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segunda-feira, 16 de maio de 2011

15 de maio de 2011 - ESTADO DE SÃO PAULO


Marinha quer supernavio de ataque anfíbio
Modelo é destinado a intervenção maciça e rápida com soldados, helicópteros e tanques

Roberto Godoy - O Estado de S.Paulo


A Marinha do Brasil vai ter ao menos dois Navios de Múltiplos Propósitos, um conceito novo de navio autossuficiente. Cada um desses gigantes, grandes como dois campos de futebol e feitos para projetar poder naval, leva uma força completa de intervenção: soldados, tanques, helicópteros, lanchas, mísseis e hospital, mais um sofisticado centro de inteligência.
Cada unidade, de alta tecnologia, custa hoje entre US$ 600 milhões e US$ 750 milhões, no mercado internacional. É um programa ambicioso, contemplado no Plano de Articulação e Equipamento da Marinha (Paemb), ainda sem prazo definido. Em nota, o comandante da Força, almirante Júlio Moura Neto, disse que "o processo de aquisição depende da disponibilidade de recursos orçamentários, não tendo sido ainda selecionado um projeto específico".
Os dois fornecedores mais importantes são os Estados Unidos, que mantêm uma frota variada de oito navios, e a França, que desenvolveu uma versão avançada, a classe Mistral. O governo da Rússia quer comprar quatro exemplares.
Embora apresentado como um lançador de ataques anfíbios, o conceito de múltiplo emprego aumenta a eficiência das operações de mobilização e deslocamento rápidos. Os meios devem permitir o lançamento acelerado de 900 a 1.400 combatentes, 280 veículos e 30 helicópteros, em cenários distantes até 5 mil quilômetros. O contingente e seus recursos precisam ter capacidade de atuar sem novo apoio por dez dias, em posições avançadas, a 100 quilômetros do local de desembarque. A principal alteração em relação ao esquema tradicional das ações anfíbias é a integração em um único centro embarcado.
Em missão, o supernavio exige cobertura aérea permanente por meio de aviões de caça, sob coordenação de uma aeronave de vigilância e alerta antecipado. No mar, uma flotilha de escolta cuida da proteção (veja infográfico).
O Navio de Múltiplos Propósitos é virtualmente autônomo. Além dos helicópteros, de dúzias de tanques, blindados sobre rodas, lanchas de desembarque de tropas e centenas de soldados, abriga um hospital com capacidade para executar cirurgias de grande complexidade. Na ponte principal, alta como um prédio de 15 andares, funciona uma sofisticada sala de situação com enlace eletrônico por satélite, de onde são tomadas as decisões de comando e processadas as informações de inteligência.

Frota de superfície. A prioridade de médio prazo da Marinha é, todavia, a renovação da frota de superfície. O ProSuper, nome do programa, compreende 11 navios, com investimentos estimados entre US$ 4 bilhões e US$ 6 bilhões. A fase atual é de consultas a empresas candidatas à parceria pretendida. Estão sobre a mesa de negociações ofertas da Itália, Reino Unido, Alemanha, Coreia e França. Esse primeiro estágio, com a escolha da parceria, pode sair até o fim do ano.
A primeira fragata ficará pronta entre 2018 e 2019 - a entrega do navio-patrulha ocorre 12 meses antes. Depois da seleção, a complexidade do processo exigirá um ano de discussões para ajuste da transferência de tecnologia, estabelecimento da rede de fornecedores e das compensações comerciais.

Plano completo. Há um ano, a Marinha apresentou aos empresários do setor um plano completo, abrangendo 61 navios de superfície, mais cinco submarinos, quatro de propulsão diesel-elétrica e um movido a energia nuclear. O horizonte dessas encomendas vai até 2030.
O pacote prioritário, definido como ProSuper, abrange cinco fragatas de 6 mil toneladas com capacidade stealth, de escapar à detecção eletrônica, quatro navios-patrulha oceânicos, de 1,8 mil toneladas, e um navio de apoio, de 22 mil toneladas, para transporte e transferência em alto mar de todo tipo de suprimentos.
A intenção da Marinha é que apenas a primeira fragata e o primeiro patrulheiro sejam construídos fora do País, embora com acompanhamento de técnicos e engenheiros brasileiros. Há grupos diretamente interessados em participar desse empreendimento. A Odebrecht Defesa e Tecnologia prepara os estaleiros da Enseada do Paraguaçu, na região metropolitana de Salvador, para disputar o ProSuper. A empresa, associada à francesa DCNS, está construindo em Itaguaí, no Rio, uma nova base naval e mais as instalações industriais de onde sairão os cinco submarinos do Prosub, encomendados por 6,7 bilhões. Os quatro primeiros, da classe Scorpéne, terão propulsão diesel-elétrica. O quinto será o primeiro, de um lote de seis unidades movidas a energia nuclear, que a Marinha quer produzir até 2047.

PARA ENTENDER
O programa de reequipamento e reorganização da Defesa contempla Forças Armadas ágeis, especializadas e preparadas para cumprir missões expedicionárias. Nesse sentido, o advento dos Navios de Múltiplos Propósitos dá substância à teoria por meio de uma estrutura operacional que permite a mobilização rápida de um considerável contingente de combatentes, cerca de 900 militares, com acesso a helicópteros, tanques, lanchas e, sobretudo, a informações de inteligência, processadas a bordo.



NOTAS & INFORMAÇÕES
O desafio de mudar a máquina

A presidente Dilma Rousseff deu o primeiro passo para cumprir uma de suas promessas mais importantes - elevar a qualidade do gasto público e, como condição para isso, modernizar e tornar mais eficiente a administração federal. Enquanto o setor privado luta por um espaço nos mercados do século 21, o governo funciona segundo padrões incompatíveis com as demandas de um país moderno e democrático. A Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, instalada na quinta-feira, poderá ajudar a presidente a eliminar esse descompasso entre um Brasil em busca de inovação e uma administração pública amarrada a práticas e vícios do passado. Nada garante o êxito dessa tentativa. A experiência brasileira tem sido pouco animadora nesse campo, especialmente nas últimas três décadas. Mas a presidente Dilma Rousseff decidiu apostar e descreveu a criação desse grupo como um dos momentos fundamentais para a definição dos rumos de seu governo.
Para presidir a Câmara foi convidado o empresário Jorge Gerdau Johannpeter. Três outros empresários e quatro dos principais ministros também comporão o grupo. A função desse colegiado será propor iniciativas para racionalizar a gestão federal, cortar custos e elevar a qualidade dos serviços prestados.
Gerdau terá uma sala no Palácio do Planalto, perto do gabinete da Presidente, e anunciou a intenção de passar pelo menos um dia por semana em Brasília. Não há por que duvidar da boa disposição desse grupo. Mas seus poderes serão limitados e a aplicação de seus conselhos dependerá da ação política da presidente Dilma Rousseff. É preciso dar muito peso à palavra "política". Haverá resistência às tentativas mais audaciosas de mudar os padrões da administração. Parte da resistência virá da companheirada - sindicalistas e membros do PT e dos partidos aliados.
Na história da República houve poucas tentativas sérias de reforma e de modernização da máquina federal. Os primeiros passos foram dados nos anos 30 e no começo dos 40. Na década seguinte o Estado ganhou novos instrumentos de ação, como a Petrobrás e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Mas, para executar seu plano de desenvolvimento, o presidente Juscelino Kubitschek instalou uma administração paralela, formada pelos grupos executivos setoriais. Se tentasse uma reforma, gastaria todo o mandato.
A nova tentativa de reforma ocorreu no regime militar. Além da desburocratização orquestrada pelo ministro Hélio Beltrão, houve um esforço para adoção de padrões de trabalho mais modernos e um investimento importante na formação de quadros. Muitos funcionários foram estimulados a pós-graduar-se no Brasil e no exterior. O Banco do Brasil funcionou como fornecedor de pessoal técnico para vários setores do governo.
A maior parte dos anos 80 e 90 foi desastrosa para a administração. Desmontaram-se mecanismos, maus e bons, e quase nada se fez de construtivo. Ensaios de reforma foram inócuos. Nos governos do presidente Fernando Henrique Cardoso só houve modernização por meio de privatizações, da adoção de novos critérios fiscais e do fortalecimento da política monetária. Foram grandes mudanças macroeconômicas, mas de alcance limitado pela manutenção de péssimos padrões administrativos.
Esses padrões pioraram consideravelmente nos oito anos de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os quadros do funcionalismo foram inchados. A folha de salários aumentou, sem a contrapartida de serviços mais eficientes e melhores. O aparelhamento político tornou-se regra e a companheirada espalhou-se pelos órgãos de quase toda a administração direta e indireta. Eficiência e produtividade tornaram-se blasfêmias, condenadas como sintomas inequívocos de neoliberalismo. Isso é parte importante da herança deixada pelo presidente Lula.
A presidente Dilma Rousseff participou dos dois mandatos. Deve conhecer os obstáculos políticos a qualquer tentativa séria de reforma da máquina. Por lei, funcionários e salários são quase sagrados. Além disso, qualquer plano de reforma provoca imediata mobilização em defesa de interesses corporativos e partidários. Contra isso a Câmara será impotente. Só a presidente poderá atacar a obra do antecessor.



AVIAÇÃO
Ofertas derrubam preços de passagens
Com promoção, é possível voar de Recife a Frankfurt (ida e volta) por R$ 470, o preço de um bilhete de ônibus de São Paulo a Recife

Glauber Gonçalves / RIO

Estados Unidos por menos de R$ 600 ida e volta. Europa por pouco mais de R$ 400. Desde o começo do ano, as companhias aéreas estrangeiras têm despejado uma enxurrada de promoções de passagens internacionais com descontos agressivos no mercado brasileiro. Uma oferta recente da alemã Condor colocou à venda bilhetes de ida e volta de Recife para Frankfurt por R$ 470. O valor é inferior ao de uma viagem de ônibus da capital pernambucana para São Paulo.
Para especialistas, as companhias internacionais estão inundando de promoções o mercado brasileiro para compensar a baixa demanda de viagens partindo dos países europeus e dos Estados Unidos, que ainda sofrem os efeitos de crises financeiras e econômicas.
"A quantidade de assentos oferecidos com preços baratos é ditada pelo equilíbrio entre oferta e demanda. O mercado europeu de turismo ainda está pouco aquecido, pois o continente segue em recessão. Isso favorece as promoções", afirma o consultor Andre Castellini, da Bain & Company.
Segundo ele, embora uma retomada mais forte no Primeiro Mundo possa reduzir o número de ofertas por aqui, o passageiro brasileiro deve continuar encontrando bilhetes com preços reduzidos.
Com o desenvolvimento de tecnologias que permitem estimar a demanda com mais precisão, cada vez mais as companhias lançam mão de promoções para aumentar a receita de seus voos.
Ao prever que ficará com assentos encalhados em um determinado trecho, a empresa derruba os preços de alguns bilhetes para sair com o avião cheio. "Hoje não existe mais essa de um avião sair vazio nos voos internacionais", diz Castellini.
Além das promoções, a queda da cotação do dólar tem ajudado o consumidor brasileiro a encontrar passagens cada vez mais baratas em reais.
Por conta da valorização da moeda brasileira, o passageiro paga hoje quase R$ 600 a menos do que há dois anos por uma passagem de US$ 1.200, por exemplo.

Tarefa difícil. Mas mesmo com a chuva de ofertas, comprar uma das pechinchas não é uma tarefa fácil. Com curta duração e restrição dos períodos em que se pode fazer as viagens, as promoções exigem que o passageiro seja flexível.
É o caso do assessor de investimentos Luciano Almeida, 25 anos, que se prepara para uma viagem a Moscou no mês que vem pela qual pagou R$ 720.
"Já que sou autônomo, é só ligar para meus clientes e avisar que passarei um tempo fora", afirma o corretor, que depois de viajar para a Rússia, deve embarcar para Los Angeles, com um bilhete pelo qual pagou R$ 1.200. "O preço normal de uma passagem para lá, saindo de Porto Alegre, é de R$ 2.600", comparou.
Como o número de assentos em promoção é restrito, Luciano conta que acessa um blog de descontos três vezes por dia para não perder nenhuma oportunidade.
No ano passado, ele viajou para Barcelona por R$ 520 pela Qatar, saindo de São Paulo. O único "inconveniente", segundo ele, foi ter de passar uma noite em um hotel cinco estrelas no país árabe, paga pela companhia, que acabara de iniciar suas operações no Brasil.
Na avaliação do analista Felipe Souza, da consultoria Lafis, preços como os citados por Luciano devem se tornar mais comuns.

MAIS EM CONTA
R$ 1.200 foi quanto o passageiro Luciano Almeida pagou por uma passagem Porto Alegre-Los Angeles com a promoção: sem o benefício, o mesmo trecho custaria cerca de R$ 2.800

Céus abertos. Ele avalia que os acordos de céus abertos, como o assinado este ano com os Estados Unidos e o que deverá ser firmado com a Europa, aumentarão a competição e puxarão para baixo o preço das tarifas.
Também colaboram para o cenário de preços baixos a liberalização dos preços das passagens pela Agência Nacional de aviação Civil (Anac), em vigor desde o ano passado.



Especialista descarta guerra tarifária

Glauber Gonçalves - O Estado de S.Paulo

Apesar da profusão de promoções no mercado internacional, o analista Felipe Souza, da consultoria Lafis, descarta uma guerra tarifária entre as companhias estrangeiras e a TAM, única companhia brasileira a operar voos de longo curso para o exterior. "Como as internacionais têm uma escala produtiva muito maior que a da TAM, é difícil que o preço das passagens da empresa nacional interfira nos preços delas a ponto de se deflagrar uma guerra tarifária."
Embora uma disputa mais ferrenha da TAM com as estrangeiras seja pouco provável, a companhia brasileira não quer ficar para trás na onda de promoções e também tem lançado suas ofertas. Neste fim de semana, quem comprar uma passagem para Montevidéu por telefone, pode levar um acompanhante acrescentando US$ 10.

Estreantes. A maior parte das promoções de passagens internacionais é promovida por companhias estreantes no Brasil ou por aéreas que já atuam aqui e estão começando a operar novas rotas. Para essas empresas, os descontos agressivos são uma forma de conquistar os consumidores que decidem viajar para o exterior atraídos pelo dólar barato. "Há demanda por viagens internacionais e isso faz com que as empresas corram para capturar esse passageiro", avalia Souza.
Se por um lado há muitas ofertas, quem viaja na alta temporada ou precisa embarcar de última hora - como é o caso de executivos que se deslocam para fechar negócios - acaba pagando caro. "Às vezes, você quer embarcar por R$ 1.800 na classe econômica e não consegue. Só vai achar a R$ 3.000. Em julho, só estão disponíveis classes mais altas de tarifas por causa da demanda", afirma Andre Castellini, da consultoria Bain & Company.
Souza concorda e afirma que a margem das companhias vem aumentando. "O preço da tarifa comercial está caindo, mas as empresas aéreas têm uma estratégia de aumentar o valor das passagens corporativas, o que faz com que a margem não se reduza", explica.

Sem interferência

FELIPE SOUZA - ANALISTA DA LAFIS

"Como as empresas internacionais aéreas têm uma escala produtiva muito maior que a da brasileira TAM, é difícil que o preço das passagens da empresa nacional interfira nos preços delas a ponto de se deflagrar uma guerra tarifária."




DIRETO DE BRASÍLIA
João Bosco Rabello

Além do Código Florestal
Com o rompimento do acordo que, bem ou mal, fora assinado pelas suas lideranças em torno do texto de reforma do Código Florestal do deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), o governo exibiu a fragilidade de sua articulação política, insuficiente até aqui para administrar os conflitos de interesses entre PT e PMDB - para ficar nos dois maiores partidos de sua base de sustentação.
À parte o mérito da questão ambiental, o que emerge do episódio da última quarta-feira é a necessidade do Planalto de apelar para um recurso regimental próprio das minorias - a obstrução em plenário -, para salvar-se de uma derrota acachapante. O texto do relator seria aprovado por mais de 400 votos se posto em votação.
É certo que estava em pauta uma causa de maioria suprapartidária que exige uma negociação muito mais ampla e complexa do que as dos confrontos rotineiros entre governo e oposição. Mas o Planalto condenou seu líder na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), à desconfiança eterna dos seus pares e, por extensão, comprometeu sua credibilidade.
O sentimento de insatisfação na base não se limita apenas a nomeações frustradas - embora saciadas, representem forte componente de sedução política. Está em curso uma oposição silenciosa à estratégia da presidente Dilma Rousseff de implantar uma gestão de resultados, baseada no modelo privado, inconciliável com o poder político na forma em que este se consolidou no País.
Nesse quadro, resta ao Planalto o poder coercitivo, cuja eficácia - mostra a história - diminui na proporção do desgate natural dos governos.

Estilo gerencial
A estratégia de terceirizar a negociação política para evitar a pressão pessoal, tem custado à presidente Dilma Rousseff críticas generalizadas dos parlamentares da base aliada. São muitas as queixas de deputados por não serem recebidos pela presidente, que também refletem a insatisfação dos ministros com igual tratamento. O estilo gerencial de reuniões coletivas para balanço das metas assumidas cada vez incomoda mais e constrange ministros que se ressentem da falta de conversas individuais com a presidente - sempre um sinal de prestígio, mas sobretudo uma oportunidade de tentar o convencimento pessoal para salvar interesses partidários.

Mais fôlego
A visibilidade reconquistada com sua participação decisiva no adiamento da votação do Código Florestal devolveu à ex-senadora Martina Silva algum fôlego na sua luta pela renovação no comando do Partido Verde. Mas prevalece ainda o prazo informal estabelecido - até o final do ano - para que o atual presidente, deputado José Luiz Penna (SP), deixe o cargo no qual já está há 12 anos. Amigos do rei
Nos próximos dias, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) apresenta projeto de lei que implanta o orçamento impositivo em relação aos recursos do Orçamento da União destinados à segurança pública. Segundo Aécio, os recursos repassados ao Fundo Nacional de Segurança e ao Fundo Penitenciário (Fupen) são contingenciados pelo governo federal. A ideia é que os recursos não possam mais ser retidos pela União e sejam transferidos mensalmente por duodécimos aos governadores. "O mais amigo do governo vai lá, dá a facada e leva", diz. Qualquer relação com o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), é mera coincidência.

Reação
Para o senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE), o medo dos políticos de perder tempo de TV em 2012 tem sustado adesões ao PSD. No Ceará, reverteu a adesão de dois deputados federais com esse argumento.


CÓDIGO FLORESTAL
Novo Código preocupa cientistas
Especialistas apontam falta de coordenação com as demais leis ambientais do País

Andrea Vialli

A nova proposta de reforma do Código Florestal, apresentada no Congresso na noite de quarta-feira passada, causou preocupação no meio científico e expôs a falta de coordenação da nova lei florestal que o Brasil pretende criar com as demais leis ambientais do País, como a lei nacional de mudanças climáticas.
Para especialistas ouvidos pelo Estado, o novo Código Florestal pode levar a mais desmatamentos, o que poria em risco os compromissos internacionais do País de reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
O novo texto apresentado pelo relator Aldo Rebelo (PC do B-SP) trouxe modificações que não agradaram ao governo, o que levou a votação da reforma a ser adiada mais uma vez - não há nova data para a votação.
"O texto abre muitas brechas para reduzir a proteção ambiental", analisa o ex-deputado federal e indigenista Márcio Santilli, fundador do Instituto Socioambiental (ISA). Entre outros pontos, a proposta gera um estímulo ao fracionamento das grandes propriedades rurais no País, ao permitir que imóveis de até 4 módulos fiscais - entre 20 e 400 hectares, variando conforme o município - deixem de ser obrigadas a recompor a reserva legal. "Isso já está acontecendo nos cartórios pelo interior do País e dificultará a fiscalização pelos órgãos ambientais."
Santilli concorda que é necessária uma atualização do Código Florestal, que data de 1965, mas avalia que o texto proposto espelha a falta de uma política ambiental ampla para o País. "Existe uma incoerência entre as normas estabelecidas pelo Legislativo. Se aprovado, esse Código Florestal não vai dialogar com a Lei de Mudanças Climáticas e a Lei da Mata Atlântica, ambas aprovadas pelo próprio Congresso."
Jean Paul Metzger, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), afirma que a proposta que está no Congresso aponta para um rumo desenvolvimentista, que penaliza o meio ambiente e não agregou a contribuição da ciência. "O texto não incorpora o conhecimento científico que temos", resume Metzger, doutor em ecologia.
Entre os pontos mais preocupantes estão a redução das áreas de reserva legal, seja pela dispensa para pequenos proprietários, o que representa 25% do território, ou pela incorporação das Áreas de Preservação Permanente (APPs, como matas ciliares e topos de morros) no cômputo da reserva legal. "Tudo isso vai levar a mais desmatamento, perda de espécies e de serviços ecossistêmicos", diz Metzger.
Elíbio Rech, pesquisador da Embrapa e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), pondera que, mesmo com falhas, o propósito da reforma do Código é mostrar novos caminhos para a agricultura brasileira, com aumento da produtividade sem prejuízos ao ambiente. "É preciso uma intensificação sustentável da agricultura. Produzimos ciência para isso: dar subsídios ao Brasil do futuro."


''Não fomos chamados para o debate''

Andrea Vialli

Faltou diálogo com a comunidade científica na elaboração da proposta de reforma do Código Florestal que está na pauta do Congresso. Essa é a avaliação de Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Em abril a entidade, juntamente com a Academia Brasileira de Ciências (ABC) apresentou aos parlamentares um estudo, chamado de O Código Florestal e a Ciência, oferecendo subsídios para a discussão. Para Helena, no entanto, o relator da reforma, deputado Aldo Rebelo (PC do B -SP), não levou as contribuições científicas em consideração.
"Ele disse recentemente que a ciência não trouxe contribuições para o debate do Código Florestal. Isso desmoraliza a ciência e o trabalho de todos os pesquisadores que assinaram o estudo", diz a presidente da SBPC. A abordagem junto ao relator Aldo Rebelo, segundo Helena, começou em junho do ano passado, quando as entidades científicas enviaram carta ao relator oferecendo subsídios científicos.
A carta apontava, entre outros pontos, para os riscos da "substituição de áreas naturais por áreas agrícolas em locais extremamente sensíveis como são as áreas alagadas, a zona ripária ao longo de rios e riachos, os topos de morros". Segundo as entidades, o apelo não surtiu efeito. "Não fomos chamados para esse debate", diz Helena. "Nem a SBPC nem a ABC estão propondo limites para a agricultura. O que temos a oferecer são dados, é ciência, não opiniões."
Para Jean Paul Metzger, da Universidade de São Paulo, a ciência não foi ouvida desde o início das discussões da reforma do Código, há cerca de dois anos. Ele afirma que as atuais tentativas de reformar a lei resultaram em um texto ruim. "Estamos remendando um texto ruim. Essas pequenas mudanças que estão sendo estabelecidas agora, por meio de acordos entre o Ministério do Meio Ambiente e bancada ruralista não vão alterar a essência da proposta" diz. "Tudo o que a SBPC e ABC apontaram na publicação foi basicamente ignorado."


PRINCIPAIS PONTOS

Reserva legal
O texto levado ao plenário da Câmara permite o fatiamento de médias e grandes propriedades para que elas sejam beneficiadas pela dispensa da recuperação da reserva legal, assim como as pequenas.

Pantanal
O último texto autoriza a exploração do Pantanal mato-grossense, com aval do órgão estadual de meio ambiente.

Regularização ambiental
Regularizaria o uso de áreas rurais consideradas de ocupação consolidada por atividades da agricultura e pecuária. Permite compra de terras para compensar a reserva legal, com pressão sobre pequenos imóveis rurais.


COPA 2014
Estádios já têm R$ 1,9 bi do BNDES
Repasse para arenas do Mundial é condicionado a solução de irregularidades nos projetos mostrados pelas cidades ao banco

Marta Salomon / BRASÍLIA

Mais da metade dos financiamentos programados pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para reforma ou construção de estádios da Copa do Mundo de 2014 já foi contratada, apesar de denúncias de irregularidades nos projetos.
A assinatura dos contratos representa a conclusão da última fase de análise dos pedidos de financiamento. Mas, no caso dos financiamentos da Copa, alguns foram assinados sob condição de saneamento de irregularidades.
Até agora, o banco público assinou contratos para liberar R$ 1,9 bilhão dos R$ 3,7 bilhões previstos na carteira de financiamentos batizada de ProCopa Arenas.
A Arena Amazônia, em Manaus, por exemplo, teve as obras iniciadas em julho do ano passado, com a demolição da estrutura de concreto do antigo estádio.
Na ocasião, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) constatou deficiências no projeto básico. Além disso, o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou problemas na licitação e preços acima dos de mercado.
O empréstimo foi aprovado, mas a liberação de dinheiro do BNDES para a obra está suspensa, informou o procurador Athayde Ribeiro Costa, que participa do grupo de trabalho do Ministério Público Federal (MPF) encarregado de acompanhar as obras da Copa. "O BNDES vem trabalhando em sintonia com a orientação do Ministério Público e, se houver irregularidade grave, vamos bloquear os repasses", disse Costa.
De acordo com o banco, trata-se de uma praxe nas operações impor condições para a liberação dos recursos.
O BNDES já fechou contrato para financiar quatro estádios da Copa - Cuiabá, Fortaleza, Recife e Salvador -, além da Arena Amazônia. A reforma do Maracanã já teve o financiamento de R$ 400 milhões aprovado, mas o contrato não foi assinado.
Os estádios de Natal e Belo Horizonte encontram-se em fase de análise pelo banco, que ainda não recebeu pedidos formais para financiar as arenas de Brasília, São Paulo e Curitiba, que ainda podem contar com empréstimos. Não há previsão de financiamento do BNDES para o Beira-Rio, de Porto Alegre.

Sem multa. Entre os estádios que já tiveram financiamento contratado, a Arena Pernambuco teria problemas na transferência de riscos financeiros e cambiais para o governo do Estado, segundo avaliação do Tribunal de Contas da União.
No caso da Arena das Dunas, de Natal, cujo financiamento de R$ 398,7 milhões está em análise no banco, o TCU recomendou que o empréstimo só seja concedido depois de resolvidas as irregularidades encontradas na contratação da Construtora OAS pelo governo do Rio Grande do Norte.
Por meio da assessoria, o BNDES informou que, na carteira do ProCopas Arenas, os interessados nos financiamentos têm de apresentar estudo de viabilidade econômica dos estádios, "com foco na sustentabilidade financeira no longo prazo e na solução de gestão"".
Ainda de acordo com o banco, a liberação da primeira parcela do crédito está condicionada à contratação de empresa independente para auditar a execução físico-financeira dos investimentos, entre outras condicionantes. Não há previsão de multa para eventuais atrasos nas obras. Mas o BNDES informa que, caso o objetivo do contrato não seja cumprido, pode suspender a operação de financiamento.
No rateio de responsabilidades pelos investimentos públicos bilionários na Copa, a carteira de empréstimos do banco destinados aos estádios só perde, em volume de dinheiro, para a Caixa Econômica Federal, os investimentos da Infraero (estatal responsável pelos aeroportos) e para a parcela de contrapartida dos governos estaduais.

ALIÁS
ENTREVISTA: VIRGÍLIO VIANA - ENGENHEIRO FLORESTAL (ESALQ-USP), PHD PELA UNIVERSIDADE HARVARD E SUPERINTENDENTE DA FUNDAÇÃO AMAZONAS SUSTENTÁVEL (FAS)
A cor do dinheiro
Brasil insiste na ênfase aos instrumentos de controle em vez de tornar rentável a preservação do verde, diz ambientalista

Ivan Marsiglia

O tempo fechou na tentativa de votação do novo Código Florestal brasileiro, quinta-feira, na Câmara dos Deputados. Pouco antes de o governo suspender a sessão em que ambientalistas e ruralistas se queimavam no plenário, o relator, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), reagiu a um post da ex-ministra Marina Silva no Twitter, que o acusava de fraudar o texto: "Quem fraudou foi o marido dela, que fez contrabando de madeira".
Esse ambiente no Congresso, no pior estilo "massacre da serra elétrica" - filme de terror em que ninguém sobrevive no final -, não interessa ao Brasil. É o alerta do engenheiro florestal Virgílio Viana, de 50 anos, ex-professor da Esalq-USP e PhD em Biologia da Evolução pela Universidade Harvard: "A discussão que estamos vendo ninguém vai ganhar. Os ruralistas vão perder e os ambientalistas também".
Para o militante verde, que já foi chamado de "ambientalista de resultados" por seu trabalho à frente da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), nossos parlamentares deveriam trocar as machadadas em torno de itens como o tamanho das reservas legais obrigatórias, as medidas das matas ciliares ou a Anistia aos produtores em situação irregular, pela discussão de um novo paradigma de desenvolvimento - que faça da conservação do "mato", historicamente indesejado no País, uma atividade rentável.

O que está em jogo nessa discussão?
O que está em jogo é um paradigma de desenvolvimento. É a oportunidade de se repensar uma história equivocada de desenvolvimento, à luz de uma visão contemporânea. O que mais ilustra esse equívoco é o conceito de "mato". Para o brasileiro, floresta e mato são a mesma coisa: algo sujo e indesejável. Se eu for a sua casa e disser que seu quintal estava cheio de mato, passo a ideia de que você é relapso. Se disser que há grama e flores plantadas, você é um ótimo dono de casa. Então, não é por acaso que o Incra reconhece a posse de terra de quem desmata ou o Banco do Brasil dá crédito a quem derruba a floresta e a substitui por lavoura, uma "coisa útil". É preciso revisar isso. Mas o que se vê no Congresso hoje é um debate sectário e emocional.

Por que sectário?
Há um falso dilema entre agricultura e ambientalismo. O produtor rural depende da água da sua nascente. Sem ela, não consegue irrigar a terra ou dar de beber ao gado. Se as florestas ao redor das nascentes são desmatadas, elas secam. Então, manter a mata é bom para ele. A agricultura americana teve enorme prejuízo nos últimos anos porque a polinização das laranjeiras, feita pelas abelhas, está em declínio. O setor de controle de pragas também sofre com a derrubada de matas: não por acaso, muitas plantações de eucalipto para produção de papel e celulose são circundadas por florestas protegidas pelos donos. Não porque estes sejam ambientalistas, mas porque sabem que é a melhor forma de se proteger.

Nossa legislação ambiental é mesmo boa?
Discordo da maior parte dos meus colegas ambientalistas nesse ponto. O País tem uma legislação ambiental péssima. Por uma simples razão: ela não é cumprida. Estima-se que 90% dos proprietários rurais estejam em situação irregular hoje no Brasil. Fica a impressão para a sociedade que os produtores rurais, os moradores da roça, são contra a natureza. Essa ideia de que o urbano é verde e o rural é antiverde é falsa. A lei não permitir a coleta de um pé de açaí ou do mel de abelhas em uma APP (Área de Proteção Ambiental), por exemplo, fere o bom senso. É uma ideia de intocabilidade da natureza que nem Madre Tereza de Calcutá teria. Esse olhar precisa mudar.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) solicitaram que o Congresso adie por dois anos a definição do novo código. O debate já está maduro no País?
É uma questão que não tem resposta única. Nós estaremos mais prontos para isso daqui a dois anos? Sim. Mas até lá teremos todas as respostas? Provavelmente não. Estudos científicos são sempre superados pelos seguintes. Por isso, defendo uma legislação dinâmica, mais na linha do direito anglo-saxão. Fixar em lei grandes diretrizes e ir ajustando o regulamento ao longo do tempo.

O que o novo texto deveria contemplar?
Os principais pontos em disputa são a largura da mata ciliar, a dimensão das APPs e reservas legais e a Anistia ao produtores rurais. Defendo, como disse, certa flexibilização das APPs, abrindo a possibilidade de algum extrativismo que não ameace sua função ecológica. É razoável haver regime diferenciado na regularização dos produtores, de acordo com sua condição socioeconômica. Mas o cerne da questão não pode ser a largura das matas ciliares de 27, 30 ou 33 metros e sim a criação de instrumentos econômicos para a floresta gerar renda.

Como isso pode ser feito?
Já existem instrumentos para pagamento de serviços ambientais, o conceito mais interessante para instigar essa mudança de olhar. A floresta deve ser pensada como provedora de serviços. Ela estoca carbono, que é importante para o clima, tem valor. Produz polinizadores. Regula enchentes de rios. Então é preciso remunerar quem mantém a floresta. A água, por exemplo: uma parte do preço do metro cúbico de água tem que bater no bolso do agricultor que protege nascentes. Só dois fatores podem mudar o paradigma do mato: educação e dinheiro. São esses instrumentos econômicos que faltam no Código Florestal.

Quem pagaria pelos "serviços ambientais"?
O financiamento deve ser público e privado, mas principalmente privado. Por meio, inclusive, de mecanismos de compensação em outras regiões. Assim, um produtor de soja que deseje aumentar sua área plantada responsabiliza-se pela recuperação do dobro de espaço em outro bioma no cerrado ou um fazendeiro de cana de Ribeirão Preto custeia um projeto na Amazônia. É um jogo de ganha-ganha, uma forma de conectar o agronegócio rico brasileiro com o pobre rural. As políticas ambientais não só do Brasil mas da América Latina padecem de um equívoco trágico: o excesso de ênfase nos instrumentos de controle. Faz-se a lei e dá-se a multa. Aí ninguém cumpre a lei, nem paga a multa. A discussão que estamos vendo no Congresso ninguém vai ganhar. Os ruralistas vão perder e os ambientalistas também. O que precisamos é de um pensamento ambientalista estratégico. Enquanto não enxergarmos o mato como riqueza, vamos ficar batendo cabeça.


OPINIÃO
A revanche da tiririca
Para professor, mudanças do novo Código Florestal podem trazer consequências ambientais graves

*Thomas Lewinsohn

O Código Florestal brasileiro, com quase meio século de existência e emendado por vários decretos e leis posteriores, precisa ser revisado para se adequar ao Brasil do século 21 e ampliar sua eficácia como principal instrumento de salvaguarda da integridade ambiental do País, consolidando essa salvaguarda no variado espectro de demandas presentes e futuras de ocupação e utilização de todos os ecossistemas brasileiros.
Não é essa a revisão, porém, que hoje está em curso no Congresso Nacional. O novo código está sendo concluído com o frenesi de carro alegórico que precisa entrar no sambódromo. Corre-se sob pressão de uma crise fantasiosa de produção de alimentos, a qual estaria na iminência de ser estrangulada pela impossibilidade de se expandir a área cultivável nas áreas protegidas pelo atual código. De onde surgiu tal crise? Tudo indica que o vencimento, dentro de poucos meses, do prazo para enquadramento de propriedades rurais na legislação vigente - prazo sabido desde muito e repetidamente postergado - fez o agrolobby mobilizar seus parlamentares para alterar a legislação a toque de caixa.
Como se engendrou a proposta de Código Florestal que está em pauta? Segundo a comissão do Congresso liderada pelo relator Aldo Rebelo, foram consultados centenas de representantes de todos os interesses e áreas de conhecimento. Foram, alegadamente, também ouvidos "cientistas" e "ambientalistas" - como se não existisse uma ciência ambiental séria no Brasil.
Os poucos cientistas que chegaram a ser ouvidos ou lidos foram cuidadosamente pré-selecionados pelo que teriam a dizer; além do mais, a proposta incorporou somente o que o relator houve por bem (ou mal) entender. Salvo exceções simbólicas, a ciência brasileira no todo, os cientistas mais experientes, mais capacitados, as instituições mais representativas, não foram engajados efetivamente nessa elaboração, canalizada desde o inicio para intenções tendenciosas e muito distantes do interesse público e do bem comum.
Desde quando versões preliminares vieram a público, sociedades científicas e grupos de pesquisadores realizaram reuniões e produziram documentos avaliando o atual projeto. A Abeco (Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação), com o Programa Biota-Fapesp, avaliou as consequências das alterações propostas para a biodiversidade brasileira. Um estudo mais extenso foi produzido pela Academia Brasileira de Ciências com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, as principais sociedades nacionais que congregam cientistas de todas as áreas.
Os documentos reúnem análises bem fundamentadas que evidenciam um amplo leque de consequências extremamente preocupantes das modificações que estão por ser introduzidas e, inevitavelmente, tornarão o código menos eficaz em assegurar a integridade ambiental brasileira.

Vão além. Estudos detalhados mostram que, no Brasil, há ampla margem para reordenar pastagens com maior aptidão agrícola para o cultivo e incorporar tecnologias para aumentar a eficiência da pecuária. Com isso, é viável incrementar a produção brasileira sem avançar sobre as paisagens naturais remanescentes nas propriedades rurais. Ironia que no Brasil, talvez o último grande país no mundo que ainda detém a possibilidade de conciliar um vigoroso desenvolvimento agrícola com a manutenção efetiva de sua integridade ambiental, essa opção possa ser barrada por obra de um segmento míope e inconsequente do agronegócio.
Nada mais arcaico que uma visão agrodesenvolvimentista que persiste em enxergar as áreas de proteção permanente e as reservas legais do CFB tão somente como terrenos roubados à produção. Uma visão incapaz de reconhecer que, antes até de contribuir para a conservação da biodiversidade, essas áreas subtendem sua produção, preservam a qualidade ambiental de sua propriedade e a saúde de seus habitantes; em suma, asseguram serviços ambientais indispensáveis à qualidade de vida e a um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.

Outra ironia: o pequeno proprietário rural, o alegado beneficiário maior das drásticas reduções de APPs e reservas legais embutidas na atual proposta, é quem mais terá a perder - privado que será da proteção contra erosão e degradação de água e solo, da polinização nativa de suas culturas e tantos outros serviços ambientais prestados pelos remanescentes de ecossistemas naturais que serão eliminados ou deixarão de ser recompostos. É esse proprietário que estará mais exposto aos efeitos da degradação ambiental acelerada, sem recursos e capital para se defender.
O Brasil precisa, sim, de um novo CFB; mas um código que alicerce firmemente uma política ambiental brasileira. Uma política unificada, respaldada e implementada não apenas pelo Ministério do Meio Ambiente, mas por todos os segmentos do governo. Um código, e uma política, assentados sobre o melhor conhecimento disponível, que reflitam escolhas lúcidas e sensatas, norteadas pelos maiores interesses da nação.
Esse novo código só poderá resultar de um processo maduro de elaboração conjunta que envolva as melhores lideranças e competências técnicas, científicas e políticas de que o Brasil dispõe. Que, mesmo quando discordem, não percam de vista o objetivo maior de assentar as atividades humanas numa matriz ambiental saudável, funcional e bem cuidada. Que não manipulem palavras para tornar inócua a legislação que têm o dever de aperfeiçoar. As sociedades científicas propuseram dois anos para elaborar um projeto de Código Florestal. Não é demais. A alegação de que quem queria se manifestar já teve sua chance e que acabou o tempo é pueril e talvez reflita um temor de participar de discussões substantivas e se defrontar com argumentos técnico-científicos reais. É difícil, mas não impossível, que ate 2014 o Brasil ainda consiga produzir uma boa Copa. Parece igualmente difícil, mas é muito mais importante, dar-se um tempo igual para produzir o novo Código Florestal para o Brasil.

*THOMAS LEWINSOHN, DOUTOR EM CIÊNCIAS E PROFESSOR TITULAR DE ECOLOGIA DA UNICAMP, É PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIÊNCIA ECOLÓGICA E CONSERVAÇÃO


OPINIÃO
O WikiLeaks latino

*Mac Margolis

Muitos países vibraram com o escândalo do WikiLeaks que escancarou os segredos da diplomacia americana. Agora, com a revelação do conteúdo dos arquivos da guerrilha colombiana, apresentado nesta semana por um centro de pesquisa internacional, a América Latina tem um escândalo todo seu.
E cá, como lá, o flagrante já provoca tremores com desdobramentos que vão de embaraço diplomático a reflexão política e, quem sabe, penitência por parte de governos hemisfério afora.
Não são exatamente inesperadas as revelações das correspondências eletrônicas de Raúl Reyes, o número 2 das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), morto por tropas colombianas na selva do Equador, em 2008. Quem, a essa altura, já não desconfiava da simpatia e admiração mútua entre o governo de Hugo Chávez e a guerrilha de grife continental?
O surpreendente - chocante, até - nesse nexo de comunicados, esmiuçado no relatório Farc Files (Os Arquivos das Farc), do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IIES), é como a relação promíscua desabrochou em uma sociedade funcional e duradoura, com metas, ideologia e estratégias complementares. Insurgentes na casamata e bolivarianos nos palácios, costuraram uma rede de apoio de sobrevivência mútua e para se perpetuar, continente afora.
Destilando a troca de mensagens digitalizadas de três computadores, três discos rígidos e duas unidades flash drive, o analista James Lockhart Smith concluiu que as Farc não apenas gozavam da indulgência do governo de Chávez, mas atuavam com cúmplices do projeto da "revolução bolivariana", levando a bandeira às selvas na ponta da baioneta. "Eram o braço beligerante da revolução bolivariana", diz. E a relação era de duas mãos. Uma das correspondências bisbilhotadas pelo IIES afirma que Rafael Correa recebeu $400 mil das Farc para custear sua candidatura à presidência do Equador em 2006.
Mas a cumplicidade maior era com a Venezuela. Por duas vezes, os arquivos confirmam, Raúl Reyes se reuniu com Chávez e até sua morte, em 2008, manteve contatos fraternos com os mais altos funcionários de Caracas. A origem da parceria é fácil de entender. Logo após o golpe que sofreu em 2002, que brevemente o removeu do poder, o líder venezuelano quis se munir. Seu comissariado alistou as Farc para treinar as milícias populares, tidas como a última linha de defesa da revolução chavista, e até para eliminar desafetos, como Henry Lópéz Sisco, ex-chefe de inteligência nacional, hoje foragido.

Estratégia. Não se sabe se Chávez chancelou a missão assassina, que aliás nunca se realizou, embora beira o absurdo imaginar que algo desse vulto escapasse do olhar do coronel comandante bolivariano. Mas delineia bem a relação promíscua entre Estado e o poder clandestino, uma permuta que trabalha para desestabilizar vizinhos e rivais, sob camuflagem de eleições democráticas.
O WikiLeaks das Farc não vai derrubar o governo Chávez, mal acostumado com a banalização de escândalos e uma oposição reduzida ao murmúrio. E veio tarde demais para pautar a consulta popular no Equador, onde Correa, como bom acólito bolivariano, conseguiu mais uma vez alavancar a democracia para encolhê-la, conquistando um plebiscito que centraliza ainda mais seu controle sobre a vida e obra de seu país.
Mas o escândalo ainda pode mexer com a posição e política dos vizinhos, que ainda têm de formalizar a entrada da Venezuela no Mercosul. Será Chávez, sócio das Farc, um parceiro leal, comprometido com a liberdade democrática e o livre comércio no continente?
Chávez continua festejado em muitos cantos das Américas como herói da resistência ao cabal "neoliberal" chefiado pelos EUA ou, no máximo, como um bufão, presença espalhafatosa mas ao final e ao cabo, inócua. Não é nenhum nem outro.
Quem afirma não são os imperialistas gringos e seus supostos despachantes em Bogotá, mas o ex-número 2 da guerrilha mais badalada do Ocidente. "Cada vez se fazem mais evidentes a coincidência de objetivos no compromisso de continuar a obra inacabada de libertação e emancipação de Simón Bolívar, para conquistar a segunda e definitiva independência", teclou certa vez Reyes.
O destinatário: Señor Coronel Hugo Chávez Frías, presidente da República Bolivariana da Venezuela.

*É COLUNISTA DO "ESTADO", CORRESPONDENTE DA "NEWSWEEK" NO BRASIL E EDITA O SITE WWW.BRAZILINFOCUS.COM


OPINIÃO
A hora da verdade

*Mario Vargas Llosa - O Estado de S.Paulo

Embora eu não seja crente, tenho muitos amigos católicos, sacerdotes e leigos, e um grande respeito pelos que procuram viver segundo suas convicções religiosas. O cardeal Juan Luis Cipriani, arcebispo de Lima, em compensação, me parece representar a pior tradição da Igreja, a autoritária e obscurantista. Sua recente autodefesa, Os direitos humanos irrenunciáveis, publicada no dia 1.º em Lima, justifica as críticas que, em nome da democracia e dos direitos humanos, ele com frequência recebe, sobretudo de setores católicos mais liberais.
Em seu texto, ele desmente que tenha dito que "os direitos humanos são uma "cojudez" (palavra peruana equivalente a besteira)" e afirma que, na verdade, aplicou tal grosseria apenas à Coordenadoria de Direitos Humanos, uma instituição dirigida por uma ex-religiosa espanhola, Pilar Coll, que nos anos das grandes matanças cometidas pela ditadura fujimorista realizou uma admirável campanha de denúncia dos crimes que se cometiam sob o pretexto da luta contra o Sendero Luminoso.
O cardeal Cipriano desmente também que durante a ditadura tivesse guardado silêncio diante de um dos crimes coletivos mais abjetos cometidos por Fujimori e seus cúmplices: a esterilização, mediante enganos, de cerca de 300 mil camponesas, que, por ordem do ditador, tiveram as trompas ligadas por equipes do Ministério da Saúde, que assegurou-lhes que se tratavam de simples vacina ou de uma medida que só as impediria temporariamente de procriar.
Como é que ninguém se inteirou no Peru de que o arcebispo havia considerado reprováveis esses atropelos? Porque em vez de protestar publicamente ele se limitou a fazê-lo em privado, isto é, sussurrando discretamente seu protesto na orelha do ditador. O cardeal não costuma ser tão discreto quando se trata de protestar contra os preservativos, para não falar do aborto ou contra aqueles que no segundo turno das eleições peruanas apoiam Ollanta Humala.
Campanha suja. Por exemplo, por eu o haver feito, ele me admoestou de maneira tonitruante do púlpito da catedral de Lima. Ele me pediu "mais seriedade" e protestou. Como eu me atrevo a dar conselhos aos peruanos sobre em quem devem votar? O cardeal está nervoso e se esquece que ainda há liberdade no Peru e qualquer cidadão pode opinar sobre política sem pedir permissão nem a ele nem a ninguém. Claro que as coisas mudarão se for eleita a senhora Fujimori, a candidata que ele bendizia naquele mesmo ofício no qual me proibia de opinar.
Não é somente o arcebispo de Lima que se excede nesses dias de campanha e guerra suja no Peru. Uma famosa fujimorista, também do Opus Dei, como o monsenhor Cipriani, Martha Chávez, ameaçou publicamente o presidente do Poder Judiciário, o doutor César San Martin, eminente jurista que presidiu o tribunal que condenou Fujimori a 25 anos de prisão por crimes contra os direitos humanos.
No entanto, o mais inquietante são as tentativas de expurgar os meios de comunicação, principalmente os canais de TV e jornalistas independentes, que resistem a se converter em propagandistas da candidatura da filha do ex-ditador. O caso mais famigerado foi o de Patricia Montero, produtora geral, e José Jara, produtor de noticiário, ambos do Canal N, demitidos depois que os diretores consideraram que eles tinham "humanizado" o candidato Humala em reportagens - gostariam que o animalizassem, talvez?
Essas demissões provocaram uma verdadeira tempestade de críticas, entre elas as dos mais prestigiosos jornalistas do próprio Canal N, em defesa de seus colegas, e ameaças de demissões em massa caso continue a caça às bruxas. Isso parece ter paralisado, por enquanto, a dispensa da prestigiosa e experiente jornalista do Canal 4, Laura Puertas, também censurada.
Finalmente, uma denúncia publicada no dia 4 no diário La Primera indica que o governo, apoiado por empresários da mineração, havia encomendado dos serviços de inteligência do Estado um "plano lençol" destinado a destruir a campanha de Humala com métodos delituosos - grampo telefônico, operações caluniosas filtradas para a imprensa para minar seu prestígio e o de seu círculo familiar usando mercenários e provocadores - com os quais, em 1990, o governo conspirou contra mim quando fui candidato à presidência. A denúncia provém, ao que parece, de militares e civis do serviço de inteligência contrários ao uso do órgão para fins políticos alheios a sua missão específica.

Reflexão. Tudo isso merece uma reflexão. Se essas coisas começam a ocorrer agora, em plena campanha eleitoral, não é fácil imaginar o que ocorreria caso a senhora Fujimori ganhe as eleições e a ditadura fuji-montesinista recupere o poder ungida e sacramentada pelos votos dos peruanos? Os jornalistas decentes e responsáveis expulsos de seus postos não seriam cinco (também foram demitidos três da Radio Lider), mas dezenas. E as rádios, os canais de TV e os jornais seriam convertidos, como estiveram durante os oito anos de infâmia que o Peru viveu, em órgãos de propaganda encarregados de justificar os desmandos e o tráfico de poder, encobrindo injúrias e caluniando seus críticos.
Não só o juiz San Martin seria vítima de sua probidade. Todo o Judiciário se veria, uma vez mais, submetido a um crivo implacável para afastar de seus cargos ou reduzir à total inoperância os juízes que resistirem a ser meros instrumentos dóceis do governo.
Repartições públicas, Forças Armadas e empresas privadas seriam outra vez incorporadas ao sistema autoritário para que, de novo, o país inteiro ficasse à mercê do punhadinho de foragidos que, entre 1990 e 2000, cometeu o mais espetacular saque do erário e os crimes mais horrendos contra os direitos humanos de nossa história.
Os que querem semelhante futuro para o Peru não são muitos, mas são poderosos. Como estão assustados com a perspectiva de que Humala vença as eleições e cometa os desaforos de Hugo Chávez na Venezuela, estão dispostos a qualquer coisa para assegurar o triunfo de Keiko Fujimori. Extraordinário paradoxo: para evitar o socialismo, que venha o fascismo. E tudo isso em nome da liberdade, da democracia e do livre mercado.
Na verdade, a alternativa que o Peru tem nas eleições do dia 5 é salvaguardar a imperfeita democracia política que temos há dez anos e uma política de mercado e de abertura para o mundo que fez crescer nossa economia de maneira notável ou voltar a um regime ditatorial que restabeleceria no governo os que, em cumplicidade com Fujimori e Montesinos, destruíram o Estado de direito, enriqueceram cometendo falcatruas e, durante oito anos, cometeram crimes horrendos sob pretexto de combater a subversão. A meu ver, diante dessas alternativas, Keiko é a pior opção.
Humala assumiu um "compromisso com o povo peruano" que convém ter muito presente, não só na hora de votar nele, mas, sobretudo, quando ele chegar ao governo, para recordá-lo sempre que ele pareça se afastar de alguma de suas promessas. Não haverá reeleição. Serão cumpridos os tratados firmados e não haverá estatizações. O respeito ao pluralismo informativo será total.
Tudo isso é perfeitamente compatível com a democracia. Esse compromisso não depende apenas da vontade de Humala. Depende dos que o apoiam deixarem claro que são a essas políticas que damos nosso apoio. Seguiremos firmes exigindo seu cumprimento. / TRADUÇÃO CELSO PACIORNIK

*É GANHADOR DO NOBEL DE LITERATURA


As duas faces de Guantánamo
15 de maio de 2011 | 0h 00

Yoani Sánchez - O Estado de S.Paulo

Começa a primeira manhã de maio e o sol ainda não queima tanto. Encapuzado, camisa e calças alaranjadas, um jovem tenta desfilar na Praça da Revolução, em Havana, durante a comemoração do Dia Internacional dos Trabalhadores. Tanto a indumentária quanto o cartaz que carrega são um protesto espontâneo pelos presos que o governo dos EUA mantém na base de Guantánamo.
Sua passagem diante da tribuna dura apenas alguns segundos, até que homens musculosos o descobrem e o empurram para fora da maré humana. Não há espaço para o livre arbítrio nessas coreografias populares amplamente programadas. Apenas algumas dezenas de pessoas e a lente indiscreta de uma câmera captam o momento da detenção. O calor já é agonizante e faltam poucas horas para a divulgação da morte de Osama bin Laden.
A zona militar que os EUA possuem no sul de Cuba, também conhecida como Gitmo, é o cenário de numerosos dramas humanos que se sucedem de ambos os lados dos limites demarcados - e impostos contra a vontade popular - desde a longínqua Emenda Platt.
Revelações do WikiLeaks evidenciam o elevado número de presos que poderiam ser inocentes. Motoristas, granjeiros e até cozinheiros capturados no Afeganistão tiveram de esperar anos para que sua identidade fosse esclarecida e pudessem voltar para casa.
Quem sabe alguns conseguiam enxergar de sua cela os limites da base onde estavam reclusos, ver os perenes sentinelas que vigiam a demarcação e imaginar que, se conseguisse burlá-los, encontrariam a liberdade do outro lado.
Mera ilusão, pois Raúl Castro declarou em 2002 que se um preso escapar para o interior do país, será devolvido imediatamente às tropas americanas. "Se sobrar alguma coisa", acrescentou com sarcasmo, referindo-se aos campos minados que o governo se nega a desativar.
A pequena fatia do Oriente de Cuba é uma das zonas mais minadas do mundo, e não apenas do ponto de vista ideológico. No município de Caimanera, as pessoas vivem a poucos metros de uma fronteira pontilhada de explosivos. Uma perigosa franja de morte que contradiz a Convenção de Ottawa, de 1997, que proíbe o uso, armazenamento e transporte dessas perigosas armadilhas que mutilam corpos.
Há apenas uma semana, um jovem de 16 anos e seu irmão brincavam com um objeto que haviam encontrado perto da escola, na aldeia de Boquerón. Começaram a chutá-lo e, então, se ouviu um estrondo: um foi parar no hospital e o outro, no cemitério. A imprensa oficial não disse nada a respeito e a família guardou silêncio temendo represálias. "Mais vítimas da divisão de Guantánamo", pensaram os que cresceram entre as tentativas de escapar.
Apesar dos enormes perigos, não são apenas os que foram acusados de vínculos com a Al-Qaeda que sonham em pular o alambrado. Os guantanameros têm vontade de conhecer essa cidade erguida pelos yumas (americanos), que, embora esteja tão perto deles, nunca puderam visitar. Uma pequena urbe onde se fala inglês, há um centro comercial, vários restaurantes e dois cinemas ao ar livre.
O sigilo da zona militar alimenta as manchetes dos jornais de outras partes do mundo, enquanto a possibilidade de emigrar para lá cativa os cubanos que vivem do lado de cá. O risco é enorme, mas nem por isso deixam de tentar chegar na base onde tremula a bandeira estrelada, exatamente no lugar onde se estendiam os acampamentos improvisados que abrigaram milhares de balseiros cubanos, após a explosão migratória de 1994. Agora, a maioria dos que tentam a travessia por terra morre no campo minado e os poucos que conseguem chegar são devolvidos imediatamente a Cuba.
Nem sempre os muros e os limites separam a diferença. Às vezes, traçam simplesmente uma linha divisória entre iguais, entre realidades ou indivíduos que se assemelham em seus sonhos e seus problemas. É o caso desse perímetro definido por um tratado de mais de cem anos, da fronteira ao redor da qual habita o desejo humano de escapar para o desconhecido.
Alguns vestem uniformes alaranjados, cumprem longas penas e são mencionados com frequência na imprensa estrangeira. Outros arrastam a monotonia de suas vidas, a escassez, a frustração que os leva a arriscar tudo para chegar à Guantánamo que imaginam, mas desconhecem. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

*É JORNALISTA CUBANA E AUTORA DO BLOG GENERACIÓN Y. EM 2008, RECEBEU O PRÊMIO ORTEGA Y GASSET DE JORNALISMO

HAITI
Michel Martelly é proclamado presidente do Haiti
Cantor de 50 anos recebeu faixa presidencial em meio a uma queda de energia durante a cerimônia
14 de maio de 2011 | 11h 35

AP e EFE

O carismático pop star eleito presidente do Haiti, Michel Martelly, tomou posse neste sábado, 14, prometendo reconstruir a capital devastada pelo terremoto em 2010, promover o desenvolvimento no interior do país e formar um Exército moderno.
O cantor de 50 anos conhecido dos haitianos como "Sweet Micky", foi eleito presidente em 20 de março com 67,57% dos votos, em um Haiti cansado de lideranças passadas que falharam em providenciar até mesmo serviços básicos, como ruas decentes, água e eletricidade no país mais pobre do Hemisfério Ocidental. Ele é o 56º presidente do país.
Martelly foi empossado em uma cerimônia realizada nos arredores do Parlamento da nação e no momento da posse houve uma queda de energia na sala construída para a cerimônia. Entre as dúzas de pessoas que acompanhavam a posse estavam o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, enviado especial da ONU, e o comandante da missão da ONU no país, Edmond Mulet, que tem mantido a ordem no Haiti desde 2004. O presidente do Suriname, Desi Bouterse, em julgamento pela execução de 15 oponentes políticos em 1982 também estava presente.
Após a leitura do decreto que o declara chefe do Estado, Martelly recebeu a faixa presidencial do presidente da Assembleia Nacional, Rudolphe Joazile, que foi entregue pelo agora ex-presidente do Haiti René Preval. Os dois depois se cumprimentaram e se abraçaram, mas não disseram nada um ao outro. A esposa de Martelly, Sophia Saint Remy, então subiu no palco e ajustou a faixa, e os seus quatro filhos se juntaram a eles.
Pouco antes, o novo governante fez o juramento ante Joazile. "Juro na frente de Deus e da nação seguir fielmente a Constituição e as leis da República", declarou Martelly.
Ele também se comprometeu a "respeitar e fazer respeitas os direitos do povo haitiano e trabalhar para a magnificência da pátria na manutenção da independência nacional e da integridade do território".
Martelly não falou nada ao sair do Parlamento em direção ao Palácio Nacional, onde deve fazer um discurso. Antes disso, ele saiu do salão de posse e escutou pela primeira vez o hino presidencial interpretado pela Orquestra da Polícia Nacional.
Acompanhado da esposa, Martelly se dirigiu ao museu do Panteão Nacional para depositar flores em homenagem aos heróis da nação haitiana.
"Hoje me sinto como ontem, só que agora tenho o comando da nação", disse o novo governante à agência EFE, antes de sair do museu.
Fora do Parlametno protegido por portões, havia mais de mil simpatizantes do novo presidente.
"Hoje é uma festa para nós, para as massa, porque o país está destruído", disse Esaue Rene, um mecânico de 28 anos que tem grande esperança em Martelly. "Eu gostaria que ele criasse empregos para que as pessoas não passem mais os dias sentadas em praças, sem ter o que fazer."



Martelly assume presidência do Haiti com promessa de acelerar reconstrução
Cerimônia de posse ocorreu no gramado do Palácio Nacional, que foi danificado pelo terremoto.
14 de maio de 2011 | 17h 12

O cantor haitiano Michel Martelly assumiu neste sábado a presidência do país mais pobre do continente.
Eleito no segundo turno da eleição, em março, ele prometeu acelerar a reconstrução das áreas do país devastadas pelo terremoto e pôr em prática programas para desenvolver as regiões mais carentes, além de construir um Exército moderno.
Centenas de milhares de haitianos ainda vivem em acampamentos temporários, onde se instalaram após o terremoto de janeiro de 2010.
O país teve de enfrentar também uma devastadora epidemia de cólera.

Desafio
A cerimônia de posse ocorreu no gramado do Palácio Nacional, que foi danificado com o tremor, na capital, Porto Príncipe.
Diante do palácio, centenas de barracas foram montadas pelos desabrigados após o terremoto, lembrando o presidente do grande desafio que tem pela frente.
Mais de mil pessoas se reuniram no local para celebrar a posse. "Hoje o dia é de festa para as massas, porque nosso país foi destruído", disse Esaue René, um mecânico de 28 anos.

Clinton
O ex-presidente René Preval passou a faixa para Martelly, em uma cerimônia acompanhada pelo ex-presidente americano Bill Clinton, que lidera o Comitê para Reconstrução do Haiti, entre outros nomes importantes da política mundial.
Outros desafios a serem enfrentados pelo novo presidente, além das consequencias do terremoto e da cólera, são a economia em ruínas e o legado da violência que predominava no país.
"Seu governo terá de mostrar progresso muito rapidamente, para dar a confiança à população", Mark Schneider, vice-presidente do centro de estudos International Crisis Group, que tem sede em Washington DC. BBC Brasil


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