Forças Armadas após reunião da cúpula militar sem a presença de Mubarak, o comandante-chefe

Alistair Lyon - O Estado de S.Paulo

Quando um porta-voz militar sorridente apareceu na TV para ler o "Comunicado Número 1" anunciando que o Conselho Superior do Exército estava em sessão permanente - na ausência do presidente Hosni Mubarak - parecia um golpe militar clássico. Manifestantes comemoram os relatos sobre a partida iminente do presidente, mas, por enquanto, a tomada de decisões parecer ter voltado aos militares.
A Irmandade Muçulmana, grupo de oposição mais organizado do Egito, disse que aquilo "parecia um golpe militar".
Horas depois, Mubarak veio a público garantir que não deixaria o poder. Não está claro, porém, em que condição o presidente continuará a governar. Para especialistas, na prática ele já teria passado o bastão para seu vice, Omar Suleiman.
"O fato de o Exército ter se reunido sem Mubarak, que é o comandante das Forças Armadas, significa que os militares tomaram o poder e eu espero um anúncio disso em breve", disse Nabil Abdel Fattah, um analista do Centro Al-Ahram de Estudos Políticos e Estratégicos no Cairo.
"O Exército pode a qualquer momento pedir que os manifestantes voltem para casa e, no período seguinte, decidir dissolver o Parlamento e cancelar a Constituição, tornando-se a autoridade legislativa de fato", alerta o especialista.
Fattah previu um governo de transição composto por militares e civis, com um gabinete chefiado por um primeiro-ministro mais jovem "conhecido por sua competência e decência".
"Este é o auge da confusão", disse Hassan Abo Taleb, outro analista do Centro Al-Ahram. "O Exército não quer atropelar a Constituição, senão, ele já teria anunciado clara e abertamente que Mubarak está sendo retirado." Ele disse que o caos no Egito está afetando a coesão das Forças Armadas, cujos líderes precisam considerar três opções.
Militares podem impor a lei marcial, suspender a Constituição e tomar o poder, advertindo manifestantes a deixar a Praça Tahrir ou enfrentarem a força. Eles podem fazer Mubarak passar o poder a Suleiman. Ou instalar um governo de transição.
Qualquer transição seria facilitada se Mubarak usasse seu vasto poder para instituir mudanças constitucionais antes de entregar o país a Suleiman. Se militares assumirem, não há garantias de que assegurarão uma transição para um regime civil, para não dizer, uma democracia.
Todos os quatro presidentes do Egito desde que Gamal Abdel Nasser e os "Oficiais Livres" derrubaram a monarquia apoiada pelos britânicos em 1952 saíram das Forças militares. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK

CENÁRIOS

Transição via regime
Em segundo plano, Mubarak delega poderes ao seu vice, Suleiman, que implementa reformas até eleição de setembro

Gabinete de união
Mubarak sai e coalizão, com grupos da oposição, forma poder provisório até eleição

Golpe militar
Forças Armadas tomam poder de vez. Transição rumo à democracia fica ameaçada


ENTREVISTA: HAMDEEN SABAHY, líder opositor
'Só restou um poder: o Exército'
Candidato opositor diz que 'o governo já caiu' e agora cabe aos militares conduzir o país a uma transição democrática

Lourival Sant'Anna, enviado especial ao Cairo

O presidente Hosni Mubarak abriu mão de todos os seus poderes, mas o Exército ainda precisa deixar isso claro para o povo egípcio. Essa é a interpretação do ex-deputado e possível candidato a presidente Hamdeen Sabahy. "Acho que ele deixou o poder, mas não deu satisfação ao povo egípcio", disse ao Estado Sabahy, que foi deputado independente por duas vezes, em 2000 e em 2005. "O Exército precisa fazer um novo pronunciamento assegurando as conquistas dos manifestantes."
Em dezembro do ano passado, Sabahy decidiu boicotar a eleição na tarde da votação, quando, segundo ele, ficou claro que ela seria fraudada. Desde o ano passado, o nome desse jornalista de 56 anos tem crescido como o candidato a presidente dos jovens - os mesmos que lideram a chamada "revolução" das duas últimas semanas no Egito.

O que o sr. achou do discurso de Mubarak?
Acho que ele deixou o poder, mas não deu satisfação ao povo. Neste momento todos os egípcios estão deprimidos, porque ele não disse claramente, mas ele se retirou. Agora, o Exército precisa fazer um novo pronunciamento assegurando as conquistas dos manifestantes e mostrando que Mubarak não tem mais nenhuma autoridade, só é presidente formalmente. O Exército precisa formar uma comissão militar e civil, para conduzir a transição.

Não parece ser essa a posição do vice-presidente Omar Suleiman, que discursou em seguida.
Não consigo ver o que Suleiman está pensando. Mas agora o povo precisa de uma posição do Exército, não de Suleiman. O Estado egípcio agora só tem um poder: o Exército.

Pode-se confiar nos militares, de que apenas farão a transição, e não ficarão por outros 30 anos no poder?
Com certeza, sob uma condição: que haja uma composição entre militares e civis. Os militares não podem governar sozinhos.

Quem seriam esses civis?
Não importa. Eles só têm de ser egípcios honestos, respeitáveis.

Há condições para a realização de eleição presidencial em setembro, conforme previsto?
Sim, em três meses podem ser realizadas eleições para um novo Parlamento, e dentro de seis meses, para presidente.

Esse novo Parlamento terá poderes constituintes?
O novo Parlamento poderá escrever uma nova Constituição. Por agora, é necessário emendar apenas de 3 a 10 artigos da Constituição, no máximo, para realizar eleições livres e justas.

Que papel os militares devem assumir a partir de agora na política egípcia?
Um papel semelhante ao que eles têm na Turquia: salvaguardar o cumprimento da Constituição e manter a ordem, além de proteger as fronteiras. Imaginamos um sistema semelhante ao turco, com um presidente como chefe de Estado, que não governa, e um primeiro-ministro encarregado de governar. O povo poderá eleger um presidente militar, se quiser, desde que ele fique no máximo por dois mandatos consecutivos de cinco anos. O primeiro-ministro deve necessariamente ser civil.

Por que o sr. não foi na reunião com Suleiman no domingo?
Ele me convidou duas vezes, mas preferi não aparecer na TV à mesa com corruptos.



SUEZ, EGITO
Greve no Canal de Suez acende luz amarela nos EUA

O risco de uma greve de funcionários acabar fechando o Canal de Suez - por onde passa 8% do transporte marítimo mundial - passou a assustar governos do Cairo a Washington. A agência de energia americana foi obrigada a ir ao Congresso garantir que, caso o estreito seja eventualmente bloqueado, é possível usar a capacidade ociosa de navios - cerca de 10% - para contornar a crise.
Os temores sobre o fechamento do canal já haviam feito o barril de petróleo Brent fechar acima de US$ 100 na semana passada. Até agora o fluxo no canal segue inalterado, apesar dos 17 dias de crise no Egito. Na noite de quarta-feira, funcionários de empresas que prestam serviço ao Canal de Suez cruzaram os braços pedindo maiores salários e melhores condições de trabalho. O temor ontem era o de que a greve se espalhasse, tirando de funcionamento o estreito que liga o Mar Vermelho ao Mediterrâneo.
Aos congressistas americanos, o chefe da Agência de Informação sobre Energia (AIE), Richard Newell, disse que 3,1 milhões de barris de petróleo passam por dia pelo Canal de Suez e pelo oleoduto de Sumed - que percorre o mesmo trecho. Segundo Newell, 45 milhões de barris podem ser transportados atualmente sem passar pelo canal e essas embarcações têm em média 10% de capacidade ociosa.
"O aumento na capacidade dos navios seria modesto no presente contexto", defendeu o chefe da agência americana.
Newell reconheceu, porém, que um eventual fechamento do Canal de Suez e do duto de Sumed desacelerariam o transporte de petróleo e gás no mundo, pois embarcações seriam obrigadas a percorrer mais quase 10 mil quilômetros - equivalente a 12 dias de viagem. Como antes da construção do canal, em 1869, os navios terão de contornar o sul da África para chegar até a Europa e à face oriental das Américas.
Mas mesmo esse aumento no tempo das viagens não deve aumentar significativamente o preço do combustível, afirmou o funcionário americano.

Europeus. O jornal egípcio al-Ahram noticiou ontem que o número de funcionários em greve já chegava a 6 mil e a paralisação atingiu as cidades de Suez, Port Said e Ismália. Mohamed Motair, diretor da autoridade do canal, disse à agência Bloomberg que os funcionários que cruzaram os braços não trabalham diretamente nas operações de transporte. "Isso não tem nada a ver com o tráfego no Canal de Suez. Estamos operando normalmente", garantiu Motair.
O bloqueio em Suez seria especialmente preocupante aos países da União Europeia. Cerca de 7% da energia consumida por europeus passa pelo estreito e a região já é vulnerável às pressões da Rússia, sua principal fornecedora de gás e petróleo.
Na semana passada, Muhammad Ghannem, figura de destaque da Irmandade Muçulmana, maior grupo de oposição do Egito, teria afirmado ao jornal Al-Alam que o Canal de Suez deveria ser "imediatamente fechado". Outros líderes da irmandade, entretanto, garantem que os protestos no Egito são uma questão doméstica e a organização não pretende se impor diante dos demais movimentos de oposição. / REUTERS


ESPAÇO ABERTO
A desastrada diplomacia de Lula

*João Mellão Neto - O Estado de S.Paulo

Aos 40 dias de governo, Dilma Rousseff tem dado seguidos sinais de que sua gestão não será uma continuação da anterior. Nem poderia. Ela não teria como competir com Lula no seu principal quesito, que é o carisma. Ele tem uma história de vida fascinante, à qual alia uma retórica arrebatadora. Dilma terá de compensar tudo isso firmando uma imagem diferente. Em princípio - ao que parece - ela o fará primando pela racionalidade, pela firmeza e pela eficiência. Isso tudo a levará a divergir de seu criador. Ao menos no que tange aos aspectos mais polêmicos e heterodoxos de sua administração. Política exterior, por exemplo. Dilma já declarou que se vai contentar em defender valores universais, tais como os direitos humanos. E, também, em respeitar e fazer que sejam respeitados todos os acordos e contratos que forem estabelecidos com as demais nações.
Dilma não pretende seguir a espetaculosa diplomacia de Lula. Nos últimos oito anos, o nosso incansável ex-presidente perambulou e predicou pelo mundo inteiro. Agora já dá para fazer um balanço dos resultados.
Lula fez-se presente nas mais obscuras e desconhecidas nações da África. Oficialmente o fez para incrementar o nosso comércio. Na prática, tudo o que conseguiu foi alimentar nossa curiosidade por geografia.
Como um pai generoso, mostrou-se condescendente com todas as diabruras de nossos vizinhos, aqui, da América Latina. Triplicou o valor que o Brasil paga pela eletricidade do Paraguai, entregou refinarias brasileiras à Bolívia, defendeu intransigentemente a Venezuela, exaltou o regime de Cuba e cedeu a todas as chantagens comerciais da Argentina. Tudo a pretexto de manter uma política de boa vizinhança.
Comprou briga com os EUA a título de reafirmar a nossa autonomia, reconheceu a China como "economia de mercado", cortejou a França como "parceira estratégica", irritou tanto árabes como israelenses ao tentar intermediar os seus conflitos e se indispôs com o resto do mundo ao dar legitimidade ao regime vira-latas de Ahmadinejad, no Irã.
Fez tudo isso com o manifesto objetivo de conseguir para nós uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. E também, segundo ele, para fazer brilhar a imagem do Brasil no exterior. Quais foram os resultados? Vamos lá.
Os países africanos receberam Lula com grandes festas, e não passou disso. No que diz respeito ao comércio, eles não têm dinheiro para comprar nada da gente e nós não temos interesse em comprar nada deles. Fazer um intercâmbio de coqueiros talvez funcione.
Aqui, na América Latina, a imagem do Brasil é a de um grande e balofo cão São Bernardo que, na ânsia de agradar, faz papel de bobo perante os seus coleguinhas menores. A tão almejada "liderança natural" do Brasil no subcontinente, assim, ainda está muito longe de ser alcançada.
Ao contrário. Na Unasul e no Foro de São Paulo quem dá as cartas é Hugo Chávez, que, aliás, se valeu da vaidade e da boa-fé de Lula para nos pôr em situações difíceis. Foi ele que instigou Evo Morales, da Bolívia, a nacionalizar as empresas brasileiras e também transformou a nossa embaixada em Honduras em casa de repouso do ex-presidente de lá.
Lula dispôs-se até a enviar tropas brasileiras para garantir a paz no Haiti. Nossos soldados estão nesse país até hoje. E já faz mais de seis anos. Ninguém sabe quando e como sairemos de lá. Que benefício este gesto de generosidade nos trouxe? Nenhum. Quando ocorreu algo realmente sério - um terremoto -, os norte-americanos trataram de desembarcar por lá e resolver o problema sozinhos. Não confiaram nos nossos pracinhas para nada.
A propósito dos EUA, os nossos gestos de hostilidade a eles serviram apenas para reafirmar a nossa pretensa autonomia terceiro-mundista. Em termos comerciais e políticos, foi um verdadeiro desastre. Logo que assumiu a presidência, Barack Obama cuidou de afirmar, em público, que Lula era "o cara". O nosso presidente levou a gentileza ao pé da letra, acreditou que era realmente um sujeito "especial", e passou a esnobar o colega e o seu país.
Não que os norte-americanos tenham ficado muito sentidos com isso. Apenas o Departamento de Estado riscou o Brasil do mapa e, em consequência, nós perdemos uma chance histórica de vender etanol a eles. Obama já tinha declarado a sua intenção de buscar, em curto prazo, fontes "limpas" de combustível.
Quanto aos outros dois países ricos que Lula cultivou, ocorreu o seguinte: a China aproveitou o status de economia de mercado que o Brasil lhe concedeu para nos entupir de bugigangas fabricadas por lá. E nós não podemos mais levantar nenhuma barreira contra isso. Já quanto à França, a simpatia dela nos custou a promessa de lhes comprarmos três dezenas de aviões de combate.
Agora, a obra-prima da desastrada diplomacia lulista foi a inconsequente tentativa de intermediar um acordo em torno do programa nuclear iraniano. Será que o nosso ex-presidente estava tão cheio de si a ponto de acreditar - como ele mesmo declarou em público - que estava "conseguindo, em 24 horas, o que os americanos não obtiveram em 20 anos"?
O que o Brasil conseguiu, de fato, foi atrapalhar a negociação internacional de sanções contra o Irã. O mundo zangou-se por causa da nossa intromissão e o Brasil ficou com a fama de "parceiro não confiável".
Até os países africanos - que Lula tanto cultivou - votaram contra a proposta brasileira na ONU. E nós contávamos com o apoio deles... Com tudo isso, o tão almejado assento permanente no Conselho de Segurança ficou ainda mais distante.
Pensando bem, será que valeu a pena?

*JORNALISTA, DEPUTADO ESTADUAL, FOI DEPUTADO FEDERAL, SECRETÁRIO E MINISTRO DE ESTADO. E-MAIL: J.MELLAO@UOL.COM.BR. BLOG: WWW.BLOGDOMELLAO.COM.BR


NOTAS & INFORMAÇÕES
A herança maldita de Dilma

Ao antecipar o anúncio do corte de R$ 50 bilhões no Orçamento da União, enquanto negocia com sua base no Congresso a aprovação do salário mínimo de R$ 545, a presidente Dilma Rousseff procura aplacar as inquietações causadas pelo índice oficial da inflação, de 0,85% em janeiro, a mais alta em seis anos.
No acumulado de 12 meses, a inflação alcançou 5,99%, bem acima da meta de 4,5%. Estava cada vez mais claro que, se o governo não demonstrasse rigor na execução da política fiscal, contendo seus gastos para reduzir a demanda agregada, as pressões sobre os preços internos se intensificariam. A alternativa, então, seria o endurecimento ainda maior da política monetária, com a elevação mais rápida dos juros. Era indispensável combinar doses razoáveis de rigor monetário e de rigor fiscal.
Por isso, o anúncio é oportuno, embora ainda não se saiba onde e o que o governo pretende cortar para chegar aos R$ 50 bilhões. A definição virá - se vier - na semana que vem, quando for publicado o decreto da execução orçamentária e financeira. E, depois, será preciso conferir se os gastos estarão efetivamente sendo cortados.
Questões técnicas devem ter retardado o detalhamento dos cortes. Mas é provável que o governo não tenha anunciado o que já está decidido para evitar imediatas reações dos parlamentares com os quais vem negociando a aprovação do novo salário mínimo. Nessa questão, o governo vem defendendo com firmeza sua proposta de elevação para, no máximo, R$ 545. Ao anunciar os cortes de gastos, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que, se o Congresso insistir em valor maior do que esse, haverá necessidade de cortes adicionais, e eles serão feitos.
"Não vai ser sem dor", observou Mantega, ao garantir - ao lado da ministra do Planejamento, Miriam Belchior - que, desta vez, não se trata de contingenciamento, isto é, a suspensão temporária da liberação de verbas inscritas no Orçamento até a confirmação da existência de receita suficiente para cobrir as despesas - prática que havia se tornado rotineira nos últimos anos. Os cortes serão definitivos. Segundo o governo, se a receita crescer mais do que o previsto, o excedente será destinado ao superávit primário ou ao Fundo Soberano do Brasil (FSB) e não ao pagamento de novas despesas.
Os programas sociais e os investimentos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) serão inteiramente preservados. Há informações sobre seis itens que serão afetados: serão revistos os concursos e as nomeações de 40 mil servidores, reduzidos em 50% os gastos com diárias e passagens aéreas, proibida a aquisição de veículos de uso administrativo, vedada a aquisição de imóveis, suspensas as reformas de prédios públicos e reduzidas as emendas parlamentares. As desonerações tributárias, muito utilizadas em 2009 e 2010 para conter os efeitos da crise mundial, não serão utilizadas em 2011. Os subsídios embutidos nos empréstimos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social serão reduzidos.
Mas tudo isso é muito pouco num bolo prometido de R$ 50 bilhões. Além disso, ao sancionar o Orçamento de 2011, a presidente Dilma Rousseff vetou o artigo que incluía uma lista de projetos, entre os quais gastos tipicamente previstos em emendas parlamentares - como projetos culturais e verbas de apoio a programas sociais de entidades não governamentais -, entre os itens que não podem ser contingenciados. O veto permitirá cortes nas emendas parlamentares, que totalizam R$ 23 bilhões.
Se efetivamente realizado, o corte de R$ 50 bilhões será muito profundo, afetando somente as despesas de custeio, ou seja, a manutenção de uma máquina administrativa cada vez maior, mais pesada, mais lenta e desproporcionalmente cara, em relação à qualidade dos serviços prestados à população. Para realizá-lo sem afetar áreas essenciais, o governo terá de demonstrar grande competência gerencial. Ainda assim, alguns economistas julgam que esse corte talvez não seja suficiente para que se alcance a meta de superávit primário do ano.
Seja como for, a presidente Dilma está justificando aqueles que falaram na herança maldita que lhe deixou o seu patrono.


NACIONAL
Índios mantêm 10 reféns no Maranhão
Prefeito e mais três integrantes de grupo que negociava libertação de seis funcionários da Vale também acabaram sequestrados

Ernesto Batista - O Estado de S.Paulo

O prefeito de Alto Alegre de Pindaré, Altemir Botelho (PT), e mais três pessoas viraram reféns de índios guajajaras no início da noite de ontem. O grupo tentava negociar a libertação de seis empregados da Vale sequestrados desde quarta-feira, quando os indígenas ocuparam a linha da Estrada de Ferro Carajás.
Os índios reclamam do atraso de repasse de produtos agrícolas e pedem melhorias no atendimento de saúde e educação na terra indígena do Caru, localizada ao longo da ferrovia.
A situação na região voltou a ficar tensa, apesar de os índios terem liberado a ferrovia e os trens estarem circulando pelo trecho. A mineradora informou por nota que há possibilidade de novas interdições da linha férrea.
No fim da tarde, fontes locais informavam que a qualquer momento forças de segurança do Maranhão poderiam ser deslocadas para a área. O local onde ferroviários estão sendo mantidos reféns fica dentro da terra indígena do Caru, a apenas 60 metros de onde os trens passam. É dessa aldeia que partem os grupos que têm ocupado a ferrovia desde 2005, quando os guajajaras descobriram que interditar a linha produz mais resultados do que conversas diretas com a Fundação Nacional do Índio (Funai) ou com autoridades locais.
Na primeira ocasião em que os índios tomaram a ferrovia, a Vale passou 15 dias sem poder transportar minerais para o Porto do Itaqui, em São Luís, e combustível para os municípios do interior do Maranhão e do leste do Pará. Na época, os índios também sequestraram quatro ferroviários e destruíram 150 metros de dormentes e trilhos. Desde então, já ocorreram cerca de 10 episódios de interdição da ferrovia. O último, há um ano, durou 10 horas.

Reação. A mineradora informou por nota que as reivindicações indígenas não dizem respeito à empresa, que está em dia com as obrigações acordadas com a Funai em 2007 e que vai responsabilizar civil e criminalmente os autores da invasão.


ECONOMIA
Porto paga até taxa de espelho d''água
Marinas, portos, plataformas e estaleiros terão de recolher tributo criado em 1946 e ressuscitado agora; não está claro se portos públicos pagam

Renée Pereira - O Estado de S.Paulo

O governo federal decidiu ressuscitar um decreto-lei de 1946 para iniciar a cobrança de uma taxa pelo uso do espelho d"água em portos, marinas, estaleiros e plataformas. A medida, prevista na Portaria 24, do dia 28 de janeiro, não só vai na contramão das reivindicações da sociedade para reduzir a carga tributária, como também vai diminuir a competitividade do produto nacional, uma vez que elevará o custo do frete.
De acordo com a portaria, todas as estruturas privadas que estejam em espaços físicos em águas públicas terão 180 dias para regularizar a situação na Secretaria do Patrimônio da União (SPU), ligada ao Ministério do Planejamento. Isso inclui atividades institucionais, habitacionais, de lazer, comerciais ou industriais. No caso dos portos privativos, o não cumprimento da regra será passível de multas e até a perda de autorização - ou concessão -, afirma o superintendente de Portos da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Giovanni Paiva.
Ele explica que, para a agência conceder uma outorga, ela precisa de uma série de licenças de outros órgãos, como do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) e da SPU. "Eu somo licenças. Sem uma delas, não consigo concluir o processo." O executivo conta que a regra de tributação do espelho d"água é antiga, mas só agora a SPU resolveu operacionalizá-la no setor.
A taxa será paga anualmente e pode ser dividida em até 12 meses. Ao contrário de tributos com receita direcionada, toda arrecadação auferida será destinada ao Tesouro Nacional para ajudar no orçamento federal. Ou seja, os portos não terão acesso - pelo menos diretamente - a esse dinheiro, que deverá chegará à casa dos bilhões.

Fórmula. A taxa será calculada com base numa fórmula que inclui o preço do terreno usado, a área ocupada e o valor total do investimento em reais, além de outros itens. Em caso de estruturas já instaladas e em operação, o empreendedor terá de apresentar um laudo com todas as informações, atestadas por um profissional habilitado, conforme determinado pela portaria.
O diretor da SPU, Luciano Roda, explica que a água é um bem de uso comum. Portanto, precisa ser taxada, a exemplo do que ocorre com áreas da União. "A portaria é resultado da aproximação entre a Antaq e a secretaria. A fórmula de cálculo da taxa foi feita em parceira com a agência, que conhece bem as características da atividade náutica." Para ele, nada mais justo que uma empresa privada que usa o espaço público e tem lucros pagar por isso. O executivo garante que já há empresas que pagam pelo uso da água.
O presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP), Wilen Manteli, destaca que, nesse caso, essas companhias usam, de fato, a água. Nos portos, os terminais não retiram água do mar (ou do rio) para usar, esclarece ele.


Cerca de 200 portos terão de pagar taxa
Não se sabe, no entanto, quanto poderá ser arrecadado com os espelhos d''água

Renée Pereira - O Estado de S.Paulo

No setor portuário, a expectativa é que cerca de 200 portos de uso privativo terão de regularizar a situação nos próximos seis meses, segundo dados da Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Ainda não se sabe, porém, quanto a taxação do espelho d"água vai render aos cofres da União. Mas, para especialistas, atingirá algumas centenas de milhares de reais por ano.
Os investimentos em portos são elevados, alguns superiores a R$ 1 bilhão. A taxa será calculada com base numa fórmula que considera exatamente o valor do investimento feito no terminal - ou seja, a arrecadação tende a ser alta. O diretor da SPU, Luciano Roda, afirma que, por enquanto, poucos investidores fizeram o pagamento da taxa. Apenas alguns terminais do Rio de Janeiro e da Petrobrás. Segundo fontes, uma única empresa pagou R$ 30 milhões pelo uso do espelho d"água.
A lista de companhias que terão de pagar o tributo inclui nomes de peso, como Vale, CSN, Fibria (resultado da fusão de Aracruz e VCP), todos donos de terminais privativos. Alguns estão aguardando para tentar derrubar a decisão nos próximos meses, mesmo que isso represente adiar investimentos. Para aprovar qualquer projeto de expansão, as companhias precisam da licença da SPU e, portanto, têm de pagar a taxa.
"Essa medida é mais um desincentivo ao investimento privado no setor portuário", afirma o presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP), Wilen Manteli. Segundo ele, a portaria deixou várias dúvidas no ar. Uma delas refere-se à retroatividade da taxa. Há informações distorcidas, até mesmo dentro da SPU. Duas pessoas consultadas pelo Estado na secretaria deram informações divergentes. Um disse que a taxa retroage cinco anos. E outro afirmou que vale apenas a partir de agora. De fato, algumas empresas que foram pagar a taxa se depararam com a informação de que estão com pendências há cinco anos, afirmam fontes ligadas às companhias.
Outra informação desencontrada é a extensão da portaria. Luciano Roda, da SPU, diz que a taxação não vai atingir os portos públicos e organizados, como o Porto de Santos, porque os terminais já pagam o arrendamento. "Isso é incoerente, pois os terminais privativos pagam a taxa de afloramento ou a taxa pelo uso do cais", diz Manteli.
Além disso, ele afirma que, numa reunião com representantes do setor, a informação era de que esses portos também seriam cobrados pelo uso do espelho d"água. "O mais estranho de tudo isso é que eles se basearam num decreto de 1946 para fazer a portaria. Então, por que não cobraram essa taxa antes?", questiona Manteli, que conversou esta semana com o novo ministro dos Portos, Leônidas Cristino, sobre o assunto. Ele ficou de estudar a portaria.


DIRETO DA FONTE
Sonia Racy

Martelo batido

Nelson Jobim marcou data para que José Genoino comece a dar expediente como seu assessor no Ministério da Defesa: fim de fevereiro.
Questionado se voltaria à Câmara, onde é suplente, caso uma vaga fosse aberta, o petista desconversa e parodia Lula: "Desencarnei da Câmara".


TUTTY HUMOR
Tutty Vasques

Ah, coitado!
Com que cara o Nelson Jobim vai ficar na França se Dilma Rousseff optar pelos caças americanos? Só se fala disso no Ministério da Defesa!

AVIAÇÃO
Chilena Lan estuda novas rotas para o Brasil

Glauber Gonçalves - O Estado de S.Paulo

Mesmo confiante na aprovação da fusão com a TAM, a companhia aérea chilena LAN mantém seu plano de expandir suas operações no Brasil, garantiu ontem o diretor de vendas da empresa para o Rio, Norte e Nordeste, João Araújo. O executivo afirmou que a empresa segue avaliando novos destinos no País e destacou que há oportunidades fora do eixo Rio-São Paulo.
No mês passado, o processo de fusão foi interrompido pelo tribunal antitruste do Chile. Para Araújo, no entanto, isso não deve atrapalhar a aproximação das duas empresas. "Foi uma consulta feita ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) chileno por um órgão semelhante ao Procon", disse, em analogia aos órgãos brasileiros. "É algo normal e não acredito que vá haver um impedimento", frisou.
Sobre os novos destinos no Brasil, Araújo declarou que a ligação direta entre Foz do Iguaçu (PR) e Lima com quatro voos diários, lançada em janeiro, superou as expectativas da companhia. Da capital peruana, segundo hub da LAN, ao lado de Santiago, a companhia distribui os passageiros brasileiros para outros destinos internacionais. No mês passado, a empresa também lançou uma ligação direta entre o Rio e Santiago.

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