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quinta-feira, 26 de maio de 2011

26 de maio de 2011 - CORREIO BRAZILIENSE


Dilma dá zero para kit gay nas escolas

Para evitar desgaste político com as bancadas religiosas no Congresso, a presidente suspendeu a produção e o envio às escolas públicas do material anti-homofobia encomendado pelo Ministério da Educação (MEC). Na terça-feira, parlamentares evangélicos e católicos decidiram obstruir a tramitação de projetos e apoiar a criação de uma CPI para investigar o MEC caso a cartilha não fosse vetada pelo Palácio do Planalto.
O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, no entanto, afirmou que Dilma Rousseff optou por proibir a distribuição do material após assistir a um dos vídeos e considerá-lo inadequado. Entidades e lideranças homossexuais protestaram. Composto por um caderno, seis boletins, três vídeos, um cartaz e cartas de apresentação, o kit teria como objetivo desconstruir estereótipos sobre o homossexualismo entre os adolescentes.


CÓDIGO FLORESTAL
A estratégia no Senado
Base governista vai trabalhar para mudar o texto aprovado pelos ruralistas na Câmara. Caso a operação fracasse, a ordem do Planalto é dividir o projeto em itens para Dilma vetar os pontos da discórdia

Josie Jeronimo
Ivan Iunes

Ação conciliatória ou veto. É o recado dado pela presidente Dilma Rousseff aos líderes da base aliada no Senado depois da derrota sofrida pelo governo na aprovação do Código Florestal na Câmara. O texto chega com dois principais espinhos: a anistia aos desmatadores que destruíram áreas protegidas antes de julho de 2008 e a polêmica Emenda nº 164, que concede aos estados o poder de apontar as atividades produtivas que justifiquem a regularização de áreas de preservação permanente (APPs).
Para reformar o texto aprovado na Câmara, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), pediu ao Planalto pelo menos 90 dias para convencer a base e descartou votar a matéria até 11 de junho, quando vence o decreto presidencial que poderá colocar 90% dos produtores rurais na ilegalidade. Jucá pretende convencer os ruralistas de que nada adianta aprovar texto que agrada a categoria, mas que certamente será vetado por Dilma. A estratégia do líder do governo para ganhar tempo e fazer o ajuste fino do código é fazer o projeto passar por pelo menos três comissões, cada uma com um relator diferente. “Estamos solicitando que o governo reedite o decreto dando mais prazo. Temos condições de aperfeiçoar o relatório. A ideia é que a base fique unida. A maior parte do trabalho a Câmara já fez, o projeto é bom, 98% da proposta está no caminho, temos que fazer alguns ajustes”, afirma Jucá.
Até agora, o senador Luiz Henrique (PMDB-SC) está escalado para representar a bancada ruralista relatando o código na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). “Se depender de mim, nós vamos fazer tudo que for possível para respaldar o relatório de Aldo Rebelo”, resumiu, referindo-se ao deputado do PCdoB de São Paulo.
Na Comissão de Meio Ambiente, grupo responsável por avaliar o mérito da matéria, a relatoria deve ficar com Rodrigo Rollemberg (PSB-DF). O nome do parlamentar do DF foi indicado pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e aclamado por grupo de ex-ministros do Meio Ambiente que se reuniram com Dilma. Rollemberg conta que a ordem é evitar o confronto e apresenta sugestões para construir texto alternativo reunindo os pleitos dos ruralistas às condições estabelecidas para o governo, com a finalidade de evitar o veto. Entre as mudanças que Rollemberg promoverá na proposta está a fixação da atribuição dos estados na produção de legislação ambiental, como forma de reduzir os efeitos da Emenda nº 164. Jucá, por sua vez, afirmou que apresentará emenda retirando o efeito do Código Florestal das áreas urbanas para evitar que as regras atinjam áreas de grandes cidades construídas próximas ao litoral e leito de rios.
Se o esforço pela reconstrução do texto não funcionar, a ordem do governo é dividir o texto em itens, sem mexer no conteúdo, para que a presidente vete os pontos de discórdia. “Nós vamos fazer tudo em harmonia, em consonância com ela (Dilma). Há também a possibilidade de deixar o texto como está e o governo assumir o ônus de vetar”, afirma o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE).
Antes de jogar a toalha, o governo aposta na articulação política do Senado, que tem mais interlocutores com o Planalto, para afinar o texto do Código Florestal. A estratégia utilizada pelo governo federal na Câmara dos Deputados foi muito criticada pela base aliada, por praticamente excluir um conselho político de deputados das discussões. Desde o início do debate, o Planalto teve a interlocução quase que exclusiva do líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP) e do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN). Além dos dois, apenas o relator Aldo Rebelo (PCdoB-SP) teve frequência constante nas rodadas de reuniões.


As novas regras

Confira o que novo Código Florestal Brasileiro, aprovado na noite de terça-feira, estabelece sobre preservação de matas nativas e produção agropecuária.

APPs
Área de preservação permanente, não obrigatoriamente de vegetação nativa, com a função ambiental de proteger a biodiversidade, os recursos hídricos e assegurar o bem-estar das populações humanas.

Mata ciliar
Distância mínima de preservação da vegetação a partir da margem dos rios, conforme sua largura.
Nascentes - 50m
Menos de 10m - 30m
Entre 10m e 50m - 50m
Entre 50m e 200m - 100m
Entre 200m e 600m - 200m
Mais de 600m - 500m

Distância mínima no entorno de lagos
Zona rural - 100m
Zona urbana - 30m

O que muda
Nos rios com menos de 10m em que mata ciliar tiver sido eliminada, basta recompor 15m de vegetação. Passa a ser admitida a manutenção das atividades existentes nas áreas consolidadas em APPs.

As reservas legais
Área localizada no interior de uma propriedade rural, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais e promover a conservação da biodiversidade.

Área mínima em relação ao imóvel

Amazônia Legal   
80% em áreas de florestas; 35% em área de confluência com o Cerrado; 20% em campos gerais

Demais regiões do país
20%

O que muda
» Imóveis de até quatro módulos fiscais ficam dispensados de recompor a reserva legal. Nesses casos, só haverá a recomposição levando-se em conta a vegetação existente até 22 de julho de 2008.
» Se um imóvel incluir APPs, pode colocá-las no cálculo para a definição de reserva legal.
» A recomposição de áreas de reserva legal passa a admitir o plantio intercalado de espécies nativas e exóticas.

Regularização de áreas e anistia de multas
» A União, os Estados e o DF devem implantar programas de regularização ambiental de propriedades rurais com o objetivo de adequar as áreas consolidadas.
» O proprietário que estiver irregular deve aderir ao programa no prazo de um ano, podendo ser prorrogado.
» Durante o período da adesão ao programa, ficam suspensas as multas decorrentes de infrações ambientais cometidas antes de 22 de julho de 2008, relativas a reserva legal, APP e áreas de uso restrito. O proprietário também não poderá ser multado no período.


Governo vai dar o troco nos ruralistas
Ministério do Meio Ambiente descarta prorrogar prazo para regularização das áreas de preservação permanente e, com isso, jogar a maioria dos produtores na ilegalidade

» Vinicius Sassine
» Leandro Kleber

Na ressaca da derrota na noite de terça-feira na Câmara, o governo prepara o troco nos ruralistas e trabalha para manter o prazo dado aos produtores para a legalização das áreas de preservação permanente (APPs) e as reservas legais. O decreto presidencial que obriga a regularização ambiental dessas áreas estabeleceu 11 de junho como a data-limite. Durante a discussão do Código Florestal, a prorrogação do prazo chegou a ser cogitada, mas a ampla vitória dos ruralistas, na contramão do que defendeu o Palácio do Planalto, irritou o governo e, pessoalmente, a presidente Dilma Rousseff. Dentro do Ministério do Meio Ambiente, não há qualquer intenção em prorrogar o decreto. Como é praticamente certo que o novo Código Florestal não será votado no Senado e sancionado antes de 11 de junho, o decreto presidencial continua valendo.
O Ministério do Meio Ambiente trabalha com o pressuposto de que o jogo está zerado. Depois da derrota na Câmara, a expectativa é que o relatório do Código Florestal seja profundamente alterado no Senado. Agrada ao Planalto a confirmação do senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) como relator de mérito. Rollemberg preside a Comissão do Meio Ambiente do Senado e deve promover um equilíbrio de forças com o senador Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC), relator do ponto de vista constitucional e autor do Código do Meio Ambiente de Santa Catarina, quando era governador. A lei catarinense é questionada no Supremo Tribunal Federal (STF).
No Senado, o governo vai tentar derrubar a anistia a desmatadores, a transferência de responsabilidades aos estados e a ampla autorização de áreas consolidadas em APPs. A expectativa dos governistas é de que o “bom senso” prevaleça no Senado. “Temos de ter um código que combine o respeito à produtividade agrícola com nossa posição clássica de respeito à natureza. Esperamos, inclusive, que os ânimos se acalmem e o debate possa ser realizado sem tantas paixões”, afirmou Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência. Ele lembrou que a proposta do novo Código Florestal foi votada exatamente no dia em que houve o assassinato de um casal de militantes da causa ecológica no Pará.

Insatisfação
A derrota na votação do Código Florestal, mesmo esperada pelo Planalto, irritou a presidente Dilma Rousseff ainda na noite de terça-feira, depois da divulgação do resultado no plenário da Câmara. Nas últimas semanas, interlocutores do Planalto e parlamentares da base aliada tentaram convencer o relator do projeto, Aldo Rebelo (PCdoB-SP) a mudar alguns pontos da proposta. A anistia aos que desmataram até julho de 2008 era um dos temas mais polêmicos. “Evidentemente não ficamos satisfeitos com a votação final, uma vez que nós gostaríamos que o acordo realizado anteriormente pudesse prevalecer. Mas não jogamos a toalha. As posições colocadas com clareza pela presidente permanecem”, completou Gilberto Carvalho.
Perguntado se a derrota na Câmara representaria um possível fim da lua de mel entre PT e PMDB, o ministro emendou: “Nem um casamento permanente tem lua de mel eterna”.


NAS ENTRELINHAS
A maioria da Câmara dos Deputados não aderiu ao "ruralismo". Foi a bancada do agronegócio quem aceitou apoiar politicamente uma solução palatável para a maioria dos colegas

Por Alon Feuerwerker

Isolamento inconveniente
Pendurado no Twitter após a votação do texto principal do Código Florestal, topei com uma observação vinda do @danilocarvalho. “Alguém me explica como pode um projeto polêmico como esse do Código Florestal ter uma maioria de 410 votos? Eu quero dizer, alguma coisa tá bagunçada nessa história. Não dá pra dizer que uma maioria desse tamanho votou por interesse ‘ruralista’.”
Como o leitor notou, juntei dois tuítes num só, mas acho que o autor não vai se incomodar. Ele foi ao ponto. Não há 80% de “ruralistas” na Câmara dos Deputados. Nem mesmo os 53% que aprovaram o destaque do PMDB para descentralizar aos estados certas atribuições na proteção das Áreas de Preservação Permanente (APPs). A explicação não está aí.
O governo foi derrotado na Câmara dos Deputados na noite de terça-feira porque se isolou politicamente no longo e radicalizado debate sobre a reforma do Código Florestal. Por compromissos subscritos no processo eleitoral do ano passado e pelo temor de sofrer uma campanha negativa planetária promovida por entidades ambientalistas, o Palácio do Planalto preferiu aliar-se a um campo ruidoso porém numericamente minoritário, no Legislativo e na sociedade real.
Avaliou que na hora “h” o peso do poder seria suficiente para virar os votos necessários e impedir a derrota. Como pôde comprovar na contagem do painel eletrônico, errou na avaliação.
Uma visão do mapa de plenário deixa nítido que não correu solta a disputa sobre o destaque descentralizador do PMDB. O Planalto trabalhou para ganhar. Conseguiu inclusive mudar a posição de duas bancadas, o PSB e o PR. Mas não teve sucesso no fim.
Perdeu por razões conjunturais e estruturais. Havia alguma insatisfação por causa de demandas não atendidas, mas insatisfações assim nunca são suficientes para derrotar um governo, ainda mais um forte e no começo.
Até porque o deputado ou senador que estica a corda sabe que se votar mesmo contra o palácio corre o risco de obstruir ainda mais o canal.
Sim, o governo perdeu a votação sobre o Código Florestal porque se isolou. Mas isso é quase tautológico. A questão é saber por que o Planalto acabou cercado.
Aconteceu porque nesse debate a presidente Dilma Rousseff acabou arrastada a uma disputa que só tem relevância no universo da propaganda, a polarização entre “ambientalistas” e “ruralistas”.
O debate não era esse, nunca foi. Era sobre encontrar um meio de impedir que milhões de agricultores brasileiros permaneçam na ilegalidade, e de fazer isso sem atingir as bases da preservação dos ecossistemas, da sustentabilidade.
Assim, quem chegou antes, trabalhou mais, procurou ouvir as partes e construir mais cedo uma solução majoritária entrou em vantagem na reta final. Quando o governo acordou, viu-se numa situação incômoda.
O centro político já estava ocupado por um dos polos inconciliáveis, e os compromissos e temores empurravam o governo para o outro polo, para o colo da minoria.
A maioria da Câmara dos Deputados não aderiu ao “ruralismo”. Foi a bancada do agronegócio quem aceitou apoiar politicamente uma solução palatável para a maioria dos colegas.
Nada está perdido para o governo, se ele tiver aprendido a lição e comparecer ao debate no Senado disposto a retomar a iniciativa política. Mas há aí um desafio.
Se o ambientalismo ideológico já é bem minoritário na Câmara, no Senado então nem se fala. Foi o Senado quem cruzou o rubicão com a Lei da Biossegurança no colo, depois de receber da Câmara um texto fortemente balizado pela resistência aos organismos geneticamente modificados.
Para vencer no Senado o governo precisará de força — que tem — e de inteligência — que também tem, mas vem economizando.
Na prática, o que sobrou para resolver de complicado é definir quem vai legislar sobre as áreas consolidadas em certas APPs, o pessoal que hoje já planta em beira de rio. O Planalto quer monopolizar essa atribuição na esfera federal. Já os estados gostariam de ter voz sobre o assunto.
O razoável seria uma solução intermediária, que é possível. Ou então haverá um confronto de viés kirchnerista. É o caso de acompanhar, para auscultar a alma deste governo.


Flagrante da devastação
Fiscais do Ibama impedem derrubada de 200 hectares de vegetação em Sinop. Para o governo, novo texto da lei piora desmatamento

» Vinicius Sassine

Sinop (MT) — Um correntão preso a dois tratores velhos permanece no local do crime. Depois de arrastar 120 hectares de mata amazônica, num sistema que remete às formas mais primitivas de desmatamento, o equipamento estava pronto para derrubar mais 200 hectares de vegetação. A devastação seria levada adiante na noite do último domingo. Uma equipe do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) impediu a continuidade da prática na Fazenda Santa Maria, nas imediações da cidade de Sinop (MT). Os 320 hectares da fazenda, que seriam abertos sem licença ambiental, foram embargados pelo Ibama. O órgão tenta, com o suporte do Exército, da Polícia Federal (PF), da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Força Nacional de Segurança, frear a retomada do desmatamento da Amazônia, em especial em Mato Grosso.
O governo matogrossense permite o uso do correntão, diferentemente de estados como o Pará. Durante a visita a Sinop dos ministros do Meio Ambiente, Izabella Teixeira; e da Justiça, José Eduardo Cardozo, o governador de Mato Grosso, Sinval Barbosa (PMDB), prometeu estudar a proibição do correntão. Os ministros foram a Sinop na primeira visita a Mato Grosso depois da instalação do gabinete de crise para conter a devastação.

Repressão
As imagens de satélite mostraram a retomada do desmatamento: entre agosto de 2010 e abril deste ano, o desmate cresceu 27% em relação ao mesmo período anterior.
Somente em Mato Grosso, o desflorestamento consumiu 47,7 mil hectares. O governo tenta reprimir os crimes ambientais no estado: 520 fiscais do Ibama estão na região e o Ministério da Justiça determinou o envio de 153 policiais da Força Nacional, 10 delegados da PF e 40 policiais rodoviários.
A interpretação dentro do governo federal é de que o novo Código Florestal, na forma como foi aprovado na Câmara, vai piorar o desmatamento nos estados. A Emenda nº 164, validada em plenário, transfere para os estados a definição de regras de regularização de Áreas de Preservação Permanente.
Além de permitir o uso do correntão, o governo de Mato Grosso tem poder para conceder licenças de desmatamento e acaba de concluir o zoneamento econômico-ecológico do estado, que anistia desmatadores, reduz reservas legais e amplia as possibilidades de cultivo de cana. O Conselho Nacional do Meio Ambiente deve vetar o zoneamento.
Vistas de cima, as imediações de Sinop são constituídas por plantações de soja e algodão e por quadriláteros de vegetação, muitos prontos para ser desconfigurados por correntões. A presença do Estado inibe os desmatamentos ilegais, assim como o embargo das áreas pelo Ibama. Uma prática recorrente, porém, mostra que a fiscalização é incipiente: áreas já embargadas voltam a ser ocupadas e desmatadas.
A estratégia do Ibama, agora, é voltar a essas áreas e apreender tratores, correntões e madeira. Para isso foi solicitado suporte logístico do Exército. Os tratores e o correntão da Fazenda Santa Maria, multada em R$ 600 mil, seriam os primeiros a ser recolhidos pelo Exército nessa ofensiva. As multas aplicadas, no entanto, raramente são pagas. Seja por sonegação ou por liminares na Justiça, é comum que elas não cheguem aos cofres públicos.
O repórter viajou a Sinop a convite do governo federal


Difícil de monitorar

O governo federal desconhece, no monitoramento do desmatamento da Amazônia, qual é a quantidade de vegetação desmatada legalmente, por meio de licenças concedidas pelos estados. Em muitos casos, o proprietário da área obtém a licença, mas faz supressões de matas além do permitido.
Estados como Amazonas, Pará e Mato Grosso ainda não fornecem à União dados sobre as licenças concedidas. O Ministério do Meio Ambiente já sabe que boa parte do desmatamento feito nos últimos meses conta com o aval dos estados. Um termo de compromisso para compartilhamento de dados deve ser firmado pelo gabinete de crise montado para frear a devastação da Amazônia.
Os estados também terão dificuldade para precisar as áreas consolidadas pela agricultura até julho de 2008. Pelo texto do novo Código Florestal aprovado na terça-feira na Câmara, atividades econômicas em áreas de preservação até essa data serão mantidas. Caberá aos estados regularizar essas áreas. O texto pode ser mudado no Senado ou vetado pela presidente Dilma Rousseff. (VS).


BRASÍLIA-DF
Por Luiz Carlos Azedo

Chame o Lula
O curto-circuito na base governista da Câmara, que resultou na aprovação da emenda que anistia os ruralistas no novo Código Florestal, não deve se repetir no Senado. Na Câmara, a bancada petista se dividiu a ponto de 35 integrantes do partido votarem em bloco contra o relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), contrariando decisão da maioria da bancada de votar contra apenas a emenda nº 164, dos ruralistas.
No Senado, apesar da ladainha contra os articuladores políticos do Palácio do Planalto, a bancada deve marchar unida, a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que entrou em campo para rearticular a base governista. Lula conversou com o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e o líder da bancada do PMDB, Renan Calheiros (AL), governistas de primeira hora. Ouviu outro rosário de reclamações, mas ambos vão esfriar a discussão do novo código.

Menos mal
Apontado como um dos responsáveis pela divisão da bancada petista, o líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira, de São Paulo, minimiza os desentendimentos em torno do novo Código Florestal: “O que importa é que nos mantivemos alinhados ao governo. O que o governo queria era que a bancada votasse contra a emenda nº 164. E isso nós fizemos”, explica. A divisão da bancada desestabiliza o líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP), que perdeu a votação do novo Código Florestal.

Passagens
O deputado federal Dimas Ramalho (PPS-SP) apresentou projeto de lei para proibir a cobrança de taxa de emissão de passagem no sistema de transporte brasileiro. Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara, o parlamentar critica a cobrança das taxas quando a compra é feita pela internet ou telefone. “Se as empresas emitem a passagem sem custos nos aeroportos, não há motivo para cobrar pela internet”.


BRASIL S/A
Pesadelo ambiental
Governo colhe o que plantou ao perder a votação do Código Florestal e a unidade de sua base aliada

Por Antonio Machado

Se a principal reação oficial à aprovação de modo acachapante do novo Código Florestal pela Câmara Federal se resume ao sentimento de “irritação” da presidente Dilma Rousseff, segundo um porta-voz governista não identificado disse à Reuters, o governo se arrisca a se fragilizar e a colher problemas políticos mais sérios adiante.
As mudanças mais reconhecem a realidade da ocupação agrícola nas últimas décadas, boa parte quando o limite legal de desmatamento se estendia a 50% das propriedades rurais, do que anistiam desmatador e franqueiam novas derrubadas nas Áreas de Preservação Permanente (APP) e de Reserva Legal. Ao contrário, o novo Código aprovado na Câmara não reduz o aparato fiscalizador da União e de estados, embora pudesse prever sanções mais drásticas para os crimes ambientais.
A instância para os ajustes no projeto, de relatoria do deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), segundo o rito processual, é o Senado, onde certamente receberá emendas, voltando à Câmara para referendá-las, ou não. O passo seguinte é a sanção presidencial.
Dilma tem o direito constitucional de vetar parte ou totalmente o projeto. Líderes do PT na Câmara têm anunciado que ela exercerá o direito constitucional, se o Senado mantiver pelo menos dois itens que o governo considera inegociáveis: a anistia aos desmatamentos ocorridos até 2008 em APP e Reserva Legal e a transferência para os estados da decisão sobre áreas passíveis de ocupação e plantio.
O governo quer legislar sobre tais questões por decreto. Os meios rurais optam pela discussão caso a caso conforme a região. A regra atual limita a exploração nas Reservas Legais — que são espaços em que a mata nativa deve ser preservada —, a 20% da propriedade, se na Amazônia, a 65%, no Cerrado, e 80% nas demais áreas do país.
Pelo projeto de Rebelo, ex-ministro do governo Lula e um dos mais destacados líderes da base aliada, avanços sobre tais limites são anistiados para propriedades menores. Os ambientalistas acham que, apesar dessa restrição, há brechas para aumentar o desmatamento.
As posições entre os produtores rurais e os ambientalistas já não permitem conciliação. Tempo para discussão não faltou. O assunto é discutido no Congresso desde 1999. Em princípio, o presidente Lula e sua ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, favoreciam a reforma do Código. A dissidência aberta por Marina Silva, ministra do Meio Ambiente na época, culminando com sua saída do PT e filiação ao PV para concorrer à Presidência, mudou as percepções do petismo.

Marina confundiu o PT
Os ambientalistas foram hábeis ao fazer o contraponto entre Dilma e Marina. Como ministra responsável pelas obras de infraestrutura, Dilma foi acusada de querer o desenvolvimento a qualquer preço, em especial ao defender a construção de hidrelétricas no Rio Madeira e a de Belo Monte, no Tapajós. Marina seria a guardiã da natureza. Dilma acusou o golpe, e confundiu seu complexo arco de alianças.
No meio dessa refrega, corria a discussão sobre o Código Florestal — e já adiantada, com convergência de visões entre o PCdoB e as lideranças do agronegócio de exportação e da agricultura familiar.

Nacionalismo e as ONGs
É interessante acompanhar a trajetória de Rebelo. Ele, assim como o PC do B e parte do PT, adquiriu uma visão nacionalista sobre a atividade agrícola quanto mais viajava pelas regiões de fronteira, inicialmente para verificar as demandas por reservas indígenas, e foi se apercebendo da enorme influência de ONGs (organizações não governamentais) internacionais sobre o movimento ambientalista.
A ideia, que há tempos é estudada nas Forças Armadas, em setores da diplomacia e em alguns partidos, é que haveria a motivação nem um pouco humanista ou ecológica nos ataques ao agronegócio, mas a intenção de abater a crescente superioridade agrícola do país.

As ameaças para Dilma
Para os desmatadores de ofício, de madeireiros a agricultores de todos os portes, a suspeita sobre as ONGs estrangeiras sempre foi um bom álibi para devastar. O relatório de Rabelo se enfraquece ao não prever sanções severas a tais setores, que também deveriam ser repudiados pelos líderes rurais, como a senadora Kátia Abreu (PSD-GO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura.
O fato é que a posição rural é majoritária na Câmara, tende a ser no Senado e provavelmente também seja na sociedade. É com isso que Dilma tem de lidar, se não fizer um debate sereno no pouco tempo que lhe resta para evitar outra derrota, usar seu poder de veto e correr o risco de obter o inusual: o veto derrubado no Congresso.

Como general do AI-5
Os ventos dessa votação não sopram a favor do governo. E mais por erro dos líderes petistas e da assessoria palaciana de Dilma. Para começar, subestimaram a aliança da base aliada com a oposição para reformar o Código Florestal, assim como supervalorizaram o peso do PT na orientação do voto. O PMDB fez barba e bigode do PT. Depois, a presidente foi mal assistida no embate com os ambientalistas.
Na véspera da votação, ela foi aconselhada a receber ex-ministros do Meio Ambiente, incluindo Marina Silva, que saiu como porta-voz do encontro. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, é que deveria ter falado. Mas gafe foi a do líder no governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP). A Câmara “corre risco quando o governo é derrotado”, disse. General da época do AI-5 dizia coisas assim.


VISÃO DO CORREIO
Retrocesso ambiental

A Câmara dos Deputados engatou marcha a ré na questão ambiental brasileira justo quando o país se prepara para sediar, entre 4 e 6 de junho do ano que vem, reunião mundial sobre meio ambiente, a Rio 20. Depois de 12 anos de debates, em vez de marco regulatório que seja modelo de preservação e ponha o Brasil na vanguarda do desenvolvimento sustentável, prevaleceu o interesse de desmatadores. Chocou, sobretudo, a consolidação de áreas desmatadas de forma ilegal, até 2008, por agricultores e pecuaristas.
Aprovado por folgada maioria de 410 a 63 votos, o novo Código Florestal também capenga ao deixar por conta dos estados a regularização das áreas de preservação permanente. Com as assembleias legislativas mais suscetíveis à pressão do poder econômico, é de se imaginar o desastre que se prenuncia, em especial nas unidades da Federação em que predomina a atividade agropecuária. Basta ver o incremento do desmate na Amazônia Legal nos meses que antecederam a votação na Câmara. Comparado com o ano passado, o aumento foi a quase 500% em março e abril.
A anistia aos desmatadores era a principal aspiração dos ruralistas. Contida na Emenda nº 164, passou fácil, no início da madrugada de ontem, com 273 votos favoráveis e 182 contrários. O resultado deixou claros a falta de liderança do governo e o descompromisso da base aliada com o Palácio do Planalto, pois contraria frontalmente as promessas de campanha da então candidata Dilma Rousseff. Agora a presidente classifica como “uma vergonha” a proposta aprovada, segundo afirmou o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP). Outra polêmica é a dispensa de reserva legal em propriedades de até quatro módulos rurais de terra (de 20 a 400 hectares, a depender do bioma).
Consta que Dilma estaria disposta a vetar os pontos inaceitáveis da proposta aprovada caso sejam mantidos pelo Senado. Espera-se que a Casa Revisora faça o serviço de limpeza. Afinal, o PT de Dilma e o PMDB do vice-presidente da República, Michel Temer, formam ali as duas maiores bancadas, detendo, sozinhos, mais de um terço dos senadores. Com os aliados PSB, PDT, PTB, PR, PRB e PCdoB (este, do deputado Aldo Rebelo, relator do Código aprovado na Câmara), os governistas têm 56 das 81 cadeiras da Câmara Alta.
Ainda que seja ingenuidade imaginar o pleno atendimento a produtores e ambientalistas, é imperativo encontrar o equilíbrio que permita conciliar o agronegócio com a defesa do meio ambiente. O Brasil ganhou posição de destaque na última década do século passado, com a Eco-92, exatamente por conduzir a convenção das Nações Unidas que reuniu no Rio de Janeiro representantes de 179 países (em 1992) com a firme intenção de produzir leis que assegurem o desenvolvimento sustentável, harmonizando o crescimento econômico e social com a preservação ambiental. Esse é o único caminho seguro para o planeta Terra, já tão abalado pelos erros pretéritos.


ARI CUNHA
Visto, lido e ouvido

Aeroporto do Recife
» Quando foram aumentadas as pistas, encontraram muitas armas dos holandeses, depois catalogadas e guardadas justificando a história. Foi na época em que holandeses foram mortos e alguns fugiram. Na Ilha de Itamaracá chegaram a construir o Forte Orange, em homenagem à Holanda, que patrocinava o trabalho.


OPINIÃO
O código das ONGs

Kátia Abreu
Senadora (DEM-TO), é presidente da Confederação Nacional de Agricultura (CAN)

Nada contra as ONGs, pelo contrário. Essas instituições privadas, que os sociólogos chamaram de terceiro setor (para diferenciá-las do primeiro setor, o governo, e do segundo setor, o mercado), são caracteristicamente generosas, por definição não lucrativas. Constituem a forma moderna de institucionalização do voluntarismo, o eterno e inesgotável testemunho humanitário e gratuito da solidariedade. Só no Brasil são mais de 500 mil, segundo o IBGE, estão em toda parte e merecem apoio e estímulo pelas causas beneméritas a que se dedicam.
Uma das suas manifestações — as ONGs da área ambientalista — são importantes, oportunas e estão fazendo história desde quando surgiaram no século 20 e se empenharam em campanhas memoráveis assumindo, talvez pelo apelo pacifista do combate às armas nucleares, caráter político, beligerante e agressivo. Muitas dessas ONGs globarizaram-se, tomaram o gosto pela guerra e seus instrumentos políticos e táticos, foram perdendo o sentido da gratuidade, tornaram-se poderosas organizações financeiras e até, desviando-se de um dos seus traços essenciais, se prestam a promover marcas e produtos. Inventaram e exploram uma falsa extraterritorialidade, como se fossem seitas religiosas.
Da fato, deixaram de ser o terceiro setor e se tornaram verdadeiras empresas, financeiramente poderosas, ora organizações paraestatais, com burocracia própria e até bases operacionais estratégicas. Investiram fortemente no que os americanos chamam de “corações e mentes”, ou seja, nos argumentos morais e na conquista da adesão fervorosa dos cidadãos mobilizados pela propaganda e pela denúncia de conspirações contra as leis da natureza. Pragmáticos, porém, mostram-se incongruentes. Exigem a preservação das margens dos rios e córregos do Brasil e se esquecem de clamar a mesma proteção e reconstituição das coberturas vegetais das margens do Reno, do Sena, do Tâmisa, do Elba, do Danúbio, do Douro.
A verdade é que essas mesmas ONGs há muito já passaram do rigor e defesa de boas práticas de conservação do solo e defesa da fauna e flora para a manipulação política da legislação. Não é diferente a maneira como se comportam com relação ao Código Florestal, quando algumas dessas ONGs multinacionais decidiram inventar padrões não praticados em qualquer parte do mundo e que, se adotados aqui, simplesmente inviabilizariam a agropecuária no Brasil. Para começar, tornariam ilegais, portanto criminosos, quase 100% dos produtores rurais brasileiros.
Tentar equalizar e adotar regras únicas para um território com a extensão continental do Brasil e seis biomas diversos como são o Cerrado, a Caatinga, o Pantanal, o Pampa, a Mata Atlântica e a Amazônia é mistificar as regras ambientais e envenenar a opinião pública contra um dos pilares mais sólidos, modernos e competitivos do desenvolvimento do país.
Devemos reconhecer, porém, que, graças à isenção e à coragem moral do deputado Aldo Rabelo, que examinou as propostas existentes e, sem preconceitos, montou uma proposta que todos aceitam, o Código Florestal conta com o apoio da maioria do Congresso, apesar da propaganda negativa e da ameaça de chantagem das ONGs multinacionais.


NOTAS

CUBA
Vida longa para Fidel

O líder cubano Fidel Castro, que completa 85 anos em 13 de agosto, vai viver até os 140 anos, estimou ontem Eugenio Selman-Housein, que durante anos dirigiu a equipe médica do ex-presidente. “As pessoas diziam que os problemas de saúde que ele passou há quatro ou cinco anos o prejudicaram, que ele estava doente, e bem... Vamos ver!”, disse o médico, após a inauguração do Seminário Internacional de Longevidade Satisfatória, em Havana. Selman-Housein se referia ao grave problema de saúde que Fidel sofreu em 2006 e fez com que se afastasse do governo, passado ao irmão Raul, após 48 anos no comando do país. “Ele é um homem incrível em todos os aspectos: humano, inteligente, valente”, afirmou o médico.


TRAGÉDIA NO PARANOÁ
Encontrada a nona vítima
Corpo foi achado às margens do lago pelos bombeiros por volta das 23h. Especialistas ouvidos pelo Correio contam que, além dA Superlotação, é preciso levar em conta vários fatores em ocorrências de barcos afundados

Lucas Tolentino

Mais uma pessoa que permanecia desaparecida após o naufrágio do Imagination foi encontrada por volta das 23h de ontem. O corpo, que supostamente é de Hadmilton José de Oliveira, estava boiando quando foi avistado por uma equipe de mergulhadores do Corpo de Bombeiros. No momento, era feito o patrulhamento no perímetro onde o barco afundou. Em seguida, a embarcação do Instituto de Medicina Legal (IML) de Brasília foi acionada para encaminhar o corpo à unidade no Plano Piloto, onde será feito o reconhecimento formal da vítima.
Segundo o comandante do grupamento de buscas e salvamento do Corpo de Bombeiros, coronel Marco Negrão, a ronda de rotina vinha sendo feita diariamente após o encerramento das buscas no lago. “A probabilidade de o corpo boiar era grande, uma vez que isso acontece, normalmente em até 48 horas após imerso”, explicou Negrão.
A confirmação de que o Imagination navegava com um número de pessoas a bordo acima do permitido deixa dúvidas quanto às causas da tragédia do último domingo. Além da constatação de superlotação, um conjunto de outros fatores pode ter levado a embarcação às profundezas do Lago Paranoá. Especialistas afirmam que, em ocorrências de naufrágios, é preciso considerar elementos, como as condições de manutenção, as adaptações feitas ao longo do tempo e a segurança de mobílias e equipamentos contidos nos cômodos durante a viagem.
Quando estudam e determinam o máximo de passageiros que um veículo fluvial ou marítimo comporta, os peritos costumam deixar uma margem de segurança para evitar acidentes em casos de erros de cálculo. Na prática, demarcam o limite de pessoas para menos do que a embarcação, de fato, tem capacidade de transportar. “A superlotação não necessariamente acarreta naufrágio. De qualquer forma, o fato não deixa de ser uma infração, e as penalidades são cabíveis. O responsável está colocando todos em risco”, avalia o engenheiro naval de Brasília Augusto Luis das Chagas.
O peso excedente também prejudica a estabilidade na superfície do lago. Alterações na distância entre a lâmina de água e a altura do primeiro convés, chamada de borda livre, diminuem a segurança durante a navegação. Ao ultrapassar os índices permitidos, a tendência é de inclinar para o lado onde há mais pessoas e objetos. Augusto Luis afirma que, apesar de prejudicial, a mudança não é determinante para o resultar em um naufrágio.
As mesas, as cadeiras e os aparelhos eletrônicos também alteraram o equilíbrio. O doutor e professor de engenharia naval Sílvio Melo, da Universidade Federal de Pernambuco, explica que, por não estarem presos, os equipamentos deslizam para o ponto de inclinação do barco e contribuem para que ele afunde. “Às vezes, a embarcação aderna, afunda e acaba chegando a um equilíbrio. Mas os mobiliários soltos se movem e ajudam o barco a emborcar.”
Conjunto de fatores
Somente as perícias da Polícia Civil e da Marinha vão apontar os motivos que resultaram no desfecho trágico das vítimas do Imagination. No entanto, uma série de fatos que precisam ser comprovados podem ter ocasionado o acidente. “As embarcações são projetadas para aguentar variados tipos de situações. Normalmente, os naufrágios são causados por um conjunto de fatores, que superam os imprevistos”, avalia Melo.


Dúvidas

Confira alguns pontos que faltam ser esclarecidos:
Quantas pessoas estavam no Imagination na noite do naufrágio?
O barco tinha autorização da Marinha para transportar 92 pessoas. Mas carregava no momento do acidente pelo menos 102. Sabe-se que 93 pessoas sobreviveram ao naufrágio e oito morreram. Mas os bombeiros e a Polícia Civil têm certeza de que há pelo menos mais uma vítima no Lago Paranoá.

O que provocou o acidente?
Superlotação, falta de manutenção, falhas mecânicas e elétricas e negligência com o esquema de segurança. O conjunto de fatores contribuiu para o acidente, mas os motivos capazes de explicar com exatidão o naufrágio dependem dos depoimentos dos sobreviventes e da análise pericial do barco. A Polícia Civil trabalha com a hipótese de uma avaria anterior ao naufrágio ter se agravado por causa do excesso de gente.

Havia equipamentos de segurança suficientes para todos os passageiros e tripulantes?
Alguns relatos de testemunhas e de sobreviventes dão conta de que existiam coletes salva-vidas, mas não para todos. O comandante, no entanto, garante que havia 110 coletes. Além disso, faltou orientações sobre o uso dos equipamentos.


Exigências

Confira alguns dos itens obrigatórios para as embarcações de Classe 1, a mesma do Imagination:
» Lanterna portátil, buzina ou apito e binóculo
» Prumo de mão
» Limpador de para-brisa
» Certificado de Segurança da Navegação
» Primeiros socorros em locais de fácil visualização
Fonte: Diretoria de Portos e Costas


Abuso e irresponsabilidade

A irresponsabilidade dos proprietários e dos responsáveis pelas festas em barcos é um dos problemas. Com luzes de neon, enfeites especiais e equipamentos de som, muitos deles lembram boates flutuantes. De modo geral, segundo o engenheiro naval Augusto Luis das Chagas, os convidados e promoters das noitadas parecem não perceber que navegam no Lago Paranoá e esquecem a segurança.
O especialista, um dos únicos do DF, observa que o espelho d’água está cheio de embarcações em desacordo com a legislação. “Está na cultura de Brasília. Os proprietários as encaram como uma casa noturna. A estética se sobrepõe”, descreve. Segundo ele, os coletes salva-vidas devem ficar ao longo da estrutura, em lugares de fácil acesso. “Para eles, os coletes estragam a decoração. Em muitos casos, ficam guardados em caixas. As pessoas nem sabem onde estão.”
A falta de instrução também é alvo de críticas. Para Augusto Luis, ao entrar em uma embarcação, os convidados deveriam receber instruções de pessoas habilitadas, assim como ocorre com as demonstrações feitas por comissários minutos antes de um avião levantar voo. “A pessoa tem de ter conhecimento das regras de segurança de navegação”, diz.
Na tentativa de evitar irregularidades, a Marinha do Brasil garante que os trabalhos de fiscalização não param no Lago Paranoá. Segundo o órgão, quatro militares fazem vistorias 24 horas por dia e também permanecem à disposição para denúncias de frequentadores. Nos fins de semana, o efetivo aumenta conforme a demanda. De acordo com a Marinha, a maioria das notificações são expedidas em decorrência da falta de documentos ou equipamentos obrigatórios. (LT)


"Ele morreu como herói"
Parentes de três vítimas do acidente prestaram ontem homenagens em enterro e velórios. muitos cobram punição para os responsáveis pelo passeio, acusados de superlotar a embarcação imagination

» Flávia Maia
» Thaís Paranhos
Os familiares de três das oito vítimas até agora resgatadas desde o naufrágio do barco Imagination no Lago Paranoá reservaram ontem para despedidas e homenagens. O único enterro no DF ocorreu no Cemitério Campo na Esperança, na Asa Sul, às 16h30. A cerimônia realizada para o militar Adail de Souza Borges, 46 anos, contou com três salvas de tiros e música fúnebre, tocada por cornetas. O cozinheiro deixou a mulher, Maria das Dores de Souza Borges, e a filha, Sara, 16 anos. “Ele morreu como herói. Hoje, no velório, veio a dona do bufê com a filha e nos contou que Adail tirou o colete para dar para a menina”, disse o amigo Wanderson Dias Marques, 40. Adail era taifeiro, graduação de primeira classe do Exército, e trabalhava na embarcação.
O bebê João Antônio Fernandes Rocha, de sete meses, e a mãe, Valdelice de Souza Fernandes, 36, foram velados rapidamente na capela ao lado da de Adail, também no Campo da Esperança. Os corpos deles chegaram por volta das 14h e, às 15h45, deixaram o local rumo a Ibotirama (BA), cidade natal de Valdelice, localizada a 800km da capital federal. Os cinco irmãos dela que moram em Brasília seguiram para a Bahia em cortejo.
O pai de Valdelice, Antônio Fernandes, veio para o DF assim que soube do acidente. “Eu não tinha esperanças de encontrá-la viva”, admitiu. Ele não conseguiu ficar muito tempo dentro da capela e passou boa parte do velório a circular pelas proximidades. “Uma filha e um neto não podem ser enterrados antes do pai e do avô”, lamentou.
A vítima tinha sete irmãos e veio para Brasília a trabalho. Antes do acidente, ela tinha abandonado o serviço para se dedicar ao filho João Antônio. “Ela foi buscar um colete para colocar no bebê. O José Carlos (Rocha, marido dela) chegou a puxá-la para ela não ir, mas depois nos perdemos no meio daquela escuridão e gritaria”, contou a cunhada de Valdelice, Aline Gino de Oliveira, 24 anos. Valdelice era mãe de três filhos e agora deixa dois: Henrique, 17 anos, e Maria Vitória, 4.
O movimento no Instituto de Medicina Legal (IML) continuou intenso três dias após o acidente no Paranoá. Familiares da dona de casa Valdelice Fernandes, 36 anos, e do despachante Robinson Araújo de Oliveira, 29, passaram a manhã no local para liberar os corpos das últimas duas vítimas encontradas pelos bombeiros na noite da última terça-feira. Para o comerciante José Carlos Rocha, 46 anos, a dor de perder a mulher e o filho parece que não vai passar. “A gente não consegue se conformar. A dor da perda é muito grande e só o tempo pode curar isso que a gente está sentindo”, desabafou.
Ele sempre se lembrará da mulher como dedicada à família e carinhosa com os filhos. “Ela tinha muitos planos para eles. Queria vê-los formados. A Vitória quer ser médica, e o João seria jogador de futebol”, disse. Para confortar José Carlos, familiares vieram de Ivorá (RS). “Estamos todos muito consternados. Viemos dar força para ele”, disse a irmã Idite Barichelo.
Abalado, Antônio não se conforma com a morte do único filho homem, Robinson. “Ele nadava muito bem, e estava lá se divertindo. Vamos buscar justiça. Os culpados devem ser punidos”, adiantou. Na opinião dele, os sobreviventes e familiares das vítimas do naufrágio devem se unir para brigar pela punição dos responsáveis. “Tenho certeza que o barco não tinha condições de receber tanta gente. Também não nos procuraram, não deram nenhum apoio”, reclamou.
Antônio soube da tragédia por meio do amigo de Robinson Leonildo de Amorim, 23 anos, que também estava na embarcação. Logo após receber a ligação, ele veio para Brasília com a mulher e as duas filhas. O sobrevivente contou ao Correio que os colegas chegaram a brincar sobre a possibilidade de o barco afundar.
“Ele (Robinson) disse que era bom de nado e atravessaria o lago, caso alguma coisa acontecesse”, afirmou. O despachante era separado e não tinha filhos. “Era trabalhador, um menino muito humilde. E divertido também”, lamentou o pai.


Decretado Luto de três dias

O governador Agnelo Queiroz (PT) decretou luto oficial no Distrito Federal devido à tragédia ocorrida no Lago Paranoá no último domingo, exatamente um ano depois do naufrágio de uma lancha que matou duas irmãs.
Por meio de uma nota divulgada no site do Governo do Distrito Federal (GDF) ontem, ele informou que pediu ao secretário de Segurança, Sandro Avelar, para acompanhar as buscas comandadas pelos bombeiros e amparar os sobreviventes, além das famílias das vítimas. Decreto publicado hoje no Diário Oficial do DF terá duração de três dias, a partir da publicação.
Durante a abertura do Fórum Permanente de Micro e Pequenas Empresas do Distrito Federal, na manhã de ontem, Agnelo pediu um minuto de silêncio em homenagem às vítimas do naufrágio. “Estamos todos em grande comoção depois dessa tragédia que abateu as famílias brasilienses. Desde o primeiro momento, determinamos todos os esforços do GDF para a operação de resgate e, assim, tentar diminuir o mais rápido possível a aflição das famílias das vítimas. Me solidarizo com o sofrimento daqueles que perderam pessoas queridas”, disse, em nota.

Auxílio
O chefe do executivo local disse também que vai colocar à disposição da marinha equipamentos e pessoal para auxiliar no trabalho de fiscalização das embarcações que circulam pelo Lago Paranoá — são pelo menos 2 mil. “Vamos oferecer toda ajuda que a marinha precisar. Sabemos que a fiscalização dessas embarcações deve ser muito rigorosa e o GDF ajudará no que for necessário para que a marinha conduza isso com a maior eficiência”, ressaltou. Agnelo destacou a importância de haver um processo de educação e conscientização dos usuários do lago. (TP)


Medo afasta clientela
Pessoas que tinham festas programadas há mais de um mês estão cancelando os eventos no lago depois do naufrágio do Imagination, ocorrido no último domingo. Empresas do setor já contabilizam prejuízos

Marco Prates

A analista de sistemas Patrícia Medova, 38 anos, planejou, há mais de um mês, a festa da filha em um barco. Imaginava que os amigos da criança, que completa 11 anos, se divertiriam muito ao passar uma tarde em uma embarcação no meio do Lago Paranoá. Metade do valor do bufê, assim como a confraternização para 30 meninos e meninas, no valor de R$ 1,2 mil, já estava pago desde abril. Mas os planos mudaram com o naufrágio do Imagination. No dia seguinte à tragédia, Patrícia e o marido, Paulo Mafine, decidiram cancelar o barco e optaram por uma festa convencional, em uma pizzaria. Tiveram sorte: apesar de o contrato informar o contrário, a empresa contratada topou devolver o dinheiro. “Nós confiamos no proprietário, mas não tinha mais clima. Nenhum pai autorizaria o próprio filho a ir. Eu não deixaria a minha ir se fosse outra festa”, afirma Patrícia.
A decisão do casal é apenas um exemplo do que as empresas do setor vêm sentindo no bolso. A Netuno Serviços Náuticos teve 12 cancelamentos de programas para o fim deste mês e o próximo. Dos quatro previstos para o fim de semana, não sobrou nenhum. O prejuízo já passa de R$ 16 mil, fora o bufê, cobrado à parte. O dono do negócio, José Carlos Andrade, está preocupado. “O contabilista disse para mim: ‘Carlos, hora de tomar atitude, rever a quantidade de funcionários. Não tem mais passeios para cobrir as despesas ou os custos de manutenção”, lembra o proprietário. Por mês, são gastos R$ 15 mil para manter os oito barcos da empresa em perfeito estado de segurança. “Eu tenho 12 funcionários e 15 anos de mercado. Em todo esse tempo, nunca tive nenhum acidente. Nem mesmo tive que usar o extintor de incêndio”, diz.

Desafio
O único evento que seria realizado durante a semana pelo barco Mar de Brasília não ocorreu ontem. O passeio ecológico com alunos de um colégio particular da capital foi cancelado em cima da hora. Nos fins de semana, são realizados tours para quem quer conhecer Brasília pela vista do lago. No último caso, não há cancelamentos, pois os passeios são abertos a todos que comparecem ao local de partida do barco. Mas a expectativa é que, no próximo mês, o movimento diminua.
O desafio das empresas agora é resgatar a confiança do brasiliense. “Num passeio que ainda conseguimos fazer na terça-feira, todos perguntaram pelo colete e fizeram questão de ouvir com atenção as instruções de segurança, o que não acontece sempre”, lembra Inês Servioli, que trabalha com o marido no barco Netuno. “As embarcações são feitas para flutuar sempre. A gente precisa mostrar que o problema não é o barco, mas aquele barco”, defende José Andrade, em referência ao Imagination.
Outra empresa que não recebe um centavo desde o acidente é a do barco Happy Day. Isso porque a embarcação está sendo usada pelo Corpo de Bombeiros, a marinha e a Polícia Civil como base de apoio no resgate das vítimas do Imagination. “Eu vim para ajudar e acabei ficando para dar uma força”, conta o dono, José Felipe João Júnior, que, além de não receber, está arcando com os custos dos funcionários e do diesel do gerador de energia. Um evento programado para o Happy Day para depois de amanhã — uma reunião de fiéis de uma igreja — está mantido.


Encontrada a nona vítima
Corpo foi achado às margens do lago pelos bombeiros por volta das 23h. Especialistas ouvidos pelo Correio contam que, além dA Superlotação, é preciso levar em conta vários fatores em ocorrências de barcos afundados

Lucas Tolentino

Mais uma pessoa que permanecia desaparecida após o naufrágio do Imagination foi encontrada por volta das 23h de ontem. O corpo, que supostamente é de Hadmilton José de Oliveira, estava boiando quando foi avistado por uma equipe de mergulhadores do Corpo de Bombeiros. No momento, era feito o patrulhamento no perímetro onde o barco afundou. Em seguida, a embarcação do Instituto de Medicina Legal (IML) de Brasília foi acionada para encaminhar o corpo à unidade no Plano Piloto, onde será feito o reconhecimento formal da vítima.
Segundo o comandante do grupamento de buscas e salvamento do Corpo de Bombeiros, coronel Marco Negrão, a ronda de rotina vinha sendo feita diariamente após o encerramento das buscas no lago. “A probabilidade de o corpo boiar era grande, uma vez que isso acontece, normalmente em até 48 horas após imerso”, explicou Negrão.
A confirmação de que o Imagination navegava com um número de pessoas a bordo acima do permitido deixa dúvidas quanto às causas da tragédia do último domingo. Além da constatação de superlotação, um conjunto de outros fatores pode ter levado a embarcação às profundezas do Lago Paranoá. Especialistas afirmam que, em ocorrências de naufrágios, é preciso considerar elementos, como as condições de manutenção, as adaptações feitas ao longo do tempo e a segurança de mobílias e equipamentos contidos nos cômodos durante a viagem.
Quando estudam e determinam o máximo de passageiros que um veículo fluvial ou marítimo comporta, os peritos costumam deixar uma margem de segurança para evitar acidentes em casos de erros de cálculo. Na prática, demarcam o limite de pessoas para menos do que a embarcação, de fato, tem capacidade de transportar. “A superlotação não necessariamente acarreta naufrágio. De qualquer forma, o fato não deixa de ser uma infração, e as penalidades são cabíveis. O responsável está colocando todos em risco”, avalia o engenheiro naval de Brasília Augusto Luis das Chagas.
O peso excedente também prejudica a estabilidade na superfície do lago. Alterações na distância entre a lâmina de água e a altura do primeiro convés, chamada de borda livre, diminuem a segurança durante a navegação. Ao ultrapassar os índices permitidos, a tendência é de inclinar para o lado onde há mais pessoas e objetos. Augusto Luis afirma que, apesar de prejudicial, a mudança não é determinante para o resultar em um naufrágio.
As mesas, as cadeiras e os aparelhos eletrônicos também alteraram o equilíbrio. O doutor e professor de engenharia naval Sílvio Melo, da Universidade Federal de Pernambuco, explica que, por não estarem presos, os equipamentos deslizam para o ponto de inclinação do barco e contribuem para que ele afunde. “Às vezes, a embarcação aderna, afunda e acaba chegando a um equilíbrio. Mas os mobiliários soltos se movem e ajudam o barco a emborcar.”

Conjunto de fatores
Somente as perícias da Polícia Civil e da marinha vão apontar os motivos que resultaram no desfecho trágico das vítimas do Imagination. No entanto, uma série de fatos que precisam ser comprovados podem ter ocasionado o acidente. “As embarcações são projetadas para aguentar variados tipos de situações. Normalmente, os naufrágios são causados por um conjunto de fatores, que superam os imprevistos”, avalia Melo.

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