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quinta-feira, 19 de maio de 2011

19 de maio de 2011 - JORNAL DO BRASIL


MORRO DA PROVIDÊNCIA
Era tudo teatro?
Após promessas de Nelson Jobim, União recorre para não pagar pensão de um salário a famílias de jovens que militares entregaram a traficantes para serem mortos

Jorge Lourenço

Dia 18 de junho de 2008. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, visita as mães de três jovens do Morro da Providência mortos por traficantes da vizinha favela da Mineira, comandada por uma facção rival. A execução, que seria mais uma entre as muitas ocorridas no Rio, tem uma diferença chocante: um grupo de militares do Exército que participava de um projeto social na Providência entregou Wellington Gonzaga (19 anos), David Florêncio (24) e Marcos Paulo da Silva (17) aos bandidos.
Na ocasião, o então presidente Lula mostrou-se indignado e pediu a punição dos envolvidos. O próprio Nelson Jobim garantiu, ao visitar pessoalmente as mães das vítimas, que todas seriam indenizadas, o mínimo que o estado poderia fazer.
Quase três anos depois, a realidade é diferente. Lilian Gonzaga, Benedita Florêncio e Maria de Fátima Barbosa receberam apenas promessas vazias. Pior: a União está recorrendo para evitar o pagamento da pensão de um salário mínimo.
A perspectiva de punição aos militares também não é das melhores. Dos 11 membros do Exército que levaram os jovens para a morte na favela vizinha, apenas dois estão presos, sem previsão de julgamento.
– O que mais me deixa triste nesse caso todo é a postura do governo. O (Nelson) Jobim fez juras de amor às famílias, tomou cafezinho na casa da Lilian e prometeu tudo do bom e do melhor, mas a União chegou ao ponto de contestar o pagamento de uma pensão de um salário mínimo – protesta o advogado João Tancredo, que representa as famílias das vítimas. – Os políticos se beneficiaram do caso, posaram de bonzinhos, mas deram as costas para as famílias assim que puderam.

Vítimas sustentavam a casa antes da tragédia
Hoje, as mães da Providência vivem na parte baixa da comunidade – agora ocupada pela Polícia Militar e sem tráfico armado. Elas moram em três casas cedidas pelo projeto Cimento Social, o mesmo no qual os militares envolvidos no crime trabalhavam. As três se tornaram vizinhas por causa da tragédia.
– Às vezes, a gente se fala, eu paro no muro para conversar com elas, mas não é por muito tempo. Sempre que nos vemos, lembramos dos nossos filhos– conta Lilian Gonzaga, que vive de bicos na comunidade. – Abandonaram a gente. Ganhamos essas casas e só.
Lilian ainda guarda roupas e fotos do filho Wellington, cujo sonho era ser militar. Abalada, ela revela que perdeu o emprego quando o filho foi morto e nunca mais conseguiu um trabalho fixo. Na ocasião da tragédia, Wellington era o principal provedor da casa.
– Tenho até hoje móveis que foram dados por ele. O Wellington me dava quase todo o salário para ajudar em casa – lembra.
A situação de Benedita Florêncio é ainda mais precária. Apesar de ter criado o neto David Florêncio desde que ele era criança, ela corre o risco de ficar sem receber qualquer indenização por não ser a mãe biológica da vítima.
– Eu vivo doente. Antes, o Wellington me ajudava a comprar os remédios e cuidar da casa.
Ele me chamava de mãe. Hoje, sou sozinha – conta a aposentada. – Não me surpreendo com o que fizeram. Político é tudo assim, né? Eles nos usam enquanto dá, depois somem.

Famílias são alvo de preconceito na favela
Até hoje, a morte dos três jovens repercute no Morro da Providência. Uma das principais dificuldades, segundo Lilian, é ignorar as ofensas que a família recebe tanto dos moradores quanto de policiais.
– Eles chamam nossos filhos de bandidos sem nunca terem provado nada contra eles. Escuto comentários maldosos nas ruas e processamos o Google em função de comunidades no Orkut que chamavam nossos filhos de bandidos. Os policiais ficam dizendo que o Exército poupou o trabalho deles – conta Lilian, frisando que os PMs da UPP local são exceção. – Os que provocam são os outros policiais, que aparecem nas operações.

Advogado já pediu até a prisão de Nelson Jobim
Inconformado com o andamento do caso, o advogado João Tancredo chegou ao ponto de pedir a prisão do ministro da Defesa, Nelson Jobim, a quem ele responsabiliza pelo abandono das famílias das vítimas.
– Ele veio aqui representando a União, aproveitou-se da fragilidade das famílias e jamais cumpriu o que foi prometido. O mais revoltante, para o advogado, é que a União recorreu das decisões judiciais que a obrigariam a pagar apenas um salário mínimo de pensão às famílias das vítimas.
– Isso foi deferido para a União pagar em julho de 2008. De lá para cá, eles arranjaram várias alternativas de evitar o pagamento – critica João Tancredo. – Numa delas, alegaram que o depósito só não foi feito porque as partes beneficiadas não tinham contas bancárias.

Poucas esperanças
A mãe de Marcos Paulo da Silva, uma das vítimas do incidente, não quis falar com a reportagem.
De acordo com as vizinhas, Maria de Fátima Barbosa ficou muito abalada com a morte do filho de criação.
Como não é mãe biológica da vítima, Maria de Fátima é outra que corre risco de ficar sem qualquer compensação.
– O advogado já disse que não tenho chance de receber pensão – lamenta Benedita, que conta com a ajuda de uma neta para cuidar da casa. – Não tenho esperanças. A sensação que dá é a de que quem mora na favela não tem direito a nada.

Exército absolveu acusados
Procurados para comentar o caso, a Advocacia Geral da União (AGU) e o ministro Nelson Jobim, não se pronunciaram. Segundo a assessoria de imprensa do Ministério da Defesa, seria “difícil” Jobim comentar o assunto.
Na Justiça Militar , 10 dos 11 militares envolvidos foram absolvidos. O único condenado foi o tenente Vinícius Ghidetti, mas apenas por ter recusado a obedecer ordens superiores.
Procurado, o Comando Militar do Leste não informou se os militares envolvidos ainda fazem parte do Exército.


EDITORIAL
Impunidade e demagogia subiram o morro juntas

A reportagem que você lê nas páginas seguintes mostra como o oportunismo político pode vicejar até mesmo nas maiores tragédias. Neste caso – mais um que mancha a história brasileira – anda junto também a impunidade, tão conhecida de todos nós. Dos 11 militares do Exército que entregaram três jovens moradores do Morro da Providência (Centro do Rio) para serem mortos por traficantes da vizinha favela da Mineira, só dois estão presos e dez foram inocentados na Justiça Militar.
Agora, a União entrou na Justiça para não pagar a pensão de um mísero salário mínimo às famílias dos rapazes justiçados pelo Exército Brasileiro. O pior é que na época do crime, em 2008, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, foi à Providência consolar os parentes. Disse que o governo lhes daria todo o apoio e que os responsáveis fardados pela crueldade seriam exemplarmente punidos.
Nem uma coisa, nem outra. Entrevistados pelo repórter do Jornal do Brasil Jorge Lourenço, os familiares mostraram toda a sua descrença na classe política. Para eles é mais forte a impressão de que palavras são jogadas ao vento sem a menor responsabilidade, mesmo diante de dramas tão chocantes quando os assassinatos dos jovens do Morro da Providência. O governo federal está diante de uma oportunidade, não de se redimir, mas de evitar que seja perpetuada uma das maiores injustiças da história do estado do Rio de Janeiro e do Brasil.


ANNA RAMALHO

Concorrido
O comitê organizador dos Jogos Mundiais Militares, que acontecem em julho, estão festejando o número de participantes inscritos. O lançamento oficial será no sábado, durante o intervalo da partida entre Flamengo e Havaí, no Engenhão. O estádio, aliás, será o local de abertura e encerramento do mundial.

ACIDENTE
Avião cai na Argentina com 22 pessoas a bordo

Um avião com 22 pessoas a bordo caiu na noite de quarta-feira na província de Rio Negro, na Argentina. A aeronave da companhia Sol Airlines partiu da cidade de Neuquén pouco depois das 20h (horário local) em direção a Comodoro Rivadavia.
A última comunicação se deu às 20h50, já com um aviso de emergência. A viagem duraria uma hora e 50 minutos, e, segundo a companhia, havia combustível para mais de três horas de voo.
A queda ocorreu por volta das 22h na localidade de Prahuaniyeu, a cerca de 250 quilômetros da cidade de General Rocca. O avião, modelo Saab 340 tinha capacidade para levar 34 passageiros. Havia 19 a bordo, além da tripulação. Até o fim da noite, não havia notícias sobre possíveis sobreviventes.


INFORME JB
Leandro Mazzini

Ringue
O federal e militar Jair Bolsonaro (PP-RJ), o antigay convicto, tentou entrar ontem no auditório da Câmara onde centenas de homossexuais realizavam um congresso. Queria discursar contra a turma. Foi barrado pelos seguranças da Casa.

Calma, doutor, calma
Três seguranças, aflitos, para Bolsonaro: “Doutor, gostamos do senhor, o respeitamos muito, mas facilite o nosso trabalho, vai ser uma quebradeira se o senhor entrar”. O deputado desistiu.


ATUALIDADE
Começa a política externa de Dilma

Candido Mendes - Cientista político

Ao receber o presidente Wulff, da Alemanha, Dilma Roussef deu os primeiros passos de uma política externa, na linha desenhada pelo governo Lula. Amadurecemos no último mandato esta quebra de uma velha geografia de centros e periferias, em que se reforçava, classicamente, a dominação americana transformada em hegemônica, nos anos subsequentes à queda do muro.
Num novo ressalto internacional, a autonomia brasileira vai, naturalmente, à constituição do bloco dos BRICS, e, fora do perfil, ainda há uma década, previsto para a globalização. Nosso país confronta- se aí a duas outras nações gigantes, a China e a Índia, também voltadas, pela dinâmica de sua própria população, para uma política de desenvolvimento nacional. Desaparecem, nesse quadro, as velhas polarizações, com a clássica ascendência dos Estados Unidos ao lado do continente europeu, e até a crise financeira de 2008, voltados para a afluência e o progressismo do modelo neoliberal.
No que respondesse ao novo contexto externo, independentemente de blocos, marcou- se o governo Lula pela defesa do Irã, e pela busca da plataforma das Nações Unidas para discutir o equilíbrio nuclear no Oriente Médio, a partir da posse da bomba por Israel, e o condicionamento que impunha a toda a área à sua volta. Mas, sobretudo, a emergência brasileira no Oriente Médio reflete o aporte de nossas raízes históricas no Líbano e na Síria, na força de sua imigração, fora dos clássicos ocidentalismos colonizadores. Em aliança nova, junto à Turquia, o Brasil fez sentir esta posição, liberada da inércia dos pactos de Washington, e da envergadura meramente regional do nosso desempenho internacional. A força de Dilma, hoje, é a de encarnar essa nova etapa, a partir do conflito árabe e à busca dos regimes democráticos no Mediterrâneo africano, iniciados pelos plebiscitos de rua, em Túnis e no Cairo. Mais importante, inclusive, que a perspectiva frente a Teerã é a de reconhecer o Brasil o quanto as políticas de paz em toda essa região não podem ser o apanágio da Otan, como se hoje e na nova globalização se mantivesse o protetorado invisível das nações afluentes ocidentais, sobre todo o futuro do Oriente Médio. Aí está o vigoroso protesto da União Africana, na ação indiscriminada  contra Khadafi, a que aqui se junta, agora, o da própria União Árabe.
O respeito a situações nacionais, como a da Líbia, envolve verdadeiras consciências coletivas emergentes à luta pela identidade recém-conquistada, e diante do perigo do retorno aos conflitos clânicos após o abate do regime de Trípoli. Doutra parte, como se viu após a derrubada de Ben Ali e Mubarak, toda região, na busca da democracia, sem verdadeiras políticas de consenso, vê a regressão do laicismo desses países e, quiçá, augurando um novo fundamentalismo islâmico, à base de partidos únicos, e da retomada obsoleta da revolução de Khomeini.
De toda forma, a palavra e a visão da presidente Dilma, a que se soma a da Turquia, é de frear a sofreguidão em que a Otan se transformou na promessa de todo “restabelecimento da ordem”, tantas vezes encoberto pelo álibi democrático – para, tão só, a restauração dos velhos status quo, e, sobretudo, do controle das riquezas do subsolo, fora das verdadeiras políticas nacionais de desenvolvimento.
À voz brasileira, apostando no longo prazo, só pode aproveitar a queda rápida dos intervencionismos da última década, no Afeganistão ou no Iraque, na sequência da evicção de Bin Laden, e dos focos do terrorismo pós-11 de setembro. O mundo, do direito de autodefesa da humanidade, disparada pela queda das torres de Manhattan, sai da “civilização do medo”, tanto quanto reforça, de vez, o pluralismo de vozes, nesta globalização que não tem mais nada a ver com o bushismo, e as guerras preemptivas, num universo submisso das periferias.

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