PLENÁRIO
Câmara aprova Código Florestal com emenda e impõe derrota ao governo
Eduardo Piovesan
O Plenário aprovou ontem o novo Código Florestal (PL 1876/99 e outros), que permite o uso das áreas de preservação permanente (APPs) já ocupadas com atividades agrossilvipastoris, ecoturismo e turismo rural. Esse desmatamento deve ter ocorrido até 22 de julho de 2008, data de publicação de decreto (6.514/08) que regulamentou as infrações contra o meio ambiente com base na Lei 9.605/98.
As hipóteses de uso do solo por utilidade pública, interesse social ou de baixo impacto serão previstas em lei e, em todos os casos, devem ser observados critérios técnicos de conservação do solo e da água.
O texto aprovado, que revoga o código em vigor (Lei 4.771/65), vai ao Senado. A discussão na Câmara, que durou mais de uma década, foi intensificada nos últimos dois anos, com a criação de comissão especial sobre o tema.
A redação final foi dada pela aprovação da emenda 164, dos deputados Paulo Piau (PMDB-MG), Homero Pereira (PR-MT), Valdir Colatto (PMDB-SC) e Darcísio Perondi (PMDB-RS).
Aprovada por 273 votos a 182, a emenda também dá aos estados, por meio do Programa de Regularização Ambiental (PRA), o poder de estabelecer outras atividades que possam justificar a regularização de áreas desmatadas. O texto proíbe desmatamentos em todas as propriedades rurais por cinco anos.
Vetos - Antes da votação da emenda, o líder do governo, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), alertou que a presidente Dilma Rousseff vetará a liberação de atividades nas APPs se o governo não conseguir mudar o texto no Senado. Nessa última hipótese, a proposta voltará para análise da Câmara.
Segundo Vaccarezza, o governo defende o estabelecimento de punição adicional para quem reincidir em agressões ao meio ambiente; a criação de alternativa para a definição de APPs em rios em pequenas propriedades (até quatro módulos fiscais); e a manutenção na lei do termo “recomposição” e não “regularização” do bioma amazônico.
Rios - As faixas de proteção em rios continuam as mesmas de hoje (30 a 500 metros), mas passam a ser medidas a partir do leito regular e não do leito maior. A exceção é para os rios de até dez metros de largura, para os quais é permitida a recomposição de metade da faixa (15 metros) se ela já tiver sido desmatada.Nas APPs de topo de morros, montes e serras com altura mínima de 100 metros e inclinação superior a 25°, o novo código permite a manutenção de culturas de espécies lenhosas (uva, maçã, café) ou de atividades silviculturais, assim como a infraestrutura física associada a elas. Isso vale também para os locais com altitude superior a 1,8 mil metros.
O projeto não considera APPs as várzeas fora dos limites em torno dos rios, as veredas e os manguezais em toda sua extensão. Entretanto, são protegidas as restingas enquanto fixadoras de dunas ou para estabilizar a vegetação de mangue. Se a função ecológica do manguezal estiver comprometida, o corte de sua vegetação nativa somente poderá ser autorizado para obras habitacionais e de urbanização nas áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda.
Projeto estabelece regra para regularização
O texto do novo Código Florestal prevê que, para fazer jus ao perdão das multas e dos crimes ao meio ambiente cometidos, o produtor rural deverá aderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), a ser instituído pela União e pelos estados.Os interessados terão um ano para aderir, mas esse prazo só começa a contar a partir da criação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), o que deverá ocorrer em até 90 dias da publicação da futura lei. Todos os imóveis rurais deverão se cadastrar.
Dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indicam a existência de cerca de 13 mil multas com valor total de R$ 2,4 bilhões até 22 de julho de 2008. A maior parte delas pelo desmatamento ilegal de APPs e de reserva legal em grandes propriedades da Amazônia Legal. Mato Grosso, Pará, Rondônia e Amazonas respondem por 85% do valor das multas aplicadas até julho de 2008 e ainda não pagas.
Compromisso - Quando aderir ao PRA, o proprietário que desmatou além do permitido terá de assinar um termo de adesão e compromisso, no qual deverão estar especificados os procedimentos de recuperação exigidos pelo novo código. Dentro de um ano a partir da criação do cadastro e enquanto estiver cumprindo o termo de compromisso, o proprietário não poderá ser autuado e as multas referentes a desmatamentos serão suspensas, desde que aplicadas antes de 22 de julho de 2008. Depois da regularização, a punibilidade dos crimes será extinta. (EP)
Índices de preservação continuam os mesmos
O novo Código Florestal manteve, como regra geral, os índices de preservação exigidos atualmente. Na Amazônia, os percentuais são de 80% nas terras situadas em áreas de floresta; de 35% em áreas de cerrado; e de 20% em campos gerais. Nas demais regiões do País, o percentual é de 20%.
Aqueles que mantinham reserva legal em percentuais menores, exigidos pela lei em vigor à época, ficarão isentos de recompor a área. A principal mudança ocorreu em 2000, quando passou-se a exigir reserva legal de 80% na Amazônia Legal, em vez dos 50% anteriores.
Quanto à reserva legal, o projeto permite aos proprietários que explorarem em regime familiar terras de até quatro módulos fiscais manter a área de vegetação nativa existente em 2008.
Quando indicado pelo Zoneamento Ecológico-Econômico do estado, o Executivo federal poderá reduzir, para fins de regularização da área rural consolidada, a reserva exigida na Amazônia. O Ministério do Meio Ambiente e o Conselho Nacional do Meio Ambiente não precisam mais ser ouvidos, como prevê a lei em vigor. Para o cumprimento de metas nacionais de proteção à biodiversidade ou para diminuir a emissão de gases do efeito estufa, o Executivo poderá aumentar a reserva em até 50% dos índices previstos. (EP)
Para ruralistas, foi feita justiça com produtores; ambientalistas dizem que texto é “desastroso”
Maria Neves e José Carlos Oliveira
Mesmo depois de dois anos em debate, o novo Código Florestal (PL 1876/99 e outros) ainda foi acompanhado de discussões acaloradas durante a votação no Plenário. Considerado pela bancada ruralista um texto equilibrado, amplamente discutido com a sociedade, o projeto foi taxado pelos ambientalistas de “retrocesso”, que levou em consideração apenas os interesses dos grandes produtores rurais.
O coordenador da Frente Ambientalista, deputado Sarney Filho (PV-MA), afirmou que o texto “é desastroso, não é florestal, mas a favor da agricultura, e pode comprometer acordos internacionais assumidos pelo Brasil”.
A aprovação do novo Código Florestal foi comemorada pela presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), senadora Kátia Abreu (DEM-GO). Segundo ela, agora a lei ambiental brasileira não terá mais o selo das organizações não governamentais, mas do Brasil, da sociedade, por meio do Congresso. Ela prevê que a matéria tramitará rapidamente no Senado, e espera que os senadores não façam alteração para que o texto siga logo para sanção presidencial. Kátia Abreu também não acredita em veto presidencial. “A presidente Dilma não vai arrancar os produtores como ervas daninhas. Eles estão produzindo há anos sem provocar danos aos rios e ao meio ambiente.”
Emendas - Já o líder do PT, deputado Paulo Teixeira (SP) explicou que o partido votou favoravelmente ao substitutivo do relator, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), mas “com muitos questionamentos”. Teixeira lembrou que o partido apresentou emendas supressivas para retirar da proposta pontos como a possibilidade de continuação das atividades irregulares em áreas de preservação permanente (APPs) de margens de rios e de permitir novos desmatamentos.
De acordo com o líder, o PT decidiu apoiar a votação porque “esse processo [de negociação] foi ao limite”. Ele disse ainda que o partido “tencionou ao máximo para ter algo mais equilibrado, um código que recuperasse o passivo ambiental, o plantio de florestas e protegesse os rios”. Por isso, garantiu que vai continuar a busca por aperfeiçoamento do texto no Senado.
O deputado Alfredo Sirkis (PV-RJ) ressaltou que existe um compromisso de Dilma Rousseff, formalizado durante o segundo turno das últimas eleições presidenciais, de que “vai vetar esse atentado aos ecossistemas brasileiros”.
Reflorestamento - Na opinião de Sirkis, teria sido possível chegar a um texto que ao mesmo tempo protegesse as florestas e os ecossistemas e contemplasse as preocupações da agricultura. No entanto, conforme sustenta o deputado, o relatório não avançou por não prever, por exemplo, estímulos econômicos ao reflorestamento.
De acordo com Sirkis, nos próximos 20 anos, haverá US$ 80 bilhões (cerca de R$ 130 milhões) no mercado internacional de créditos de carbono para reflorestamento, com o objetivo de absorver as emissões dos países que não conseguem reduzir suas cotas. “Esses serviços ambientais são algo que interessa ao pequeno produtor, mas essa informação lhes foi sonegada”, acrescentou.
O deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS) disse, no entanto, que o País não poderá cobrar por áreas preservadas previstas em lei, devido a acordo internacional que assinou. “O Brasil tem a maior a reserva florestal do mundo e não pode cobrar absolutamente nada por isso”, protestou.
Dois anos - De acordo com o deputado Giovani Cherini (PDT-RS), o relator Aldo Rebelo percorreu todo o Brasil para ouvir os interessados e elaborar um texto equilibrado. “Democracia é ouvir, é falar, não é querer ganhar no tapetão.” O deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) ressaltou que a discussão foi feita por dois anos em comissão especial.
Já Sarney Filho disse que todas as discussões “foram conduzidas pelo segmento que desejava o retrocesso na legislação ambiental”. Na opinião do coordenador da Frente Ambientalista, depois de dois anos de trabalho, Aldo apresentou o primeiro relatório, que “era uma aberração”. Depois de mais discussão, sustentou, a proposta tornou-se “menos ruim”, mas ainda precisaria ser aperfeiçoada.
O líder do DEM, deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (BA), ressaltou ter votado de forma convicta pela aprovação do texto de Aldo Rebelo, “porque tem absoluta certeza de que a Câmara fez justiça”. Na opinião do parlamentar, se há necessidade de preservação ambiental, também é preciso “olhar para o produtor rural”.
Negociações duraram todo o dia
Carolina Pompeu
As negociações para aprovação do novo Código Florestal começaram na manhã de ontem e prosseguiram até 18h30, quando foi anunciado um acordo. Por volta das 17h, o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) havia anunciado que cerca de 350 deputados eram favoráveis à votação do texto ainda ontem.
O conflito estava em torno da emenda 164, que dá aos estados o poder de estabelecer as atividades que possam justificar a regularização de áreas de preservação permanente (APPs) já desmatadas. A liderança do governo manteve-se contrária à proposta e defendeu a regulamentação por meio de decreto presidencial.
Após a divulgação do acordo, o vice-líder do Psol, deputado Ivan Valente (SP), adiantou que seu partido e o PV votariam pela rejeição do texto de Aldo. Ele reiterou que, com a aprovação do novo código, o Psol deverá propor um referendo popular à nova lei. O partido também pretende impetrar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal contra a lei. A alegação será de que houve retrocesso na legislação ambiental.
O dia foi marcado por protestos contra e a favor do novo Código Florestal. Representantes de entidades ligadas à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), favoráveis ao texto de Aldo Rebelo, disputaram espaço com integrantes da Via Campesina e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), para quem a proposta beneficia somente grandes produtores que não têm responsabilidade ambiental.
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