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segunda-feira, 23 de maio de 2011

22 de maio de 2011 - ESTADO DE SÃO PAULO


MEIO AMBIENTE
Documento liga Código Florestal a aumento de desmate na Amazônia
Ofício enviado pelo secretário do Meio Ambiente de MT ao gabinete de crise afirma que reforma do Código alimentou expectativa entre proprietários de terra de que não seriam concedidas novas autorizações para desmate e responsáveis seriam anistiados

Marta Salomon - O Estado de S.Paulo

O aumento do ritmo das motosserras na Amazônia está relacionado à reforma do Código Florestal em discussão no Congresso Nacional. É o que afirma documento oficial submetido ao gabinete de crise criado nesta semana pelo governo federal para combater o desmatamento na Amazônia.
Ofício assinado pelo secretário do Meio Ambiente de Mato Grosso, Alexander Torres Maia, relata que o Código Florestal criou a expectativa entre proprietários de terra de que não seriam concedidas novas autorizações para desmatamento. Outra expectativa criada foi de que os responsáveis seriam anistiados. O Estado lidera o ranking dos que mais derrubam árvores.
"Não há como negar a forte vinculação entre o desmatamento e os processos de discussão da legislação ambiental", diz o ofício ao qual o Estado teve acesso. O documento faz referência ao Código Florestal e ao Zoneamento Econômico Ecológico de Mato Grosso. À reportagem, o secretário confirmou o vínculo.
Procurada pelo Estado, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, confirmou o recebimento do ofício. Ao anunciar que as áreas de alerta de desmate produzidas por imagens de satélite haviam mais do que quintuplicado em março e abril, em relação ao mesmo período de 2010, Izabella preferiu não apontar eventuais responsáveis. Caberia ao gabinete de crise, segundo ela, identificar as causas.
Nos nove primeiros meses (de agosto a abril)de coleta da taxa anual de desmatamento de 2011, o ritmo de abate das árvores cresceu 27%, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O governo tem menos de três meses para evitar uma taxa anual maior que a de 2010. Na quinta-feira, o relator da reforma do Código, deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), atribuiu o aumento do desmatamento à "ineficácia" da fiscalização. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) chegou a negar que o desmatamento tivesse aumentado.
Mato Grosso concentrou 81% dos 593 km2 do desmate registrado pelos satélites em toda a Amazônia em março e abril. As motosserras funcionaram num ritmo que não era visto lá desde agosto de 2008, segundo levantamento do Ibama, e se concentraram numa área correspondente a 15% dos municípios do Estado.
Além de rápido, o desmatamento mudou de perfil. "Os últimos dados mostram uma retomada dos grandes desmatamentos, com até 17 quilômetros de extensão", diz o documento assinado pelo secretário do Meio Ambiente de Mato Grosso.
Segundo ele, o Estado já aplicou R$ 42 milhões em multas neste ano e vai suspender o Cadastro Ambiental Rural dos proprietários rurais responsáveis por desmatamento irregular.

Proprietários. Na lista de proprietários encaminhada ao gabinete de crise há três representantes da família Predeschi, moradora de Ribeirão Preto (SP). Procurada, a família afirmou ter vendido as terras para Áureo Carvalho Freitas, de Rio Verde (GO). "Nunca houve desmatamento lá, não sei por que o satélite apontou isso. É uma inverdade", reagiu Freitas. "O último desmatamento nas terras aconteceu em 2005 e foi feito com autorização", alegou. O gabinete de crise dispõe de imagens de satélites desde o início dos anos 80 e tem como identificar a época em que houve o abate das árvores.

PARA ENTENDER
A votação do novo Código Florestal foi adiada três vezes por divergências entre o relator Aldo Rebelo (PC do B-SP), o Executivo e parlamentares. O Código deve ser votado nesta terça-feira, mas com emenda que desagrada o governo, proposta pelo PMDB. Ela valida as plantações feitas até 22 de julho de 2008 em Áreas de Preservação Permanente (APPs), como várzeas, encostas, topos de morro e matas ciliares.
O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), afirmou que a presidente Dilma Rousseff poderá vetar parte ou até integralmente o novo Código.




Mais sete cidades entrarão na lista negra do desmate
Alguns dos municípios que passarão a integrar a relação dos que mais destroem mata nativa no País estão em MT, AM, PA e MA

Marta Salomon - O Estado de S.Paulo

O município Alto Boa Vista, em Mato Grosso, recordista no desmatamento recente, será a primeira cidade do País a integrar a nova lista de áreas críticas de avanço das motosserras. Lá e em outros locais onde há desmate descontrolado ficarão suspensas novas autorizações para o corte de vegetação nativa, além de demais punições aos destruidores de florestas, como o embargo da produção e multas.
Entre agosto do ano passado e abril deste ano, apenas esse município teria desmatado uma área de cerca de 98 quilômetros quadrados de vegetação nativa, segundo dados de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Alto Boa Vista superou Nova Ubiratã, no mesmo Estado, que teve 86 quilômetros quadrados de novos desmatamentos detectados, mas já faz parte da lista de 41 municípios sob fiscalização.
O Estado obteve os nomes de sete dos municípios que serão incluídos na lista dos maiores desmatadores. Quatro deles ficam em Mato Grosso: além de Alto Boa Vista, fazem parte da lista Cláudia, Santa Carmem e Tapurah. A relação de municípios desmatadores também incluirá Boca do Acre, no Amazonas; Moju, no Pará; e Grajaú, no Maranhão.
O Ministério do Meio Ambiente analisa a inclusão de outros cinco municípios na lista dos maiores desmatadores. Na quinta-feira passada, a ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) indicou que a lista passaria a contar com 50 municípios, mas esse número ainda pode subir.

Causas variadas. O perfil de produção dos municípios que mais desmatam não indica uma causa única para o avanço das motosserras. Alto Boa Vista, por exemplo, é dominado por pastagens. Nova Ubiratã é área de produção de soja.
"Não gosto de indicar os produtores como responsáveis, porque detectamos um grande desmatamento em Nova Ubiratã em imóvel cujo proprietário mora em Curitiba (PR) e não produz nada", disse o secretário de Meio Ambiente do Mato Grosso, Alexander Torres Maia. "É um desmatamento especulativo, para aumentar o valor das terras na expectativa de uma Anistia", completou.
Em documento encaminhado ao gabinete de crise do governo, o secretário afirma que produtores rurais foram influenciados a realizar desmatamentos ilegais por conta da discussão da reforma do Código Florestal, assim como das novas regras ambientais fixadas no Estado de Mato Grosso.
No município de Querência, o prefeito Fernando Gorgen contesta os dados dos satélites. "Aqui houve um pequeno desmatamento em assentamento, o resto é conversão de pastagem degradada em lavoura", alega. Querência deixou em abril a lista dos municípios que mais desmatam, depois de ter 80% de seu território monitorado por meio de Cadastro Ambiental Rural. "Fizemos muito para sair dessa lista, ninguém quer ficar na ilegalidade", disse o prefeito.


POLÍTICA
Crise com Palocci expõe ausência de regras anticorrupção
À exceção da Ficha Limpa e da punição à compra de votos, Congresso pouco fez para criar legislação relacionada ao conflito de interesses públicos e privados; das cinco propostas enviadas pelo Executivo desde 2005, só uma tem chance de virar lei

Daniel Bramatti e José Roberto de Toledo - O Estado de S.Paulo

A polêmica em torno do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, que após deixar o governo Luiz Inácio Lula da Silva e já eleito deputado em 2006 utilizou a empresa Projeto para prestar serviços de consultoria a clientes, chama a atenção para o vácuo legal em torno das situações de conflitos entre os interesses públicos e privados.
Segundo o ministro Jorge Hage, da Controladoria Geral da União (CGU), o Congresso não dá "nenhum sinal de disposição" de votar três projetos relacionados ao tema: tornar crime o enriquecimento ilícito de agentes públicos, definir situações em que há conflito de interesses públicos e privados e ampliar a punição a servidores envolvidos em irregularidades.
As três propostas, apresentados em 2005, 2006 e 2009, respectivamente, estão entre as centenas de projetos à espera de votação na Câmara. Se isso ocorrer um dia, e se forem aprovados, esses textos ainda entrarão na fila de propostas a serem analisadas pelo Senado.
Os exemplos de agilidade dos parlamentares para analisar projetos anticorrupção talvez se esgotem com a aprovação, no ano passado, da Lei da Ficha Limpa, após nove meses de tramitação. Em 1999, o Congresso foi ainda mais rápido - menos de dois meses - ao dar aval a um projeto que punia a compra de votos em eleições. E foi só.

Quarentena. Em relação aos funcionários de carreira do Executivo, uma regulamentação poderia estar em vigor se a tramitação de um projeto encaminhado pelo governo não tivesse sido barrada em 2008 pelo deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). A proposta proibia que servidores de alto escalão, inclusive ministros, tirassem licença não remunerada para prestar consultoria privada e ampliava de quatro meses para um ano o período de espera para um ex-servidor exercer função que entre em conflito com o interesse público.
Na época, Maia apresentou um recurso para levar a discussão do projeto para o plenário da Câmara, em vez de aprová-lo apenas nas comissões, o que era permitido pelo regimento. Desde então, a tramitação está suspensa. Consultado pelo Estado, o deputado disse que atendeu a pedidos de servidores, preocupados com a possível extensão da quarentena.

Atenção. Propostas moralizadoras apresentadas por deputados e senadores raramente chegam a ser votadas. E, dos cinco projetos encaminhados pelo Executivo nos últimos seis anos, com pedido de prioridade, apenas um tem chances de se transformar em lei em um futuro próximo - ainda assim, após o prazo previsto.
Segundo Hage, apenas duas das propostas do Executivo têm recebido a "atenção necessária" dos congressistas. A primeira é o projeto da Lei de Acesso à Informação Pública, que já passou pela Câmara e espera aprovação final no Senado. A segunda é a que abre a possibilidade de punir, com sanções patrimoniais, empresas envolvidas em fraudes em licitações e contratos com o poder público.
A criação de instrumentos legais para punir pessoas jurídicas envolvidas em irregularidades é um dos compromissos assumidos pelo Brasil em acordo com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que reúne 34 países. "Hoje não há possibilidade de alcançar o patrimônio das empresas", disse o ministro.
Apesar de Hage estar satisfeito com o andamento da proposta na Câmara, o fato é que ela está há mais de um ano parada, à espera da nomeação de uma comissão especial de deputados.
No caso da legislação que definirá regras para o acesso a dados e documentos públicos, a expectativa do governo de aprová-la até 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, foi frustrada pela resistência do senador Fernando Collor (PTB-AL), que, como presidente da Comissão de Relações Exteriores, travou a tramitação nessa instância. O ex-presidente da República discorda do fim do sigilo eterno para documentos confidenciais.

PONTOS-CHAVE
Propostas na fila de votação

Enriquecimento ilícito de agentes públicos
Apresentado em 2005
Estabelece pena de prisão para servidores que adquiram bens incompatíveis com sua renda
Aprovado em duas comissões da Câmara, está desde 2007 pronto para votação no plenário

Conflito de interesses
Apresentado em 2006
Regulamenta os casos em que há conflito de interesses públicos e privados envolvendo servidores do Executivo. Amplia para um ano o período de quarentena no qual ex-servidores não podem prestar serviços para empresas com interesses no governo
Votação em comissão da Câmara foi barrada por recurso da oposição, pendente de julgamento desde 2008

Acesso a informações públicas
Apresentado em 2009
Obriga órgãos públicos a cumprir requerimentos de informações feitos por cidadãos ou empresas e estabelece prazos máximos para o sigilo de documentos confidenciais
Já foi aprovado pela Câmara, e há um mês está na Comissão de Relações Exteriores do Senado, que ainda não designou relator para o projeto

Corrupção como crime hediondo
Apresentado em 2009
Amplia a pena de prisão em casos de peculato, concussão e corrupção quando o agente for servidor público
Logo depois de chegar ao Congresso, a proposta foi anexada a outro projeto, que desde 2009 está pronta para votação no plenário da Câmara, mas que tem pareceres contrários de duas comissões temáticas

Responsabilização de pessoa jurídica
Apresentado em 2010
Regulamenta a punição, com sanções patrimoniais, a empresas envolvidas em corrupção e fraudes em licitações e contratos com órgãos públicos
Está na Câmara há mais de um ano, mas a Mesa ainda não formalizou a criação da comissão especial de parlamentares que analisará a proposta


FORÇA AÉREA
Carla, a primeira brasileira a pilotar um caça a jato
Aos 28 anos, tenente-aviadora da FAB realiza sonho de infância, quando pedia à família para ir ver os aviões no aeroclube de Jundiaí

Bruno Boghossian - O Estado de S.Paulo

De todos os pilotos de combate de primeira linha da Força Aérea Brasileira (FAB), a tenente-aviadora Carla Alexandre Borges é a única que ajeita os brincos e prende o cabelo ao tirar o capacete depois de um voo. No início do mês, aos 28 anos, a paulista de Jundiaí se tornou a primeira mulher brasileira a assumir o comando de um caça a jato, realizando um sonho que tinha desde a infância, quando pedia que a família a levasse para ver os aviões no aeroclube da cidade.
"Minha tia me levava para feiras de aviação desde que eu tinha cinco anos e eu pedia para ver os aviões no aeroporto nos fins de semana", conta ao retornar de um voo de instrução de combate na Base Aérea de Santa Cruz, na zona oeste do Rio. "Meu quarto era cheio de pôsteres e miniaturas de aviões. Quando eu pilotei sozinha um caça a jato pela primeira vez, realizei um sonho."
Até o início de outubro, Carla deve concluir o curso de aviação de caça de primeira linha, como são classificadas as aeronaves A-1 - especializadas em ataques a alvos em solo, com velocidades de até 900 km/h e capazes de carregar mísseis e munição 30 mm. Com uma preparação de oito anos em quatro cidades, conquistou a função de líder de esquadrão de caça.
"Os únicos tratamentos diferentes que ela recebe são um vestiário e um banheiro próprios", declara o Major Martire, subcomandante do esquadrão de que Carla faz parte. A piloto confirma que recebe a mesma cobrança que seus colegas homens, apesar dos brincos de brilhantes que usa debaixo do capacete.
"Mesmo sendo um ambiente masculino, eu não perco a feminilidade", diz, rindo. "Eu recebo um tratamento profissional tanto no voo como no solo e me sinto como qualquer outro piloto em formação." Carla fez parte da primeira turma da Academia da Força Aérea que passou a aceitar mulheres entre seus integrantes. Em 2002, desistiu de tentar ingressar no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), passou no concurso da Academia da Força Aérea (AFA) e mudou-se para Pirassununga, a 160 km de Jundiaí.
"Eu fazia cursinho para entrar no ITA porque eu queria fazer engenharia aeronáutica, mas quando abriram concurso para mulheres na AFA, prestei e passei para a primeira turma", conta. "Foram 20 mulheres na minha turma. Onze se formaram e três escolheram pilotar caças."

Solo. Cerca de 100 aviadores se formam por ano na AFA. Carla passou quatro anos em Pirassununga, onde pilotou o Neiva T-25 e o T-27. Das três mulheres que pilotam caças na FAB, Carla foi a primeira a realizar voos solo com aeronaves a jato, "considerados aviões de primeira linha". As outras duas pilotos comandam turboélices Super Tucanos, em Campo Grande.
"Voar em um caça a jato dá uma sensação enorme de liberdade. Eu estava muito ansiosa, porque batalhei muito, me preparei e me dediquei para chegar até lá", diz Carla.
Pilotos de aeronaves de primeira linha participam de treinamentos intensos e constantes, com o objetivo de aperfeiçoar manobras, reflexos e rotas. Aviões potentes, como o A-1, exigem planejamento detalhado antes de cada voo, pois a velocidade exige decisões rápidas de seus comandantes, que são inundados por adrenalina durante os voos e chegam a enfrentar uma força G (provocada pela aceleração da aeronave) que chega a 6 vezes o peso do próprio corpo.

Vocação
CARLA ALEXANDRE BORGES - TENENTE-AVIADORA

“Minha tia me levava para feiras de aviação desde que eu tinha cinco anos e eu pedia para ver os aviões no aeroporto nos fins de semana”

“Voar em um caça a jato dá uma sensação enorme de liberdade. Eu estava muito ansiosa, porque batalhei muito, me preparei e me dediquei para chegar até lá”


COPA 2014
Obras da Copa de 2014 desalojam 65 mil pessoas no País
Sem diálogo com governo, ameaçados pelo Mundial temem futuro pior que o presente

Almir Leite - O Estado de S.Paulo

"Muitos vão sorrir, mas alguns vão chorar." O presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, recorre a esta frase sempre que fala sobre o impacto que a arena do clube terá para Itaquera. O riso virá das oportunidades que o estádio paulistano da Copa de 2014 proporcionará a quem vive na região. O choro fica por conta do "preço a pagar pelo desenvolvimento"". Nessa situação estão pelo menos 5.200 pessoas, ameaçadas de despejo para obras no entorno do estádio. É um risco que aflige outras 60 mil pessoas em várias sedes do Mundial, Em São Paulo, moradores de duas comunidades próximas da Arena do Corinthians, as favelas da Paz e da Fatec (também conhecida por Agreste de Itabaiana), estão apreensivas. Temem que o futuro seja ainda pior que o presente.
Na Favela da Paz, a menos 500 metros da futura arena, reclamam da falta de diálogo do poder público. "Estou aqui há 16 anos, já perdi dois barracos em incêndios e ninguém me ajudou a reconstruir"", diz Diana do Nascimento, mãe de 4 filhos e que os vizinhos garantem ser a mais antiga moradora do local. "Agora que vai ter Copa, chegam aqui e dizem que temos de sair. Falam que é por causa do córrego (Rio Verde), mas não para onde vamos.""
A Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente confirmou, em nota, que há várias obras previstas na segunda fase das obras do Parque Linear Rio Verde (que o governo admite fazer parte dos projetos da Copa) e que "a área está em fase de desapropriação, pois contava com moradias na área de preservação permanente"". A nota não esclarece se será oferecido algum tipo de benefício aos atuais moradores. A Secretaria Municipal de Habitação diz só realizar realocação de famílias nas áreas em que fará obras de urbanização. Na Favela da Paz, a execução dos projetos está prevista para o período entre 2013 e 2017.
Distante cerca de 3 km do Itaquerão, a Favela da Fatec (na avenida Águia de Haia, em frente ao terminal AE Carvalho), já teve 82 das cerca de 800 famílias removidas - as que ficam à beira do córrego. A retirada de outras 52 está sendo preparada. "A avenida pode servir de passagem para quem vai para o estádio. Acho que fica feio para quem vem do estrangeiro ver uma favela no caminho"", diz a doméstica Andrea Cristina Gonçalves. "Eles pagam R$ 4,3 mil para a família e ela tem se virar para arrumar lugar para morar. Esse dinheiro dá para quê? E não falam em dar um terreno para a gente, em colocar em apartamento da CDHU"", critica.
A CDHU explica que as famílias foram retiradas a pedido da Prefeitura porque estavam em área de risco e não por causa da Copa, mas diz que, além dos R$ 4,3 mil dados a elas, foi firmado compromisso de "futuro atendimento habitacional definitivo"". A Secretaria do Verde informa apenas que o Parque Linear Ponte Rasa está em fase de estudos.

Aflição comum. Sair do local onde moram e receber indenização baixa é drama que se repete em outras cidades, como Belo Horizonte. "Só dá para comprar casa na periferia, mas a gente trabalha perto do centro"", reclama a diarista Patrícia Venâncio, moradora do Recanto UFMG (70 famílias serão atingidas), que não sabe para onde irá com os pais e dois irmãos.
A prefeitura discorda. Alega pagar R$ 30 mil por família removida, mais indenização com base em benfeitorias, além de dar opção para escolha de mudança para apartamentos do programa habitacional Vila Viva.
Em Cuiabá, as desapropriações atingirão moradores e comerciantes, afetando cerca de 5 mil pessoas. Os lojistas temem receber "ninharia"" e não ter como tocar a vida. "Vamos definir os valores com laudos técnicos em mãos"", diz Djalma Mendes, secretário da Agecopa, que cuida de assuntos referentes ao Mundial./ COLABORARAM MARCELO PORTELA E FÁTIMA LESSA


ONU critica a falta de diálogo e transparência
Relatora para o direito à moradia do órgão diz que remoções são tratadas com descaso, o que pode afetar imagem do Brasil

Almir Leite - O Estado de S.Paulo

Falta de transparência, de diálogo e de negociações justas. Esses são alguns dos problemas que estão ocorrendo nos processos de desapropriações e remoções de pessoas por conta das obras para a Copa do Mundo de 2014 em várias cidades do Brasil. A avaliação é da relatora especial para o direito à moradia da ONU, Raquel Rolnik. No fim de abril, ela divulgou relatório sobre violações nessa área em que demonstrava preocupação com a maneira como o tema vem sendo tratado.
"Percebo certa negligência, em função da preocupação em realizar as obras rapidamente"", disse Raquel ao Estado. "É possível fazer (as obras) com agilidade, mas também com respeito e responsabilidade, nos três níveis de governo.""
A relatora lembra que o Brasil é defensor dos direitos humanos e enfatiza: "Os olhos do mundo estão voltados para o Brasil não apenas para ver se o País é capaz de organizar uma grande Copa, mas também pela maneira como fará isso"".
No entanto, ela deixa transparecer ceticismo sobre a atitude a ser tomada pelos governantes. Diz que, após a divulgação de seu relatório, recebeu apenas duas manifestações, com visões completamente opostas. "Recebi um telefonema da Maria do Rosário (Nunes, ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos), que me falou da criação de um grupo de trabalho para acompanhar o tema, o impacto das obras"", conta. "Mas não recebi carta-resposta formal do governo.""
Carta formal Raquel diz ter recebido do prefeito de Porto Alegre, José Fortunattti (PDT). "Ele disse estranhar as declarações (do relatório) porque em Porto Alegre as remoções e os remanejamentos estão inteiramente de acordo com as diretrizes dos preceitos do direito à moradia.""
A relatora lembra existir procedimentos legais em âmbito internacional, referendados pelo Brasil, a serem cumpridos em casos de desapropriações. "Qualquer remoção ou despejo deve assegurar outra área para moradia, de preferência o mais perto possível do local anterior. Ou então uma compensação financeira efetiva.""
Urbanista formada pela Universidade de São Paulo (USP), Raquel Rolnik garante que o fato de ser brasileira não interfere em seu trabalho. "É acaso. No meu trabalho, faço relatório de vários países"", diz.


Revolta com valor da indenização une ameaçados
Reclamação comum é que dinheiro a ser pago pela desapropriação é insuficiente para manter 'nível alcançado'

Angela Lacerda, Anna Ruth Dantas, Carmen Pompeu e Elder Ogliari - O Estado de S.Paulo

Em Porto Alegre, cerca de 4,5 mil famílias, ou 15,3 mil pessoas segundo estimativa da própria prefeitura, podem ter de mudar de endereço por conta das obras de mobilidade de ampliação do aeroporto Salgado Filho, necessárias para a Copa do Mundo. Indenizações, aluguel social ou bônus-moradia de R$ 45 mil são opções oferecidas pelo poder público. Mas há insatisfações.
Os temores daqueles que correm risco são vários, entre serem deslocados para bem longe do local que habitam atualmente. "Dos 20 terrenos que prospectamos (para recolocar famílias), 17 ficam no mesmo bairro"", tenta tranquilizar o diretor-geral do Departamento Municipal de Habitação, Humberto Goulart.
Preocupação que a prefeitura de Natal não demonstra ter com os proprietários de 600 imóveis que, segundo estimativas, serão removidos para as obras de mobilidade urbana. "Vamos desapropriar. Não há programa de relocação das famílias. Essas pessoas receberão o dinheiro referente à desapropriação"", avisou o secretário municipal de Obras Públicas, Dâmocles Trinta. Foram reservados R$ 25 milhões para indenizações.
A incerteza também predomina em Fortaleza, onde ao menos 14 mil pessoas correm risco. E um dos motivos principais é o mesmo de outras cidades: o valor a receber. "Que desapropriem eu concordo, mas que ofereçam o preço justo"", pede Carlos Roberto do Nascimento, dono de uma pizzaria, preocupado porque a outros comerciantes o valor ofertado foi considerado "irrisório"". O governo se defende, argumentando que os cálculos são feitos com base em critérios técnicos.
A única cidade em que parece não ter ocorrido grande desgaste com desapropriações foi São Lourenço da Mata, vizinha ao Recife. Lá quase todos os 1,4 mil desapropriados concordaram com as indenizações, cujos valores variaram de R$ 2,6 mil a R$ 1 milhão (pagos a uma instituição religiosa), efetuadas para que possa ser erguida a Arena Pernambuco e a cidade da Copa.

RISCO DE DESPEJO

São Paulo
5.200 pessoas para obras de infraestrutura

Porto Alegre
15.300 pessoas, para ampliação do aeroporto e expansão de avenidas

Natal
3.200 pessoas, para obras de mobilidade urbana

Recife
1.400 pessoas para a construção da Cidade da Copa

Belo Horizonte
20 mil pessoas, obras de mobilidade urbana

Rio
600 pessoas, para obras próximas ao Maracanã

Fortaleza
14 mil pessoas, para obras de mobilidade urbana

Cuiabá
5 mil pessoas, para obras de mobilidade urbana



METRÓPOLE
Marcha da Maconha acaba em tumulto na Paulista

Guilherme Waltenberg e Mariana Lenharo - O Estado de S.Paulo

A Polícia Militar e cerca de mil manifestantes entraram em confronto ontem à tarde durante a Marcha da Maconha, na Avenida Paulista. Ao menos dois manifestantes foram detidos e levados ao 78.º DP. Eles foram soltos no fim da tarde. Cerca de 10 participantes tiveram ferimentos leves. Depois de proibida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo na sexta-feira, a marcha fez seu trajeto entre o vão livre do Masp, na Paulista, e a Praça Dom José Gaspar, no centro, como "marcha pela liberdade de expressão".
A Tropa de Choque foi acionada para impedir que os participantes bloqueassem o trânsito e usou bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e balas de borracha. Os conflitos começaram quando o estudante Alex Soares, de 21 anos, foi preso ao pichar o Masp.
Segundo um dos organizadores do ato, o jornalista Pedro Nogueira, a organização pediu aos participantes para cumprir a ordem de não fazer apologia à droga e nem cometer atos de vandalismo. "Mas não temos como controlar todos", disse ele, ressaltando que a ação da polícia foi abusiva. "Em todas as manifestações, a polícia faz uma raia para isolar o trânsito e ajuda a organizar o ato. Tentei dialogar com eles, mas começaram a jogar bomba."
O mestrando em História Júlio Delmanto afirmou que foi detido quando questionou o capitão Del Vecchio - responsável pela operação - sobre o motivo de a Tropa de Choque ter entrado em ação. "Eles tinham prometido cobertura motorizada da manifestação para zelar pelos manifestantes, mas chegaram lá dispostos a dispersar", disse Júlio.
A Tropa de Choque seguiu o grupo durante todo o protesto, disparando bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral. O capitão Del Vecchio afirmou que os policiais responderam a agressões dos manifestantes. "Eles desobedeceram a uma decisão judicial, trazendo material que faz apologia ao uso de drogas."
Durante a concentração para a Marcha da Maconha, grupos contrários à legalização das drogas fizeram um protesto contra a marcha. Segundo um de seus líderes, o professor de jiu-jítsu Eduardo Thomaz, a legalização das drogas é um retrocesso na sociedade.
Apesar das trocas de ofensas entre os dois lados, não houve conflitos.
Segundo os integrantes da Marcha da Maconha, no próximo sábado haverá nova passeata pela liberdade de expressão.

AMÉRICA LATINA
Chávez perde influência na América Latina
Com problemas econômicos e políticos em casa, venezuelano não consegue bancar projetos ambiciosos na região, como refinaria em Pernambuco
Juan Forero, do The Washington Post - O Estado de S.Paulo

No Nordeste do Brasil, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, sonhou em construir uma refinaria de petróleo e batizá-la de "José Inácio de Abreu e Lima" - nome do aventureiro brasileiro que lutou pela independência da Venezuela. Em visita à cidade, Chávez disse que essa joint venture entre Caracas e Brasília uniria a América Latina contra um comum adversário: os EUA.
A refinaria, cuja construção tem valor estimado em US$ 15 bilhões, deve ser concluída em dois anos, mas recebe poucas contribuições da Venezuela.
Temperamental, Chávez durante anos apoiou projetos na região numa tentativa de levar a Venezuela à vanguarda de uma nova era na América Latina. Mas sua influência fora de seu país está minguando, enquanto crescem as preocupações com a economia venezuelana - alicerçada principalmente no petróleo - e com seu estilo de governo, sobretudo após as recentes detenções de seus opositores.
Acentuada desde 2009, quando a economia venezuelana começou a se enfraquecer, a reviravolta parece chocante se comparada aos dias em que Chávez circulava pela América do Sul fazendo inflamados discursos antiamericanos e inaugurando obras cuja construção fora financiada por petrodólares.
"Ele não está na crista da onda como há dois anos", disse Luiz Felipe Lampreia, ex-chanceler brasileiro. "Acho que está perdendo sua capacidade de influenciar os outros e liderar, mesmo entre seus próprios amigos."
Silenciosa e discretamente, alguns dos maiores projetos do populista venezuelano foram abandonados ou esquecidos, ou ainda nem decolaram, entre eles um oleoduto da Venezuela à Argentina, um banco de desenvolvimento sul-americano, projetos habitacionais, estradas e um fundo continental de investimento.
Não se sabe por que alguns projetos foram descartados. Os porta-vozes do governo venezuelano não responderam aos pedidos de entrevista.
TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL E CELSO PACIORNIK


Imagem de venezuelano piora na região

The Washington Post - O Estado de S.Paulo

Pesquisas de opinião realizadas em países latino-americanos mostram que a imagem do presidente Hugo Chávez foi manchada depois que ele recorreu a uma série de medidas tidas como "antidemocráticas", entre elas ataques à mídia e o uso de decretos para governar. Chávez também aproximou-se de governantes polêmicos, como Alexander Lukashenko, da Bielo-Rússia, e Mahmoud Ahmadinejad, do Irã.
"Os latino-americanos têm uma imagem ruim da democracia na Venezuela", disse Marta Lagos, diretora do Latinobarometro, organização chilena que realiza pesquisas de opinião na região. Em fevereiro, o Latinobarometro publicou um relatório mostrando que os latino-americanos enxergam a Venezuela como um país menos democrático do que os demais, atribuindo ao governo Chávez a nota de 4,3 numa escala que vai até 10. Quando o grupo pediu aos entrevistados que dessem uma nota aos líderes das Américas, Chávez ficou em penúltimo lugar.
Mesmo na Bolívia e na Argentina, países que mantêm boas relações com a Venezuela, menos de 35% dos entrevistados manifestaram uma opinião favorável a respeito de Chávez. "Evidentemente, tudo isso mostra que Chávez não é um líder na região", disse Marta.
Para a Venezuela, essa nova dinâmica reflete a convergência de fatores que interferiram no objetivo de Chávez de limitar a influência americana. O presidente Barack Obama tem um alto índice de aprovação em toda a América Latina e a maioria dos líderes sul-americanos é de centristas que facilitam a globalização e nutrem laços comerciais com os EUA.
Instituições multilaterais, como o Banco Mundial, que concedem empréstimos a países em dificuldades e foram acusadas por Chávez de serem ferramentas do imperialismo americano, seguem em plena atividade e chegaram até a emprestar quantias recordes a toda a América Latina nos últimos anos.

Intromissão. Em reuniões particulares com diplomatas americanos, alguns líderes latino-americanos expressaram seu desagrado com o que consideram ser o estilo invasivo de Chávez no tratamento dos assuntos do continente, de acordo com documentos diplomáticos dos EUA divulgados pelo WikiLeaks.
No início do ano, o presidente peruano Alan Garcia disse ao jornal chileno El Mercurio que Chávez se intrometia nos assuntos de outros países, mas era agora menos influente. "Não respeito ninguém que queira pregar além das próprias fronteiras", disse Garcia.

Opinião

MARTA LAGOS - DIRETORA DO INSTITUTO LATINOBAROMETRO
“Os latino-americanos têm uma impressão ruim da democracia na Venezuela. As pesquisas de opinião mostram que Chávez não é um líder na região”


Chile proíbe gás lacrimogêneo e depois recua
Especialista diz que substância poderia provocar aborto, mas suspensão do uso durou apenas 3 dias

João Paulo Charleaux - O Estado de S.Paulo

Os carabineiros do Chile - conhecidos desde a ditadura de Augusto Pinochet (1973-90) pela dureza com que reprimem manifestações de rua - foram proibidos por 72 horas de usar uma de suas munições preferidas: as bombas de gás lacrimogêneo. Segundo alerta feito pela Universidade do Chile, o clorobenzilideno malononitrilo, usado na bomba, tem efeito abortivo, provoca infertilidade e aumenta a agressividade de quem inala a substância.
A decisão de proibir o uso da bomba tinha sido anunciada na quinta-feira pelo líder conservador e vice-presidente Rodrigo Hinzpeter. Mas a medida vigorou apenas três dias, antes de ser suspensa pela presidência na sexta-feira, diante da forte pressão exercida pelos setores de direita e pelos policiais.
"Quer dizer que, em três dias, os cientistas do governo fizeram estudos exaustivos e descobriram que essas bombas são boas, no final? É para dar risada?", criticou o líder do Movimento Ação Ecológica, Mariano Rendón.
O debate sobre o uso de gás lacrimogêneo vem antecipando o clima de tensão vivido pelos chilenos diante de uma grande onda de protestos esperada para hoje, quando o presidente Sebastián Piñera fará a prestação anual de contas ao Congresso.
Tradicionalmente, a ocasião já é marcada por violentos choques entre policiais e manifestantes. Mas, este ano, a data deve ser ainda mais conturbada, pois o governo vem enfrentando forte rejeição ao projeto de construção de uma central hidrelétrica na Região de Aysén (sul).
"É razoável suspender o uso do lacrimogêneo até que novos estudos médicos nos permitam dissipar qualquer dúvida sobre seu impacto na saúde", disse Hinzpeter ao anunciar pela primeira vez a proibição do uso da bomba. Mas, na sexta-feira, o vice-presidente reapareceu com uma conclusão surpreendente: "Efetuamos os estudos necessários e concluímos que o gás não é abortivo". A mudança súbita de posição causou perplexidade em cientistas e revolta na oposição.
O alerta que havia levado o governo chileno a proibir o uso do clorobenzilideno malononitrilo foi feito pelo médico Andrei Tchernitchin, da Faculdade de Medicina da Universidade do Chile. Ele reconheceu ao Estado que suas conclusões "não são definitivas, precisam ser aprofundadas, mas já indicam que os riscos são reais e as sequelas, irreversíveis".
Ao proibir o uso da bomba, o governo Piñera - o primeiro de direita a vencer uma eleição democrática em 50 anos no Chile - roubou um discurso histórico da oposição, que acusa a polícia de uso excessivo da força na contenção de distúrbios sociais, atribuindo a isso uma herança da ditadura.


CONFLITO NO CÁUCASO
Enclave armênio leva guerra ao Azerbaijão
Por causa da posição estratégica, os dois países disputam controle de Nagorno-Karabakh, território de 4,4 mil quilômetros quadrados

Solly Boussidan - O Estado de S.Paulo

As montanhas do Cáucaso são a fronteira natural entre a Europa e a Ásia. Uma região de belas paisagens e florestas de pinheiro que se inicia às margens do Mar Negro e se estende até a costa do Cáspio. A cordilheira também separa a Rússia, ao norte, das três pequenas ex-repúblicas soviéticas do sul: Geórgia, Armênia e Azerbaijão.
Por conta de sua posição estratégica, ao longo dos séculos a região foi palco de guerras entre romanos, otomanos, mongóis, árabes, russos, persas e bolcheviques, além de diversas tribos e clãs locais. O colapso da União Soviética, em 1991, acirrou novamente as tensões étnicas locais.
O resultado tem consequências devastadoras até hoje. Armênia e Azerbaijão permanecem em virtual estado de guerra, controlado, apesar de frequentes violações, por um frágil cessar-fogo patrocinado pela Rússia.
O motivo da disputa é um pequeno enclave armênio no território do Azerbaijão que atende pelo nome de Nagorno-Karabakh. Com apenas 4,4 mil km² (metade da área metropolitana da cidade de São Paulo), o território possui um nome híbrido: "nagorno" significa montanhoso em russo, enquanto "karabakh" é a junção das palavras turca ("kara") e persa ("bakh"), que significa "jardim negro". Os armênios referem-se à região como Artsakh, uma das dez províncias da Armênia antiga.

Herança soviética. Os conflitos na região não são recentes e a disputa entre armênios cristãos e povos turcos muçulmanos provocaram embates étnicos por mais de um século. A situação deteriorou-se quando, apesar de uma população majoritariamente armênia cristã, em 1923, a região foi cedida por Josef Stalin ao Azerbaijão muçulmano como parte da política soviética de dominação por meio da divisão.
Ao longo de sete décadas de domínio azeri, grandes esforços foram feitos para colonizar e absorver à força a população armênia. Quando em 1988 o Parlamento de Nagorno-Karabakh decidiu pela união com a Armênia, os confrontos étnicos explodiram.
Impossibilitados de concretizar a união, um referendo foi realizado em 1991 (e boicotado pelos azeris que vivem no enclave), no qual a etnia armênia decidiu pela independência. Massacres e deportações cometidos em Nagorno-Karabakh, na Armênia e no Azerbaijão, culminando, no ano seguinte, em uma guerra que deixou 20 mil mortos e 1,5 milhão de refugiados.
O cessar-fogo de 1994 ocorreu quando as tropas de Karabakh e da Armênia já haviam assumido o controle de praticamente todo o território, além de uma zona-tampão que ocupa quase 9% do Azerbaijão.

Sem reconhecimento. Nessa área, houve o estabelecimento de facto da República de Nagorno-Karabakh (RNK), que só é reconhecida por outros três territórios separatistas no mundo - a Abkházia, a Ossétia do Sul e a Transdnístria. Mesmo a Armênia se recusa a reconhecer a independência da RNK.
"O objetivo da guerra foi defender os direitos da população armênia em Nagorno-Karabakh, o propósito das negociações entre as partes, patrocinadas pelo grupo de Minsk da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), é justamente definir o status final da região. O reconhecimento formal da RNK pela Armênia seria uma definição do status sendo negociado e tornaria todo o processo sem fundamento", explica o ex-representante da RNK em Washington e diretor do Centro Internacional para o Desenvolvimento Humano (CIDH), Tevan Poghosyan.
"É claro que a maioria dos habitantes de Nagorno-Karabakh preferiria uma união formal com a Armênia, em vez da existência de dois Estados independentes, mas as leis soviéticas legalmente só admitiam a declaração de independência. Quando o conflito estiver resolvido, caso a RNK seja reconhecida, poderemos pensar em uma fusão", diz Poghosyan.
O jovem Ashot Khachatryan, de 23 anos, originário da capital da RNK e formado em Direito, tem opinião similar. "A independência não é algo ruim, se essa for a única opção que tivermos, mas nosso objetivo é nos unirmos à Armênia. Lutamos porque os azeris não nos permitiam estudar nossa língua nas escolas, praticar nossa religião e manter nossas tradições. Estávamos sendo assimilados à força. Mas a verdade é que não faz muito sentido termos dois Estados armênios, um ao lado do outro."
Do lado azeri, a visão do conflito é diferente. Vivendo sob um regime ditatorial, com pouquíssima liberdade de expressão, a população do Azerbaijão é impedida de debater o tema de forma pública. O governo azeri declara abertamente que o motivo para o cerceamento das liberdades individuais é uma questão de segurança nacional. O regime instituiu uma lei que declara que, enquanto o Azerbaijão não retome o controle efetivo sobre tudo aquilo que considera como seu território, essas liberdades não podem ser restauradas.

Refugiados. A situação humanitária no Azerbaijão é também mais frágil do que a encontrada na Armênia. Há cerca de 800 mil refugiados da guerra de 1992 vivendo em campos espalhados pelo país e no centro da capital, Baku, sem qualquer previsão de assentamento permanente ou de retorno a seus antigos lares.
"O governo azeri usa essa massa de refugiados para empurrar o problema de Nagorno-Karabakh com a barriga. Uma resolução para a questão dos refugiados enfraqueceria muito a posição do Azerbaijão na disputa", diz um diplomata ocidental que vive em Baku.
"A situação é completamente oposta na Armênia. Os refugiados armênios que escaparam ou foram expulsos da linha de frente ou de cidades e vilas do interior do Azerbaijão foram totalmente integrados à sociedade do país", acrescenta.
Por enquanto, há poucas perspectivas de resolução para o conflito entre armênios e azeris. Enquanto isso, os habitantes da RNK vivem uma situação surreal: são armênios vivendo no exterior, em um país que não existe, que tenta criar as bases da independência com um único objetivo: de no futuro, ser incorporado à Armênia.


Governo autônomo quer voos diretos para a capital armênia

Solly Boussidan - O Estado de S.Paulo

Fechado há mais de 20 anos por causa de disputas em Nagorno-Karabakh, o governo da RNK investiu mais de US$ 3 milhões nos últimos dois anos para modernizar e reabrir o aeroporto de Stepanakert. A principal motivação por trás da abertura do novo terminal é permitir a ligação aérea entre a RNK e a capital da Armênia - uma viagem que atualmente leva de cinco a oito horas por terra e poderia ser realizada em menos de 40 minutos de avião. A atitude foi considerada uma provocação pelo governo do Azerbaijão.
Arif Mammedev, chefe do Departamento de Aviação Civil do país, declarou que seu governo pretende abater qualquer aeronave que cruze ilegalmente o espaço aéreo azeri. A previsão inicial é que o aeroporto entre em funcionamento em breve, mas, com a escalada da tensão entre Azerbaijão e Armênia, a data pode ser alterada.

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