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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

28 de fevereiro de 2011 - JORNAL DO BRASIL


DESTAQUE DE CAPA:
ENTREVISTA | ALVARO DIAS
“Dilma manteve a promiscuidade com o Congresso”
Em entrevista, líder da oposição no Senado diz que a reforma política depende do governo

Ana Paula Siqueira
BRASÍLIA

O senador Alvaro Dias (PSDB-PR), líder da oposição no Senado, não poupa críticas ao governo da presidente Dilma Rousseff. Ele nega o rótulo de “elitista” do seu partido e afirma que o PSDB se afastou dos movimentos populares graças ao PT, que segundo ele, teria “cooptado” setores com a distribuição de recursos públicos. O senador reconhece “não ser simpático” defender uma janela para troca de partido, mas afirma que é preciso corrigir distorções.

A oposição insistiu pelo salário mínimo de R$ 600, mas segundo o senador Roberto Requião (PMDB-PR), apenas dois dos cinco estados governados pelo PSDB estipularam esse valor. Como o senhor analisa a postura do partido?
– Certamente os estados estavam aguardando a definição do mínimo nacional para depois discutir o salário mínimo regional. As centrais sindicais me informaram que iniciarão as negociações no Paraná para definir o valor do reajuste. Vamos aguardar para saber como será o procedimento dos estados.

Como vê o tratamento que o governo deu à questão?
– Mudou o presidente, mas o modelo é o mesmo. A relação com o Congresso é promíscua. A pressão sobre a bancada governista envolve ocupação de espaço no Executivo, distribuição de recursos. O rolo compressor acelera o processo para reduzir o espaço do debate. Há um viés autoritário, e a votação foi um teste. O governo foi bem sucedido.

Com a instalação da comissão da reforma política, o senhor acredita que o Congresso conseguirá avançar no tema e votar a reforma este ano?
– Reforma política que confira ao país um modelo novo só ocorrerá se houver vontade política da Presidência da República. Quem comanda o processo legislativo é o Executivo. Não há nenhuma novidade nesse processo. As propostas tramitam há anos. Muitas foram aprovadas pelo Senado, e a Câmara não deu continuidade. Essa comissão é uma forma de pressão.

Quais aspectos considera essenciais na reforma?
– A questão das coligações.É preciso evitar a comercialização do tempo de TV e rádio, que é um estímulo à corrupção eleitoral. Para isso, estamos propondo que o partido que esteja coligado não some o tempo de televisão, a menos que seja o vice na chapa. E a cláusula de barreira, exatamente para evitar essa pulverização que tumultua o processo e desfigura a representação popular.

O senhor é favorável a uma janela para a troca de partido?
– Há que se estabelecer um curto período – e único – para uma acomodação definitiva. Não é simpático defender essa tese, mas a constatação exige uma reacomodação. Convivemos com contradições absurdas, pessoas da extrema direita se filiam a partidos comunistas. Talvez seja um ônus que tenha que se pagar em razão dos antecedentes.

A sociedade tem dado mostras de que não concorda com o voto proporciona.
Acredita que os parlamentares cortarão na própria carne e impedirão que os chamados puxadores de voto ajudem a eleger políticos sem expressão e votos? – A tese tem força e pode vingar. Haverá pressão dos interessados. Por isso, a reforma política tem que ouvir forças alheias ao parlamento.

Há algum ponto pacífico sobre a reforma dentro do PSDB?
– O partido está organizando uma comissão formada por deputados e senadores para tentar unificar o discurso.

Que mudanças o senhor considera necessárias para que o PSDB melhore seu desempenho nas urnas nas próximas eleições?
– É preciso revitalizar o partido nos estados e municípios e estabelecer como objetivo o lançamento de candidatos próprios nas principais cidades brasileiras. Eleição municipal dá visibilidade à legenda.

É possível mudar esse perfil tido por muitos como elitista e se aproximar mais dos movimentos populares, como os sindicatos?
– Acho esse rótulo um pouco precipitado. O PSDB, tanto quanto o PT ou outro partido, tem quadros originários da classe trabalhadora. O partido se afastou um pouco devido às circunstâncias. O PT cooptou setores dos movimentos sociais, inclusive com recursos públicos. Mas a nossa meta é restabelecer esses vínculos aproveitando temas em debate no Congresso. A votação do salário mínimo foi um exemplo.

Muitos governadores têm pressionado o governo pela volta da CPMF – proposta que conta com o apoio de alguns tucanos. Como o PSDB tratará a questão?
– Isso é uma manobra esperta do governo ao transferir para os governadores o que é de seu desejo. O problema da saúde no Brasil é de corrupção, falta de planejamento e incompetência de gerenciamento. Não é dinheiro. 


COISAS DA POLÍTICA
Thelman Madeira de Souza

A falsa retórica
Um dia após autorizar um corte de cinquenta bilhões de reais no orçamento do governo, Dilma Rousseff vai à televisão e fala da importância de uma educação de qualidade, numa linguagem adjetivada, tipicamente simbólica, própria da mistificação pela propaganda política. Esse velho estratagema é bastante eficaz para criar um sentimento de solidariedade das multidões aos governantes, mesmo que estes não atendam aos interesses destas. É a linguagem simbólica, usada como instrumento de combate a tudo que destoe do discurso dominante, para o qual só um grupo de iluminados é capaz de resolver os problemas nacionais. A mistificação das massas, durante o período Lula, dificultou uma contraposição à faceta neoliberal do capitalismo. Foi o que se viu na campanha eleitoral: de um lado, a esquerda mais autêntica não tinha estrutura nem densidade eleitoral para ecoar suas propostas; de outro, a oposição tucana, embora com um programa semelhante ao da situação, de corte neoliberal, somente o principal adversário de Dilma foi visto como privatista. A repetição, à exaustão, de que Serra era um vendilhão da pátria, ainda que verdade, escondeu que Dilma também reza na cartilha neoliberal, além de ter patrocinado, como grande gestora de Lula e sem nenhum pudor patriótico, inúmeras privatizações de setores estratégicos da nossa economia. Os discursos da então candidata e de seu mentor criaram uma cortina de fumaça que impediu o povo brasileiro de perceber que Dilma e Serra defendiam a mesma coisa: um Estado fraco e o mercado pautando a política econômica.
Colocando a retórica dilmista sob a lupa de uma consciência crítica, visualizamos um conteúdo triunfalista e fundador. Tudo se inicia com o petismo no poder. Para trás, nada existiu, nada ficou. As grandes lutas do povo brasileiro em defesa dos interesses nacionais, como a defesa do monopólio estatal do petróleo, foram apagadas pela borracha do esquecimento, da mesma maneira que Francis Fukuyama decretou o fim da história e o processo de globalização excludente é empurrado pela goela abaixo de países periféricos iguais ao nosso. É nessa linha de submissão ao grande capital internacional que a presidente da República se expressa ao afirmar que a questão social no Brasil só ganhou relevância para o poder público a partir do primeiro governo Lula, em que pese a famigerada reforma da previdência social, a política de arrocho salarial e o sucateamento da saúde e das universidades públicas.
Para dar consecução ao processo neoliberal é preciso enganar, mentir, mentir muitas vezes, até transformar a mentira deslavada na mais pura verdade, até que o governante mentiroso passe a acreditar na própria mentira. O mote da vez é a educação pública e como privatiza-la. Para isso, a retórica, como prática da argumentação, cede espaço ao sofisma. O discurso falacioso deve falar em educação de qualidade e da democratização do conhecimento, mesmo que a governante saiba que o Estado neoliberal é incompatível com tal pretensão.
O discurso da qualidade, na educação, surge como retórica conservadora na década de 80 do século 20, em toda a América Latina, quando as demandas democratizadoras no campo educacional começaram a perder força. Em pouco tempo, trocou-se o eixo norteador das políticas de educação, de demandante de democracia para o de qualidade. A qualidade, conceito fulcral do mundo produtivo, é deslocado para o campo da educação, com o claro objetivo de lhe dar um sentido mercantil. Nesse sentido, a retórica da qualidade na educação cumpriu o seu papel, quando sepultou os discursos democráticos nesse campo. Contribuiu também para o sucesso desse discurso, e agora falamos do Brasil, o fato de os nossos acadêmicos terem abdicado da luta pela democratização da educação. Para nossa decepção, a intencionalidade política dos nossos intelectuais assumiu características neoliberais. O discurso crítico de outrora deu lugar a um discurso destituído de conteúdo progressista. Diante desse recuo, ganha destaque o discurso mercantil da eficiência com produtividade e sai da pauta do governo o atendimento a melhores condições de trabalho e salários dignos.
 FONTE: JORNAL DO BRASIL

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