SEGURANÇA DO CONTROLE AÉREO
Segurança aérea ficou na mão de inapto, diz instrutor
Militar que treinou sargento diz que objetivo era suprir carência de pessoal
Juiz inocentou controlador do caso Legacy por considerá-lo inapto para função; FAB não comenta
RODRIGO VARGAS
DE CUIABÁ
Pressões dentro da Aeronáutica para suprir a carência de pessoal forçaram a homologação de uma pessoa sem "condições" e com "deficiente controle emocional" para a função de controlador de voo -primordial para a segurança do controle aéreo.
A afirmação é do sargento Wellington Rodrigues, do Cindacta 1, em Brasília, ao juiz Murilo Mendes, no processo sobre a colisão entre o jato Legacy e o Boeing da Gol, em 2006. No acidente, 154 pessoas morreram.
O sargento Jomarcelo Fernandes dos Santos era um dos responsáveis por acompanhar o setor em que trafegava o Legacy.
Anteontem, a Justiça inocentou Jomarcelo da acusação de atentado culposo (sem intenção) contra a segurança de voo no acidente, em razão de "notórias deficiências" e "inaptidão" ao cargo. A FAB não comenta o caso.
Na decisão, o juiz mencionou trechos do depoimento do instrutor Wellington, responsável pelo curso concluído por Jomarcelo em 2005.
"Ele [Jomarcelo] demorou muito mais do que a turma dele para ser homologado. Ficou fazendo várias tentativas, e havia sempre aquela insistência de homologá-lo", disse Wellington.
No depoimento, o instrutor foi questionado sobre a origem da "imposição para que se fizesse a homologação de Jomarcelo". O relato é que "a testemunha explicou que não era uma imposição específica". "A gente sabia da dificuldade do número de operadores e havia, sim, essa pressão", afirmou Wellington.
As dificuldades do controlador também foram descritas em laudo psicológico juntado ao processo, que cita problemas para "estabelecer prioridades", "deficiente controle emocional" e "pouca agilidade nas instruções".
Em 2007, na CPI do Apagão Aéreo no Senado, um procurador do Ministério Público do Trabalho afirmou que Jomarcelo só ingressou no quadro de controladores "praticamente à força", após ser reprovado quatro vezes no exame de ingresso.
Militar de carreira, então com 38 anos, Jomarcelo estava havia menos de nove meses no cargo quando aconteceu o acidente.
Segundo o Ministério Público Federal, ele ignorou indicações em sua tela de controle de que o Legacy voava na "contramão" e com o transponder (sistema anticolisão da aeronave) desligado.
Na sentença, o juiz sugere que se atribua conduta dolosa (intencional) no caso a quem "conferiu a Jomarcelo a habilitação para que ele exercesse a função."
OUTRO LADO
Aeronáutica diz que investe em pessoal
Advogado que defende controlador absolvido por "inépcia" do caso do acidente da Gol pede que juiz faça retratação
DE CUIABÁ
Procurado pela Folha desde anteontem por meio de sua assessoria de imprensa, o Comando da Aeronáutica respondeu, em nota, que não "tece comentários a respeito de decisões judiciais".
"Cabe esclarecer que, somente entre 2007 e 2010, a Força Aérea Brasileira formou mais de mil novos controladores de tráfego aéreo, além de profissionais de áreas também ligadas ao controle do espaço aéreo, como técnicos em comunicações e em meteorologia."
A Aeronáutica diz que os investimentos realizados no setor desde 2007 ampliaram "a capacitação do nível operacional dos controladores".
A nota cita também um investimento de R$ 5 milhões por ano em cursos "visando a elevar o nível de inglês dos profissionais envolvidos diretamente no atendimento de tráfegos de aeronaves internacionais".
O atual comandante da Aeronáutica é o brigadeiro Juniti Saito, que assumiu em 2007. À época do acidente, o comando era do brigadeiro Luiz Carlos da Silva Bueno, cujo afastamento foi atribuído à crise que se instalou no setor aéreo desde então.
"O resultado desses investimentos já pôde ser constatado em 2009, quando a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), ligada às Nações Unidas, realizou uma auditoria no sistema de controle do espaço aéreo brasileiro e o classificou dentre os três melhores no mundo", diz a nota da Aeronáutica.
O advogado Roberto Sobral, defensor do controlador Jomarcelo Fernandes dos Santos, disse considerar "justíssima" sua absolvição, mas avaliou que houve "exagero" nas menções do juiz à "inaptidão" de seu cliente.
"Espero que o juiz se retrate, pois não estamos falando de uma pessoa sem nenhuma capacidade. O problema é que o encargo que foi dado para ele era insuportável para alguém com a experiência que ele possuía à época", afirmou o advogado.
Segundo Sobral, Jomarcelo somente deveria operar "sob supervisão ou na função de assistente". "Em qualquer lugar do mundo, um profissional com a experiência dele seria assistente. Jamais ficaria sozinho".
Sobre o controlador de voo Lucivando Tibúrcio de Alencar, condenado na mesma decisão que inocentou Jomarcelo, o advogado disse que vai recorrer.
"A Força Aérea preservou seus oficiais e deixou que toda a responsabilidade caísse nas costas dos controladores", disse o advogado.
Em outubro do ano passado, reportagem da Folha mostrou que o país tinha quase 900 controladores a menos do que a meta de 3.114 estabelecida pelo Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo) em 2008.
Preparação é "a toque de caixa", diz associação
DE SÃO PAULO
O treinamento dos controladores de tráfego aéreo é rápido e inadequado, afirma Edleuzo Cavalcante, 41, presidente da ABCTA (Associação Brasileira dos Controladores de Tráfego Aéreo).
A Aeronáutica, à qual os controladores são subordinados, reduziu, nos últimos três anos, o tempo de prática supervisionada de 300 horas para cerca de 60 horas, diz.
"Estamos muito perto de uma nova tragédia", afirma. "A preparação é a toque de caixa. Não se adquire experiência assim." Ex-sargento, Cavalcante foi expulso da FAB por ser considerado um dos líderes de um motim em março de 2007.
Segundo ele, controladores com pouco mais de dois anos de experiência são colocados em posição de supervisão. Até 2006, disse, o tempo médio para assumir a chefia era de dez anos. Há 3.100 controladores, 900 a menos que a meta para 2010.
Procurada para comentar, a FAB não respondeu.
TRAGÉDIA DO VOO 447
França retoma hoje resgate de corpos de vítimas do voo 447
Operação só recomeça porque será possível identificar restos mortais dos passageiros
ANA CAROLINA DANI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
A operação de resgate dos corpos do voo 447 será retomada hoje, segundo informou à Folha um membro da direção do IRCGN (Instituto de Investigações da Polícia Militar francesa).
O avião da Air France, que fazia a rota Rio-Paris, caiu no Atlântico em maio de 2009, matando 228 pessoas.
Os trabalhos haviam sido interrompidos há pouco menos de duas semanas, pois a polícia aguardava o resultado dos primeiros testes de DNA feitos a partir de amostras retiradas dos corpos de dois passageiros, retirados do mar no início do mês.
Na semana passada, o diretor do Instituto, François Daust, havia explicado que, caso os restos mortais não pudessem ser identificados, os corpos seriam deixados no fundo do mar. Porém, resultados de análises concluídas na última quarta permitiram extrair o DNA das vítimas.
A identificação ainda não foi realizada. Os especialistas aguardam dados genéticos que devem ser enviados pelas autoridades brasileiras para iniciar o processo.
Duas equipes vão se revezar 24 horas por dia para a retirada dos corpos. "Nesse ritmo, o resgate pode ser finalizado antes do início de junho" explicou à Folha a direção do IRCGN.
Os peritos acreditam que poderão içar cerca de 50 corpos. Os outros, em estado de degradação avançada, provavelmente ficarão no mar, pois há o risco de que os esqueletos se desintegrem durante a manipulação.
ANULAÇÃO DA LEI DA ANISTIA
URUGUAI
Votação no Uruguai mantém em vigor a Lei da Anistia no país
Empate na Câmara inviabiliza tentativa de extinguir benefício a militares da ditadura
LUCAS FERRAZ
DE BUENOS AIRES
Terminou em empate (49 a 49) a votação ontem, pela Câmara dos Deputados do Uruguai, da proposta de anulação da Lei da Anistia, um obstáculo para julgar militares que praticaram crimes durante a ditadura (1973-85).
No mês passado, por um voto de diferença, o Senado havia decidido anular a Lei da Anistia. Com o empate na Câmara, o Congresso terá que se reunir em sessão conjunta para encerrar o tema, mas não há maioria (dois terços de um total de 130 votos) para anular a lei.
A polêmica em torno da anulação da lei incluiu a mudança de posição do presidente José Mujica -ex-guerrilheiro que foi preso e torturado pelos militares.
O resultado de ontem foi possível graças à decisão do deputado governista (e também ex-guerrilheiro) Victor Semproni, que optou por não votar, contrariando a Frente Ampla (coalizão do governo). Semproni adotou o argumento de que uma alteração legislativa não poderia se sobrepor à vontade popular, expressa em dois referendos (em 1989 e 2009), de manter a lei em vigência.
A Lei da Anistia uruguaia foi instituída em 1986, quando a Justiça começava a julgar militares por crimes e violações dos direitos humanos.
Apesar dela, a Suprema Corte do país permitiu o julgamento de alguns militares. Dois ex-ditadores -Gregorio Álvarez e Juan María Bordaberry- estão presos e outros 14 casos já foram julgados.
Mas o entendimento não é amplo -ao menos 50 processos sobre crimes na ditadura foram arquivados com base na anistia, segundo a organização Serviço Paz e Justiça.
A Frente Ampla anunciou que não desistiu de anular a legislação. Uma alternativa seria a convocação de um novo plebiscito.
ARQUIVO DAS FARCS
COLÔMBIA
Justiça invalida informações de computador de ex-líder das Farc
DE CARACAS - Para a Corte Suprema colombiana, os documentos encontrados nos computadores de Raúl Reyes, então número 2 das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), morto em 2008, não são válidos como prova em processos na Justiça.
O tribunal divulgou parecer nesta semana no qual considera que a documentação apreendida na operação que matou Reyes no Equador não cumpre com os requisitos de coleta de evidência judicial.
O arquivo de 6 milhões de palavras foi compilado e triado pelo governo da Colômbia.
A decisão se refere ao caso do ex-deputado esquerdista Wilson Borja, acusado de vinculação com as Farc com base nas mensagens.
Nenhum comentário:
Postar um comentário