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quarta-feira, 25 de maio de 2011

25 de maio de 2011 - CORREIO BRAZILIENSE


DESTAQUE DE CAPA - TRAGÉDIA NO PARANOÁ
Crescem as suspeitas de pane no barco

# João Antônio Fernandes Rocha, 6 meses
# Ester Araújo de Oliveira, 10 anos
# Flávia Daniela Pereira Dornel, 22 anos
# Robson Araújo de Oliveira, 29 anos
# Valdelice Souza Fernandes, 35 anos
# Vicente Carneiro de Sousa Neto, 37 anos
# Paulo de Mello, 39 anos
# Adail de Souza Borges, 46 anos

O mais grave acidente da história do Lago Paranoá tem oito vítimas identificadas. As equipes de resgate acreditam que ainda há pelo menos um corpo submerso, provavelmente preso à embarcação. As investigações e o relato de testemunhas reforçam as suspeitas de que o barco, com mais de 100 pessoas a bordo, navegava com problemas. Além de uma rachadura na estrutura que auxiliava na flutuação do Imagination, a polícia apura a ocorrência de falhas mecânicas. O eletricista Hilton Gomes, sobrevivente do naufrágio, também estava no barco na noite de sábado. Na véspera da tragédia, segundo ele, o Imagination apresentou picos de energia e panes do motor. Há indícios também de negligência com a segurança: mais relatos indicam que os passageiros tiveram dificuldade para acessar os coletes salva-vidas e não receberam orientação de como utilizar o equipamento de segurança.


Falhas investigadas
Para a polícia, a provável causa do acidente é uma fissura no sistema de flutuação, agravada pelo excesso de passageiros. depoimentos do piloto e de um sobrevivente revelam problemas mecânicos e elétricos no barco

» Renato Alves
» Naira Trindade

Superlotação, falta de manutenção, falhas mecânicas, elétricas e dos operadores da embarcação, negligência com o esquema de segurança para os passageiros e os tripulantes do Imagination. O conjunto de fatores provocou a tragédia do último domingo. A linha de investigação da Polícia Civil se baseia em depoimentos de alguns dos 93 sobreviventes e nas informações colhidas pelos peritos no fundo do Lago Paranoá, onde está o barco. Até o começo da noite de ontem, quando suspenderam as buscas por falta de luminosidade, bombeiros haviam resgatado sete corpos. Com o bebê de sete meses que não resistiu logo após o acidente, subiu para oito o número de mortos. Os militares retomam hoje as buscas com a certeza de que há pelo menos mais uma vítima.
Responsável pelas investigações do naufrágio, o delegado Adval Cardoso, chefe da 10ª Delegacia de Polícia, no Lago Sul, afirmou que o excesso de gente teria agravado um problema existente na embarcação. “Trabalhamos com a suposição de uma pequena avaria no barco. O aumento da rachadura pode ter se agravado pelo sobrepeso”, explicou.
Na segunda-feira, bombeiros e peritos da Polícia Civil identificaram uma rachadura em um dos tubulões na parte debaixo do Imagination. As estruturas cilíndricas e ocas ajudam na flutuação desse modelo de barco, parecido com uma balsa. Autorizado pela Marinha a transportar no máximo 92 pessoas, ele carregava pelo menos 102 no momento da tragédia, segundo o Corpo de Bombeiros e a Polícia Civil. Ainda não há uma lista com o nome de todos os ocupantes. O passeio foi organizado por um bufê do Recanto das Emas e reuniu funcionários, familiares e amigos.
Entre tantas suspeitas ainda não confirmadas, os investigadores descartaram a hipótese da colisão do Imagination com uma lancha (leia quadro). “Encontramos e periciamos a lancha. Não há sinal de batida nela, nem mesmo um arranhão. Caso tivesse colidido, haveria marcas, pois era menor que a outra e feita de um material muito sensível”, contou Adval Cardoso. Para o delegado, os ocupantes da lancha são “verdadeiros heróis”, pois ajudaram a socorrer as vítimas do barco.
Cardoso também disse haver sinais de negligência com o esquema de segurança da embarcação. Testemunhas contaram em depoimentos prestados ontem e segunda-feira que havia coletes no barco, mas muitos passageiros e tripulantes não sabiam usar os salva-vidas.
“Algumas vítimas relatam que não conseguiram pegar o equipamento e que houve falta de orientação”, revelou o delegado. O inquérito da 10ªDP deve culminar no indiciamento dos responsáveis pelo Imagination por homicídio culposo (sem intenção de matar), mas a conclusão depende das provas e das perícias, de acordo com o chefe da delegacia do Lago Sul.

Problemas
O eletricista Hilton Carlos Soares Gomes, 34 anos, foi uma das 12 testemunhas a prestar depoimento ontem na 10ªDP. Ele era um dos convidados da festa realizada no domingo no Imagination. Também estava no barco no sábado, mas como barman. Trabalhou em dois passeios, à tarde e à noite. E, segundo Hilton, a embarcação apresentava problemas no dia anterior à tragédia.
A testemunha contou a Cardoso que, na primeira festa de sábado, das 14h às 19h, não percebeu anormalidade alguma. Mas, na segunda comemoração, prevista para ocorrer das 19h às 2h de domingo, notou três picos de energia. “Cada um durou em média três segundos. Senti que o motor falhou nesses períodos”, lembrou. Hilton disse ter perguntado ao piloto o que havia acontecido. “Ele respondeu que a embarcação estava apresentando problemas e estava preocupado.”
O eletricista recebeu uma ligação no domingo para, desta vez, participar de uma festa no mesmo barco, mas como convidado. O ingresso custava R$ 60. Ele levou a mulher, a recepcionista Luciane de Santana Peres, 39 anos, e o filho, Sthefano Bruno Santana Ribeiro, 20. Como outras testemunhas, o eletricista contou que houve outros dois picos de energia durante o passeio. “O primeiro durou uns três segundos, e o segundo, em torno de cinco a 10 segundos. Depois, o barco começou a afundar”, relatou.
Segundo Cardoso, ainda no primeiro apagão, o piloto do Imagination, Airton Carvalho da Silva Maciel, 28 anos, desceu na casa de máquinas e identificou que a bomba estava desligada. Ele ativou o equipamento e voltou ao comando do veículo. Minutos depois, houve novo apagão. O comandante voltou ao local, mas a bomba estava tomada por água. Diante da situação, ele pediu pelo sistema de alto falante da embarcação que os passageiros fossem para a frente do barco. Em seguida, houve o  naufrágio.


APURAÇÃO
O que a polícia sabe até agora sobre o acidente.

Certezas
» Bombeiros e peritos da Polícia Civil encontraram rachaduras nos tubulões que sustentam a embarcação.
» O barco tinha capacidade para 92 pessoas, segundo a Marinha, e carregava mais de 100, de acordo com a polícia. Portanto, estava superlotado.
» Houve duas panes elétricas no Imagination durante pouco mais de uma hora e meia de passeio.
» Investigadores da Polícia Civil descartaram a colisão da embarcação com uma lancha. Não há qualquer sinal de batida no veículo menor.

Dúvidas
» Resta saber se a avaria no fundo do Imagination foi provocada antes, durante ou depois do início do trágico passeio.
» Passageiros afirmam que não existiam coletes salva-vidas para todos. O comandante garante que havia 110 equipamentos de segurança.


Tubulões podem desvendar mistério

» Helena Mader

A análise dos tubulões do Imagination deve trazer as respostas para o mistério que ronda o acidente. São esses compartimentos cheios de ar que mantêm as embarcações flutuando. Na última segunda-feira, mergulhadores do Corpo de Bombeiros verificaram que pelo menos um deles estava rachado. Para especialistas, essa informação pode ser a chave para desvendar as causas do naufrágio.
Em barcos grandes, como o Imagination, a Marinha exige que os tubulões sejam compartimentados (veja arte). Isso significa que a estrutura deve ser dividida em segmentos menores, sem comunicação entre eles. Dessa forma, se parte dela sofre danos, o ar permanece nas demais e a embarcação não afunda. Mesmo que não evite o acidente, o tubulão segmentado pode fazer com que o veículo naufrague bem lentamente, o que possibilita o resgate.
O Imagination foi construído há 14 anos na Associação Atlética do Banco do Brasil (AABB). Inicialmente, ele era menor e não havia o segundo andar. “A estrutura servia de apoio para as regatas, ficava no meio do lago. Tinha capacidade para apenas 22 pessoas”, conta o vice-presidente de Náutica da AABB, José Bandeira Neto, um dos responsáveis pela construção artesanal.
Depois de três anos de uso, a AABB vendeu a embarcação, que, posteriormente, foi reformada e aumentou a capacidade de passageiros. A equipe da AABB usou material de preço baixo, como chapas mais simples e baratas. José Bandeira afirma que não usou tubulões segmentados. “Quando fiz, eram só dois tubos separados e sem subdivisões.”
Mas, de acordo com a Marinha, o Imagination tem tubulões compartimentados. Essa é a informação que consta no projeto do barco registrado na Delegacia Fluvial de Brasília. “Só a perícia poderá mostrar como era a estrutura. No projeto, a vistoria indica a existência de tubulões com subdivisões”, garante o delegado fluvial Rogério Leite. A última vistoria no barco foi realizada em novembro de 2010, pela empresa Auto Ship, de Araçatuba (SP), cadastrada pela Marinha. O Correio procurou representantes da empresa, mas eles afirmaram que não têm autorização para falar sobre a vistoria.
O engenheiro naval Augusto Luiz Chagas diz que o casco de toda embarcação grande, como o Imagination, precisa ter compartimentos estanques. “Os catamarãs precisam dessas estruturas segmentadas. Se houver vazamento em algum deles, a embarcação não fica comprometida”, justifica o especialista.


Falta infraestrutura
Especialistas ouvidos pelo Correio afirmam que a ausência de um cais público com guichê, área de transição e fiscalização, além de um estaleiro para manutenção de barcos, contribui para a segurança deficiente no lago

Luiz Calcagno

A segurança da navegação e do turismo no Lago Paranoá esbarra na falta de infraestrutura portuária. A ausência de um cais público, que ordenaria o embarque de passageiros e os serviços prestados nas águas do lago, e de estaleiros, que reduziriam os custos de manutenção de embarcações, diminuem a eficácia da fiscalização da delegacia fluvial da Marinha. Essa é a visão de especialistas como o comandante da Marinha Mercante Tupac Petrillo, e do diretor náutico da Associação das Agências de Turismo Receptivo de Brasília (Abare), Edmilson Figueiredo.
Segundo Tupac, o mercado do turismo náutico cresceu muito nos últimos 20 anos, mas as políticas públicas na região não acompanharam esse avanço. “Não acho que falte fiscalização por parte da Marinha, mas há um abandono do setor por parte do Governo do Distrito Federal. Não há estaleiro para os barcos e não há uma marina pública para atracar e que possa receber o público de forma ordenada. Em uma cidade que vai sediar a Copa de 2014, já passou do tempo”, aponta.
Outro item apontado por Tupac como crítico para a segurança do Lago Paranoá é a falta de conscientização dos pilotos de lanchas e jet ski. Manobras arriscadas, barcos trafegando à noite sem iluminação e superlotação são alguns dos problemas a se enfrentar. Para ele, é preciso mais rigor na hora da punição. “A solução é parar mais barcos, multar, recolher arrais e até apreender embarcações, se for o caso”, pede.

Fiscalização
Na visão do diretor náutico da Abare, Edmilson Figueiredo, a fiscalização também precisa ser intensificada. Isso porque as cerca de 12 mil embarcações de esporte e recreio “contribuem para o aumento no risco de acidente”.
Ele entende que é preciso estabelecer um fórum de discussão sobre a segurança e o turismo náutico em Brasília. “É imperativo a necessidade de uma estrutura portuária para que esses passeios tenham o local de saída. A Concha Acústica deveria receber essa estrutura, que aumenta o poder de fiscalização e estabelece uma espécie de padronização dos serviços de cada embarcação. É necessária uma estrutura portuária com guichê, com área de transição, fiscalização. Com um barco saindo de cada marina, fica muito difícil o controle das autoridades”, explica.
O diretor da Abare afirma que o acidente no Lago Paranoá, no último domingo, mancha a imagem de Brasília. Na visão dele, é preciso, além dos investimentos, mais profissionalismo por parte dos empresários. “Temos que discutir a segurança, o respeito aos passageiros e a qualidade da prestação de serviço. É uma discussão envolvendo a sociedade e as autoridades em benefício da cidade”, declara.

Números
Segundo números da Marinha, o 7º Distrito Naval (DN), que compreende DF, Goiás e Tocantins, registrou oito acidentes envolvendo embarcações em 2009, nove em 2010 e, até maio de 2011, outros quatro. O 1º DN, que engloba o Rio de Janeiro, o Espírito Santo e parte de Minas Gerais, tem o maior número de registros, com 45, 62 e 16 em 2009, 2010 e 2011, respectivamente. Esse ano, em todo o Brasil, foram 54 acidentes.
O delegado fluvial Rogério Leite admite que a fiscalização no DF poderia ser mais robusta. Por isso, segundo ele, é importante transformar a delegacia em uma capitania dos portos. Ainda assim, ele defende que os trabalhos no Lago Paranoá atendem a demanda. “A fiscalização existe, mas não pode ser em 100% dos barcos, assim como o Detran não para 100% dos carros. Mantemos equipes fixas de, no mínimo, quatro pessoas, 24 horas por dia. Nos dias e horários de maior movimento, aumentamos esse efetivo, que pode chegar a 20 fiscais”, diz.
A Secretaria de Obras do GDF, por meio da assessoria de imprensa, informou que, além do píer da Concha Acústica, da Ermida Dom Bosco e do Pontão do Lago Sul, uma nova marina será inaugurada em julho, no Calçadão do Lago Norte.


CONGRESSO
Vitória dos ruralistas
Câmara aprova o novo Código Florestal, com anistia a desmatadores, e a emenda que transfere aos estados a regularização em áreas de preservação permanente. Projeto segue agora para o Senado, onde deve ser modificado

Ivan Iunes
Vinicius Sassine

O governo de Dilma Rousseff colheu a primeira grande derrota na Câmara dos Deputados com a aprovação do novo Código Florestal brasileiro por 410 votos favoráveis contra 63 votos. Para os ambientalistas, apoiados em boa parte pelo Palácio do Planalto, a legislação que segue para o Senado sacrifica 60 milhões de hectares de floresta brasileira, ou 103 áreas do tamanho do Distrito Federal, e não resolve as atuais mazelas da legislação brasileira do setor — como a necessidade de pagamento por serviços ambientais. Por outro lado, os ruralistas fecharam um ciclo de 12 anos, período em que os deputados passaram discutindo uma nova lei florestal e ambicionando retirar da ilegalidade cerca de 90% dos produtores brasileiros.
Embora tenha sido comemorado com ênfase pelos ruralistas, o texto aprovado pela Câmara dificilmente será promulgado pela presidente Dilma sem ser praticamente desfigurado. Estão no topo da lista de prováveis vetos dois artigos em especial: a dispensa de reserva legal para proprietários de até quatro módulos rurais de terra (entre 20 e 400 hectares, de acordo com o bioma); e a anistia aos agricultores que desmataram antes de julho de 2008 e que não precisarão mais recompor as áreas devastadas, caso não se cadastrem num programa de regularização ambiental.
Até a tarde de ontem, o Planalto ainda trabalhava para abrandar o acordo e chegou a ameaçar adiar a votação — desta vez por prazo indeterminado. Logo na primeira rodada de reuniões, o líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP), e o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), ouviram do ministro da Casa Civil, Antônio Palocci, que o governo era contrário ao relatório de Aldo Rebelo (PCdoB-SP), mas que aceitaria a aprovação da proposta com apenas duas alterações. A contrapartida era que a Câmara não votasse a Emenda nº 164, de autoria da própria base aliada com deputados da oposição — o plenário acabou aprovando o texto.
O remendo de última hora permitirá a anistia a quem desmatou ilegalmente antes de julho 2008. Durante as negociações, o Planalto informou que, com a aprovação da Emenda nº 164, a presidente deve avançar sobre pontos do texto de Rebelo. A emenda trouxe dois “retrocessos”, na visão do Planalto. Um é a permissão de “atividades agrossilvopastoris” em áreas de preservação permanente (APPs). A outra é a atribuição aos estados da responsabilidade pela regularização dessas áreas. Em reunião com oito ex-ministros do Meio Ambiente, que pediram o adiamento da votação, a presidente Dilma confirmou que manteria promessas de campanha e vetaria pontos do projeto que prejudicassem as áreas de reserva legal ou APPs.

“É uma vergonha”
O PT seguiu o governo e orientou a bancada a votar pela aprovação do relatório de Aldo Rebelo. Quanto à Emenda nº 164, o líder do partido, Paulo Teixeira (SP), recomendou o voto contrário — mesma posição do Planalto. Teixeira prometeu apresentar destaques ao texto aprovado justamente quanto aos pontos que devem ser vetados por Dilma: a anistia a desmatadores e a autorização de áreas consolidadas em APPs. Vaccarezza tentou convencer Paulo Teixeira a desistir das emendas. “Esse relatório ainda tem muitos problemas. E a Emenda nº 164 é uma vergonha”, disse o petista.
O governo chegou a propor a redução de APPs em pequenas propriedades, mas os ruralistas não aceitaram a proposta. Partidos da base aliada que apoiavam o relatório adiantaram ainda que votariam o texto de Aldo e as modificações temidas pelo Planalto, previstas na Emenda nº 164. “O governo chegou com uma proposta muito boa, mas agora é tarde demais”, disse Alves. Com a corda esticada, o Planalto autorizou Vaccarezza às 17h a conduzir a votação, mesmo com a derrota anunciada. O líder governista ligou para o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), que já havia até acenado com novo adiamento na votação e transmitiu a posição de Dilma.
Em uma sessão que durou mais de oito horas, o plenário teve desde o tradicional confronto de vaias e aplausos travados por ruralistas e ambientalistas, até as obstruções tentadas por PSol e PV. A resistência, no entanto, teve fim à 0h03, com a aprovação da Emenda nº 164 por 273 a 182, apesar dos pedidos de Vaccarezza pela rejeição da proposta. O ponto alto da discussão acabou sendo o discurso do líder governista, que criticou a postura do PMDB. Apesar de ter o vice-presidente da República, Michel Temer, o partido votou contra uma promessa assumida durante a campanha. Vaccarezza ainda atribuiu a Dilma uma frase em que classificava como uma “vergonha” a proposta aprovada pela Câmara. Irritado, o relator Aldo Rebelo interpelou Vaccarezza a confirmar se ela havia realmente classificado o texto com este teor. A defesa veio do líder do PT, Paulo Teixeira (SP). “Ainda que ela não tenha dito, eu digo que o projeto aprovado aqui é uma vergonha”, provocou.


Veto na mão de Dilma
Presidente pretende frear trechos considerados inaceitáveis, como a anistia a desmatadores

Leandro Kleber

A presidente Dilma Rousseff se prepara para vetar pontos do novo Código Florestal caso a proposta seja aprovada, no Senado, da maneira como saiu da Câmara. De olho na principal reunião mundial que o Brasil sediará sobre meio ambiente no ano que vem, a Rio 20, e o possível desgaste da imagem do país diante do aumento do desmatamento, Dilma demonstrou insatisfação com o projeto levado a plenário ontem, na Câmara.
Em reunião no Planalto com a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e oito ex-ministros da pasta, a presidente manifestou apreensão em relação a pontos considerados “inaceitáveis”. Entre eles está a anistia aos agricultores que desmataram até julho de 2008, a possibilidade de estados serem autônomos ao legislarem a respeito de meio ambiente e a ideia da ocupação pecuária em zonas de proteção dos rios. Dilma acredita ainda que o aumento do desmatamento está relacionado à possibilidade de flexibilização do novo Código Florestal.
Na reunião, a presidente falou sobre a possibilidade de veto à proposta do relator Aldo Rebelo (PCdoB-SP). “Se houver algum tipo de formulação que impeça veto parcial, (a presidente) poderia chegar até a um veto total. Mas ela não tem interesse nisso. Pelo contrário, existe a ideia dos poderes serem independentes e harmônicos. Mas cada um também tem, constitucionalmente, sua prerrogativa”, garantiu o ex-ministro Carlos Minc.
O ministro da Secretaria-Geral, Gilberto Carvalho, também confirmou que Dilma pretende vetar qualquer tipo de norma que trate de anistia para quem desmatou. “Se aprovado, será vetado pela presidente”, garantiu.
Na avaliação dos ex-ministros e da presidente Dilma, não é bom para o Brasil aprovar uma lei ambiental que anistie desmatadores e reduza áreas de preservação. O argumento é de que isso não é interessante nem para o agronegócio. “Internacionalmente, a reputação de irresponsável e de predador dos recursos naturais seria ruim para os ruralistas. Se isso acontecer, daremos um argumento extraordinário aos países que competem com a agricultura brasileira. Eles vão dizer que nossa agricultura só é capaz de concorrer por uma razão desleal, que destrói o patrimônio natural e ataca os próprios interesses da humanidade”, ressaltou Rubens Ricupero, ministro do Meio Ambiente no fim da gestão de Itamar Franco.
Apesar das manifestações discursivas do governo, os ambientalistas ainda desconfiam de que o Executivo seja contra a destruição ambiental. Para eles, a diferença entre intenção e atitude é relevante e deve ser levada em consideração nesse jogo político.

Compromisso
Os ex-ministros apelaram ainda para o que chamaram de promessa da campanha de Dilma Rousseff. Um dos compromissos assumidos pela petista no segundo turno das eleições presidenciais de 2010 — quando procurou o apoio de Marina Silva, do PV — era justamente não permitir alteração na lei ambiental que favorecesse o desmatamento. Eles avaliam que a presidente conhece bem a proposta do novo Código Florestal e que não vai permitir o aumento do desmatamento, principalmente agora, próximo da Rio 20.
Em 2012, o Brasil será sede da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que tem como objetivo engajar líderes mundiais com o desenvolvimento sustentável do planeta. O evento será realizado exatamente vinte anos depois da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92)



Disputa quente nas galerias
Manifestantes contrários e favoráveis ao código mediram forças no plenário e irritaram o presidente da Casa

Igor Silveira

Como era de se esperar, o clima entre ambientalistas e ruralistas ontem, durante o dia que marcou a votação do novo Código Florestal na Câmara, foi tenso. Apesar de uma quantidade de atos pró e contra o texto do deputado Aldo Rebelo menos expressiva que as registradas em ocasiões anteriores, a Esplanada dos Ministérios recebeu desde cedo diversas manifestações. O embate mais forte, no entanto, ocorreu na galeria do plenário, com representares de ambos os lados fazendo muito barulho e sendo chamados à atenção muitas vezes pelo presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS).
Pela manhã, cerca de 200 árvores na Esplanada e nos arredores do Congresso receberam mensagens escritas em cartolinas de apoio ao meio ambiente. A ação foi de autoria da organização não governamental WWF, contra o documento produzido por Aldo. Integrantes de outra organização ambientalista, o Greenpeace, acompanharam as diversas reuniões no Congresso e no Palácio do Planalto para pressionar os parlamentares contra o relatório apresentado.
Até a Central Única dos Trabalhadores (CUT) se envolveu na discussão com uma passeata, com direito a trio elétrico, pela Esplanada. Quando chegaram em frente ao Congresso, os manifestantes estenderam uma enorme faixa no gramado com a mensagem “Congresso, desligue as motosserras”. O ato foi logo repreendido por ruralistas, que ocupavam a entrada da Câmara.
Liderados pela senadora e presidente do órgão, Kátia Abreu (PSD-TO), integrantes da Confederação Nacional dos Agricultores (CNA) gritavam palavras de ordem em apoio ao texto de Aldo. À tarde, quando o plenário começou a ser preenchido por deputados, a galeria da Câmara ficou lotada. A maioria era composta por ruralistas, que viravam as costas e faziam sinal de negativo com as mãos durante discursos de deputados que criticavam o relatório do novo código florestal alegando que o meio ambiente seria prejudicado caso o texto fosse aprovado.

Barulho
Os manifestantes — tanto ambientalistas quanto ruralistas — em alguns momentos, vaiavam e aplaudiam os discursos dos deputados e Marco Maia ameaçou esvaziar as galerias. Apesar de estarem em minoria, os manifestantes contra o novo código eram os mais barulhentos. Por causa das interferências, parlamentares chegaram a perder a paciência.
“Esses são membros da CNA estão aqui porque foram convidados pela entidade para tomar café da manhã hoje”, provocou Ivan Valente (PV-SP). “Os discursos contra o texto de Aldo são feito por ambientaloides”, rebatiam parlamentares da bancada ruralista.
Irritado com as incontáveis discussões, Maia chegou a dizer que não importava quanto tempo a sessão durasse e que as votações ocorreriam mesmo durante a madrugada. “Estou adorando essa discussão de vocês, mas quero informá-los que colocarei a matéria em votação de qualquer maneira, mesmo às 3h”.


As negociações

9h — O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), foi ao Planalto com o líder do PMDB na Casa, Henrique Eduardo Alves. Encontraram Palocci para falar da votação.
10h — A senadora Kátia Abreu e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CAN) fazem manifestação pela aprovação do novo texto na Chapelaria do Congresso.
10h10 — Ex-ministros do Meio Ambiente se encontram com Dilma Rousseff no Palácio do Planalto acompanhados da atual titular da pasta, Izabella Teixeira. Participaram os ex-ministros Carlos Minc, Marina Silva, José Carlos Carvalho, Sarney Filho, Henrique Brandão Cavalcanti, Rubens Ricupero, Fernando Coutinho Jorge e Paulo Nogueira Neto.
11h — Vaccarezza é chamado novamente ao Planalto e escuta um último pedido de acordo do governo, referente à competência dos estados em programas de regularização.
12h — Vaccarezza e o ministro de Relações Institucionais, Luiz Sérgio, têm reunião com líderes e são informados de que não há chance de acordo sobre APPs.
12h30 — O presidente da Câmara, Marco Maia, declara que considera difícil votar o código até o fim do dia.
13h — Aldo Rebelo, relator do projeto, é chamado ao Planalto.
14h — Reuniões com líderes sela a votação do código, à revelia do governo. Ruralistas anunciam aceitar apenas a modificação no projeto que trata dos programas de regularização.
15h45 — Vaccarezza avisa Maia por telefone que o Planalto pediu que a votação aconteça até o fim do dia, sem obstrução.
16h — Aos petistas, o líder do governo garante o veto de Dilma a boa parte do texto.
18h — Reunião final de líderes acerta a votação.
18h30 — Tem início a sessão, com obstrução de PSol e PV.


AVIAÇÃO
Susto nas alturas
Aeronáutica investiga manobra de emergência feita na segunda-feira por um Airbus da TAM, que precisou sair da rota em virtude da aproximação de um monomotor.

Roberta Machado

O Comando da Aeronáutica iniciou ontem uma investigação sobre a manobra de emergência feita na noite de segunda-feira por um Airbus da TAM, próximo ao aeroporto de Brasília. O jato, que seguia o Voo JJ 3712, com origem no aeroporto de Congonhas (São Paulo), teve de sair da rota planejada depois que o sistema de segurança acusou a proximidade de um monomotor Piper Tupi P28A, às 20h48. O monomotor acabara de deixar Brasília e seguia em direção a Goiânia. As duas aeronaves chegaram a ficar a apenas 3,5km uma da outra, espaço inferior à distância mínima de segurança permitida, de 8km. O jato pousou às 20h59 no aeroporto de Brasília e nenhum passageiro ficou ferido.
Os motivos para a aproximação das aeronaves (veja arte) serão apurados pela Aeronáutica a partir do exame das gravações de radar e das conversas entre pilotos e comando. A investigação, que não tem prazo para ser concluída, deve ficar sob responsabilidade da Seção de Investigação e Prevenção de Acidentes do Controle do Espaço Aéreo (Sipacea), da Força Aérea Brasileira (FAB).
A Aeronáutica ressalta que a possibilidade de colisão entre os aviões nunca existiu. Segundo os técnicos, a manobra realizada é comum, e os cerca de 140 passageiros a bordo do Airbus não sofreram risco de vida. “As aeronaves não estavam em rota de colisão, uma vez que a separação lateral entre elas era de mais de 3km em rumos paralelos”, afirmou a Aeronáutica, por meio de nota assinada pelo brigadeiro do ar Marcelo Kanitz Damasceno. A TAM limitou-se a informar, também por meio de nota, que o comandante do avião seguiu integralmente os protocolos de segurança.

Desvio
O monomotor, que pertence a uma escola de Aviação em Anápolis (GO), era tripulado por dois pilotos. O comandante afirmou que, quando retornava de Brasília, solicitou permissão do controle de voo para subir a 10 mil pés e teve o pedido concedido. Enquanto fazia a rota autorizada, ele teria sido informado da presença do jato. “No momento em que cruzávamos 9 mil pés, escutamos a chamada do piloto da TAM ao controle reportando que havia detectado um tráfego próximo”, explicou o piloto, que não quis se identificar.
Pouco depois, o sistema de aviso anticolisão do monomotor também alertou sobre a proximidade entre as duas aeronaves e o piloto avistou o Airbus aproximando-se em sentido oposto. “A aeronave estava de fato próxima, porém não em rota de colisão. Ela iria cruzar à nossa direita”, disse o piloto. Somente então, o controle de voo entrou em contato com ambas as aeronaves e orientou-as a fazer um desvio para manter a distância apropriada. O monomotor continuou a subir, mas desviou cerca de 5 quilômetros à direita de seu caminho.
A Aeronáutica e a TAM não informaram a manobra que o jato usou para se distanciar do avião menor. Mas, para o piloto do monomotor, a presença de nuvens na rota do Airbus pode ter causado uma possível manobra brusca feita pelo jato. “No momento em que avistamos o Airbus, ele havia entrado em nuvens. Acredito que eles ficaram mais preocupados porque não tinham visual com a gente”, disse o piloto, segundo o qual as aeronaves não enfrentaram problemas de comunicação.

Alerta eficiente
O Traffic Collision Avoidance System (sistema de proteção contra colisão de tráfico), ou TCAS, é um equipamento de segurança que evita colisões entre aeronaves. Essa máquina monitora o espaço aéreo ao redor do avião, em busca do sinal do transponder de outras aeronaves. Quando um avião invade o perímetro de segurança do outro, o aparelho emite um alerta e calcula sua localização. O monomotor que cruzou com o airbus, no entanto, usava um PCAS, versão portátil do TCAS. O alcance desse equipamento é mais limitado, razão pela qual o piloto do avião menor demorou mais para notar a presença do jato que o comandante do Airbus da TAM.





MEMÓRIA
Más condições

Em 29 de setembro de 2006, o Boeing 737 da Gol “sumiu” dos radares do sistema de controle de tráfego aéreo antes de chegar a Brasília. A aeronave, que partiu de Manaus (AM), havia colidido com um jato Legacy da empresa norte-americana ExcelAire e caiu na Floresta Amazônica, em Mato Grosso. Ao todo, 154 pessoas morreram no acidente. Foram necessárias semanas para o resgate dos corpos. Além de Joseph Lepore e Jan Paul Paladino, pilotos do Legacy, foram indiciados os controladores de tráfego aéreo Jomarcelo Fernandes dos Santos e Lucivando Tibúrcio Alencar. O acidente deflagrou a pior crise no sistema aéreo brasileiro, com a revolta dos controladores, que denunciaram péssimas condições de trabalho e falhas graves na segurança de voo do país. Os dois pilotos americanos do jato Legacy foram condenados em 16 de maio deste ano a quatro anos e quatro meses de prisão pelo crime de atentado contra a segurança do transporte aéreo. Eles devem cumprir a pena em regime semiaberto e terão os documentos de habilitação para voo suspensos.


DEU NO WWW.CORREIOBRAZILIENSE.COM.BR

Voo 447: 27 corpos resgatados
Desde sábado, os restos mortais de 27 pessoas que estavam no avião da Air France que caiu em maio de 2009 foram retirados do Oceano Atlântico, segundo um comunicado do governo francês repassado aos familiares das vítimas. Ainda de acordo com o documento, a equipe a bordo do navio Ile de Sein está focada na recuperação dos corpos. Também foi prometido que informações preliminares sobre a investigação do acidente serão divulgadas na próxima sexta-feira. Jornais da Alemanha e dos EUA vêm publicando matérias apontando os pilotos como os culpados pela queda da aeronave.

NAS ENTRELINHAS
Por Alon Feuerwerker

O filtro necessário
O olhar externo não é em princípio bom ou mau. Tampouco é neutro. É importante ouvir as ponderações alheias, mas é também obrigatório diagnosticar os interesses que as movem. E é legítimo passar cada observação externa pelo filtro do interesse nacional. O debate em torno do Código Florestal carrega pelo menos dois méritos. O primeiro é recolocar o Congresso Nacional no palco das discussões estratégicas. O segundo é ter trazer à luz um tema quase banido: a soberania nacional. Começando pelo princípio. Os países têm direito à autodeterminação. E pagam pelas suas decisões diante dos demais países. Recentemente, a civilização produziu instâncias governativas planetárias, que entretanto não são neutras. Muito menos consensuais ou inimputáveis. Os órgãos multilaterais não são preenchidos por pessoas de Marte ou de Plutão. Quem está na ONU, no Banco Mundial, no FMI ou na OEA é gente que veio de países do planeta Terra. E que portanto traz consigo uma visão, uma missão, um viés.
De vez em quando, alguém nomeado pela ONU para determinada tarefa emite uma opinião, ou conclusão, e imediatamente a parte passa a representar o todo. E tome manchete de jornal dizendo que “a ONU” proferiu tal ou qual sentença. Que é naturalmente definitiva. Afinal, quem está acima da ONU? Ninguém. E uma atitude individual adquire ares de verdade universal. Aliás, nem a posição da maioria dos países pode, tecnicamente, ser considerada “posição da ONU”. A entidade tem seus mecanismos de regulação, o mais notório deles é o Conselho de Segurança, onde cinco dos maiores vencedores da Segunda Guerra Mundial possuem poder de veto. Eis também por que não basta ao Brasil ser membro, nós queremos uma vaga no CS. E faz sentido, afinal somos sócios do restritíssimo clube de nações que exibem simultaneamente massa crítica em população, território e economia.
Talvez o mais saudável seria o conjunto dos organismos multilaterais receberem a mesma carga de desconfiança que é despejada sobre o Fundo Monetário Internacional (FMI). Aliás, a crítica às políticas do Fundo tem sido útil aos países, para seguir ou não as receitas. Temos os nossos problemas, mas quem não os tem? E pelo jeito estamos tratando de resolvê-los. Agora mesmo o governo tomou uma decisão sábia. Estabeleceu uma política para estimular os fabricantes de tablets a produzirem aqui no Brasil, e com medidas de estímulo ao uso crescente de componentes nacionais.
Esperam-se ainda os resultados efetivos, mas a sinalização e o caminho aberto são excelentes. É um bom sinal. Mostra que não estamos acomodados ao conforto proporcionado pela demanda de commodities. E pela abundância de dinheiro que vem para cá em busca das maiores taxas de reprodução do planeta. Outro dia, o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, resumiu bem o desafio. Nossa situação é confortável. Se quisermos seguir exportadores de primários, há mercado. Viveremos com tranquilidade a curto e talvez a médio prazos.
O problema, lembrou ele, está no futuro. Só há futuro soberano para países que invistam decisivamente em formar sociedades do conhecimento. E isso não se faz sem indústria, sem forte agregação de valor. É importante o Brasil ouvir as opiniões externas, vivemos todos no mesmo planeta. E mesmo da crítica mais absurda pode-se tirar algo útil. Mas é complicado querer anular nossa soberania com base nas supostas responsabilidades que temos com o conjunto da humanidade.
O Brasil é um país excessivamente preocupado com o que se diz de nós “lá fora”. Reportagens favoráveis publicadas em veículos de prestígio do chamado Primeiro Mundo têm o poder de provocar frêmitos de prazer, enquanto as negativas desencadeiam surtos de pânico. Ou de alegria nos críticos. Menos. Talvez seja o caso de adotar algum equilíbrio diante do olhar externo. Ele não é em princípio bom ou mau. Tampouco é neutro. É importante ouvir as ponderações alheias, mas é também obrigatório diagnosticar os interesses que movem esse olhar. E é legítimo passar cada observação externa pelo filtro do interesse nacional. Coisa que andava meio fora de moda, infelizmente.


NATUREZA EM FÚRIA
Vulcão cancela 500 voos na Europa
Nuvem de cinzas expelida pelo Grimsvötn, na Islândia, fecha aeroportos do norte da Alemanha. Geóloga acredita que o continente está mais preparado para lidar com o fenômeno

Renata Tranches

Pouco mais de um ano depois, a Europa volta a viver os transtornos aéreos provocadas por uma erupção vulcânica. Ontem, 500 dos cerca de 29 mil voos diários do Velho Continente foram cancelados por conta da nuvem de cinzas expelida pelo vulcão islandês Grimsvötn. Milhares de passageiros ficaram em aeroportos da região norte. Apesar do temor da repetição de um caos, autoridades e especialistas garantem que a Europa está mais preparada para lidar com o problema desta vez.
O cancelamento dos voos foi anunciado pela Organização Europeia para a Segurança da Navegação Aérea (Eurocontrol), que classificou o impacto sobre os voos de “relativamente baixo”. O organismo informou haver uma “forte possibilidade” de que a nuvem de cinzas atinja hoje a Dinamarca, o sul da Noruega e o sudoeste da Suécia. “A nuvem já chegou à Escócia e à Irlanda do Norte”, explicou Brian Flynn, chefe de operações do órgão, à agência France-Presse. As autoridades alemãs de segurança aérea anunciaram o fechamento dos aeroportos do norte da Alemanha a partir das 5h local (zero hora em Brasília) de hoje. Ontem, a coluna de cinzas se concentrava sobre a região norte do Reino Unido e, no dia anterior, obrigou o presidente norte-americano, Barack Obama, a antecipar sua saída da Irlanda rumo a Londres.
A Comissão Europeia (CE) previu uma semana difícil para os europeus que viajarem de avião, mas anunciou que não estava pressuposto o fechamento de uma grande área do espaço aéreo. Apesar do incômodo para os passageiros impedidos de se deslocar, a situação criada pela erupção do Grimsvötn não se compara com a do Eyjafjallajökull, que em abril do ano passado interrompeu o tráfego aéreo na Europa por uma semana. Na ocasião, a normalidade dos voos levou pelo menos um mês para ser restabelecida e os prejuízos para a União Europeia oscilaram entre US$ 5 bilhões e US$ 10 bilhões.

Segurança
A geóloga portuguesa Teresa de Jesus Lopes Ferreira, coordenadora do Observatório Vulcanológico e Sismológico da Universidade dos Açores (Portugal), que auxilia no monitoramento das atividades vulcânicas na Europa, afirmou ao Correio que a sociedade está mais apta a lidar com os problemas causados pelas cinzas vulcânicas ao espaço aéreo. “Tem havido uma resposta bastante adequada por parte de todos em reorganizar suas vidas diante da possibilidade de a Europa ficar com seu espaço aéreo contaminado”, disse.
Um aspecto importante que a geóloga destaca na comparação entre as situações do ano passado e deste ano é que, diferentemente do que foi feito antes, as aeronaves podem voar mesmo que
haja um nível baixo de contaminação do ar. Mas, para isso, precisam apresentar um plano de segurança para o voo, caso surjam problemas. “Antes, bastava que houvesse alguma contaminação que já não era recomendado que as aeronaves voassem nessas áreas”, ponderou.
O contato das partículas expelidas pelo vulcão com as turbinas pode causar danos às aeronaves. Em pelo menos quatro episódios no passado, situações como essa levaram ao desligamento dos motores e por pouco não provocaram tragédias. Teresa esclareceu que o vulcão Eyjafjallajökull tinha características diferentes das do Grimsvötn. O primeiro, por conta do contato da água derretida da sua superfície com o magma, apresentava uma erupção mais explosiva e, por isso, sua coluna de cinzas alcançava maiores altitudes. O fenômeno não ocorre com o segundo.
Uma informação animadora da Agência de Meteorologia Islandesa apontou que a nuvem de cinzas continuou diminuindo durante a madrugada de ontem. A agência também estimou que a erupção poderia terminar antes do fim de semana. “Já não é perigoso para o tráfego aéreo. O único perigo agora vem das cinzas velhas”, destacou o porta-voz das autoridades islandesas Thorir Hrafnsson, à France-Presse.

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