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segunda-feira, 23 de maio de 2011

22 de maio de 2011 - O GLOBO


MERVAL PEREIRA

Poder fragilizado
A operação em curso para o Executivo tentar controlar o incêndio político provocado pelas denúncias sobre a "consultoria" que o hoje chefe do Gabinete Civil, Antonio Palocci, mantinha quando era deputado federal e coordenador da campanha da atual presidente Dilma Rousseff, de 2006 a 2010, explicita, tanto quanto o fato em si, a fragilidade do Legislativo como poder atuante, e a característica perversa do nosso "presidencialismo de coalizão", termo cunhado pelo cientista político Sérgio Abranches para explicar a maneira como nos organizamos politicamente a partir de um sistema presidencialista que tem resquícios de parlamentarismo legados pela Constituição de 1988.
Mesmo com ampla maioria parlamentar, o Executivo se movimenta para "adoçar" a boca de deputados e senadores descontentes com o não cumprimento de promessas de cargos e salários no segundo escalão do governo com o preenchimento de presidências e diretorias de estatais, autarquias e bancos oficiais.
Diz-se que o descontentamento é "suprapartidário" e abrange parlamentares dos dois maiores partidos da coalizão PT, PMDB, indo além para as bordas da aliança, atingindo siglas de tendências diversas: PSB, PCdoB e PR.
Outro cientista político, Luiz Werneck Vianna, descreveu recentemente esse fenômeno que chamou de "circuito perverso", que faz com que parlamentares governistas desfrutem acesso aos recursos públicos e influência entre os agentes responsáveis pelas políticas públicas.
Como consequência, constata Werneck Vianna, "reforça-se a dissociação entre representantes e representados, e se reduz a cidadania a uma massa de clientes".
Esse circuito que leva ao desfiguramento da representação popular tem vários caminhos: ou o deputado permanece no Legislativo como intermediário entre interesses particulares e o Executivo, através de "consultorias" ou outras formas de atuação, ou tenta galgar lugar no Executivo, de onde poderá movimentar sua máquina política. Ou ainda permanece na base governista fazendo pressão política a cada votação importante para transformar seu apoio em nomeações.
É o que está acontecendo neste momento no Congresso, onde o governo precisa de sua "maioria defensiva" para tentar barrar uma CPI para investigar a "consultoria" de Palocci ou mesmo evitar uma convocação para que se explique em uma das comissões existentes.
O enfraquecimento da figura do até então ministro mais poderoso do governo Dilma retira dele a capacidade de negociação, como se vê na etapa final da tramitação do Código Florestal.
Não que a base governista tivesse condições de resistir à maioria suprapartidária que se formou a favor do texto do relator Aldo Rebelo, mas o que já era frágil enfraqueceu-se mais ainda, sendo até discutível se a presidente Dilma terá condições políticas de arrostar essa maioria vetando eventuais destaques que sejam aprovados em plenário.
A quarentena a que se submeteu a presidente, diante de um quadro de pneumonia que, tudo indica, foi minimizado pelos relatórios médicos com intenções de não conturbar o ambiente político, também agrava a situação, formando um quadro de apatia governamental propício aos aventureiros de sempre.
A postura dos deputados e senadores - com as exceções de praxe - que se colocam em posição subalterna ao Executivo, ora brigando por vagas no Ministério, ora se utilizando de suas prerrogativas para ganhos pessoais, é uma deturpação dos valores do presidencialismo e indica tendência ao patrimonialismo e ao fisiologismo.
A disputa de poder político fica restrita ao comando do Executivo, que coopta os aliados não com propostas de governo, nem com projetos de poder, que este é destinado à cúpula petista. Um sinal claro é que, no núcleo decisório do governo Dilma, não há ninguém eleito pelo voto, embora todos sejam da máquina partidária petista.
Um parlamentar que vai para o Ministério nessas condições, ou negocia seu apoio em troca de favores, abre mão de exercer um papel efetivo como membro de um dos poderes da República para aceitar papel secundário diante de outro poder.
A desagregação cada vez maior dos partidos políticos e a abrangência da base governista, um agrupamento disparatado de partidos que não fazem liga programática, mas fisiológica, levam a que a negociação política obedeça cada vez mais a interesses pessoais, e os políticos fiquem apenas com a aparência de poder.
Como não estamos no parlamentarismo, a maneira como os partidos negociam pedaços de poder os transforma em meros coadjuvantes, que não palpitam - e nem desejam - nas diretrizes que porventura vierem a ser adotadas pelo governo a que aderiram por mero desfrute do poder.
Assim como para exercer cargo técnico, como o de presidente do Banco Central, um político eleito tem que abrir mão de seu mandato - foi o caso de Henrique Meirelles, que renunciou ao mandato de deputado federal por Goiás - todos os políticos que se digladiam por uma vaga na Esplanada dos Ministérios deveriam renunciar aos mandato para servir ao Executivo.
Raros são os que têm essa percepção ou visão da política. A maioria quer um ministério para, a partir dele, fazer política própria, não para ajudar a implementar um programa de governo previamente aprovado nas urnas.
Da mesma forma, também o Executivo arma seu Ministério com ministros que simplesmente nunca despacham com a presidente, resultando que, de um grupo de 37 membros, apenas meia dúzia tem realmente importância para os rumos do governo.
Na coluna de ontem misturei a data do início dos governos com a campanha eleitoral. Fernando Henrique Cardoso candidatou-se à prefeitura em 1985, o mandato do prefeito eleito Jânio Quadros é que teve início em 1986. A eleição de Mário Covas foi em 1994, a posse é que foi em 1995.


OPINIÃO
Cresce a tensão política na Argentina

Há tempos a Argentina é um país politicamente à beira de um ataque de nervos - em grande parte devido ao caráter autoritário e de confronto que Néstor Kirchner imprimiu a sua inegável liderança. Com a morte dele, a tensão aumentou. Na Presidência, a viúva, Cristina, perdeu o grande articulador e passou a radicalizar, em alguns aspectos, como na intervenção na economia; a ouvir um reduzido número de assessores e a adiar decisões. Entre elas, a da própria candidatura à reeleição.
Em artigo no GLOBO, o economista Fabio Giambiagi lembrou a frase do jornalista portenho Joaquín Morales Solá: "Para a China, toda crise é uma oportunidade. Para a Argentina, toda oportunidade é uma crise." Ela se aplica ao momento pelo qual passa o país vizinho. Cristina conta com quase 50% de aprovação e parece ter muito a seu favor: a oposição não consegue forjar uma aliança eleitoral consistente; a economia cresce a taxas elevadas (com as inconsistências de sempre); o desemprego está nos níveis mais baixos dos últimos 20 anos; e a confiança do consumidor bateu recorde em março. Mas as expectativas do mundo dos negócios de que o clima para investimentos melhorasse com a saída de cena de Néstor se esfumaçaram. Cristina impôs controle de preços, manteve a manipulação dos índices de inflação, reforçou a influência do Estado no setor privado, além de outras medidas de desincentivo aos investimentos.
Em discurso recente, ela disse: "Há oito anos começava um sonho e hoje temos que ampliá-lo", referindo-se ao kirchnerismo, uma mescla de políticas econômicas intervencionistas, luta pela punição de crimes contra os direitos humanos da ditadura e nostalgia pelos dias em que outro casal peronista, Perón e Evita, dominava a política argentina.
O silêncio sobre sua candidatura mantém o mundo político em suspense. Ao mesmo tempo, faz declarações do tipo: "Não morro de amores por voltar a ser presidente. Já dei tudo o que tinha para dar. Não vão me pressionar. Quero dizer-lhes que faço um imenso esforço pessoal e físico para seguir adiante." Será uma que não tem mesmo condições de concorrer? Ou é uma advertência ao maior expoente do sindicalismo local, Hugo Moyano, presidente da CGT, de que não se dobrará às pressões para que o candidato oficial a vice-presidente seja um líder sindical?
O viés autoritário aberto com Néstor se agrava com Cristina e se traduz na forma brutal e intimidatória com que muitas questões são tratadas. Se a inflação dispara, quebra-se o termômetro (com uma intervenção no Idec, o IBGE argentino). Para evitar críticas, manipula-se parte da imprensa com verbas estatais. Se a imprensa independente incomoda, baixam-se normas sufocando as empresas de comunicação e mobilizam-se piqueteiros de sindicatos favoráveis ao governo para impedir a distribuição das edições de diários como "La Nación" e "El Clarín".
Vindo de cima, o autoritarismo se entranha nas instituições argentinas, e a política do confronto gera um modelo de exclusão do outro, do "inimigo". Para Giambiagi, "há quem sustente que o fascismo está entrando pela porta dos fundos na política argentina". Ele vê o país "no túnel do tempo". Está chegando a 1940. É pena.





SEGURANÇA PÚBLICA
Um saudável efeito colateral
Pacificação reduz em 2 anos 46% número de baleados atendidos em 4 emergências

Elenilce Bottari

Além da queda nos homicídios, que chegaram em março ao menor número para esse mês nos últimos 20 anos, a política de segurança - impulsionada pela pacificação de favelas - começa se refletir na saúde pública do Rio. Especializadas em medicina de guerra, experiência adquirida em anos de altas taxas de crimes, as quatro maiores emergências da cidade - dos hospitais Souza Aguiar, Miguel Couto, Lourenço Jorge e Salgado Filho - apresentaram uma queda de 46,6% no número de pessoas baleadas atendidas no primeiro trimestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2009.
A mudança também se refletiu na redução do total de baleados que morreu em hospitais públicos e privados em toda a cidade: foram 408 óbitos em 2010, contra 702 em 2009 (menos 41,08%). Na opinião de especialistas de emergências e gestores de hospitais, as UPPs e outras medidas adotadas pelo estado, como o estabelecimentos de metas para delegacias e batalhões, mudaram o perfil do atendimento nas unidades de saúde.
- Percebe-se uma curva descendente. Isso começou com a campanha de desarmamento, depois com o aumento da letalidade das armas, terminando agora com as UPPs. Antes, havia muito baleado de armamento comum. No entanto, com a campanha de desarmamento, esse número foi enxugado. Onde há áreas conflagradas, as vítimas nem chegam às unidades de saúde, morrem no local. Já nas áreas com UPP, isso foi zerado: não só o número de baleados com armas de grande calibre, como o de vítimas de armas comuns - afirmou o cirurgião José Padilha, do Hospital Souza Aguiar.

Queda foi maior no Miguel Couto
A maior emergência da cidade, a do Hospital Souza Aguiar, recebeu nos primeiros três meses deste ano 66 baleados. Dois anos antes, quando não havia sequer a UPP do Morro da Providência, o número de internações por armas de fogo foi mais que o dobro: 135. O diretor da unidade, o cirurgião Josué Karderc, confirma que a melhoria na segurança mudou o perfil dos pacientes.
- Um estudo sobre óbitos registrados no Souza Aguiar em 2009 e 2010 mostrou que 25% foram de vítimas de armas de fogo que já chegaram mortas à unidade. Agora, com a redução da quantidade de conflitos na cidade, caiu o número de baleados. Temos na região as UPPs da Providência (Centro), do Turano (Rio Comprido) e agora a do São Carlos (Estácio). Antes, chegávamos a ter até seis baleados num plantão. Fora os traumas por acidentes, que também caíram com a Operação Lei Seca - afirmou Kardec.
O Hospital Miguel Couto teve a maior queda nos atendimentos a baleados: foram 11 casos nos primeiros três meses deste ano, contra 29 no mesmo período de 2010.
- O número de internações de vítimas de armas de fogo já vinha caindo ao longo dos anos. Mas, a partir das ocupações (das favelas por UPPs), ele caiu drasticamente. Só para se ter uma ideia, em 1997, tivemos 579 internações. No ano passado, foram 91 (uma redução de 84%). Este ano, o número é ainda menor. E nós ainda recebemos as comunidades da Rocinha e do Vidigal. Como a cidade também está envelhecendo, o perfil do paciente mudou para pessoas mais velhas, com problemas clínicos. Antes, eu tinha que reforçar o plantão com cirurgiões. Hoje, tenho que reforçá-lo com clínicos - explicou o diretor Luiz Alexandre Essinger.
Até o Hospital Salgado Filho, no Méier, que atende moradores de várias comunidades conflagradas, teve redução no número de internações de feridos por armas de fogo. Foram 67 nos três primeiros meses deste ano, contra 73 em 2010 e cem em 2009.
- A região do Méier precisa ganhar a sua UPP. Mesmo que tenha havido uma redução, os números ainda são muito altos. Eu fiz a minha residência médica na França. Nos dois anos em que fiquei em Paris, não houve um único caso de baleado - comentou o diretor do Salgado Filho, Rubens Giambroni Filho.
Já no Hospital Lourenço Jorge, na Barra, o número de baleados atendidos no primeiro trimestre foi 17. No mesmo período de 2010, chegou a 34 e em 2009, a 27.
Uma da maiores conquistas da segurança do Rio, a ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, libertou dezenas de comunidades do tráfico e reduziu drasticamente o número de baleados atendidos no Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha. Ali, os índices caíram 33,33% no primeiro trimestre deste ano, com 112 internações, contra 168 no mesmo período de 2010. No entanto, segundo o diretor Luiz Sergio Duarte Verbicaro, se forem considerados apenas os pacientes da região, o número este ano é muito mais baixo: 48 feridos (uma redução de 71,42%)
- Antes, o médico tinha medo de vir para cá à noite. O perfil da emergência era de atendimento de pacientes baleados ou vítimas de acidentes de trânsito. Mas, a partir da ocupação (das favelas), vivemos um novo problema de lotação. É que agora vem gente de todo canto buscar atendimento aqui - explicou o Sérgio Verbicaro.
Trabalhando há 39 anos no Getúlio Vargas, o médico lembra momentos dolorosos vividos nesse período:
- Uma vez, deu entrada aqui uma criança de 13 anos, em estado de choque, com as duas mãos decepadas, por castigo. Em outra ocasião, operamos um traficante que havia sido baleado. Pouco tempo depois, deu entrada na emergência um outro homem, dizendo que estava passando mal. Ele localizou o outro paciente que acabara de ser operado e o matou com três tiros.
Numa das mais movimentadas emergências do estado, a do Hospital federal de Bonsucesso, o número de atendimentos de baleados nos primeiros três meses deste ano caiu 32,35% em relação ao mesmo período de 2010: 46 contra 68. No Hospital federal do Andaraí, os registros são ainda menores. Foram duas internações de baleados nos tês primeiros meses deste ano, contra oito no mesmo período de 2010.


Ruralistas tentarão anistiar crimes ambientais
Na votação do Código Florestal, emendas vão propor até isentar produtores de responsabilidade por queimadas

Catarina Alencastro

BRASÍLIA. Embora integrantes da base aliada e da oposição tenham feito um acordo para que seja apresentado apenas um destaque ao texto de reforma do Código Florestal do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), na votação prevista para esta terça-feira, foram protocoladas no plenário da Câmara 186 emendas para tentar alterar o texto. O deputado Alessandro Molon (PT-RJ) listou pelo menos 20 emendas que, segundo ele, tentam anistiar crimes ambientais. E outras emendas tentam transferir aos estados a prerrogativa de decidir o que pode ser feito em áreas de preservação.
De forma indireta, o destaque que deverá votado terça-feira já abre essa possibilidade de estadualização quando diz que o Programa de Regularização Ambiental (PRA) atenderá a "peculiaridades locais". O projeto que altera a atual legislação florestal obriga todos os produtores a registrar suas áreas de reserva legal e Áreas de Preservação Permanente (APPs) e a se inscrever no PRA.
Molon diz que somadas, as emendas formam o "código do mal", o sonho de consumo dos ruralistas. Ele acredita que o aumento do desmatamento na Amazônia, registrado pelos satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), está ligado diretamente à expectativa dos produtores de que a lei ambiental será afrouxada.
- As emendas põem em risco toda e qualquer preservação. Algumas só faltam dizer que é proibida a preservação das florestas. Se elas forem aprovadas, vai significar uma permissão completa para o desmatamento. Isso traz prejuízo para a imagem do Brasil no exterior e para o nosso patrimônio hídrico e genético. Até para quem aposta no potencial agrícola do país, isso aqui é um crime. É o Código Florestal do mal - diz o deputado petista.

Ruralistas querem suspender punição a crime ambiental
Um tema recorrente nas propostas apresentadas por deputados - em sua maioria da bancada ruralista - é a anistia a quem plantou soja, cana, pasto e outras culturas onde a lei atual proíbe. Quatro emendas (as de números 150, 153, 183 e 185) estabelecem que áreas ocupadas por atividades agropecuárias antes de julho de 2008 ficam regularizadas como áreas rurais consolidadas, e, portanto, não precisam ser recuperadas.
Essas mesmas emendas - de autoria dos deputados Reinaldo Azambuja (PSDB-MS), Moacir Micheletto (PMDB-PR), Moreira Mendes (PPS-RO) e Ronaldo Caiado (DEM-GO) - suspendem a punição a quem praticou crime ambiental em "ato rural" praticado até julho de 2008.
Molon também condena a emenda número 22, de Ronaldo Caiado, que exime os produtores rurais de responsabilidade por queimadas ocorridas em suas propriedades.
Márcio Astrini, coordenador da Campanha Amazônia do Greenpeace, também criticou as propostas:
- Essas emendas significam a revogação do Código Florestal. Podiam economizar papel e dizer uma só coisa: revoga-se o Código Florestal. O resumo é o fim da legislação ambiental.

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