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quinta-feira, 19 de maio de 2011

19 de maio de 2011 - O GLOBO


DESTAQUE DE CAPA
Palocci: tropa de choque do Planalto barra investigação

O governo jogou pesado ontem para evitar a convocação do ministro Antonio Palocci, chefe da Casa Civil, para depor na Câmara sobre a multiplicação de seu patrimônio. De manhã, paralisou o trabalho da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle para impedir que ela votasse os requerimentos da oposição. Outras comissões da Câmara cancelaram suas sessões. Em protesto, o líder do PPS, Rubens Bueno, espalhou cartazes nas salas com a inscrição "Blindagem do Palocci". À tarde, a base aliada conseguiu derrubar em plenário, por 266 votos a 73, o requerimento de convocação do ministro. "É golpe no Parlamento", protestou o líder do DEM, Antonio Carlos Magalhães Neto. "Pior para eles, pois Palocci continuará em evidência." O líder do governo, Candido Vaccarezza (PT), rebateu: "A oposição declarou guerra e entrou num caminho perigoso." A crise amplia a fragilidade da articulação política do governo Dilma Rousseff.


TRAGÉDIA DO VOO 447
Resgate dos corpos das vítimas do avião da Air France deve continuar
Técnicos conseguiram obter DNA de restos mortais trazidos à superfície

Os corpos das duas vítimas do voo 447 da Air France que foram resgatados dos destroços do avião encontrados no Oceano Atlântico no mês passado — quase dois anos depois do acidente com a aeronave, que caiu quando seguia do Rio para Paris, matando 228 pessoas — poderão ser  identificados pelo DNA. A informação, segundo reportagem da BBC Brasil, é da direção-geral da polícia militar  francesa, responsável pelos trabalhos de resgate. Com a descoberta de que o material não está deteriorado, como se temia, a operação para retirada das vítimas deve continuar.
 
Legistas não têm DNA de parentes dos brasileiros
De acordo com a BBC, a polícia militar francesa afirmou que a identificação dos dois corpos retirados do mar ainda não foi realizada. Por enquanto, os legistas franceses dispõem apenas do material genético das vítimas europeias. A Interpol deverá solicitar às autoridades brasileiras o DNA dos parentes das vítimas brasileiras para que seja feita a comparação com os dados genéticos dos restos mortais que forem resgatados.
O resultado positivo para a extração de DNA era essencial para a continuidade dos trabalhos. Na semana passada, a Justiça francesa havia informado às famílias das vítimas que, se os corpos não pudessem ser identificados, não haveria novos resgates. O navio francês Ile de Sein, que havia deixado a área de buscas no Atlântico na última sexta-feira para retornar a Dacar, no Senegal, e fazer a troca da tripulação, partiu ontem novamente rumo à costa brasileira, onde deve chegar sábado.
Haverá um reforço  da equipe de especialistas do  Instituto de Pesquisas Criminais  a bordo do  Ile de Sein. As novas operações devem durar 15 dias, segundo a polícia militar francesa, que afirmou à BBC que serão resgatados apenas os corpos que “tecnicamente” puderem ser retirados do oceano, sem sofrerem degradações ainda maiores ao serem levados à superfície.
O diretor  da Associação  dos Familiares das Vitimas  do Vôo Air France 447, Maarten Van Sluys,  disse ontem  que a entidade exigirá a retirada da totalidade dos corpos localizados.
A investigação sobre as causas do acidente continuam. Uma primeira leitura das caixas-pretas indica, segundo a agência France Presse, que “não houve uma disfunção maior” da aeronave. “A primeira leitura não evidenciou uma disfunção
maior, como uma  interrupção elétrica  total, dos motores ou dos alarmes que  fosse  incompreensível para os pilotos”, explicou à agência Alain Bouillard, diretor de  investigações  técnicas do Escritório de  Investigação e Análise (BEA, na sigla em francês).

Análises complementares podem mudar panorama
Na segunda-feira, uma nota interna enviada pela Airbus a seus clientes afirmava que as “análises preliminares” de uma das caixas-pretas não indicavam ser preciso fazer “recomendações imediatas” às companhias aéreas. Segundo Bouillard, esta primeira  leitura não significa que não possa ser expedida nota dizendo que “depois de análises complementares dos parâmetros (de voo 447), pedimos às operadoras que modifiquem isto ou aquilo”.
DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA
Amazônia: desmatamento dispara e cresce 27%
Floresta perdeu 1.848 quilômetros quadrados entre agosto de 2010 e abril deste ano; situação é pior em MT

Catarina Alencastro

BRASÍLIA. O desmatamento na Amazônia cresceu 27% entre agosto de 2010 e abril deste ano, se comparado ao período anterior. Dados do sistema de monitoramento por satélite Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apontam que 1.848 quilômetros quadrados de floresta foram derrubados, contra 1.455 quilômetros quadrados desmatados no período anterior. O maior problema foi registrado em Mato Grosso, grande produtor de soja do país, como mostrou ontem reportagem do GLOBO. Foram destruídos no estado 733 quilômetros quadrados de mata nativa nos últimos nove meses, acréscimo de 47% em relação ao total anterior.
Só nos meses de março e abril, os satélites detectaram 593 quilômetros quadrados de novos desmatamentos no estado, 475% a mais que nos mesmos meses do ano passado. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, classificou o desmatamento em Mato Grosso como "assustador" e "atípico". Segundo ela, não há elementos suficientes para relacionar o fenômeno com as incertezas em torno do Código Florestal, que será votado na Câmara.
- Ainda não sabemos o que está acontecendo. Quem vai informar detalhadamente são os secretários de Meio Ambiente dos estados e o que nós estamos apurando na base. Quero dizer claramente: quem apostar no desmatamento para botar boi vai ter seu boi apreendido e destinado ao programa Fome Zero. Quem apostar no desmatamento para plantar vai ter sua produção apreendida e destinada ao programa Fome Zero. A ordem é sufocar o crime ambiental - disse a ministra, que montou um gabinete de crise para acompanhar diariamente a região.
Para o Greenpeace, no entanto, a expectativa de afrouxamento do Código tem levado produtores a devastarem rapidamente áreas que podem vir a ser legalizadas com a aprovação do novo texto. Isso porque os satélites não registraram aumento do desmatamento em Unidades de Conservação, o que para a ONG significa que a destruição vem ocorrendo nas locais privados.
- O desmatamento foi registrado em área privada, o que demonstra muito claramente uma aposta na anistia - avalia Nilo D"Ávila, coordenador de políticas públicas do Greenpeace.
Para conter a sangria na floresta, o governo anunciou ontem que, além dos fiscais do Ibama, a Polícia Federal e a Força Nacional atuarão em operações de combate ao desmatamento, totalizando 546 homens. O governo avalia a adesão do Exército. Estão previstas 280 operações para os próximos meses.


ECO VERDE
Agostinho Vieira

Já passou da hora de agir na Amazônia
Finalmente o governo resolveu se mexer e fazer alguma coisa, mesmo que seja falar grosso e ameaçar convocar o Exército, para combater crimes ambientais que, não é de hoje, vêm acontecendo na Amazônia. Um aumento de 444% do desmatamento no Mato Grosso, somente nos meses de março e abril, beira o deboche. Com certeza, um resultado triste e esperado da posição tímida e confusa que o Planalto adotou nas negociações do Código Florestal.
Uma coisa é negociar mudanças no texto, defender posições diversas e, até mesmo, fazer manifestações públicas. Outra, bem diferente, é incentivar o crime para criar um fato consumado. Muitos ainda apostam que quem desmatou vai ser anistiado. Fazer uso dos chamados "correntões" (tratores ligados por correntes) para derrubar grandes áreas de floresta, só pode ser parte da convicção de que nada acontecerá. É verdade que uma lei estadual mais branda e o aumento no preço das commodities também servem como um excelente combustível.
Um estudo recente patrocinado pelo Banco Mundial mostrou que o aumento da temperatura do planeta e o crescimento no ritmo do desmatamento podem levar a região a sofrer um processo de savanização. Por ironia, uma das áreas mais ameaçadas é exatamente a região do Mato Grosso. O problema é que, nos últimos tempos, as conclusões científicas têm sido atropeladas pelos interesses econômicos e políticos. Seria ótimo se o país tivesse um cadastro ambiental rural atualizado, que permitisse a identificação rápida e precisa de quem está desmatando. Mas nada que uma força-tarefa disposta a enfrentar o problema não resolva. O Ibama conhece muito bem os municípios mais afetados: Alto Boa Vista, Nova Ubiratã e Bom Jesus do Araguaia. Essa é a hora de mostrar autoridade, separar ambientalistas e agricultores dos criminosos.
BICENTENÁRIO DA BATALHA  DAS PEDRAS
Festa e tensão no Uruguai


Militares uruguaios marcham, em Montevidéu, diante de fotos de desaparecidos políticos, numa parada que faz parte da celebração  do  bicentenário da Batalha  das Pedras —  a  primeira  e  única vitória  significativa  do  país no  processo  de independência da Espanha. As festas foram acompanhadas de tensão política, pois hoje a bancada do governo na Câmara dos Deputados tentará derrubar a lei de anistia a militares da ditadura. Cerca de 180 uruguaios desapareceram durante a repressão.


ANCELMO GOIS

Brasil voando
A Anac divulga hoje que a demanda dos voos domésticos em abril cresceu 31% em relação ao mesmo mês de 2010.


OPINIÃO
Censurável reação do Brasil

Flávia Piovesan

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos solicitou ao Estado brasileiro a adoção de medidas urgentes para proteger a vida e a integridade pessoal dos membros das comunidades indígenas da bacia do Rio Xingu, recomendando a imediata suspensão do processo de licenciamento da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, até que fossem observadas condições mínimas, como a realização de consulta prévia, livre e informada com as comunidades afetadas. Determinou, ainda, fosse assegurado o amplo acesso ao estudo de impacto socioambiental do projeto, bem como fossem adotadas medidas para prevenir a disseminação de doenças e epidemias entre as comunidades indígenas. No local há 30 terras indígenas com 24 povos e línguas diferentes, que poderão sofrer graves riscos socioambientais - especialmente as comunidades tradicionais da bacia do Xingu, que pode vir a ficar praticamente sem água com o desvio do rio.
O Estado brasileiro qualificou a decisão da Comissão Interamericana como "precipitada e injustificável". Em 30 de abril, matéria publicada no jornal "Folha de S.Paulo" ressalta que, em ato de retaliação ao sistema interamericano, entre outras medidas, a presidente Dilma teria retirado, em caráter irrevogável, a candidatura do ex-ministro de Direitos Humanos Paulo Vanucchi à Comissão Interamericana. ("Dilma retalia OEA por Belo Monte e suspende recursos", "Folha de S.Paulo").
A reação do Estado brasileiro assume acentuada gravidade por converter a discordância e a insatisfação com a medida tomada pela Comissão da OEA em inaceitável ataque ao sistema interamericano de proteção dos direitos humanos. Este sistema salvou e continua salvando muitas vidas, oferecendo uma extraordinária contribuição para a promoção dos direitos humanos, do estado de direito e da democracia em nossa região. Permitiu a desestabilização dos regimes ditatoriais; exigiu justiça e o fim da impunidade nas transições democráticas; e agora demanda o fortalecimento das instituições democráticas com o necessário combate às violações de direitos e proteção aos grupos mais vulneráveis.
Em 24 de março, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, ao votar a favor da designação de um relator especial para investigar denúncias de violações de direitos humanos no Irã (rompendo com uma política internacional de oito anos marcada pela reiterada abstenção), o Brasil sinalizou a sensíveis transformações na política externa brasileira - celebradas pela cúpula da ONU e por ONGs. A embaixadora do Brasil junto à ONU esclareceu: "O voto não é contra o Irã, mas a favor do sistema de direitos humanos da ONU", acrescentando que o Brasil encorajará a "aplicação dos mesmos padrões a outros possíveis casos de não cooperação com o sistema de direitos humanos da ONU". A presidente Dilma tem enfatizado o tema dos direitos humanos como foco da política externa brasileira, "a ser promovido e defendido em todas as instâncias internacionais sem concessões, sem discriminações e sem seletividade".
A preocupante resposta brasileira no caso Belo Monte constitui um retrocesso, culminando em agressiva afronta à tão aclamada cooperação com os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos. Viola tanto as regras do jogo internacional - aceitas pelo Brasil no exercício pleno de sua soberania - como o dever constitucional de conferir prevalência aos direitos humanos nas relações internacionais (princípio fundamental consagrado no artigo 4º, II da Constituição Federal). O desrespeito aos parâmetros internacionais e constitucionais resulta na ameaça à vida e à integridade de comunidades vulneráveis.
A censurável reação do Brasil mostra-se também incompatível com sua crescente responsabilidade internacional, na qualidade de ator global empenhado no aperfeiçoamento do multilateralismo e na democratização das instâncias decisórias internacionais.
É emergencial resgatar a coerência, a consistência e a integridade da política externa brasileira em matéria de direitos humanos, em defesa das vítimas de graves violações, reconhe ººººcendo a importância da cooperação com o sistema interamericano, endossando a credibilidade das organizações internacionais e fortalecendo o multilateralismo para a afirmação do estado de direito internacional.
FLÁVIA PIOVESAN é professora da PUC-SP.


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