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terça-feira, 31 de maio de 2011

31 de maio de 2011 - FOLHA DE SÃO PAULO


DESTAQUE DE CAPA
Alemanha recua e abre mão de energia nuclear

O governo da Alemanha anunciou plano para desativar todas as 17 usinas nucleares do país até 2022. No que está sendo chamado de "virada energética", é o primeiro país industrial a tomar essa decisão, afirmou a chanceler Angela Merkel. A medida deve ser formalizada na próxima semana. Em torno de 22% da energia produzida no país atualmente é de origem atômica.


VLADIMIR SAFATLE

Correndo no ar
É possível que, em algum momento na história do Exército Brasileiro, ter senso de humor tenha sido condição para integrar suas fileiras. Era bom ter um tipo de humor típico dos desenhos animados em que a raposa persegue sua presa e acaba não percebendo que o chão acabou.
Ela continua correndo, mas no ar. Todos veem que seus movimentos são irreais, menos a raposa. Até o momento em que a farsa não tem como continuar e a raposa cai. Alguns militares responsáveis por crimes contra a humanidade, como tortura e terrorismo de Estado, agem até hoje da mesma forma. Eles continuam correndo no ar, como se o que todos enxergam não devesse ser levado a sério.
Vez por outra, eles nos escarnecem ao irem à imprensa e falar que nunca torturaram, sequestraram e ocultaram cadáveres, até porque, segundo os próprios, nem sequer houve tortura como prática sistemática de Estado. Operação Condor foi delírio de documentarista desempregado. Em breve, eles nos convencerão que nem sequer houve ditadura militar. Tudo teria sido só um conjunto de medidas preventivas para impedir o "grande golpe comunista", inexoravelmente em marcha.
Há alguns meses, o antigo ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, nos mostrou um pouco dessa arte cômica ao afirmar que Vladimir Herzog se suicidou, já que era uma "pessoa assustada e não preparada". Dias atrás, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi entre 1970 e 1974 (ou seja, no momento mais negro e brutal da história brasileira), nos mostrou a mesma habilidade ao dizer, nesta Folha, que nunca torturou ninguém, que a história contada por Persio Arida a respeito de sua tortura era uma farsa.
Da mesma forma, teria sido uma farsa a acusação da então deputada federal Bete Mendes ao identificá-lo, no começo da década de 80, como aquele que a tinha torturado. Ao ser réu em uma ação declaratória de tortura e sequestro impetrada pela família Teles, o coronel mais uma vez não titubeou e simplesmente negou tudo, mesmo que o juiz da 23ª Vara Cível de São Paulo tenha julgado a ação procedente. Em qualquer outro país, torturadores como o coronel Ustra estariam na cadeia, tal como foram presos militares que fizeram o mesmo -como Manuel Contreras e responsáveis por crimes contra a humanidade, como Jorge Videla, Ernesto Galtieri e companhia.
Aqui, eles podem continuar a correr no ar. Assim, convivemos com responsáveis por crimes hediondos que acreditam poder apagar a história, insultar a memória, deixando a ameaça velada de quem diz: nunca fiz isso e, como nunca fiz, ninguém pode me impedir de não fazer novamente. Enquanto isso, ficamos esperando as raposas caírem.
VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.


TELEGRAMAS SECRETOS
EUA viram duopólio de Embraer e Bombardier
Telegrama americano foi publicado pelo WikiLeaks

DE SÃO PAULO

A disputa comercial entre Embraer e Bombardier, iniciada em meados dos anos 1990, só teve trégua após as fabricantes acordarem em dividir as encomendas, segundo telegramas secretos da diplomacia americana, publicados pelo site WikiLeaks. A brasileira nega, e a canadense se recusa a comentar. Desde 1996, Bombardier e Embraer, líderes na fabricação de aviões regionais, acusavam-se de usar subsídios indevidos dos seus governos.
A disputa, segundo documento de 2005 da embaixada americana em Ottawa, esfriou entre 2002 e 2003 devido ao acordo no qual "Bombardier e Embraer dividiram as principais encomendas da US Airways e da Air Canada". O documento cita um negócio fechado em setembro de 2003 com a Air Canada. Outro telegrama, de 2003, afirmava que um pedido feito pela US Airways em maio daquele ano fora "dividido entre as duas fabricantes".
"Não faz o menor sentido. Não existe e nunca existiu acordo com a Bombardier sobre as vendas de aviões", diz Carlos Eduardo Camargo, diretor de comunicação externa da Embraer. No caso da Air Canada, ele diz que a Bombardier vendeu 15 jatos, e a Embraer, 60. No caso da US Airways, ele não lembrava a divisão, mas disse que não foi "meio a meio".


CONFLITO AGRÁRIO NA AMAZÔNIA
Governo cria grupo para conter mortes na Amazônia
Comitê interministerial não detalha como irá reduzir conflitos agrários
Entre as ações estão o aumento de policiais federais e mais verbas para as viagens de servidores do Incra

ANA FLOR
JOÃO CARLOS MAGALHÃES DE BRASÍLIA

Depois de quatro mortes ligadas ao conflito agrário na Amazônia na última semana, o governo anunciou ontem que um grupo interministerial irá analisar o assunto, mas não detalhou como pretende reduzir o problema.
De concreto, o grupo reunido pelo presidente interino, Michel Temer, definiu apenas a liberação imediata de pouco mais de R$ 500 mil para viagens e diárias de funcionários do Incra das superintendências do Amazonas e de Marabá (PA).
O governo também disse que a Polícia Federal dará proteção imediata aos agricultores da região ameaçados de morte. Mas os ministérios reconheceram que não têm uma lista dos nomes de quem corre risco e que identificá-los pode levar semanas.
A reunião teve a participação dos ministros Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral), Afonso Florence (Desenvolvimento Agrário) e representantes das pastas da Justiça, do Meio Ambiente, do Gabinete de Segurança Institucional e de Direitos Humanos.

REFORÇO
O governo informou, sem explicar exatamente como, que intensificará nas próximas semanas duas operações na região.
Uma é a Arco de Fogo, lançada em fevereiro de 2008 com o objetivo de coibir o desmatamento ilegal na região amazônica.
Outra é a Arco Verde, que dá ajuda socioeconômica às populações de regiões que sofreram desmatamento.
Também foi anunciado que a Força Nacional de Segurança pode ser enviada à área, assim como funcionários do Incra, do Ibama e da Polícia Federal. Mas não foi dito quantas pessoas fariam parte desse reforço.

MORTES
No início da semana passada, em Nova Ipixuna (PA), foram mortos a tiros José Claudio Ribeiro da Silva, 54, e sua mulher, Maria do Espírito Santo da Silva, 53.
Os dois viviam em uma comunidade rural de Nova Ipixuna, o Assentamento Agroextrativista Praialta Piranheira. Eles denunciavam a extração ilegal de madeira dentro do local.
Durante o final de semana, um homem que pode ter testemunhado a entrada dos assassinos do casal também foi encontrado morto.
Dados do Ibama mostram que a simples fiscalização do órgão ambiental federal não é capaz de impedir a destruição da floresta na cidade.
Todas as sete madeireiras em atividade hoje na cidade já foram multadas. Duas das empresas cujos donos são investigados pela morte do casal receberam oito e 16 autuações cada por usar madeira irregular. Mesmo assim, continuaram operando.
Em Rondônia, na sexta-feira, o agricultor Adelino Ramos, líder do MCC (Movimento Camponês Corumbiara), também foi morto a tiros em Vista Alegre do Abunã, distrito de Porto Velho.


Região é o "faroeste brasileiro", diz pastoral

KÁTIA BRASIL
DE MANAUS

A região onde fazem divisa os Estados de Amazonas, Rondônia e Acre se tornou um "faroeste brasileiro", onde grileiros e pistoleiros se aproveitam da ausência estatal para agir impunemente, segundo a CPT (Comissão Pastoral da Terra).
É nessa área que o governo federal promete intensificar operações de fiscalização e de regularização fundiária em resposta à morte de quatro lideranças agrárias na região Norte na última semana.
A situação é mais crítica no sul do município amazonense de Lábrea (880 km de Manaus). Desde 2006, quatro líderes de assentamentos do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) foram assassinados no local. Três ainda não tiveram o autor identificado.
A localização geográfica dessa região da Amazônia, que fica próxima da fronteira brasileira com a Bolívia, também auxilia os criminosos a permanecer impunes.
Outros dez líderes comunitários da região estão ameaçadas de morte.
"O sul de Lábrea se tornou um faroeste brasileiro. [Se] você denuncia, você é morto", afirma Marta Cunha, coordenadora da CPT, órgão ligado à Igreja Católica.

ESCOLTA
Mesmo o Ibama só realiza operações de fiscalização no sul de Lábrea acompanhado de escolta policial.
O clima é de tensão também na sede do município. No ano passado, o órgão retirou duas analistas ambientais da cidade por causa de ameaças de políticos, madeireiros e grileiros.
"Infelizmente vai ficar pior com o novo Código Florestal [que depende de aprovação do Senado] porque quem degradou vai ser anistiado. Nos resta uma sensação de impunidade, de que este é um país sem lei", afirma Mário Lúcio Reis, superintendente do Ibama do Amazonas.
A reportagem da Folha procurou o governo do Amazonas para falar sobre a situação do sul de Lábrea, mas ninguém ligou de volta.


Crimes no PA são frutos da impunidade, afirma bispo
Para fundador da Comissão Pastoral da Terra, maior parte da população ainda não percebeu que reforma agrária é luta de todos

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

Mais um episódio da guerra no campo. Assim Dom Pedro Casaldáliga define o assassinato dos líderes extrativistas José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, ocorrido na semana passada no Pará.
Fundador da Comissão Pastoral da Terra e do Conselho Indigenista Missionário, o bispo ganhou notoriedade internacional ao denunciar brutalidades de madeireiros, policiais e grandes proprietários rurais no período da ditadura militar.
Agora, aos 83 anos, o bispo emérito de São Félix do Araguaia (MT) segue fazendo o seu diagnóstico do país.

Folha - Qual o significado do duplo assassinato no Pará?
Pedro Casaldáliga - A morte de José Claudio e da Maria do Espírito Santo não é um fato isolado. É mais um episódio da guerra no campo. É fruto da impunidade e da corrupção marcantes sobretudo no Pará, campeão em violência no campo, em desmatamento e queimadas.

Qual é a situação dos conflitos agrários?
Simplificando, com uns traços panorâmicos, poderíamos dividir o nosso Brasil em três. Primeiro, o Brasil hegemônico, que está a serviço do agronegócio, depredador, monocultural, latifundista, excluidor dos povos indígenas e do povo camponês. Fiel à cartilha do capitalismo neoliberal. Uma oligarquia política tradicionalmente dona do poder e da terra.

Quem fica do outro lado?
O povo da terra indígenas, camponeses da agricultura familiar, ribeirinhos, extrativistas, sem terra consciente de seus direitos e organizado em diferentes instâncias de sindicato, de associação e respaldado por grupos militantes solidários do movimento popular, das pastorais sociais, de intelectuais e artistas, de universitários, de certas ONGs.

Quem é o terceiro grupo?
É uma maioria média desinformada ou mal informada, que não vincula as lutas do campo com as lutas da cidade, no dia a dia da sobrevivência. Que não percebe ainda que a reforma agrária é uma luta de todos.

Qual é o papel do Estado?
O Estado continua omisso frente a três grandes dívidas: a reforma agrária, a política indigenista, a política doméstica e ecológica do consumo interno.

Como é o movimento dos trabalhadores rurais hoje em comparação com o período da ditadura militar?
Hoje, evidentemente, o Brasil está numa democracia, pelo menos formal. As organizações do povo da terra têm uma relativa liberdade de ação. O MST é um caso emblemático. Os governos do PT pelo menos não satanizam essa luta.

Qual é o papel da Igreja Católica nesse movimento? Como a orientação mais conservadora do Vaticano interfere?
A Igreja já não deve assumir, como nos tempos da ditadura, uma atuação de suplência abrangente. A Igreja deve continuar sendo -e talvez mais do que nunca, pela ambiguidade oficial e internacional- uma Igreja servidora e profética. Que não se omita nunca ante o clamor dos pobres.


Senado quer mudar onze pontos do novo Código Florestal
Anistia irrestrita a desmatadores faz parte das possíveis mudanças no texto em debate

MÁRCIO FALCÃO
DE BRASÍLIA

O governo quer alterar no Senado onze pontos da reforma do Código Florestal, aprovada na semana passada pela Câmara. Fazem parte da lista a Anistia irrestrita aos desmatadores, o ressarcimento dos serviços agrícolas, a participação dos Estados na regularização ambiental.
A proposta de alterações no texto elaborado foi apresentada na noite desta segunda-feira pela ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) à bancada do PT.
No encontro, a ministra disse que pelo menos cinco desses pontos são estratégicos para garantir um código sem prejuízos ao ambiente. A bancada do PT deve receber até o final da semana uma avaliação técnica do texto. "Temos condições de mediar pontos que estão sem muito consenso", disse a senadora Gleise Hoffman (PT).
A ministra não quis comentar as mudanças que defende na reforma. "Querido, eu não discuto esses pontos".
A principal preocupação do governo é com a manutenção pelo Senado da medida que legaliza todas as atividades agrícolas em APPs (Áreas de Preservação Permanente), como várzeas e topos de morros, mantidas até julho de 2008. Esse ponto foi aprovado a partir de uma emenda apresentada pelo PMDB.
Alinhado com o Planalto e uma das principais lideranças do PMDB, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), criticou a medida. "Desmatadores não devem ser Anistiados. Temos de ver que temos de preservar cada vez mais as nossas florestas."
O ministro Luiz Sérgio (Relações Institucionais), que tem sido alvo de críticas de aliados pela atuação discreta na discussão da proposta na Câmara, também participou da reunião e disse que o governo está empenhado em fazer mudanças com conteúdo. Ele disse que na Câmara o debate do texto foi sem conteúdo porque o tom emocional ficou acima da razão.
A proposta da reforma do código chegará hoje ao Senado. O governo não decidiu se vai prorrogar o decreto que vence no dia 11 de junho e que suspende os efeitos da lei de crimes ambientais.
O PMDB vai pedir a prorrogação do decreto. Parte da bancada do PT quer usar o decreto para pressionar por concessões dos agricultores.


Carta de cientistas critica nova lei florestal
Biólogos da Unesp alertam, em texto na "Science", sobre riscos para a biodiversidade

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Pesquisadores da Unesp (Universidade Estadual Paulista) publicaram na última edição da revista especializada "Science" uma carta sobre os impactos do novo Código Florestal para a preservação das comunidades de anfíbios.
De acordo com os cientistas, mesmo os pequenos fragmentos de matas ciliares ou das propriedades rurais são importantes para a biodiversidade desses animais.
Essas áreas oferecem, além de refúgio, corredores de dispersão que ligam regiões importantes para a busca de alimentos e reprodução. Qualquer alteração que se traduza em redução de vegetação nativa pode gerar perdas de espécies, homogeneização da fauna e diminuição das populações.
"Pretendemos estimular um conjunto de reflexões integrando ecologia, sociedade e políticas públicas", disse à Folha um dos autores do documento, o biólogo Fernando da Silva, da Unesp de São José do Rio Preto.
A ideia, de acordo com Silva, é informar os cidadãos "e estimulá-los a pensar e agir sobre problemas ambientais com base em dados científicos, e não em especulações".
O novo Código Florestal foi votado e aprovado há uma semana na Câmara.

ALTERAÇÕES
O texto prevê, entre outras mudanças em relação ao vigente, o fim da proteção à mata nativa em pequenas propriedades rurais e a diminuição da mata ciliar. Ele ainda tem de ser aprovado no Senado antes de entrar em vigor.
Para os autores da carta, essas medidas levam a uma maior fragmentação ambiental, colocando os animais sob risco de perder sua diversidade genética, já que terão dificuldade de achar parceiros com bom nível de diferenças genéticas, por estar isolados.
Os cientistas lembram também que a regulação da qualidade das águas, a polinização de lavouras e o controle de pragas são serviços gratuitamente fornecidos pela vegetação natural.
Com a diminuição das matas, muitos desses serviços seriam perdidos, prejudicando a todos, argumentam. De acordo com os cientistas consultados, a repercussão internacional da carta está sendo bastante "positiva".




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