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BB busca crescer em segmentos mais lucrativos
Cristiano Romero e Fernando Travaglini | De Brasília
O Banco do Brasil (BB) quer encerrar 2011 com ativo total de R$ 1 trilhão (cerca de US$ 617 bilhões). A meta, fixada pelo presidente do banco, Aldemir Bendine, em reunião com seus principais executivos, representará, se for cumprida, crescimento de 22% em relação ao ano passado, mas de apenas 15,3% quando comparada à posição já alcançada no primeiro trimestre deste ano.
O número é simbólico. Seria o primeiro banco brasileiro a alcançar a marca. O Itaú Unibanco, segundo colocado no ranking, chegou a R$ 778,4 bilhões em ativos em 31 de março e o BB, a R$ 866,6 bilhões. A diferença é que o lucro do BB é bem menor - R$ 2,9 bilhões no primeiro trimestre, enquanto o Itaú obteve R$ 3,5 bilhões.
Desde 2008, quando o governo determinou que o banco atuasse agressivamente no crédito para amenizar os efeitos da crise sobre o mercado interno, o BB tem procurado se tornar um competidor relevante em segmentos de negócio em que antes os bancos privados transitavam sozinhos.
Não por acaso, na próxima etapa a meta é liderar em segmentos mais rentáveis do mercado, nos quais o BB não aparece na dianteira, como cartões de crédito, seguridade e crédito imobiliário.
O vice-presidente de varejo do BB, Paulo Caffarelli, disse que, na área de crédito, o banco vai procurar tomadores de empréstimo dentro da sua própria carteira de clientes - 55 milhões de pessoas, equivalentes a mais de 25% da população brasileira. Para atingir esse objetivo, o banco investiu pesadamente no aperfeiçoamento do seu sistema de relacionamento com o cliente e identificou 13 milhões de correntistas com potencial para tomar empréstimos e que não o fazem.
No crédito imobiliário, o objetivo não é ameaçar a Caixa Econômica Federal, líder absoluta com mais de 70% do mercado, mas superar os bancos privados. O BB detém hoje apenas 2,3% do mercado de crédito imobiliário, atrás de Itaú (8,4%), Santander (7,7%) e Bradesco (6,5%).
O banco descobriu que 30 mil pessoas simulam empréstimos imobiliários em seus terminais de autoatendimento todos os meses e agora vai atrás delas. Sua carteira, porém, é menos rentável que a da concorrência e essa é uma desvantagem a ser corrigida.
BB mira 13 milhões de clientes com perfil para crédito
Cristiano Romero e Fernando Travaglini | De Brasília
O Banco do Brasil vai explorar sua própria base de clientes para expandir a carteira de crédito e de outros produtos financeiros, como previdência complementar e seguros. Na área de cartões de crédito, vai seguir o exemplo de concorrentes, como o Itaú Unibanco, e buscar clientes entre não-correntistas. A estratégia do banco estatal é crescer nos segmentos mais rentáveis, em que perde na comparação com os grandes bancos privados.
Ao aperfeiçoar o CRM (sigla em inglês para sistema de relacionamento com o cliente), o banco identificou, por exemplo, 18 milhões de clientes com propensão a tomar crédito. Desse universo, apenas cinco milhões - menos de 10% dos clientes do BB - já têm empréstimos contratados com a instituição, de R$ 36 bilhões.
Dos 13 milhões restantes, oito milhões já têm um crédito pré-aprovado e, por isso, estão sendo abordados pelo banco. O crédito potencial para esse grupo é estimado em R$ 46 bilhões. "Podemos dobrar nossa carteira apenas com esse universo", disse ao Valor Gueitiro Genso, diretor de empréstimos do BB.
Para tornar as operações de crédito competitivas, o banco vai passar a oferecer juros menores a clientes com baixa inadimplência e histórico de relacionamento com o BB. Atrasado em relação à concorrência, antes o BB trabalhava com uma faixa rígida e uniforme de critérios, em que os juros iam de 1,5% a 1,8% ao mês (no caso de crédito ao consumo) e em que pouco se distinguia a qualidade dos tomadores de empréstimos.
Outra grande aposta é o financiamento imobiliário. Em dois anos de atuação, o Banco do Brasil construiu carteira de pouco mais de R$ 4 bilhões, amparada principalmente na concessão de empréstimos a pessoas físicas. Genso acredita que, à medida que o banco amplie o financiamento às construtoras, o saldo crescerá ainda mais, já que um único empreendimento pode dar origem a centenas de novos mutuários.
"Os grandes bancos trabalham com um mix de 60% de crédito às construtoras e 40% para pessoas físicas. Estamos com apenas 18% para as empresas. Vamos mudar isso", disse Gueitiro, acrescentando que o crédito a pessoa jurídica é mais rentável. O banco aposta em crescimento rápido. "Já temos acordos com as maiores incorporadoras do país para liberar R$ 5 bilhões em 12 meses."
Outro universo a ser explorado é o de dez milhões de pessoas que recebem salários pelo BB. O banco constatou, por exemplo, que, mensalmente, cerca de 30 mil pessoas simulam, nas máquinas de autoatendimento (ATM, na sigla em inglês), empréstimos habitacionais. Agora, o BB vai atrás delas.
No crédito consignado, onde já é líder, com participação de mercado de quase um terço do total (R$ 46 bilhões), o BB pretende avançar no segmento de aposentados do INSS. A instituição possui contratos com apenas 10% dos 7,2 milhões de aposentados que recebem seus benefícios pelo banco.
Na área de cartões de débito e crédito, a grande aposta está nos não-correntistas. Segundo Denilson Molina, diretor dessa área, o banco corre contra o relógio para diminuir a diferença de R$ 50 bilhões de transações ao ano que o separa do líder de mercado, o Itaú Unibanco (a distância era de R$ 70 bilhões um ano e meio atrás). "Estamos crescendo acima do mercado", observou Molina.
O volume de transações da área de cartões do BB deu um salto nos últimos anos, pulando de R$ 34 bilhões, em 2006, para R$ 111 bilhões em 2010. Hoje, o segmento responde por 18% do lucro recorrente do banco. Apesar do avanço, a rentabilidade média dessa área no mercado é maior.
A explicação está na proporção entre cartões de crédito e de débito. No BB, a modalidade crédito equivale a 56% do total dos cartões, enquanto nos principais concorrentes, o percentual é maior - 70%. "Cartões de crédito têm rentabilidade três vezes maior que a dos cartões de débito", revelou Denilson Molina.
Nos próximos dez anos, o plano é crescer 15% ao ano dentro da base de correntistas, mesma meta do restante do mercado. O pulo do gato, no entanto, virá, na opinião da diretoria, dos não-correntistas, nicho em que o banco espera avançar 22% a cada ano.
O BB aposta todas as fichas na bandeira nacional Elo, criada em conjunto com o Bradesco e que será oferecida tanto para as camadas de renda mais baixa, como em parceiras com varejistas. Um terceiro braço do banco se prepara ainda para avançar sobre a clientela de outros bancos, abrindo concorrência direta com os privados.
"Queremos que o faturamento da Elo responda por 15% do mercado de cartões em cinco anos", lembrou Raul Moreira, gerente responsável pela bandeira. Ele destacou ainda que esse avanço da bandeira própria deve significar, nesse período, economia de perto de R$ 1 bilhão em royalties pagos antes às bandeiras Visa e Mastercard.
Mas a Elo é mais do que uma bandeira. A nova marca congrega um holding, compartilhada com o Bradesco, com participações em sete empresas, entre elas, uma processadora (Fidelity), uma promotora de vendas que usará as lojas Ibi (são 150 lojas, número que deve subir para 200 em dezembro) e até mesmo um banco múltiplo, o Banco Elo, que aguarda apenas aprovação do Banco Central (BC) para começar a operar, o que deve ocorrer ainda este ano. O novo banco será o responsável pela oferta de crédito aos não-correntistas.
O uso do cartão também vai crescer entre as empresas, aposta o vice-presidente de varejo, Paulo Caffarelli. Um dos produtos de maior potencial criado pelo BB recentemente foi o Agrocard, cartão que permite o pagamento de insumos com cartão, sem a necessidade da emissão de ordens de pagamento, além de assegurar um maior controle tanto por parte da empresa quanto do banco.
Esse modelo de cartão, que já movimenta R$ 8 bilhões, foi estendido a outros setores da atividade econômica para o pagamento de fornecedores, incluindo a indústria de petróleo, de fertilizantes e da construção civil. O produto é uma inovação do Banco do Brasil, portanto, não envolve o Bradesco, seu principal parceiro na área de cartões. Funciona da seguinte maneira: o fornecedor vende o insumo para uma indústria e não paga a tradicional taxa do cartão de crédito. Essa taxa é transferida ao comprador, que ganha, em contrapartida, 40 dias para honrar a fatura junto ao BB.
O banco espera que esse tipo de cartão gere R$ 15 bilhões de faturamento em 2011 - R$ 8 bilhões com o Agrocard, R$ 5 bilhões com o pagamento de contas e R$ 2 bilhões nas operações de repasse de recursos do BNDES. "Em três anos esse produto deve representar 10% do nosso faturamento com cartões", comentou Caffarelli.
Na área de seguridade, com a compra de empresas e a consolidação das parcerias com companhias privadas, a reformulação já começou a trazer retorno para o banco. A participação dessa diretoria no resultado recorrente do banco pulou de menos de 10% há cinco anos, para 14% no primeiro trimestre. Ainda assim, é bem inferior, por exemplo, à do Bradesco - 28% do lucro. A meta do BB é chegar a 24% em 2013, revelou Marco Antônio da Silva Barros, diretor.
Um dos maiores avanços do banco estatal se deu no segmento de previdência complementar, que passou de um faturamento (incluindo prêmios e contribuições) de R$ 9 bilhões em 2008 para R$ 16,5 bilhões em 2010, devendo superar R$ 22 bilhões este ano. "No primeiro bimestre crescemos 83%, enquanto o mercado avançou 26,8%", comemorou Barros.
Em seguros, o banco espera fechar o primeiro trimestre em primeiro lugar no ranking da Susep. O BB também aposta em um produto na área agrícola para segurar o preço da safra.
O vice-presidente Paulo Caffarelli avaliou que o mercado financeiro está passando por um novo período de consolidação. "Existem 60 bancos cadastrados no INSS para conceder crédito consignado. Esse número deve diminuir", disse.
Segundo ele, os bancos de menor porte estão com problemas para manter em pé seus modelos de captação e originação de novas operações. Além das dificuldades criadas pela própria crise internacional de 2008, as recentes medidas do BC de regular a atuação dos correspondentes e também de aumentar o requerimento de capital para as linhas de consumo limitou o poder de fogo dessas instituições.
Gás natural anima polo gesseiro de PE
A chegada, ainda como projeto-piloto, do gás natural ao "Chapadão do Araripe", no extremo oeste de Pernambuco, aumenta as expectativas de crescimento do polo gesseiro em quatro municípios da região. Cerca de 95% do gesso consumido no Brasil, algo em torno de 5 milhões de toneladas por ano, vêm dessa área. O dinamismo da construção civil já acelerou a procura pelo gesso, mas as cidades do polo e as empresas sofrem com problemas de infraestrutura. Praticamente todas as fábricas se abastecem de lenha e coque. Em uso há pouco mais de um mês, o gás natural, mais limpo e eficiente, pode ajudar o setor a atender melhor a demanda, que em 2010 avançou 30%.
Terra do gesso entra na era do gás natural
Murillo Camarotto | De Araripina (PE) e Trindade (PE)
Como todo polo industrial tipicamente brasileiro, o "Chapadão do Araripe" é um vai e vem frenético de caminhões de todas as partes do país. Carregam basicamente madeira, coque de petróleo e gesso nas mais variadas formas. Também não é raro levarem na caçamba grupos de homens que se assemelham a fantasmas, brancos dos pés à cabeça em razão do trabalho diário com o gesso.
Formado pelos municípios de Araripina, Trindade, Ipubi, Bodocó e Ouricuri, o polo gesseiro do Araripe, no extremo oeste pernambucano, fornece nada menos que 95% do gesso consumido no Brasil, algo hoje em torno de 5 milhões de toneladas por ano. As reservas de gipsita, rocha mineral que origina o gesso, são estimadas em 1,2 bilhão de toneladas, quinto maior volume do mundo, depois de Irã, China, Canadá e México.
O dinamismo da construção civil nacional acelera a demanda e alimenta os sonhos de grandeza da região, que sofre com gargalos importantes de infraestrutura, sobretudo em energia e transportes. Praticamente todas as fábricas do polo abastecem com lenha e coque os fornos onde a gipsita é convertida no gesso em pó que conhecemos.
Pleito antigo do setor, formado majoritariamente por pequenas e médias empresas, o gás natural começou a chegar ao Araripe há pouco mais de um mês, provocando grande expectativa de um salto de qualidade e de volume na produção local. Mais limpo e eficiente, o combustível poderá oferecer a segurança energética necessária para que o setor atenda melhor uma demanda que em 2010 avançou 30% sobre o ano anterior.
"Resolvendo a questão energética e logística, o crescimento é inevitável. O momento é de grande otimismo", afirma Josias Inojosa Filho, vice-presidente do Sindicato da Indústria do Gesso (Sindusgesso). Além da expansão do consumo per capita no Brasil, ainda pequeno se comparado a países como Argentina e Chile, o dirigente quer ver o gesso nacional forte no mercado externo. Do R$ 1,6 bilhão que o setor deve faturar neste ano, menos de 1% virá de exportações.
O primeiro empresário contemplado com o gás natural foi o vice-prefeito de Araripina, Alexandre Arraes (PSB). Ele é o dono da New Gipso, fábrica de médio porte localizada no distrito industrial do município. O fornecimento, porém, ocorreu apenas como projeto piloto do governo estadual, que está elaborando um modelo de negócio, baseado em isenções fiscais, para tornar economicamente viável a entrega do gás por caminhões enquanto um gasoduto não é construído, o que não tem prazo para acontecer.
Nas primeiras experiências, o gás chegou à fábrica 30% mais barato do que o equivalente em madeira, segundo informou Aldo Guedes, presidente da Companhia Pernambucana de Gás (Copergás), empresa controlada pelo governo de Pernambuco em sociedade com Petrobras e Mitsui. A meta é operacionalizar pelo menos 30 mil metros cúbicos por dia até o fim deste ano. A demanda, porém, é bem superior. Está hoje na casa de 300 mil metros cúbicos diários e só tende a crescer, dado que muitas novas empresas estão chegando, atraídas pelo horizonte promissor.
Atualmente, 15 fábricas estão sendo erguidas na região, entre elas a Padrão Gypsum, do pernambucano Geraldo Antonio do Nascimento. Apesar de animado com a possibilidade de chegada do gás natural, ele se mantém cauteloso, até porque está desembolsando quase R$ 2,2 milhões na empreitada. "Vou começar usando a madeira, legalizada obviamente, mas pretendo investir futuramente em um forno a gás. Se vier mesmo (o gás), é uma mão na roda", avalia.
Por ser limpo, o gás natural pode ser injetado e queimado dentro do forno, acelerando o processo de calcinação da gipsita, que nada mais é do que a extração do excedente de água. Usando lenha, coque ou óleo combustível, altamente poluidores, a queima é feita fora do forno, para evitar a contaminação do gesso, o que torna o processo menos eficiente. "Com gás eu fiz quatro toneladas em uma hora. Com lenha é o dobro do tempo", calcula o gerente de produção da New Gipso, Expedito Batista da Silva.
A avaliação é semelhante na Ingenor, uma das maiores fabricantes da região, onde são queimadas mais de 450 toneladas de coque por mês. "Além da questão ambiental, a vantagem está no custo final do produto, porque o aproveitamento calórico do gás é de quase 100%, enquanto que a transferência de calor que ocorre com o coque gera perdas importantes", explicou o responsável pela unidade, Wilton Pereira.
Por todo o polo se vê imensas montanhas de lenha, material que ainda responde por 90% da fonte energética das fábricas. Com o endurecimento da fiscalização ambiental sobre o corte da madeira nativa da caatinga, os fabricantes têm que trazer o combustível do Piauí e do Ceará, onde adquirem a lenha resultante da poda de cajueiros e goiabeiras. Apesar disso, ainda é corriqueira a utilização de madeira ilegal, segundo relatos dos empresários locais.
Alheio à polêmica, o retraído operário Roberto Januário, de 40 anos, passa o dia alimentando calmamente o apetite voraz dos fornos a lenha. Após 12 anos vivendo em São Paulo, ele decidiu voltar a sua terra, informado que foi sobre o surgimento de oportunidades de trabalho. Diante do risco de o gás natural tornar desnecessária a sua função, ele não perde a serenidade: "Aí tem que arrumar outra coisa pra fazer."
Outra demanda antiga, o transporte do gesso também vislumbra dias melhores. Isso porque uma das principais atribuições da ferrovia Transnordestina será atender o polo do Araripe, o que deve gerar uma redução expressiva nos custos de frete. Levar o gesso a preços competitivos até o porto de Suape (PE) ou de Pecém (CE) pode representar uma nova chance para o setor competir no mercado externo, além de abastecer com mais eficiência a demanda nacional, que não se resume à construção civil. Agricultura, indústria cerâmica e ortopedia também são clientes relevantes.
Enquanto gasoduto e trilhos seguem engessados, o caminhoneiro gaúcho Osni Rodrigues se prepara para mais uma jornada de 2,8 mil quilômetros entre Araripina e Porto Alegre. Na caçamba, 31 toneladas de placas de gesso que vão adornar casas, apartamentos e escritórios da capital gaúcha. Se realizados os desejos do empresariado gesseiro, os caminhões devem perder importância na paisagem do Chapadão do Araripe. Os fantasmas, pelo menos por enquanto, estão garantidos.
Justiça admite a penhora de conta conjunta
A penhora on-line de dinheiro pode ser aplicada também para contas conjuntas em banco. Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitiu que a conta de um casal divorciado fosse penhorada para o pagamento de uma dívida fiscal da mulher. O advogado do caso alegou que os depósitos eram efetuados apenas pelo ex-marido, para despesas dos filhos. O tribunal, porém, entendeu que, a partir do momento em que há depósito nessa modalidade de conta, os valores passam a ser solidários. Por esse motivo, não importa que o débito seja de apenas um dos titulares da conta. No ano passado, a Justiça bloqueou R$ 20,13 bilhões por meio do sistema eletrônico Bacenjud.
Conta conjunta pode ser penhorada
Zínia Baeta | De São Paulo
A penhora on-line de contas correntes, medida que permite aos juízes bloquear depósitos bancários de devedores, ganhou uma nova interpretação do Judiciário. Em uma decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitiu que uma conta conjunta tivesse parte dos valores penhorados para o pagamento de dívida de apenas um dos correntistas. Os ministros da 2ª Turma interpretaram que, a partir do momento em que há valores nessas contas, o montante ali depositado torna-se solidário, ou seja, pode ser utilizado para o pagamento de débitos ainda que apenas de um dos titulares.
A conta penhorada é de um casal divorciado que a mantém para as despesas dos filhos. O advogado que representa o casal, Marcelo Domingues Pereira, do escritório Falletti e Penteado Advogados, afirma que demonstrou no processo que o dinheiro depositado na conta conjunta era proveniente da conta-salário do ex-marido. A mulher responde por uma dívida fiscal de ICMS de uma empresa da qual não é mais sócia. De acordo com Pereira, ainda está sendo discutido na Justiça e pendente de julgamento a responsabilidade dela pela dívida fiscal cobrada pela Fazenda de São Paulo. "Só foi decidido pelo STJ a possibilidade de serem penhorados valores depositados em conta conjunta", diz o advogado, ressaltando que o ex-marido não foi incluído na execução fiscal.
Ao decidirem, os ministros do STJ entenderam que no caso de conta conjunta cada um dos correntistas é credor de todo o saldo depositado, de forma solidária. "Se o valor pertence somente a um deles, não deveria estar nesse tipo de conta, pois nela a importância perde o caráter de exclusividade", afirma o ministro relator do processo, Humberto Martins. Para o magistrado, nessa condição, a solidadriedade se estabelece pela própria vontade das partes, no instante em que optam por essa modalidade de depósito bancário. Na decisão, porém, o ministro ressalta que não se trata de valores referentes a vencimentos, subsídios, soldos, salários, dentre outras situações listadas no Código de Processo Civil como impenhoráveis.
O advogado Edmundo Emerson de Medeiros, do Menezes Advogados, afirma que a decisão da 2ª Turma diverge de julgamentos da 1ª Turma do STJ. Segundo ele, o entendimento da 1ª Turma é o de que a penhora nesse tipo de conta não pode ocorrer se é demonstrado que os titulares, ao celebrarem o contrato, não tinham a intenção de que existisse a solidariedade. Em um dos casos julgados pela turma, a conta bancária tinha como titulares mãe idosa e filho, que a utilizava para pagar as despesas da mãe. "A 1ª Seção poderia se manifestar para pacificar o entendimento divergente entre as turmas", diz. Segundo ele, pelo Código Tributário Nacional (CTN), a solidariedade ocorre apenas entre "as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal".
O advogado Eduardo Salusse, do Salusse e Marangoni Advogados, diz que essa discussão é antiga. Segundo ele, até 2006, por exemplo, quando um cheque de conta conjunta era protestado, os nomes dos cotitulares eram protestados. O Banco Central, posteriormente, determinou que só quem emitisse o cheque poderia ter o nome negativado. Hoje, segundo ele, há três correntes. A que defende a penhora integral da conta, o bloqueio parcial e a impenhorabilidade total. O que o advogado entende é que pode haver a penhora total, mas isso não exclui a possibilidade do cotitular fazer a prova do quanto lhe pertence na conta corrente e anular parte do bloqueio.
Na análise do advogado Luiz Rogério Sawaya, do Nunes e Sawaya Advogados, a meação dos conjugues deve sempre ser respeitada. Para que isso não ocorra, só se o regime for da comunhão universal de bens.
Empresas aceleram oferta de ações
Ana Paula Ragazzi e Graziella Valenti | De São Paulo
O primeiro semestre do ano deve ser movimentado em ofertas de ações, com o esforço das empresas para se anteciparem às férias de verão no Hemisfério Norte. Apenas na semana passada, quatro companhias - Qualicorp, Perenco, Brazil Pharma e Technos - pediram à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) registro para ofertas iniciais de ações na bolsa. Já estão em análise, desde o início do ano, as colocações de Camil e Enesa Participações.
Outras companhias se preparam para entrar na fila ainda neste ano: a empresa de turismo CVC, a sucroalcooleira Copersucar e as petroleiras Petroserv e Petrogal. Além das novatas, a movimentação deve incluir empresas já listadas. Também preparam ofertas Rossi Residencial, Gafisa, Tereos Internacional (Açúcar Guarani) e Banco do Brasil.
Banqueiros de investimento acreditam que não haverá dificuldades para o ano terminar com um volume de US$ 30 bilhões em ofertas de ações, em comparação com os US$ 20 bilhões do ano passado. Até o momento, as distribuições acumulam um total de R$ 11,5 bilhões, ante a R$ 13,5 bilhões captados até o fim de junho de 2010. A expectativa é de que cerca de US$ 5 bilhões possam ser levantados até o início das férias.
Empresas se antecipam às férias nos EUA
Ana Paula Ragazzi e Graziella Valenti | De São Paulo
Os meses que antecedem as férias americanas e europeias, em julho e agosto, deverão ser agitados para as ofertas de ações no Brasil.
Apenas na semana passada, quatro companhias pediram à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) registro para ofertas inicias de ações na bolsa, Qualicorp, Perenco, Brazil Pharma e Technos. Já estavam em análise desde o início do ano colocações de Camil e Enesa Participações.
Outras empresas se preparam para integrar essa lista ainda neste ano: a empresa de turismo CVC, a sucroalcooleira Copersucar e as empresas do ramo de petróleo Petroserv e Petrogal.
Banqueiros de investimento não veem dificuldade de o ano terminar com um volume de US$ 30 bilhões em ofertas de ações, comparado aos cerca de US$ 20 bilhões do ano passado. A previsão do presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto, é que 2011 possa chegar a R$ 55 bilhões em captações - pouco mais de US$ 35 bilhões.
Até o momento, as distribuições acumulam um total de R$ 11,5 bilhões, ante a R$ 13,5 bilhões captados até o fim de junho de 2010. A expectativa é que cerca de US$ 5 bilhões possam ser levantados até o início das férias.
Há tempos que Copersucar é um grupo cotado para vir a mercado. Os preparativos agora estão avançados. A assessoria de imprensa da companhia, contudo, disse desconhecer a informação.
Mas além das novatas, a atividade de mercado deve vir das empresas já listadas. Também preparam ofertas Rossi Residencial, Gafisa, Tereos Internacional (Açúcar Guarani) e Banco do Brasil - este último em uma operação que pode superar R$ 10 bilhões. Uma alta fonte da instituição, contudo, disse que neste momento o tema não está em discussão.
Apesar do ânimo de algumas companhias em se adiantar às férias, o mercado está distante de seu melhor momento, o que pode levar algumas pretendentes a colocar o pé no freio. Nesta semana, o Índice Bovespa patina e acumula baixa de 1%.
Dentre as abertas, estão em fase adiantada no preparo da captação Rossi Residencial e Tereos. A empresa de construção preferiu não comentar o assunto.
A companhia francesa de açúcar, que no ano passado decidiu unir os negócios internacionais à controlada Açúcar Guarani, já planejava a oferta de ações desde essa combinação, pois a fatia do capital em circulação na bolsa caiu abaixo (12,9%) do mínimo exigido pelo Novo Mercado, que é de 25%. Consultada, a Tereos optou por não falar sobre o tema.
Já a Gafisa está em uma fase de troca do conselho e também estabeleceu metas para seu endividamento ficar em níveis mais cômodos. Em entrevista recente ao Valor, a companhia negou que prepare uma oferta.
Também a Natura e a Hypermarcas foram alvo de comentários sobre possíveis distribuições de ações. No caso da empresa de cosméticos, mais uma vez, os fundadores venderiam parte de suas fatias na empresa. Atualmente, 40% do capital da companhia está em circulação no mercado. A especulação sobre a possibilidade da operação, negada pela empresa, contribuiu para pressionar as ações na bolsa. Como os papéis perderam valor, os controladores teriam colocado a venda em suspenso, uma vez que poderiam sinalizar ao mercado que o preço, mais baixo, seria atrativo para a venda.
No caso da Hypermarcas, os ex-donos da Mantecorp, hoje detentores de uma participação em torno de R$ 800 milhões da companhia, ficaram livres para vender esses papéis. Mas quando decidirem por essa alienação, esses acionistas devem comunicar a empresa, pois ela própria organizará a operação.
Claudio Bergamo, presidente da Hypermarcas, foi categórico em negar que a transação esteja em andamento. "Assim que eles nos comunicarem, nós informaremos o mercado." Além disso, o valor da empresa sofreu um abalo superior a R$ 2 bilhões após o balanço do primeiro trimestre, tornando pouco atrativo uma venda de ações neste momento.
Alguns bancos podem fazer colocações já neste ano. A expectativa maior está em torno de Banco do Brasil, que pode lançar uma distribuição com capacidade para girar entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões. Os bancos devem ser alvo de rumores neste assunto por conta de Basileia 3. Daí a aposta que no segundo semestre deste ano ou em 2012 outras instituições possam fazer captações.
Também está no mercado a possibilidade da abertura de capital do Banco Votorantim, que pode oscilar entre R$ 4 bilhões e R$ 5 bilhões. "Não há nenhuma discussão de venda sobre o Banco Votorantim, nem de lançamento de ações", afirmou o vice-presidente de finanças, mercado de capitais e relações com investidores do controlador Banco do Brasil, Ivan de Souza Monteiro.
Apesar de até mesmo relatório dos analistas do Itaú BBA cogitar o assunto, as informações são de que a operação está em ritmo muito lento.
A companhia de shoppings centers BR Malls acaba de fechar uma captação da ordem de R$ 600 milhões. O preço da ação saiu com prêmio em relação ao fechamento do mercado, indicando que não houve dificuldade na operação.
Chamou atenção do mercado o fato de a oferta equivaler ao valor de mercado da General Shopping. Existem rumores de que as duas estariam em negociação há meses, mas não chegaram a um acordo sobre preço. A BR Malls informa no prospecto que os recursos serão integralmente dedicados a aquisições. Vale lembrar que a General Shopping tem uma cláusula leonina em seu estatuto, que exige prêmio de 50% em caso de oferta pelo controle.
Por fim, é possível que haja a venda de um bloco de ações do Fleury, por médicos que são acionistas e estariam se desfazendo de parte de suas ações. A empresa negou que haja qualquer movimento nesse sentido.
EDITORIAL
Dilma supera resistência para investir em aeroportos
Demorou, mas Brasília acordou para o problema dos aeroportos, um dos maiores gargalos do setor de transportes no Brasil. Demonstrando pragmatismo, o governo da presidente Dilma Rousseff anunciou que fará concessões ao setor privado para atrair os investimentos necessários e urgentes à ampliação da infraestrutura aeroportuária do país. A decisão merece aplausos.
Nos últimos sete anos, o movimento de passageiros cresceu 118% no Brasil. No mesmo período, a infraestrutura aeroportuária pouco avançou, o que tem provocado apagões e pressionado, para cima, os preços das passagens nas rotas mais concorridas. Dos 16 maiores aeroportos, nove estão operando acima da capacidade.
A ampliação de aeroportos existentes e a construção de novas unidades são um imperativo. A estabilização da economia e a aceleração do seu ritmo de crescimento permitiram a milhões de brasileiros entrar num mercado que, tradicionalmente, era um luxo para poucos. Em 2010, segundo os dados oficiais, 155,3 milhões de pessoas viajaram de avião, 84,1 milhões a mais do que no ano de 2003.
Talvez não haja no mundo, neste momento, mercado que cresça a essa velocidade. O forte crescimento impõe, evidentemente, inúmeros desafios. O mais visível é o da capacidade aeroportuária. Se esta não avançar, novas rotas não poderão ser criadas, as empresas aéreas terão que diminuir a oferta de voos e, consequentemente, os preços das passagens vão subir.
Em última instância, os passageiros que entraram no mercado nos anos recentes serão expulsos dele por causa da carestia. Esse cenário não deveria interessar a ninguém. Defender simplesmente o controle da demanda, para não ter que investir em infraestrutura, seria socialmente injusto, além de um retrocesso.
Por razões político-ideológicas, o governo anterior cruzou os braços nessa área, mesmo consciente da acelerada evolução do mercado. Pressionado pelos governadores de São Paulo e Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a anunciar a intenção de entregar à iniciativa privada a gestão de dois aeroportos - Galeão/Antônio Carlos Jobim, no Rio; e Viracopos, em Campinas (SP).
Apesar do anúncio, a "decisão" nunca se materializou. Hoje, sabe-se o porquê - em 2007, Lula prometera às centrais sindicais que não faria privatizações, ou nada que lembrasse isso, em seu segundo mandato. Num dado momento, empresas interessadas em investir em aeroportos chegaram a acreditar que o veto vinha da então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Hoje, vê-se que a presidente não participou do bloqueio às soluções de mercado para o gargalo dos aeroportos. Ao anunciar que pretende fazer concessões à iniciativa privada, o governo Dilma reconhece que o setor necessita de investimentos vultosos e que o Estado brasileiro não tem como bancar, sozinho, esses recursos.
A presidente está pessoalmente empenhada no assunto. Criou uma secretaria ligada à Presidência da República para cuidar exclusivamente da aviação civil; nomeou técnicos de reconhecida competência para postos-chave da gestão aeroportuária; encarregou seu principal ministro - Antônio Palocci, da Casa Civil - de monitorar a evolução dos trabalhos; decidiu participar de reuniões semanais sobre o tema.
O governo ainda não definiu um modelo geral para o funcionamento da estrutura aeroportuária, mas já traçou um plano emergencial que prevê a realização de concessões administrativas em dois aeroportos: Cumbica, em Guarulhos (SP), que funciona hoje 30% acima da capacidade; e Juscelino Kubitschek, em Brasília, que opera quase 50% acima das possibilidades.
Nesses dois casos, o plano é entregar ao setor privado a construção, operação e exploração comercial de novos terminais, pátios, pistas e lojas, mantendo-se a gestão do aeroporto nas mãos da estatal Infraero.
Para outros aeroportos, como Galeão e Viracopos, o governo estuda a possibilidade de concessão integral ao setor privado. Não fará isso sem enfrentar contestações em suas próprias hostes e nas corporações afetadas, e esse é o maior desafio da presidente: resistir a elas, em nome do desenvolvimento de um setor tão carente da infraestrutura nacional.
OPINIÃO
Os riscos da ideologia no debate nuclear :: José Antonio Sorge
O debate sobre a energia nuclear no Brasil lembra uma senoide, curva bastante familiar para os matemáticos, físicos e engenheiros, tendo em vista a persistente característica de, ciclicamente, retornar ao ponto de início das discussões.
Quando tudo parecia fazer crer que a percepção da importância da energia nuclear para o país estava consolidada entre os agentes do setor elétrico e a sociedade brasileira, eis que os desastres naturais no Japão nos fazem retornar ao ponto de partida da discussão desse assunto.
A Usina Nuclear Angra I pairou solitária por anos como único exemplo tangível do ambicioso programa nuclear brasileiro iniciado com muita pompa e poucos resultados na década de 70.
Após muitos anos entrou em operação a Usina Nuclear Angra II. São os dois únicos exemplos concretos de usinas nucleares que temos em nosso país, em efetiva operação comercial.
Em 2010, após décadas de paralisação e custos acumulados com manutenção de equipamentos e obras estruturais interrompidas, tomou-se a decisão de reiniciar as obras da Usina Angra III. É o único empreendimento nuclear previsto no atual Plano Decenal de Expansão de Energia, o PDE 2010-2019, com 1405 MW instalados e operação prevista para 2015.
Segundo a Empresa Pesquisa Energética (EPE), há estudos adicionais em andamento para expansão mais acelerada de usinas nucleares no país, não incluídas nessa ultima versão do PDE. No entanto podemos prever um futuro bastante incerto para a viabilização desses novos projetos.
O fator mais relevante é que não podemos correr riscos de ocorrência de um novo racionamento de energia no país
O título deste artigo pretende alertar, de forma não pretensiosa e sem interesses próprios, portanto isento, para os riscos de se transformar um debate técnico sobre as alternativas mais viáveis de expansão da oferta de energia, que incluem as usinas nucleares, em um debate ideológico.
Algumas certezas existem no planejamento energético brasileiro: (1) o país tem perspectivas de altas taxas de crescimento econômico e de consumo de energia para a próxima década que exigirão capacidade instalada crescente de geração; (2) as restrições ambientais aos novos empreendimentos hidrelétricos levam à construção de usinas a fio d"água, sem regularização plurianual; (3) a diminuição da capacidade de regularização plurianual induz à necessidade de maior participação de usinas termelétricas na nossa matriz energética; (4) as tão faladas e citadas fontes alternativas, por mais investimentos e incentivos que recebam e mereçam, não serão capazes de, isoladamente, suprir todo o crescimento de mercado previsto; (5) linhas de transmissão caras, ambientalmente restritivas e de longa distância, cada vez mais serão necessárias para escoamento dos grandes potenciais hidrelétricos que se situam na região amazônica.
Nesse contexto, a opção termelétrica assume papel estratégico na expansão da oferta de energia no país, por permitirem sua construção mais próxima dos grandes centros de consumo e poderem ser acionadas em situação de restrição hidrológica.
Dentre as opções existentes para as fontes termelétricas: o carvão e o óleo são combustíveis altamente poluentes e têm sido preteridos, corretamente, nos últimos leilões promovidos pelo governo.
Restam as alternativas que utilizam o gás natural e a nuclear. O gás natural deverá ser abundante no Brasil com o pré-sal e se constituirá numa importante fonte energética para expansão da oferta.
A outra alternativa viável, para a expansão termelétrica no país, são as usinas nucleares.
Os países desenvolvidos e em desenvolvimento utilizam com sucesso e em larga escala a opção nuclear, pois não possuem o potencial hidrelétrico que há no Brasil.
Com a restrição crescente para grandes reservatórios, estaremos nos equiparando cada vez mais com os países que adotaram a solução termelétrica de forma mais significativa para atendimento de seu mercado.
A tecnologia utilizada para as usinas nucleares se desenvolveu significativamente nos últimos anos, desde que a Usina Angra I foi instalada. Problemas que ocorreram com usinas nucleares no mundo foram raríssimos e o exemplo de Chernobyl não deve ser usado para invocar a paralisação do programa nuclear brasileiro - esse debate já foi superado em passado recente. Three Mile Island é um exemplo válido, mas a experiência adquirida com esse incidente fortaleceu todo o sistema de segurança de usinas nucleares.
Temos agora o exemplo negativo das usinas nucleares japonesas, cujo projeto não previu a intensidade dos desastres naturais a que foram submetidas e colocaram a população japonesa em estado de alerta.
Entendemos ser um erro estratégico trazer esse exemplo para o centro do debate da viabilidade de usinas nucleares no Brasil, essencialmente pela quase inexistência de probabilidade de haver terremotos ou tsunamis por aqui.
O fator mais relevante para decisões desse tipo é que não podemos correr riscos de ocorrência de um novo racionamento de energia no país. Esse é o custo mais elevado para toda a sociedade brasileira.
A energia nuclear, em que pese restrições dos agentes ambientalistas relevantes, pode ser considerada a energia termelétrica mais limpa, menos poluente e que auxilia no combate ao aquecimento global.
Não deixemos nos contaminar por questões conjunturais que impeçam de enxergar o futuro e o longo prazo, onde a opção nuclear terá um papel relevante em nosso país.
Novamente há uma fase de debates consistentes e enriquecedores no país sobre a opção nuclear, com a participação dos mais relevantes especialistas, que certamente nos trará o contraditório e muita reflexão.
Revisões de protocolos de segurança, revisões e questionamentos de custos, economicidade de projetos, investimentos e riscos ambientais certamente estarão no centro dos debates e são temas de profunda relevância.
Tudo o que não devemos permitir é deixar que as paixões e ideologias ofusquem a realidade e nos levem a caminhos errados dos quais nos arrependeremos no futuro próximo.
José Antonio Sorge é engenheiro e vice-presidente de Gestão de Energia da Rede Energia
COLUNAS
Ribamar Oliveira
ICMS no destino volta à discussão
A proposta de reforma tributária do governo Dilma, que ficou mais clara esta semana, prevê a redução gradativa da alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em todas as operações interestaduais, de modo que a incidência do tributo seja concentrada no destino. Agora, o governo está discutindo com os secretários estaduais de Fazenda o período de transição e a alíquota única que será adotada. O governo quer 2%. Alguns Estados preferem 4%, como é o caso de São Paulo.
O secretário de Fazenda paulista, Andrea Calabi, estimou a perda de seu Estado em R$ 5,19 bilhões por ano se a alíquota interestadual for reduzida para 4%, considerando uma alíquota interna média de 15%, e de R$ 8 bilhões, se ela for de 2%. Esses foram os números que ele apresentou aos senadores da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Na última terça-feira, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, disse que o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne os secretários estaduais de Fazenda, está fazendo algumas simulações para estimar as perdas e os ganhos de cada Estado com a redução da alíquota interestadual.
Com base nesse trabalho, o Palácio do Planalto definirá o sistema de compensação que constará do projeto da reforma tributária, a ser encaminhado ao Congresso Nacional. O sistema prevê a criação de um fundo temporário de compensação das perdas de receitas, a concessão de incentivos tributários regionais e a realização de investimentos em infraestrutura econômica e social, em substituição à "guerra fiscal".
A perda de São Paulo é estimada em R$ 5,19 bilhões
Atualmente, existem duas alíquotas interestaduais de ICMS: de 12% e de 7%. Essa última é usada em operações dos Estados da região Sul, de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais com o restante do país. Se a alíquota final de um produto é de 18%, por exemplo, o Estado exportador fica com 12% da receita (alíquota cobrada na operação interestadual) e o Estado consumidor com 6% (que é a diferença entre 18% e 12%). O sistema atual beneficia, portanto, o Estado de origem da mercadoria. E é essa situação que motiva a chamada "guerra fiscal" entre os Estados, pois todos querem ficar com a maior parcela do ICMS, o principal tributo estadual. Para isso, os governadores procuraram atrair indústrias por meio de incentivos fiscais.
A arrecadação do ICMS em 2010 mostra bem essa realidade. Apenas cinco Estados (São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná) concentraram 64,38% de toda a receita do ICMS (veja tabela abaixo). Os outros 22 ficaram com apenas 35,62%. Essa concentração reflete claramente a base industrial desses cinco Estados, onde estão 51,4% da população brasileira. O consumo é, portanto, mais descentralizado que a produção.
O diagnóstico de todos os especialistas em tributação é o de que a "guerra fiscal" entre os Estados só acabará quando a incidência do ICMS for concentrada no destino das mercadorias, ou seja, no Estado consumidor. A "guerra" chegou ao seu ápice, pois atualmente até mesmo os Estados ricos e desenvolvidos entraram no jogo, concedendo incentivos para não perder suas indústrias, e outros estão concedendo benefícios aos produtos importados para que eles entrem no País por seus portos, na chamada "guerra dos portos". Com câmbio valorizado, taxas de juros estratosféricas, agora o produto nacional está sendo obrigado a enfrentar mercadorias importados que pagam menos ICMS.
Inicialmente, o governo Dilma apresentou uma proposta para acabar com a "guerra dos portos". A ideia é reduzir, em três anos, a alíquota interestadual do ICMS incidente sobre produtos importados para 2%. Alguns Estados (Espírito Santo, Santa Catarina e Goiás, principalmente) reagiram e dizem que só aceitam discutir essa questão no âmbito de uma reforma mais ampla do ICMS, que contemple também uma definição sobre a tributação dos produtos eletrônicos.
Há questões legais que precisam ser avaliadas. O economista José Roberto Afonso, especialista em tributação, está convencido de que o texto constitucional veta a criação de alíquotas diferenciadas de ICMS para produtos nacionais e importados. "O artigo 152 da Constituição diz que os Estados e os municípios não podem estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino", observou, em conversa com este colunista. "Esse foi um debate que houve durante a Constituinte de 1988. Colocou-se este dispositivo para evitar o protecionismo comercial e para impedir que os Estados fixassem alíquotas diferenciadas discriminando produtos", relembrou.
A proposta de reforma tributária do governo evoluiu, portanto, para uma abordagem mais ampla, com a redução da alíquota do ICMS em todas as operações interestaduais. Mas esse é apenas o início da discussão, pois os detalhes da proposta ainda não são conhecidos. Uma das questões mais espinhosas é definir se a nova alíquota interestadual incidirá também sobre o petróleo e os seus derivados e sobre energia elétrica.
Ribamar Oliveira é repórter especial em Brasília e escreve às quintas-feiras
E-mail ribamar.oliveira@valor.com.br
César Felício
Às margens do erro
A ressalva é de conhecimento geral entre os estudiosos do tema, mas não deixa de impressionar quem não tem na atividade de pesquisador o seu ofício: todas as vezes que você tomar conhecimento de uma pesquisa de intenção de voto e ouvir ou ler que a margem de erro é de dois pontos para cima ou para baixo da porcentagem informada, saiba que trata-se de uma informação incorreta. A margem de erro não existe.
O que os institutos de pesquisa informam, por obrigação legal, é uma margem de erro análoga à que haveria caso adotassem uma metodologia completamente diferente da que usam. Ou seja: uma total ficção.
A aferição da margem de erro só poderia ser feita caso as pesquisas fossem feitas pela chamada amostragem simples aleatória, um método que começou a ser adotado nos Estados Unidos depois da eleição de 1948, quando alguns institutos fracassaram ao não prever a reeleição do presidente Harry Truman.
Por este método, divide-se o país em universos geográficos dentro dos quais é possível selecionar uma amostra de eleitores por sorteio. Em seguida, visita-se eleitor por eleitor sorteado. Pelas leis estatísticas, o resultado final tende a se aproximar do retrato da sociedade. No Brasil, o sistema que é usado por todos os institutos é o de amostragem por quotas: toma-se o resultado de um levantamento oficial e procura-se direcionar as entrevistas para reproduzir em uma amostragem a miniatura do retrato nacional. Neste método, não é possível determinar uma margem de erro.
Pesquisas seguirão falhando e sendo cruciais em 2012
Há quase um consenso sobre a inviabilidade de se fazer no Brasil uma pesquisa por amostragem aleatória. Sua realização ou tomaria muitos dias de campo ou envolveria um número de entrevistadores que a tornaria financeiramente inviável. São poucos os que cobram dos institutos a troca do método da amostragem, até porque estudos comparativos feitos no exterior não mostram diferenças de vulto entre os acertos obtidos por uma técnica e por outra. Mas são imperfeições assim que mostram a fragilidade das pesquisas como uma ferramenta para traçar prognósticos sobre movimentos da sociedade.
Em uma eleição municipal, como a que o Brasil terá no próximo ano, o desafio dos institutos será ainda maior do que foi em 2010, quando o resultado final mostrou alto grau de imprecisão, até mesmo em pesquisas de boca de urna.
"Em um universo pesquisado menor, as mudanças tendem a ocorrer mais rapidamente e em menos espaço de tempo, tornando mais difícil a estratificação por cotas, que sempre se baseia em estudos realizados anos antes. Há um "gap" temporal", comenta o cientista político Wladimir Gramacho, que faz análises de pesquisa para a empresa de comunicação FSB.
Gramacho apresentou no Congresso Latino Americano de Opinião Pública, em Belo Horizonte, um estudo em que examinou 156 pesquisas, sendo 57 delas na última semana antes do primeiro turno das eleições de 2010, medindo as disputas para governador e presidente. Ele considerou três institutos de pesquisa: Datafolha, Vox Populi e Ibope. Constatou que, à parte toda polêmica entre eles durante a campanha eleitoral, os três convergiram para resultados semelhantes. "As estimativas de intenção de voto para cada candidato têm em média, um erro de 3,6 pontos, o que é um ponto superior à média das margens de erro informadas à Justiça Eleitoral pelos institutos", concluiu, referindo-se apenas às pesquisas feitas nos últimos sete dias antes da disputa de 2 de outubro do ano passado.
Imprecisas como são, as pesquisas eleitorais são e continuarão sendo protagonistas crescentes da campanha. Orientam o financiamento eleitoral, influem de maneira decisiva na escolha dos candidatos pelos partidos e direcionam a cobertura da mídia, colaborando para delimitar o espaço de cada um no noticiário ou quem entra ou não em um debate.
No Congresso realizado em Belo Horizonte, a cientista política Flavia Biroli, da Universidade de Brasília, mapeou 1.217 pesquisas realizadas nas últimas seis eleições presidenciais que foram publicadas pelos três principais jornais e quatro principais revistas de circulação nacional. Em 43% dos casos as pesquisas foram publicadas na capa ou na primeira página.
"A cobertura da campanha tende a ganhar um aspecto de corrida de cavalos. A atenção está voltada para a concorrência dos indivíduos ou dos partidos, o que causa um problema de representatividade no sistema. O processo político reduz-se a saber quem está na frente e quem tem possibilidades de virar o jogo. Divisões fortes na sociedade podem ficar à margem de qualquer discussão", comenta a pesquisadora.
Talvez seja demasiado pedir à mídia que apresente um processo eleitoral diferente do que os próprios candidatos proporcionam. Parte muitas vezes dos postulantes a pasteurização de um discurso ditado por marqueteiros e a adoção de uma agenda única em que todo mundo é a favor de mais trabalho e educação e contra a miséria e a fome.
Prestar atenção nas pesquisas, elevando o olhar além das curvas de intenção de voto, pode ajudar a jogar o foco no eleitor. Na campanha eleitoral para a presidência no ano passado, as pesquisas em sua maioria erraram no resultado, mas conseguiram definir tendências. Captaram por exemplo a entrada em cena da discussão do aborto na reta final do primeiro turno, abalando a trajetória relativamente tranquila em que vinha Dilma Rousseff. No universo muito longe da precisão matemática que caracteriza os processos políticos, perceber a direção da corrente, mesmo sem acertar na medida da velocidade, não é pouco.
César Felício é correspondente em Belo Horizonte. Escreve mensalmente às quintas-feiras
Daniele Camba
Inflação incomoda o mercado novamente
Estava muito bom para ser verdade. Após um breve período de recuperação, com três pregões de alta, a Bovespa retomou ontem o movimento de queda das últimas semanas. O Índice Bovespa fechou em queda de 1,70%, aos 63.775 pontos, a um triz da mínima do ano, aos 63.407 pontos do dia 5 deste mês.
O mercado voltou a temer a resistência da inflação e, por tabela, a estratégia do governo para contê-la com modesta alta de juros e medidas macroprudenciais. O investidor torceu o nariz após a divulgação da primeira prévia do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) de maio, com alta de 0,72%, sendo que a média das expectativas era em torno de 0,37%.
Além do número salgado, a composição do índice também preocupa, diz o sócio da Cultinvest Asset Management Walter Mendes. "Dentro do IGP-M, a parte de construção civil está pressionada pelos salários, algo difícil de se reverter; sem contar as matérias-primas que o mercado acreditava que cairiam graças à recente desvalorização das commodities, e isso não ocorreu", explica Mendes.
A melhora do mercado nos últimos pregões foi exatamente graças à percepção de que o governo conseguiria sim domar a inflação, lembra o sócio da Cultinvest. Um conjunto de fatos levou os investidores a pensar dessa forma.
A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) deu menos relevância às medidas macroprudenciais, reforçando a ideia de que o governo vai focar mais na alta da Selic. As commodities também caíram, o que contribui para o arrefecimento da inflação. A queda do dólar também mostrou que o governo está mais preocupado com a inflação do que em segurar o câmbio.
O Boletim Focus desta semana também apontou a primeira queda nas projeções para a inflação, após nove semanas de alta. E, por fim, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, tem sido enfático ao dizer que continua perseguindo o centro da meta de inflação.
Para Mendes, é cedo para dizer que, com o número negativo de ontem, "o mercado voltou a jogar a toalha". No entanto, os investidores devem esperar novos números para só depois resolver se vale ou não a pena permanecer no mercado.
O cenário externo também ajudou na piora da bolsa ontem. Na China, a atividade econômica veio mais fraca, mas a inflação subiu. Houve também um forte movimento de venda das commodities. O contrato futuro de maior liquidez do petróleo do tipo WTI, negociado em Nova York, caiu 5,46%, enquanto o Brent, negociado em Londres, se desvalorizou 4,38%. Em relatório, o economista-chefe da Interbolsa Brasil, Júlio Hegedus, afirma que a impressão que se tem é que o mercado de commodities vive um estouro de bolha. Na visão dele, os investidores "caíram na real de que o crescimento global neste ano será mais fraco", tanto por causa dos países desenvolvidos quanto dos emergentes.
Daniele Camba é repórter de Investimentos
POLÍTICA
Dilma defende Estado meritocrático
Paulo de Tarso Lyra | De Brasília
A presidente Dilma Rousseff classificou ontem a instalação do Comitê de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade como um momento "fundamental de definição do seu governo". Em discurso, Dilma elogiou cada um dos convidados a participar do comitê - Jorge Gerdau Johannpeter, Antonio Maciel Neto, Henri Philippe Reichstul - e destacou que o Brasil vive um momento especial. Segundo a presidente, após enveredar pela trilha do desenvolvimento social com crescimento econômico e estabilidade monetária, chegou a hora de enfrentar o desafio de transformar o Estado. "O Brasil merece um Estado meritocrático e profissional".
O objetivo, de acordo com o decreto assinado pela presidente em solenidade no Palácio do Planalto, é "formular políticas e medidas destinadas à racionalização do uso dos recursos públicos, ao controle e aperfeiçoamento da gestão pública, bem como de coordenar e articular sua implementação, com vistas à melhoria dos padrões de eficiência, eficácia, efetividade, transparência e qualidade da gestão pública e dos serviços prestados ao cidadão".
Para a presidente, todos os países que alcançaram níveis avançados de desenvolvimento passaram por um processo de planejamento e aperfeiçoamento da gestão. Essa regra vale para Japão, Alemanha, Estados Unidos e China. No caso brasileiro, a presidente acredita que ainda é necessário encontrar o modelo de gestão para o país. "Nós temos que procurar o nosso caminho. E esse caminho é pré-condição para que possamos seguir no rumo do desenvolvimento sustentável", destacou.
Como adiantou o Valor na semana passada, a criação do comitê é, para a presidente Dilma, um dos pontos de inflexão de seu mandato para imprimir "a cara de seu governo". Outros pontos que caracterizarão esse momento serão o lançamento, possivelmente em junho, do plano de combate e erradicação da miséria extrema, o Pronatec (espécie de Prouni para as escolas técnicas federais) e um novo estilo de condução da política econômica, privilegiando a política de juros e diminuindo as medidas macroprudenciais para o combate à inflação.
A presidente defendeu o novo estilo de relação do governo com o setor privado. Para ela, essa relação não pode ser nem de oposição nem de "interesses conflitantes". Nas últimas semanas, a presidente tem emitido alguns sinais que contrariam alguns dogmas petistas. O primeiro foi a possibilidade de abrir concessões de uso para a iniciativa privada na reforma e ampliação dos principais aeroportos do país.
Ontem, além de convidar para o comitê um ex-presidente da Petrobras - Henri Philippe Reichstul - criticado pelos petistas porque, durante sua gestão, houve a proposta para alterar o nome para Petrobrax, pelo que sofreu ataques na campanha eleitoral do PT, Dilma ainda levantou a desconfiança dos sindicalistas. "Estranhamos não ter nenhum representante das centrais nesse comitê", criticou um dirigente filiado à CUT.
A presidente disse que cada um dos presentes, inclusive ela, tem de se esforçar para fazer a seguinte pergunta em 2014: estou entregando um país melhor do que aquele que eu recebi? "Estou fazendo a minha parte e convido a todos a fazerem também a parte de vocês", completou Dilma.
Escolhido como presidente do comitê, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter declarou que cada cidadão tem três níveis de responsabilidade. O primeiro está ligado à vida pessoal e as atividades profissionais exercidas no dia-a-dia. O segundo, mais amplo, tem a ver com as atividades comunitárias. "Felizmente, esta área está aumentando no Brasil", destacou o empresário. Por fim, vem a responsabilidade institucional, a busca de ferramentas para a construção de um país melhor.
Na busca pelo aperfeiçoamento na gestão pública, o comitê vai deparar-se com um dos principais males da sociedade brasileira: a corrupção. Para Gerdau, o comitê não tem a missão de enfrentar diretamente esse problema, mas pode contribuir para diminuí-lo. "Projetos e processos mais transparentes, tanto na fase de planejamento quanto na execução, diminuem as brechas para esse tipo de situação."
Planalto impõe derrota a ruralistas na negociação do Código Florestal
Mauro Zanatta e Caio Junqueira | De Brasília
O governo usou todo seu peso político para vencer ontem a longa disputa de bastidores na votação do Código Florestal. Sob ameaças de alterações no Senado e de veto da presidente Dilma Rousseff, o governo impôs à bancada ruralista uma derrota ao adequar dois pontos considerados fundamentais pelo lobby do campo. Na prática, o Palácio do Planalto atendeu à agricultura familiar, base do PT. Ao mesmo tempo, desagradou outros partidos aliados. Muitos deputados viram como favorecimento eleitoral.
No texto final, que ainda não tinha sido votado até as 22h20, os ruralistas ficaram sem a isenção da recomposição da reserva legal para propriedades acima de quatro módulos fiscais - que varia de 20 a 400 hectares, segundo o município. A regra valerá apenas para áreas de até quatro módulos e não excluirá esse limite da base de cálculo. O governo também convenceu os líderes de sua base parlamentar a aceitar, por decreto presidencial, a "consolidação" das áreas de proteção permanente (APPs) em beiras de rios (matas ciliares). Assim, o governo terá o poder de estabelecer os parâmetros para regularização de cada plantio. E fará isso seguindo critérios de interesse social, utilidade pública ou baixo impacto ambiental.
A bancada ruralista ainda tentou votar, com apoio da oposição ao governo, emendas para modificar o texto. Mas a base aliada relutava em contrariar o governo no plenário.
Nem mesmo a promessa do governo de editar um novo decreto para suspender as multas e punições aos produtores ajudou os ruralistas a engolir a derrota - a atual "moratória" acaba em 11 de junho. Diante disso, alguns minimizaram as perdas: "Foi uma derrota pontual. Ganhamos em vários outros temas", disse Moacir Micheletto (PMDB-PR).
De fato, o governo cedeu ao incluir a permissão para somar APPs na reserva legal, a recomposição de áreas fora do Estado do desmatamento original, o uso de topos de morros, várzeas e atividades em APPs, a averbação simplificada e o reflorestamento com espécies exóticas (e não apenas nativas).
O difícil acordo de ontem foi fechado em reunião de líderes após encontro do relator Aldo Rebelo (PCdoB-SP) com o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci. As negociações foram intensas. Todos os líderes governistas concordaram com as alterações.
As mudanças geraram um forte descontentamento no plenário. Ao longo de todo o dia, deputados se revezaram nos ataques e na defesa do relatório Aldo Rebelo. Depois da alteração, ruralistas passaram a reclamar dos líderes e a se queixar das dificuldades que teriam para explicar essas alterações aos seus eleitores. "Isso é um absurdo. Ficamos meses debatendo e o governo vem com um prato feito", disse Valdir Colatto (PMDB-SC), autor da primeira proposta de reforma do código. A Frente Ambientalista comemorou. "Acho que isso repõe algumas coisas em seu lugar. Mas ainda é preciso melhorar o texto no Senado", disse o líder do PV, Sarney Filho (MA).
Nos bastidores da Câmara, os deputados apontavam uma manobra do governo para beneficiar candidatos do PT nas eleições municipais. "Ele fica com o poder de vida ou morte. E pode ir lá oferecer a regularização caso por caso. Isso é cálculo político", disse um líder governista.
Parlamentares atribuíam o acordo do governo com os líderes à quitação dos "restos a pagar" (sobras de orçamentos anteriores). Isso teria "amansado" a base que, na semana passada, mandou um recado de insatisfação ao aprovar, por 399 votos contra 18, o regime de urgência para a tramitação da reforma do código.
Ontem, o governo publicou no "Diário Oficial da União" um novo cronograma dos restos a pagar para este ano, com os mesmos valores publicados no decreto do dia 1º de março, só que separando o que se refere ao PAC do restante. Assim, os parlamentares tomaram conhecimento de que dos R$ 67 bilhões que o Palácio pretende liberar até dezembro em restos a pagar não processados, R$ 28,8 bilhões são do PAC e R$ 38,8 bilhões do restante, aí incluídas a maior parte das emendas parlamentares a que a base e a oposição reivindicam pagamento.
Além disso, a Marcha dos Prefeitos, que trouxe a Brasília cerca de 2 mil chefes municipais, também aumentou a pressão sobre os parlamentares por um acordo no código.
Mudança na tramitação das MPs passa em comissão
Raquel Ulhôa | De Brasília
Um raro entendimento entre oposição e governo no Senado possibilitou ontem a aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), por unanimidade, de uma proposta da emenda constitucional (PEC) que muda as regras de tramitação das medidas provisórias no Congresso Nacional.
Os principais objetivos da PEC são restringir seu uso pela Presidência da República aos casos em que realmente houver urgência e relevância e fortalecer o papel do Senado na apreciação das medidas. Atualmente, os senadores não têm prazo para analisar e, muito menos, emendar.
A PEC deve ir a plenário já na próxima semana, segundo o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), autor da proposta original, que foi modificada na CCJ. Para possibilitar o acordo, o relator, senador Aécio Neves (PSDB-MG), teve de abrir mão de pontos importantes do seu substitutivo, considerado inaceitável pelo governo.
Mesmo assim, foi uma vitória política para o tucano, que teve sua "capacidade de costurar o acordo" elogiada até pelos senadores aliados do Palácio do Planalto. "Aécio teve um papel brilhante", disse, por exemplo, Marta Suplicy (PT-SP), vice-presidente do Senado.
O governo não aceitou, por exemplo, a proposta inicial do tucano de fazer com que as MPs deixassem de ter força de lei imediata, assim que editadas. O governo também rejeitou a intenção de Aécio de impedir a edição de MP tratando de cargos, empregos ou funções públicas.
Pressionado, o tucano recuou nesses dois pontos. O texto resultante do entendimento prevê que a MP mantenha vigência legal imediata, no entanto a admissibilidade terá de ser aprovada por uma comissão mista (12 deputados e 12 senadores), num prazo de dez dias.
Se a comissão considerar que não há urgência e relevância, a MP será transformada em projeto de lei para tramitar em regime de urgência. A diferença básica é que o projeto só se transforma em lei após aprovado e sancionado pela Presidência da República.
Quanto aos assuntos a serem tratados por MP, Aécio foi pressionado a retirar o dispositivo que vedava edição de MP sobre cargos, empregos e funções. Como resultado do acordo, a proposta aprovada prevê apenas que nem o texto original de uma MP ou o projeto de conversão elaborado pelo relator contenham matéria estranha ou desconexa ao objeto principal.
"Se não demos um passo gigante como gostaríamos, demos um consistente passo no sentido de maior isonomia entre as instituições", disse Aécio. Para ele, essa é a matéria mais importante da atual legislatura. "Esperamos estar contendo os abusos ou distorções nas MPs - não somente neste governo, mas de todos", afirmou ainda.
O ex-governador era presidente da Câmara quando, em 2001, foi aprovada a primeira emenda constitucional alterando o rito de tramitação de MP. Naquela época, muitas delas eram sucessivamente reeditadas sem votação.
Uma das inovações da emenda de 2001 foi proibir reedição e estabelecer que a pauta de votações ficaria trancada se a MP não fosse votada 45 dias após sua edição. Atualmente, esse é um dos maiores problemas do Legislativo, porque a pauta de votações das duas Casas está sempre prejudicada pela quantidade de medidas editadas.
A PEC aprovada mantém o prazo previsto na Constituição para que uma MP seja analisada pelo Congresso antes de perder a validade (120 dias). Mas uma diferença fundamental com relação à regra atualmente em vigor é que o prazo passa a ser dividido entre as duas Casas.
Atualmente, a Câmara consome praticamente todos os 120 dias discutindo uma MP. Quando manda para o Senado, ela já está quase perdendo a validade e os senadores não podem nem sequer apresentar emendas. Isso porque obrigaria nova votação pelos deputados e, por falta de tempo hábil, a MP perderia a validade sem ser aprovada.
Pela proposta elaborada a várias mãos na CCJ, a tramitação de uma MP começará pela Câmara, mas a Casa passa a ter prazo de 50 dias para votar. Aprovada, a MP vai ao Senado, que tem 45 dias para analisar. Se houver mudança no texto, os deputados têm outros 15 dias para analisar as emendas.
A MP passa a trancar a pauta da Casa em que está tramitando se não for aprovada em, respectivamente, 40 dias na Câmara, e 35 no Senado. Atualmente, a pauta é trancada após 45 dias e, quando não é votada a tempo na primeira Casa, já chega sobrestando as votações do Senado.
A proposta proíbe que seja incluída na MP matéria estranha a seu objeto mas, diferentemente do que queria Aécio, não proíbe que esse instrumento legal trate de cargos, empregos e funções públicas.
O líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), que participou intensamente da articulação, disse que o governo apoia a proposta, que não reduz suas prerrogativas. O importante, disse, é que as duas Casas do Congresso "funcionem bem e possam votar".
Coube ao líder do DEM, Demóstenes Torres (GO), o melhor e o pior momento de Aécio na reunião da CCJ. Por um lado, Demóstenes disse que o tucano, com o relatório, "se credencia como candidato a presidente da República". Provocou sinais de reprovação de senadores governistas, como Marta Suplicy e Jorge Viana (PT-AC), e censura do presidente da comissão, Eunício Oliveira (PMDB-CE): "Não vamos politizar a questão."
Em seguida, o próprio Demóstenes provocou risos dos colegas, ao dizer que, da próxima vez que for tomar vinho com Aécio, não o deixará dirigir. O ex-governador mineiro foi barrado em uma blitz policial no Rio há alguns dias, na qual foi constada que a carteira de motorista estava vencida. E Aécio negou-se a se submeter ao teste do bafômetro.
BRASIL
Discretamente, Brasil começa a retaliar a Argentina
Sergio Leo | De Brasília
Discretamente, o governo brasileiro começou nesta semana a adotar retaliações comerciais à Argentina, em represália à retenção de produtos brasileiros nas alfândegas do país vizinho, segundo informou uma autoridade ligada ao assunto. As aduanas receberam orientação para retirar do canal automático autopeças importadas pelo Brasil, provocando pequenos atrasos, como sinal ao governo vizinho das medidas mais severas que poderão ser adotadas, caso não se resolvam as dificuldades encontradas por exportadores brasileiros nas alfândegas do sócio no Mercosul.
Ontem, a ministra da Indústria argentina, Débora Giorgi, telefonou ao ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, mas foi atendida pela secretária de Comércio Exterior, Tatiana Prazeres. Giorgi queria dizer ao ministro que não recebeu a carta que Pimentel, na véspera, disse ter enviado ao governo argentino, pedindo o fim das retenções de mercadorias nas alfândegas. A carta foi reenviada por fax.
Falava-se ontem, no governo, na possibilidade de enviar a Buenos Aires o secretário-geral do Ministério do Desenvolvimento, Alessandro Teixeira, para obter um compromisso firme do governo argentino pelo fim das medidas erráticas de bloqueio na entrada de bens brasileiros. Apesar de as retenções afetarem uma parcela ainda pequena do intenso comércio bilateral, elas ameaçam a sobrevivência, por prejuízos imprevistos com o bloqueio das vendas aos argentinos, de empresas médias e pequenas, como as do setor de chocolates. Outros produtos afetados pelas barreiras, que assumem a forma de exigências contraditórias da burocracia nas aduanas, são eletrodomésticos da linha branca e máquinas agrícolas.
Débora Giorgi mandou recados ao governo brasileiro, para que se evitasse a disputa pela imprensa, como interpretam os argentinos as queixas feitas por autoridades brasileiras nos últimos dias. O governo claramente tem usado essas declarações para reforçar as mensagens frustradas pela via diplomática. "O ideal é não tomar medidas", comentava ontem um graduado funcionário do governo. A informação de que, na prática, já começaram as dificuldades para autopeças argentinas na aduana brasileira não foi confirmada por outras fontes ligadas ao assunto, que afirmavam haver disposição para negociar até terça-feira, data da reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex), que deve discutir a estratégia para lidar com as medidas do país vizinho.
Os argentinos já receberam, nos últimos dias, recados de pelo menos dois ministérios do Brasil sobre a "iminência" da retaliação. Um dos fatores que irritam o governo brasileiro é a falta de resposta argentina para o pedido de uma reunião ministerial bilateral, destinada a remover os problemas. O pedido foi feito na primeira semana de abril pelo secretário-geral do Itamaraty, Ruy Nogueira, que queria uma reunião dos ministérios de Indústria e Relações Exteriores. Os argentinos fizeram questão de incluir os ministérios da Fazenda e Economia e, desde então, não fixaram uma data para o encontro.
O governo brasileiro reconhece que as exportações brasileiras crescem em praticamente todos os setores, e o saldo comercial em favor do Brasil, de US$ 1,3 bilhão até abril, já é quase 140% maior que o do mesmo período do ano passado. Havia a decisão, na cúpula do governo, de discutir e resolver o conflito discretamente. Há consenso em Brasília de que as ações protecionistas estão ligadas ao período eleitoral e se destinam também a minimizar os efeitos da fuga de capitais no país vizinho, que chega a US$ 1 bilhão por dia, nas estimativas mais alarmistas. Nesta semana, Débora Giorgi foi recebida como heroína em um evento da União Industrial Argentina (UIA), que congrega representantes dos produtores locais beneficiados pelo bloqueio aos importados.
O fracasso dos contatos diplomáticos e o descumprimento das promessas de "fast track" (ação rápida) para a liberação dos produtos brasileiros levaram, porém, as autoridades do Brasil a mudar de tom. Pois, para obter dividendos políticos, o governo argentino está, afinal, criando áreas de atrito entre o governo e o setor privado brasileiros, avalia um graduado assessor do governo.
País discute com UE problemas no comércio de aço
Assis Moreira | De Genebra
O Brasil e a União Europeia farão amanhã em Paris uma reunião bilateral, pedida pelos europeus, para examinar queixa da indústria siderúrgica europeia sobre barreira às suas exportações para o mercado brasileiro. A Eurofer, organização dos produtores europeus de aço, reclama que o Brasil está aplicando preços de referência nas importações, que poderiam elevar as tarifas, de uma forma que suspeita de violar as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Gordon Moffat, diretor-geral da Eurofer, disse que os europeus pedirão às autoridades brasileiras para "não entravar ou envenenar as relações bilaterais, tentando frear uma situação que tem a ver com a China e não com a indústria da UE".
Desde outubro do ano passado a Receita Federal passou a aplicar o preço de referência, para combater irregularidades nas importações de produtos siderúrgicos. A suspeita é de subfaturamento das notas de importação. Ou seja, compras de produtos de aço no exterior a preços inferiores aos declarados, o que seria indício de fraude de valor aduaneiro.
Em dezembro, a UE e os Estados Unidos levantaram o problema no Comitê do Aço da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris. A reunião bilateral entre o Brasil e a UE ocorrerá à margem da nova sessão do comitê, em Paris. As delegações serão compostas por funcionários dos governos e das indústrias siderúrgicas, uma "maneira prática de discutir juntos problemas que estão se desenvolvendo", conforme disse Moffat.
Para os europeus, o preço de referência passou a ser aplicado justamente quando suas exportações vinham aumentando para o Brasil. Foram 328.674 toneladas em 2008, caindo 17,8% em 2009 para 270.251 e dando um salto de 61,6% em 2010 com 436.742 toneladas.
"Temos boas relações com a indústria brasileira e fazemos uma tentativa amigável de resolver o problema", disse. Normalmente, se a situação persistir e os europeus se sentirem prejudicados, podem levar o caso aos juízes da OMC.
Para o executivo, o problema de diferenciação de preços é causado pela China e também pela Turquia. A demanda é claramente grande no Brasil e o nível de preços no país é "muito interessante" para os chineses. "O que nos preocupa é que exportações europeias foram implicadas nessa situação, com cargas bloqueados nos portos, demandas de informações suplementares etc", disse o diretor-geral da Eurofer.
A Eurofer quer duas coisas: que o Brasil não coloque "na mesma cesta" as exportações europeias de siderúrgicos e as da China e da Turquia. E, segundo, quer receber segurança de que os entraves "foram por acaso". "Além da China, o Brasil tem problema com os produtos da Turquia, mas vamos dizer que esse país não faz parte da UE."
Moffat diz entender a tentativa de controle de importação originária da China porque "a Europa teve o mesmo problema". Só depois de ameaças de aplicação de sobretaxas é que Pequim restringiu suas exportações. Atualmente, os chineses exportam 5 milhões de toneladas de aço para o mercado europeu, longe do pico de 2007, quando vendiam mais de 10 milhões.
No entanto, os chineses continuam sob a lupa europeia, pois representam 35% das importações da Europa. "Isso é inquietante", considera Moffat.
Sobre o mercado globalmente, o executivo diz que a demanda é sustentável e deve aumentar 10% na Europa. Os preços estão em alta, por causa do forte aumento das matérias-primas. A expectativa é de uma elevação de mais de 60% no custo do aço este ano.
Proposta de desoneração da Fiesp reduz impostos apenas para indústria
João Villaverde | De São Paulo
Depois de assistir ao domínio do setor de serviços na proposição de ideias para desoneração da folha de pagamentos, a indústria finalmente encaminhou uma proposta ao governo federal - e não se preocupou em evitar polêmica. Entregue na última sexta-feira a Nelson Barbosa, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, a proposta desenvolvida pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) é simples: a contribuição patronal de 20% do salário do empregado ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) deve ser zerada, apenas para a indústria de transformação, e, para que a Previdência não fique sem a receita, a Fiesp sugere aumento de impostos para todos os setores da economia, à exceção da indústria.
Elaborado pelo Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp, chefiado por José Ricardo Roriz Coelho, o estudo sugere a elevação da alíquota da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que é recolhida pelo governo federal sobre o faturamento das empresas. Atualmente a alíquota para recolhimento da Cofins varia conforme o sistema usado pela empresa para pagamento do Imposto de Renda (IR). Na regra geral, empresas que pagam IR pelo sistema do lucro real pagam Cofins de 7,6% sobre o faturamento. As empresas que recolhem IR pelo lucro presumido arcam com uma Cofins de 3%. A proposta da Fiesp é elevar as alíquotas da Cofins para 8,33% e 3,21%, respectivamente, para todos os setores, à exceção da indústria.
Assim, avalia a Fiesp, seria possível que os demais setores da economia compensassem a arrecadação de R$ 20,3 bilhões obtida pela contribuição da indústria com os 20% sobre a folha, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De acordo com a Fiesp, para cada ponto percentual de encargo sobre a folha que é reduzido, os investimentos da indústria aumentam 0,78 ponto percentual. Assim, ao baratear a contratação de pessoal, a desoneração integral dos 20% para o INSS poderia ampliar os investimentos da indústria de transformação em 15,3 pontos.
"É a indústria o setor que mais paga impostos no país", diz Roriz Coelho, autor do levantamento encaminhado ao governo, "nada mais natural, portanto, que seja a indústria a mais beneficiada nas discussões em torno da desoneração dos encargos sobre a folha de pagamento". Segundo a Fiesp, a indústria de transformação contribui com 36,7% dos impostos arrecadados pelo setor público, mais que o dobro que os 16% recolhidos pelo comércio e os 13,4% pagos pelo setor financeiro.
Para Luigi Nese, presidente da Confederação Nacional dos Serviços (CNS), a proposta encaminhada pela Fiesp "é, no mínimo, imoral". "Fiquei chocado quando vi uma proposta que sugere ao governo desonerar um setor e onerar todos os outros", diz Nese.
No início do ano, a CNS apresentou ao governo uma proposta de isenção da alíquota de 20% destinada ao INSS cobrada sobre a folha, que seria substituída por uma Contribuição sobre Movimentação Financeira (CMF). Esta seria cobrada de todos os setores, por meio de uma alíquota de 0,82% sobre a movimentação financeira envolvendo o pagamento de salários. Em apresentação ao Grupo de Avanço da Competitividade (GAC), em Brasília, na semana passada, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, cobrou da indústria uma proposta própria. "Precisamos ter diversas propostas para comparar", disse Mantega, segundo fontes ligadas à indústria e aos serviços presentes no encontro.
"Qual é o sentido de um setor que representa apenas 16% do PIB, e gera menos empregos que serviços e comércio, ganhe um incentivo que deverá ser pago por todos os outros?", pergunta Nese.
Para Roriz Coelho, a ideia do segmento de serviços, de "reavivar a antiga CPMF" é anacrônica. "O fim da CPMF, em 2007, foi uma conquista da sociedade. Por que agora teremos de voltar a pagar um imposto sobre movimentação financeira?", diz. Além disso, afirma, "todos sabemos que esse tipo de contribuição é mais abusiva para quem tem menos renda".
Contratações do Minha Casa podem voltar em julho
Azelma Rodrigues e Samantha Maia | De Brasília São Paulo
As empresas de construção civil esperam para o segundo semestre a retomada de contratações de unidades habitacionais para famílias com renda até três salários mínimos - parada desde o começo do ano. A retomada será possível depois da aprovação da Medida Provisória que estabelece mudanças para a segunda fase do Minha Casa, Minha Vida, na terça-feira pelo Senado Federal.
Segundo o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), Paulo Safady, a presidente Dilma Rousseff acenou que a regulamentação das novas bases do programa deve ocorrer logo. A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, e o ministro das Cidades, Mario Negromonte, devem agendar reunião com o setor da construção e a Caixa Econômica Federal. Ainda falta decreto presidencial corrigindo os valores, além de outros ajustes técnicos.
Enquanto as empresas esperam a regulamentação da fase 2 do Programa, a fiscalização do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério do Trabalho tem encontrado problemas em canteiros de obras de conjuntos do programa Minha Casa, Minha Vida no interior de São Paulo. Segundo dados do Ministério Público do Trabalho desde o fim do ano passado foram observadas irregularidades trabalhistas em seis canteiros de obras visitados nas regiões de Campinas e Bauru, incluindo situação análoga à escravidão. Para o procurador do MPT Marcus Vinícius Gonçalves, os problemas estão ocorrendo por um excesso de terceirização dos serviços. "Com o aumento do volume de obras, estão terceirizando demais e buscando empresas menores que não têm conhecimento de gestão", diz Gonçalves.
Ontem a vistoria foi realizada em uma obra da construtora MRV, que possui 13 canteiros na região, quatro já vistoriados. "Os trabalhadores reclamam de atraso de 45 dias nos salários, além de termos verificado falta de equipamentos de proteção, fiação exposta, fornecimento insuficiente de uniformes e de água potável", observa o procurador.
Outras duas construtoras que tiveram empreendimentos fiscalizados na região foram a Casa Alta e a Maré, e segundo Gonçalves foram encontrados os mesmo problemas. As empresas ainda devem ser autuadas pelo Ministério do Trabalho. "Vamos fazer uma fiscalização sistemática em canteiros de obras e alojamentos, pois a situação de trabalho está muito precária", diz ele.
Procurada pelo Valor, a MRV respondeu que as normas de segurança e medicina do trabalho estão sendo rigorosamente observadas e que a maioria dos itens notificados ou já foram adequados ou não são reconhecidos pela companhia como irregulares.
Em relação aos salários atrasados, a MRV informa que exigiu da empreiteira, que é a contratante dos operários, a regularização dos pagamentos em atraso e entrega das cestas básicas. Os trabalhadores são contratados pelas empreiteiras Michel Henrique Nunes Acabamentos e ED Legnaro Construções ME, segundo informou o Ministério Público do Trabalho.
Na fase dois do Minha Casa, Minha Vida, onde a meta do governo é construir cerca de 2 milhões de imóveis para a população de baixa renda, cerca de 60% desse volume deve ser destinado a famílias com até três mínimos. Na primeira etapa, 40% eram destinadas a essa faixa, sendo efetivados 495 mil contratos, diz a Câmara Brasileira da Indústria da Construção.
Governo quer investir R$ 16 bilhões em cinco anos na restauração de estradas
André Borges | De Brasília
O governo vai licitar até junho um pacote de obras de restauração de 12 mil quilômetros de rodovias federais. Até outubro, outros 20 mil quilômetros de estradas também serão licitados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). As obras, que fazem parte da segunda etapa do programa de restauração e manutenção de rodovias, deverão consumir um investimento de R$ 16 bilhões nos próximos cinco anos. Em média, serão aplicados entre R$ 550 mil e R$ 750 mil na restauração de cada quilômetro de rodovia controlada pelo governo federal. As informações foram divulgadas ontem pelo diretor-geral do DNIT, Luiz Antonio Pagot, durante audiência pública na Câmara dos Deputados.
Segundo Pagot, o orçamento destinado hoje ao DNIT para cuidar dos 56 mil quilômetros de estradas federais ainda não cobre todas as necessidades que o país tem, mas já melhorou muito se comparado aos recursos que a autarquia detinha anos atrás. "Até 2004, sequer tínhamos dinheiro para fazer a manutenção", comentou.
A malha rodoviária exige recursos de R$ 5 bilhões anuais para obras de manutenção. "O orçamento de 2002, por exemplo, foi de R$ 2,5 bilhões, com 50% contingenciado", disse Pagot. Com o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007 o DNIT recebeu R$ 7,2 bilhões. De lá para cá, o recurso anual atingiu R$ 9 bilhões. Este ano o orçamento é de R$ 10,3 bilhões, mais um resto a pagar de R$ 8 bilhões. O programa de modernização completa das rodovias brasileiras, no entanto, exigiria R$ 30 bilhões anuais pelos próximos oito anos.
Crítico da lentidão causada pelos ritos do licenciamento ambiental, Pagot disse que o andamento obras também é prejudicado pelas limitações do setor de construção civil do país. As empreiteiras, comentou, estão operando acima do limite e empresas pequenas, sem condições de assumir projetos de grande porte, ganham contratos que não poderão atender depois. "Às vezes quando assino um contrato já sei que ali vou ter problema, porque conheço as empresas."
O ideal, disse ele, seria criar uma lista de classificação de empresas, baseada em qualidade, quadro técnico, estrutura etc. As próximas licitações do DNIT deverão se basear num modelo em que 70% das exigências se darão em capacidade técnica e 30% em melhor preço. Hoje esses dois critérios têm pesos iguais, de 50% cada.
INTERNACIONAL
EUA querem cortar isenções tributárias de petroleiras
Stephen Power e Guy Chazan | The Wall Street Journal
Com os preços da gasolina em boa parte dos EUA acima da psicologicamente importante barreira de US$ 4 por galão, ou US$ 1,06 por litro, parlamentares democratas e republicanos estão em disputa em torno de créditos tributários para as petrolíferas, que desfrutam de um ano de grandes lucros.
Senadores democratas querem questionar os diretores-presidentes da Exxon Mobil, da Chevron, da ConocoPhillips e das subsidiárias americanas da BP e da Royal Dutch Shell sobre os impostos que pagam numa audiência da Comissão de Finanças do Senado hoje.
Os republicanos, que criticaram o governo Barack Obama por não demorar muito para aprovar novas explorações marítimas, conseguiram aprovação de um projeto de lei da Câmara ontem que exigirá que as decisões sobre permissões de perfuração offshore sejam tomadas dentro de 60 dias.
A votação ocorreu horas depois de o governo aprovar um pedido da Shell para perfurar cinco novos poços de águas profundas no Golfo do México, a segunda sequência de licenças de exploração aprovadas desde o vazamento de petróleo no golfo no ano passado.
O futuro da gasolina caiu ontem diante das preocupações de que os motoristas americanos estão diminuindo o uso de carros. O preço da gasolina havia subido bastante nos últimos meses por causa de preocupações com o suprimento do Oriente Médio e com o aumento do consumo na China e em outros países de rápido crescimento.
Mas a queda de um dia não deve aliviar a pressão sobre os políticos e o governo Obama para tomar alguma atitude em relação à alta do petróleo. Senadores democratas veem a insatisfação da população com o preço da gasolina e as preocupações com o déficit do governo federal como uma oportunidade para que ponham em questão uma série de benefícios tributários, como os oferecidos a produtores de petróleo e de etanol.
O presidente da Comissão de Finanças, o senador democrata Max Baucus, divulgou recentemente um plano para eliminar os benefícios fiscais das cinco maiores petrolíferas do país e impor novos impostos para as operações no Golfo do México, sem tocar nos incentivos às petrolíferas menores.
O plano eliminaria menos que os US$ 4 bilhões em benefícios fiscais da indústria petrolífera que Obama prometeu cortar do orçamento federal de 2012. Baucus já tinha dito que, diante da alta do petróleo e do fato de as grandes petrolíferas e de energia estarem anunciando lucros bilionários no primeiro trimestre, o governo deveria acabar com os benefícios fiscais desfrutados pelas petrolíferas.
As empresas, por sua vez, tentaram reagir aos ataques contra seu tratamento tributário preferencial criticando certos créditos fiscais que beneficiam outros setores, ao mesmo tempo em que indicavam a possibilidade de aceitar limites para seus benefícios. "Precisamos ser consistentes; há subsídios enormes para certas formas de combustíveis e não para outras", disse o diretor-presidente da Chevron, John Watson, numa entrevista ontem ao "Wall Street Journal".
Pelo menos um executivo da indústria petrolífera já indicou que está aberto a um acordo sobre os impostos. Numa entrevista à revista "National Journal" publicada na segunda, o presidente da divisão americana da Shell, Marvin Odum, indicou que estaria aberto a coordenar certos benefícios fiscais à cotação do petróleo e do gás natural.
"Quando se pensa em quaisquer tipos de novos impostos, acho que indexá-los à cotação é algo a se estudar", disse Odum ao "National Journal". Um porta-voz da Shell não quis comentar. O Instituto Americano do Petróleo não quis comentar a declaração atribuída a Odum. A indústria petrolífera aparenta desfrutar no momento de sólido apoio de republicanos e democratas de Estados que são grandes produtores de petróleo, o que reduz as chances de os incentivos ao setor serem cortados. Para o presidente da Câmara, o republicano John Boehner, as propostas de Baucus e outros democratas nada mais são que "impostos maiores que vão elevar o preço da gasolina, eliminar empregos no país e aumentar nossa dependência do petróleo importado".
Em separado, a principal associação da indústria do etanol e seu defensor mais confiável no Senado estão apoiando a criação de leis que reduzam os benefícios tributários para refinarias que misturam etanol à gasolina.
Os usineiros americanos dizem que o produto deles economiza dinheiro para os motoristas quando é misturado à gasolina. Mas a principal associação do setor apoiou uma lei proposta pelo senador republicano Charles Grassley e políticos de Estados com grandes plantações de milho para reduzir fortemente nos próximos dois anos o crédito de US$ 0,45 por galão concedido para refinarias que adicionam álcool à gasolina. Com o apoio dos criadores de animais, dos fabricantes de alimentos e de ambientalistas, há outro grupo de senadores propondo uma lei que elimina totalmente o crédito.
China teme inflação, mas políticas oficiais pressionam os preços
Jamil Anderlini | Financial Times, em Pequim
O vice-primeiro-ministro da China, Wang Qishan, tornou-se, nesta semana, o mais recente alto funcionário a definir o combate à inflação como a tarefa mais importante do governo neste ano.
"O problema mais urgente que enfrentamos agora é o problema da inflação", disse Wang na segunda-feira. "Para isso, temos de empregar política monetária, política fiscal e, ao mesmo tempo, reestruturação econômica", disse ele.
Wen Jiabao, o primeiro-ministro chinês, usou termos mais pitorescos, recentemente, ao descrever a inflação como um tigre que, após sair de sua jaula, é quase impossível ser posto de volta.
Mas as medidas de política econômica e monetária tomadas por Pequim para conter a alta dos preços não refletem o tipo de embate de vida ou morte sugerido pelos comentários de líderes no país.
Por um lado, Pequim está incentivando aumentos salariais da ordem de dois dígitos - de até 40% ao ano em algumas regiões -, como forma de reduzir os desníveis de riqueza no país e distanciando a China de sua excessiva dependência de suas indústrias intensivas em mão de obra barata.
O governo também autorizou nos últimos meses vários aumentos nos preços de energia, que são rigidamente controlados e repercutem diretamente no aumento dos preços da maioria dos outros itens de consumo.
De acordo com dados oficiais divulgados ontem, a inflação anual nos preços ao consumidor em abril foi de 5,3%, uma ligeira desaceleração ante a alta de 5,4% de março, a maior em quase três anos. Economistas esperavam um aumento menor no mês passado.
Muitos analistas dizem que as medidas do governo para conter a alta dos preços ainda não tiveram grande impacto. Há uma série de razões pelas quais as ações de Pequim são muito menos enfáticas do que a retórica de altos funcionários poderia sugerir.
Em primeiro lugar, os analistas dizem não existir um verdadeiro consenso - entre os vários departamentos governamentais responsáveis pela política econômica - sobre as causas da inflação no país. Um exemplo: o banco central e a agência reguladora dos setor bancário dizem que a inflação é resultado direto do enorme excesso de liquidez criado pelo pacote de estímulo ao crédito. O pacote, lançado depois da crise financeira, tem sido descrito por alguns economistas como a maior flexibilização financeira e monetária na história.
Outras agências governamentais, como a poderosa Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (CNDR), defendem que a inflação é resultado de gargalos dos transportes e da infraestrutura, bem como de manipulação e especulação de preços.
Até recentemente, muitas autoridades chinesas também responsabilizavam a política monetária frouxa nos EUA e em outros países, e argumentavam que a maior parte da inflação é importada.
Sem um consenso claro sobre as causas ou sobre a gravidade do problema, os líderes chineses estão experimentando uma ampla gama de iniciativas de políticas sem que se comprometam inteiramente com nenhuma delas.
Embora Pequim esteja reduzindo a disponibilidade de crédito, principalmente por meio de ordens aos bancos chineses para que retardem empréstimos, há uma preocupação com a possibilidade de que as medidas esfriem muito o crescimento da economia.
"Retrospectivamente, pode-se afirmar que as autoridades chinesas impuseram um aperto excessivo, em 2008, pouco antes de o mundo ter desmoronado", disse Stephen Green, economista do Standard Chartered. Naquele ano, a inflação bateu os 8%.
"As autoridades estão claramente apertando a política monetária, mas o crescimento mundial já está desacelerando e há muita tensão entre os que argumentam não ser agora o momento para agir excessivamente e aqueles que querem agir mais agressivamente no combate à inflação", diz Green.
Desde outubro passado, o banco central elevou as taxas de juros quatro vezes e por oito vezes ampliou a proporção dos depósitos que os bancos devem manter em suas reservas. Mas a média ponderada anual dos juros sobre empréstimos oferecidos pelos bancos chineses no fim de março foi 6,91%, bem abaixo do 8,72% no fim de março de 2008, segundo o Standard Chartered, indicando que as condições monetárias continuam bem mais flexíveis do que durante a última grave onda inflacionária.
Naquele momento, no fim de 2007 e começo de 2008, Pequim introduziu um rigoroso controle direto de preços sobre um amplo leque de produtos. Agora, está confiando mais em persuasão moral e táticas de intimidação para impedir aumentos nos preços de bens de consumo essenciais.
Na sexta-feira, o CNDR multou a Unilever em 2 milhões de iuans (US$ 308 mil) por sugerir à mídia chinesa que poderia elevar os preços de detergentes e sabões. O órgão disse que a gigante anglo-holandesa de produtos ao consumidor havia "intensificado as expectativas de inflação entre os consumidores" e "perturbado gravemente a ordem do mercado".
Para analistas, a multa foi um exemplo para as empresas. Eles avaliam ser mais provável que o governo empregue esse tipo de tática do que um controle direto de preços, especialmente considerando as crescentes evidências de que a economia está esfriando.
Em abril, a produção industrial cresceu 13,4% menos do que o esperado e menos que os 14,8% de março. Os gastos com o varejo estão crescendo ao menor ritmo dos últimos seis anos, segundo estimativas da Capital Economics.
"A China está entrando numa fase difícil, agora que a inflação permanecerá acima de 5% nos próximos meses, mas que o crescimento continuará em desaceleração", disse Green. "A questão é qual será o ritmo da desaceleração".
Confronto na Grécia
AP
A polícia grega reprimiu ontem com gás lacrimogênio e bombas de efeito moral protestos de jovens em Atenas contra as medidas de austeridade adotadas pelo governo. Pelo menos 25 pessoas ficaram feridas, incluindo um homem hospitalizado em estado crítico. O confronto aconteceu em meio a uma greve de 24 horas que paralisou a maior parte dos serviços públicos da cidade. Segundo estimativas da polícia, as manifestações reuniram 20.000 pessoas em Atenas e outras 8.000 em Tessalônica. Ao mesmo tempo em que lida com protestos da população, o governo socialista recebe críticas de outros países da União Europeia, já que, segundo eles, não estaria fazendo o suficiente para reequilibrar a economia da Grécia.
ESPECIAL
Terra do gesso entra na era do gás natural
Murillo Camarotto | De Araripina (PE) e Trindade (PE)
Como todo polo industrial tipicamente brasileiro, o "Chapadão do Araripe" é um vai e vem frenético de caminhões de todas as partes do país. Carregam basicamente madeira, coque de petróleo e gesso nas mais variadas formas. Também não é raro levarem na caçamba grupos de homens que se assemelham a fantasmas, brancos dos pés à cabeça em razão do trabalho diário com o gesso.
Formado pelos municípios de Araripina, Trindade, Ipubi, Bodocó e Ouricuri, o polo gesseiro do Araripe, no extremo oeste pernambucano, fornece nada menos que 95% do gesso consumido no Brasil, algo hoje em torno de 5 milhões de toneladas por ano. As reservas de gipsita, rocha mineral que origina o gesso, são estimadas em 1,2 bilhão de toneladas, quinto maior volume do mundo, depois de Irã, China, Canadá e México.
O dinamismo da construção civil nacional acelera a demanda e alimenta os sonhos de grandeza da região, que sofre com gargalos importantes de infraestrutura, sobretudo em energia e transportes. Praticamente todas as fábricas do polo abastecem com lenha e coque os fornos onde a gipsita é convertida no gesso em pó que conhecemos.
Pleito antigo do setor, formado majoritariamente por pequenas e médias empresas, o gás natural começou a chegar ao Araripe há pouco mais de um mês, provocando grande expectativa de um salto de qualidade e de volume na produção local. Mais limpo e eficiente, o combustível poderá oferecer a segurança energética necessária para que o setor atenda melhor uma demanda que em 2010 avançou 30% sobre o ano anterior.
"Resolvendo a questão energética e logística, o crescimento é inevitável. O momento é de grande otimismo", afirma Josias Inojosa Filho, vice-presidente do Sindicato da Indústria do Gesso (Sindusgesso). Além da expansão do consumo per capita no Brasil, ainda pequeno se comparado a países como Argentina e Chile, o dirigente quer ver o gesso nacional forte no mercado externo. Do R$ 1,6 bilhão que o setor deve faturar neste ano, menos de 1% virá de exportações.
O primeiro empresário contemplado com o gás natural foi o vice-prefeito de Araripina, Alexandre Arraes (PSB). Ele é o dono da New Gipso, fábrica de médio porte localizada no distrito industrial do município. O fornecimento, porém, ocorreu apenas como projeto piloto do governo estadual, que está elaborando um modelo de negócio, baseado em isenções fiscais, para tornar economicamente viável a entrega do gás por caminhões enquanto um gasoduto não é construído, o que não tem prazo para acontecer.
Nas primeiras experiências, o gás chegou à fábrica 30% mais barato do que o equivalente em madeira, segundo informou Aldo Guedes, presidente da Companhia Pernambucana de Gás (Copergás), empresa controlada pelo governo de Pernambuco em sociedade com Petrobras e Mitsui. A meta é operacionalizar pelo menos 30 mil metros cúbicos por dia até o fim deste ano. A demanda, porém, é bem superior. Está hoje na casa de 300 mil metros cúbicos diários e só tende a crescer, dado que muitas novas empresas estão chegando, atraídas pelo horizonte promissor.
Atualmente, 15 fábricas estão sendo erguidas na região, entre elas a Padrão Gypsum, do pernambucano Geraldo Antonio do Nascimento. Apesar de animado com a possibilidade de chegada do gás natural, ele se mantém cauteloso, até porque está desembolsando quase R$ 2,2 milhões na empreitada. "Vou começar usando a madeira, legalizada obviamente, mas pretendo investir futuramente em um forno a gás. Se vier mesmo (o gás), é uma mão na roda", avalia.
Por ser limpo, o gás natural pode ser injetado e queimado dentro do forno, acelerando o processo de calcinação da gipsita, que nada mais é do que a extração do excedente de água. Usando lenha, coque ou óleo combustível, altamente poluidores, a queima é feita fora do forno, para evitar a contaminação do gesso, o que torna o processo menos eficiente. "Com gás eu fiz quatro toneladas em uma hora. Com lenha é o dobro do tempo", calcula o gerente de produção da New Gipso, Expedito Batista da Silva.
A avaliação é semelhante na Ingenor, uma das maiores fabricantes da região, onde são queimadas mais de 450 toneladas de coque por mês. "Além da questão ambiental, a vantagem está no custo final do produto, porque o aproveitamento calórico do gás é de quase 100%, enquanto que a transferência de calor que ocorre com o coque gera perdas importantes", explicou o responsável pela unidade, Wilton Pereira.
Por todo o polo se vê imensas montanhas de lenha, material que ainda responde por 90% da fonte energética das fábricas. Com o endurecimento da fiscalização ambiental sobre o corte da madeira nativa da caatinga, os fabricantes têm que trazer o combustível do Piauí e do Ceará, onde adquirem a lenha resultante da poda de cajueiros e goiabeiras. Apesar disso, ainda é corriqueira a utilização de madeira ilegal, segundo relatos dos empresários locais.
Alheio à polêmica, o retraído operário Roberto Januário, de 40 anos, passa o dia alimentando calmamente o apetite voraz dos fornos a lenha. Após 12 anos vivendo em São Paulo, ele decidiu voltar a sua terra, informado que foi sobre o surgimento de oportunidades de trabalho. Diante do risco de o gás natural tornar desnecessária a sua função, ele não perde a serenidade: "Aí tem que arrumar outra coisa pra fazer."
Outra demanda antiga, o transporte do gesso também vislumbra dias melhores. Isso porque uma das principais atribuições da ferrovia Transnordestina será atender o polo do Araripe, o que deve gerar uma redução expressiva nos custos de frete. Levar o gesso a preços competitivos até o porto de Suape (PE) ou de Pecém (CE) pode representar uma nova chance para o setor competir no mercado externo, além de abastecer com mais eficiência a demanda nacional, que não se resume à construção civil. Agricultura, indústria cerâmica e ortopedia também são clientes relevantes.
Enquanto gasoduto e trilhos seguem engessados, o caminhoneiro gaúcho Osni Rodrigues se prepara para mais uma jornada de 2,8 mil quilômetros entre Araripina e Porto Alegre. Na caçamba, 31 toneladas de placas de gesso que vão adornar casas, apartamentos e escritórios da capital gaúcha. Se realizados os desejos do empresariado gesseiro, os caminhões devem perder importância na paisagem do Chapadão do Araripe. Os fantasmas, pelo menos por enquanto, estão garantidos.
DESTAQUES
Exportação de Paranaguá
A exportação de soja pelo porto de Paranaguá chegou a um milhão de toneladas em abril, 12% mais que no mesmo período de 2010. Desde 2004 não era registrado este volume em um único mês. O terminal fechou o quadrimestre com aumento de 10% na movimentação geral e, considerando apenas granéis (soja, milho, farelo de soja, trigo e açúcar), foram movimentados até abril 5,2 milhões de toneladas, volume um pouco menor que as 5,3 milhões de toneladas de igual período do ano passado. Em fevereiro e março, as chuvas no litoral do Estado atrapalharam o embarque de grãos.
CPFL chega a Pernambuco
A CPFL Energia fincou sua primeira bandeira em Pernambuco. A empresa está emprestando seu carro elétrico ao governo do Estado. O veículo circulará pelas ruas do Recife a partir de junho. O governo não terá custo por seis meses e o objetivo é divulgar um veículo que usa tecnologia limpa, disse o secretário de meio ambiente, Sérgio Xavier, à imprensa local. A marca CPFL chega a Pernambuco em um momento de grande impasse de seus acionistas. Um de seus controladores, a Previ, que hoje é também sócio da Neoenergia, estuda ficar apenas com a CPFL levando a Celpe, distribuidora do Estado que pertence à Neoenergia, à tiracolo.
Alstom tem dificuldade em reunir parceiros para leilão
André Borges | De Brasília
A dois meses da data marcada para o leilão do trem-bala, o quebra-cabeça financeiro que envolve o projeto e o alto preço exigido para entrar na disputa da obra mais cara do governo federal têm aplacado o interesse das empreiteiras brasileiras pelo negócio bilionário. Como as demais companhias mais interessadas em disputar a construção do trem de alta velocidade (TAV), a francesa Alstom tem enfrentado dificuldades para convencer grandes construtoras a encarar um projeto que, para ela mesma, ainda tem inconsistências.
Em entrevista ao Valor, o presidente da Alstom no Brasil, Philippe Delleur, afirmou que a companhia ainda não fechou acordo com empreiteiras locais, embora mantenha conversas com companhias do setor. Os empresários da construção civil não estão convencidos de que vale a pena bancar o projeto. "As construtoras têm o conhecimento do que é necessário para realizar um projeto dessa magnitude, mas querem aplicar em algo que dê retorno", diz Delleur.
Orçado em R$ 33 bilhões pelo governo, o trem-bala que ligará Rio, São Paulo e Campinas tem R$ 20 bilhões financiados pelo BNDES. Outros R$ 3,4 bilhões serão injetados pela estatal Etav para bancar desapropriação de imóveis e estudos. O consórcio vencedor, no entanto, teria que entrar com capital próprio de algo entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões para bancar as operações nos primeiros anos de obra. É aqui que está o problema. "A percepção dos investidores é de que está muito difícil reunir um valor tão alto com o setor privado. Está complicado encontrar as pontes necessárias para fechar esse financiamento", comenta Delleur.
Como o governo já sinalizou que não está disposto a mexer na linha de financiamento afiançada pelo BNDES, os empresários têm pesquisado linhas de crédito com outros bancos nacionais e internacionais. Mas antes da resolver a equação monetária, querem garantia de viabilidade.
As empreiteiras são responsáveis por praticamente 85% das obras do projeto. Apenas 15% está atrelado a questões tecnológicas. Segundo Delleur, a Alstom está disposta a entrar no projeto como sócia de um consórcio, mas considera a possibilidade de só fornecer equipamentos.
Além das divergências sobre o custo total da obra - o mercado calcula que o TAV custará mais de R$ 50 bilhões -, Philippe Delleur critica pontos específicos da proposta, como os locais que serão instaladas as estações do trem. A questão é crucial porque mexe com a competitividade do veículo em relação a outros meios de transporte. "É preciso saber de que forma as pessoas chegarão às estações, qual será a condição do trânsito. Isso ainda não foi resolvido", comenta.
A Alstom também critica a possibilidade de o governo flexibilizar o volume de importação de componentes do trem, demanda feita por outras companhias interessadas no projeto, sob alegação de que isso reduziria o preço da obra. "Está errado, pois se equipamentos são cerca 15% do preço total da obra, a realidade é que o grau de importação pouca muda a situação. Além disso, vai contra o próprio plano do governo, porque limita a produção nacional", diz Delleur.
Depois de ser adiado pela segunda vez, o leilão do TAV está marcado para 11 de julho, data de entrega de propostas, com abertura dos envelopes no dia 29 do mesmo mês. Conforme o Valor informou na semana passada, as cinco maiores construtoras do país - Camargo Corrêa, Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão - têm analisado a possibilidade de formar um único consórcio para disputar o trem-bala. As empresas não comentam o assunto.
Mercado imobiliário carioca é o mais valorizado
Do Rio
O preço do imóvel no Rio foi o mais valorizado nos últimos 12 meses em relação às capitais brasileiras, mostra pesquisa divulgada no mês passado, pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), em parceira com o portal Zap Imóveis. No período, o mercado imobiliário carioca ficou 44% mais caro, enquanto São Paulo e Belo Horizonte tiveram alta de 26% nos preços de seus imóveis e Fortaleza, de 13%.
Desde janeiro de 2008, o preço dos imóveis na capital do Rio já se valorizaram 113,2%. A alta acelerada no Rio leva muita gente a falar em bolha e possível explosão deste mercado, já que há de fato muitos investidores comprando apartamentos no cidade. No entanto, economistas dizem que, apesar de ser provável que esta alta se reverta, é difícil que aconteça um problema crônico como o ocorrido nos Estados Unidos que gerou a crise financeira internacional.
"O Rio de Janeiro tem de fato uma oferta reprimida", afirma o economista da PUC do Rio, Luiz Roberto Cunha. "Assim como no país, há oferta de crédito até para os imóveis mais caros porque os bancos privados voltaram a financiar, há um investimento da prefeitura na cidade e a questão social das ocupações feitas pela polícia", analisa Cunha. "Mas é bom falar que este fenômeno não ocorre na cidade inteira e sim em áreas com maior demanda, como a Zona Sul e Barra da Tijuca. A alguns quilômetros dali, no Recreio, há apartamento sobrando", conclui.
Luiz Roberto Cunha diz que é natural este aumento de preço quando muitas famílias passaram anos sem poder comprar e agora têm crédito para fazê-lo. E afirma que o sistema de crédito no Brasil é bem diferente do americano. "Lá, as pessoas utilizavam o refinanciamento para se endividar novamente. Com a alta dos juros, eles ficaram sem dinheiro para pagar os financiamentos. Além disso, havia um excesso de crédito na praça, o que parece não acontecer aqui."
O economista da PUC ainda lembra que o caso da Zona Sul do Rio de Janeiro é atípico. "Em São Paulo, a oferta de áreas nobres é bem maior. Aqui está concentrada em, praticamente, dois, três bairros, o que os faz valorizar muito".
Marcus Valpassos, da Galanto Consultoria, economista especializado em mercado imobiliário, concorda que a demanda aquecida, as condições macroeconômicas são as responsáveis pela disparada dos preços e que fatores como a Copa e a Olimpíada, além das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) tornaram os imóveis na cidade ainda mais atrativa.
No entanto, ele teme que, em breve, esta curva de alta se inverta. "Hoje o volume em estoque é bem menor do que o posto a venda. Quando isto se igualar ou inverter, teremos queda dos preços", prevê. "Nenhum investimento tem alta permanente. Todos enfrentam momentos de volatilidade e isto vai acontecer com o mercado imobiliário do Rio de Janeiro", acredita Valpassos. "Penso numa família que mora num apartamento no Leblon, que há três anos, valia R$ 800 mil e hoje vale R$ 2 milhões. No dia em que ele começar a ler nos jornais que os preços se estabilizaram e que poderão cair, será que ele também não vai querer vender", reflete o consultor. "Além disso, é fato que os imóveis no Rio estão sobrevalorizados. Há casos de preço acima dos valores cobrados em Nova York. Isto vai se inverter um dia".
O economista da Galanto argumenta que a renda da população não dobrou como os preços dos imóveis nos últimos três anos. "Isto pode causar alguma insolvência ou discrepância na hora de analisar se vende ou não o bem". (PM)
FINANÇAS
Banco vê sinais de inadimplência
Aline Lima | De São Paulo
Os balanços do primeiro trimestre dos grandes bancos de varejo divulgados até o momento apontam para uma tendência de elevação da inadimplência. A expectativa de executivos do setor é que o avanço não deva ser grande, mas as instituições financeiras já se previnem, seja aumentando as provisões para devedores, seja privilegiando operações de crédito de menor risco.
De forma geral, o índice de atrasos superiores a 90 dias no primeiro trimestre de 2011 até melhorou em relação ao desempenho verificado no quarto trimestre de 2010. É em intervalos inferiores a 90 dias que a alta aparece, o que de certa forma antecipa o movimento de perdas futuras.
A expectativa da administração do Itaú Unibanco é de um aumento nos próximos trimestres entre 0,2 e 0,3 ponto percentual no índice de atrasos superiores a 90 dias, que fechou março em 4,2% - estável na comparação com dezembro. "Todos os segmentos de atuação devem ter algum nível de aumento ao longo dos próximos trimestres", afirmou Rogério Calderón, diretor de controladoria e relações com investidores do Itaú Unibanco, em teleconferência com jornalistas. "Isso normalmente é decorrente do aumento da inflação."
Em decorrência do aumento da inadimplência entre 31 e 90 dias, de 2,3% para 2,9% nesse mesmo período, houve um acréscimo de R$ 270 milhões na despesa de provisão para créditos de liquidação duvidosa do Itaú em relação aos percentuais mínimos exigidos pelo Banco Central (BC), elevando o saldo da provisão complementar do banco para R$ 5,1 bilhões.
Mas, apesar de o Itaú Unibanco ter voltado a aumentar as provisões complementares, o montante requerido pelo BC foi reduzido no trimestre em R$ 306 milhões. Conforme notou Jayme Alves, economista sênior da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o saldo de provisões para devedores em relação à carteira de crédito do banco recuou para 7,3%, menor patamar desde o quarto trimestre de 2008. "Os níveis atuais de cobertura foram reduzidos, sobretudo nas operações vencidas acima de 60 dias", destacou em ele no informativo semanal da entidade.
No Banco do Brasil (BB), o índice de atrasos superiores a 90 dias caiu de 2,3% em dezembro de 2010 para 2,1% em março de 2011 - abaixo da média do sistema financeiro nacional, de 3,2%. No curto prazo, porém, a tendência de repique já pode ser constatada. Atrasos superiores a 15 dias, por exemplo, passaram de 3,7%, em dezembro, para 4%, em março.
Mas, ao contrário do Itaú, o BB tem preferido agir em outra frente que não a de provisões. A estratégia do banco tem sido dar prioridade produtos de menor risco, a exemplo do crédito consignado e do imobiliário, para pessoas físicas, e das linhas de investimento para empresas. "O fato de termos avançado a carteira [de crédito] durante a crise, focando em operações de baixo risco, nos permite colher os benefícios agora que o ambiente é de mais incerteza", explica Ivan de Souza Monteiro, vice-presidente de finanças do BB. "Para o outro grupo de bancos que volta a atuar agora e encontra esse ambiente, é natural provisionar mais." As despesas com provisões para devedores do BB apresentaram decréscimo de 13,1% nos doze meses encerrados em março. As projeções do banco apontam para um crescimento entre 3,3% a 3,7% em 2011, mas Monteiro acredita que a performance do banco tende a ficar abaixo disso.
No Bradesco, o índice de atrasos superiores a 90 dias se manteve estável em março na comparação com dezembro, em 3,6%, mas os atrasos superiores a 60 dias mostram um leve repique - de 4,3% para 4,4%. "Não é nada que nos preocupe", disse Domingos de Abreu, vice-presidente executivo do Bradesco, por ocasião da divulgação de resultado. O saldo de provisões para devedores teve acréscimo de 2,8% entre dezembro e março, para R$ 16,7 bilhões.
Petróleo derruba as bolsas americanas
Agências internacionais
A queda do preço das commodities - alimentada por uma possível redução da demanda global - teve impactos negativos nas bolsas americanas ontem. Os principais índices fecharam em baixa, quase eliminando a alta dos três dias anteriores. O recuo foi o maior desde março. Os índices responderam à quedas nas ações do setor de energia, após redução de mais de 5% nos preços do petróleo. Este foi o segundo colapso das commodities na semana.
O Dow Jones recuou 1,02%, para 12.630 pontos. O Nasdaq caiu 0,93%, para 2.845 pontos. O S&P 500 teve desvalorização de 1,11%, chegando a 1.342 pontos. Para analistas, um encerramento do S&P abaixo de 1.330 pontos seria um sinal negativo importante para o mercado.
A queda nos preços do petróleo foi causada pelo fortalecimento do dólar e pesquisas que mostraram um crescimento dos estoques de combustível americanos. A possibilidade de redução na demanda global afetou negativamente setores energéticos e de matérias-primas. A origem das preocupações estaria em dados da China, que mostram um crescimento mais lento frente à inflação alta. A taxa de inflação ficou acima da meta do governo chinês. Analistas acreditam que as informações indicam a proximidade de mais um aumento na taxa de juros chinesa.
Na Europa, o dia terminou em alta. A justificativa foi os bons resultados corporativos. Contudo, analistas preveem que o mercado europeu se mostrará volátil até que haja resposta para situação da dívida na zona do euro.
O FTSEurofirst 300 avançou 0,3%, com 1.153 pontos. O índice londrino Financial Times teve queda de 0,71%, terminando com 5.976 pontos. Em Frankfurt, o DAX caiu 0,09% para 7.495 pontos. Em Paris, o índice CAC-40 ganhou 0,14 por cento, a 4.058 pontos.
BB mira 13 milhões de clientes com perfil para crédito
Cristiano Romero e Fernando Travaglini | De Brasília
O Banco do Brasil vai explorar sua própria base de clientes para expandir a carteira de crédito e de outros produtos financeiros, como previdência complementar e seguros. Na área de cartões de crédito, vai seguir o exemplo de concorrentes, como o Itaú Unibanco, e buscar clientes entre não-correntistas. A estratégia do banco estatal é crescer nos segmentos mais rentáveis, em que perde na comparação com os grandes bancos privados.
Ao aperfeiçoar o CRM (sigla em inglês para sistema de relacionamento com o cliente), o banco identificou, por exemplo, 18 milhões de clientes com propensão a tomar crédito. Desse universo, apenas cinco milhões - menos de 10% dos clientes do BB - já têm empréstimos contratados com a instituição, de R$ 36 bilhões.
Dos 13 milhões restantes, oito milhões já têm um crédito pré-aprovado e, por isso, estão sendo abordados pelo banco. O crédito potencial para esse grupo é estimado em R$ 46 bilhões. "Podemos dobrar nossa carteira apenas com esse universo", disse ao Valor Gueitiro Genso, diretor de empréstimos do BB.
Para tornar as operações de crédito competitivas, o banco vai passar a oferecer juros menores a clientes com baixa inadimplência e histórico de relacionamento com o BB. Atrasado em relação à concorrência, antes o BB trabalhava com uma faixa rígida e uniforme de critérios, em que os juros iam de 1,5% a 1,8% ao mês (no caso de crédito ao consumo) e em que pouco se distinguia a qualidade dos tomadores de empréstimos.
Outra grande aposta é o financiamento imobiliário. Em dois anos de atuação, o Banco do Brasil construiu carteira de pouco mais de R$ 4 bilhões, amparada principalmente na concessão de empréstimos a pessoas físicas. Genso acredita que, à medida que o banco amplie o financiamento às construtoras, o saldo crescerá ainda mais, já que um único empreendimento pode dar origem a centenas de novos mutuários.
"Os grandes bancos trabalham com um mix de 60% de crédito às construtoras e 40% para pessoas físicas. Estamos com apenas 18% para as empresas. Vamos mudar isso", disse Gueitiro, acrescentando que o crédito a pessoa jurídica é mais rentável. O banco aposta em crescimento rápido. "Já temos acordos com as maiores incorporadoras do país para liberar R$ 5 bilhões em 12 meses."
Outro universo a ser explorado é o de dez milhões de pessoas que recebem salários pelo BB. O banco constatou, por exemplo, que, mensalmente, cerca de 30 mil pessoas simulam, nas máquinas de autoatendimento (ATM, na sigla em inglês), empréstimos habitacionais. Agora, o BB vai atrás delas.
No crédito consignado, onde já é líder, com participação de mercado de quase um terço do total (R$ 46 bilhões), o BB pretende avançar no segmento de aposentados do INSS. A instituição possui contratos com apenas 10% dos 7,2 milhões de aposentados que recebem seus benefícios pelo banco.
Na área de cartões de débito e crédito, a grande aposta está nos não-correntistas. Segundo Denilson Molina, diretor dessa área, o banco corre contra o relógio para diminuir a diferença de R$ 50 bilhões de transações ao ano que o separa do líder de mercado, o Itaú Unibanco (a distância era de R$ 70 bilhões um ano e meio atrás). "Estamos crescendo acima do mercado", observou Molina.
O volume de transações da área de cartões do BB deu um salto nos últimos anos, pulando de R$ 34 bilhões, em 2006, para R$ 111 bilhões em 2010. Hoje, o segmento responde por 18% do lucro recorrente do banco. Apesar do avanço, a rentabilidade média dessa área no mercado é maior.
A explicação está na proporção entre cartões de crédito e de débito. No BB, a modalidade crédito equivale a 56% do total dos cartões, enquanto nos principais concorrentes, o percentual é maior - 70%. "Cartões de crédito têm rentabilidade três vezes maior que a dos cartões de débito", revelou Denilson Molina.
Nos próximos dez anos, o plano é crescer 15% ao ano dentro da base de correntistas, mesma meta do restante do mercado. O pulo do gato, no entanto, virá, na opinião da diretoria, dos não-correntistas, nicho em que o banco espera avançar 22% a cada ano.
O BB aposta todas as fichas na bandeira nacional Elo, criada em conjunto com o Bradesco e que será oferecida tanto para as camadas de renda mais baixa, como em parceiras com varejistas. Um terceiro braço do banco se prepara ainda para avançar sobre a clientela de outros bancos, abrindo concorrência direta com os privados.
"Queremos que o faturamento da Elo responda por 15% do mercado de cartões em cinco anos", lembrou Raul Moreira, gerente responsável pela bandeira. Ele destacou ainda que esse avanço da bandeira própria deve significar, nesse período, economia de perto de R$ 1 bilhão em royalties pagos antes às bandeiras Visa e Mastercard.
Mas a Elo é mais do que uma bandeira. A nova marca congrega um holding, compartilhada com o Bradesco, com participações em sete empresas, entre elas, uma processadora (Fidelity), uma promotora de vendas que usará as lojas Ibi (são 150 lojas, número que deve subir para 200 em dezembro) e até mesmo um banco múltiplo, o Banco Elo, que aguarda apenas aprovação do Banco Central (BC) para começar a operar, o que deve ocorrer ainda este ano. O novo banco será o responsável pela oferta de crédito aos não-correntistas.
O uso do cartão também vai crescer entre as empresas, aposta o vice-presidente de varejo, Paulo Caffarelli. Um dos produtos de maior potencial criado pelo BB recentemente foi o Agrocard, cartão que permite o pagamento de insumos com cartão, sem a necessidade da emissão de ordens de pagamento, além de assegurar um maior controle tanto por parte da empresa quanto do banco.
Esse modelo de cartão, que já movimenta R$ 8 bilhões, foi estendido a outros setores da atividade econômica para o pagamento de fornecedores, incluindo a indústria de petróleo, de fertilizantes e da construção civil. O produto é uma inovação do Banco do Brasil, portanto, não envolve o Bradesco, seu principal parceiro na área de cartões. Funciona da seguinte maneira: o fornecedor vende o insumo para uma indústria e não paga a tradicional taxa do cartão de crédito. Essa taxa é transferida ao comprador, que ganha, em contrapartida, 40 dias para honrar a fatura junto ao BB.
O banco espera que esse tipo de cartão gere R$ 15 bilhões de faturamento em 2011 - R$ 8 bilhões com o Agrocard, R$ 5 bilhões com o pagamento de contas e R$ 2 bilhões nas operações de repasse de recursos do BNDES. "Em três anos esse produto deve representar 10% do nosso faturamento com cartões", comentou Caffarelli.
Na área de seguridade, com a compra de empresas e a consolidação das parcerias com companhias privadas, a reformulação já começou a trazer retorno para o banco. A participação dessa diretoria no resultado recorrente do banco pulou de menos de 10% há cinco anos, para 14% no primeiro trimestre. Ainda assim, é bem inferior, por exemplo, à do Bradesco - 28% do lucro. A meta do BB é chegar a 24% em 2013, revelou Marco Antônio da Silva Barros, diretor.
Um dos maiores avanços do banco estatal se deu no segmento de previdência complementar, que passou de um faturamento (incluindo prêmios e contribuições) de R$ 9 bilhões em 2008 para R$ 16,5 bilhões em 2010, devendo superar R$ 22 bilhões este ano. "No primeiro bimestre crescemos 83%, enquanto o mercado avançou 26,8%", comemorou Barros.
Em seguros, o banco espera fechar o primeiro trimestre em primeiro lugar no ranking da Susep. O BB também aposta em um produto na área agrícola para segurar o preço da safra.
O vice-presidente Paulo Caffarelli avaliou que o mercado financeiro está passando por um novo período de consolidação. "Existem 60 bancos cadastrados no INSS para conceder crédito consignado. Esse número deve diminuir", disse.
Segundo ele, os bancos de menor porte estão com problemas para manter em pé seus modelos de captação e originação de novas operações. Além das dificuldades criadas pela própria crise internacional de 2008, as recentes medidas do BC de regular a atuação dos correspondentes e também de aumentar o requerimento de capital para as linhas de consumo limitou o poder de fogo dessas instituições.
Empresa fará cartão de identidade
De São Paulo
Em nove anos, todo brasileiro deverá trocar o velho RG por um documento do tamanho de um cartão de crédito com dois chips contendo informações que vão de número de identidade e título de eleitor a altura e cor dos olhos. Para a Valid, que domina tanto a confecção de cartões quanto o manejo de dados sigilosos e certificação digital, o RIC (Registro de Identidade Civil) é uma grande oportunidade.
Jose Roberto Mauro, que hoje assume o cargo de presidente, diz que a empresa está envolvida em todas as etapas de desenvolvimento do RIC, mas que não comentará "nem sob tortura" sobre a polêmica em relação ao seu custo. Cada brasileiro teria de pagar R$ 40 pelo cartão, valor considerado alto pelo governo. "É um produto de alta qualidade, e o preço depende de uma série de fatores", diz.
A Valid já trabalha no processo de confecção das primeiras unidades, que devem ser expedidas gratuitamente a partir de julho. O projeto está sob coordenação do Instituto Nacional de Identificação e terá intermediação da Casa da Moeda, que informou que contará com parcerias "para repassar conhecimentos que ainda não domina". (FP)
Corretoras sob pressão
Angelo Pavini | De São Paulo
Pergunte a um corretor como vai a vida e a resposta virá num misto de desânimo e revolta. Desânimo com o mercado - com a bolsa em baixa atraindo poucos investidores - e revolta com a guerra de preços e a luta por posições no ranking, que fizeram as corretagens despencarem e a disputa por profissionais se acirrar. A situação chegou a tal ponto que o próprio Banco Central (BC) estaria preocupado com a redução de preços e o aumento dos custos, que podem levar algumas instituições a apresentarem problemas financeiros.
Segundo fontes do mercado, o BC estaria atento a essa concorrência, tendo inclusive pedido um estudo para a Fundação Getúlio Vargas sobre o setor de corretoras. Ao mesmo tempo, estaria reforçando o contato e a fiscalização, para avaliar os efeitos das estratégias de crescimento a qualquer custo nas instituições.
Apenas uma das corretoras que está atuando agressivamente no mercado teve um prejuízo de mais de R$ 9 milhões no ano passado e de R$ 1,3 milhão em janeiro deste ano.
Outro movimento foi feito pela própria BM&FBovespa, que resolveu se reaproximar das corretoras, depois de anos tratando-as como clientes após da desmutualização. Uma comissão foi formada para discutir a situação, incluindo desde práticas desleais até um provável processo de consolidação do setor. Dentro da comissão, há um grupo apenas para cuidar da concorrência.
Outro grupo discute o ranking de corretoras. Por servir de referência para investidores institucionais e para eventuais compradores de corretoras, ele virou obsessão entre as instituições, que fazem de tudo para aparecer na liderança. Isso inclui contratar equipes inteiras de concorrentes pagando luvas milionárias e ainda parcelas maiores da corretagem para agentes autônomos.
Uma das propostas em análise nesse grupo é acabar com a divulgação do ranking para as corretoras, como é feito hoje. A medida, semelhante a quebrar o termômetro para não saber da febre, não garante, porém, que as corretoras não conseguirão os dados de outras maneiras.
O movimento de aproximação da bolsa começou depois que a coreana Mirae lançou este ano sua corretagem de R$ 2,90, prometendo reduzir ainda mais o valor caso alguém a acompanhasse na oferta. Em seguida, outra corretora, a Gradual, lançou um pacote de corretagem livre com valor fixo de R$ 30 por mês. Ambos valores não cobrem os custos, admitem os próprios corretores, que justificam a estratégia como forma de aumentar a base de clientes.
A Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras (Ancord) está participando das discussões com a bolsa nas comissões, diz o superintendente José David Martins Júnior. A entidade dá posse hoje a Manoel Felix Cintra Neto para um novo mandato como presidente.
A comissão de fortalecimento das corretoras representa uma reaproximação da bolsa, afirma Martins Junior. "Estamos como um casal, discutindo a relação", diz. A proposta é fortalecer o braço comercial do mercado com uma série de medidas, entre elas práticas mais equitativas de concorrência, explica. Para Martins Junior, a preocupação do BC tem sentido, pois a atitude da corretora no mercado pode comprometer sua saúde financeira no futuro.
A concorrência é um dos tópicos do código de ética que a Ancord vem discutindo há anos e espera concluir agora. "Concorrência sempre é bem-vinda, mas temos de tomar cuidado, pois existe uma linha nessa disputa que pode levar a problemas mais adiante com controles e com a saúde financeira das instituições", diz. A entidade pretende se tornar também a reguladora dos agentes autônomos e certificadora do mercado - outro processo que também está atrasado e que envolveria todos os funcionários das corretoras. "A bolsa estabeleceu um prazo mais curto para esse processo, mas o mercado pediu mais tempo para se ajustar", afirma.
Já a proposta de criar um cadastro único de clientes para todas as corretoras da Bovespa para baixar custos naufragou, diz um corretor. "O preço pedido pela empresa que ia prestar o serviço foi considerado muito alto pela maioria", afirma.
CVM limita investimentos dos fundos de participação
Juliana Ennes | Do Rio
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou nesta quarta-feira a Instrução 496, que regula a utilização dos fundos de investimento em participações (FIPs). O objetivo da autarquia, ao modificar a Instrução 391, é impedir que esse tipo de fundo seja utilizado como forma de burlar a tributação.
De acordo com as novas regras, todos os novos FIPs constituídos a partir do dia 12 de maio, ou que fizerem novas chamadas de capital, precisarão ter no mínimo 90% de seu patrimônio investido em ações, debêntures, bônus de subscrição, ou outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações.
A expectativa é de que os 10% restantes, se não forem alocados no mesmo tipo de ativos, possam ser utilizados para caixa do fundo, ou para investir em ativos de baixo risco e alta liquidez, como títulos públicos.
Apesar de a maior parte dos FIPs já estar enquadrada às novas regras, a autarquia preferiu institucionalizar a prática. Os investidores estrangeiros tiveram, no ano passado, um aumento da alíquota do imposto sobre operações financeiras (IOF) de 2% para 6%.
Mas os FIPs, por serem considerados importantes nos financiamentos a pequenas empresas, inclusive no setor de infraestrutura, acabaram sendo excluídos e tiveram a alíquota reduzida, de volta aos 2% originais. Por isso, a CVM preferiu atuar de forma preventiva, para impedir que os FIPs sejam utilizados para investimento em renda fixa, mas utilizando-se da alíquota privilegiada.
A única exceção de enquadramento é para o período de chamada de capital, quando os fundos têm proporção elevada de capital em caixa. Então, a partir da entrada de novos recursos, o fundo terá até o último dia útil do mês seguinte para realizar a integralização de cotas. Ou seja, serão no máximo dois meses de desenquadramento.
Fica proibida também a utilização de derivativos, a não ser que tenham o objetivo exclusivo de proteger o patrimônio.
Conselho da Brasil Ecodiesel rejeita proposta para incorporar a Vanguarda
Denise Carvalho | De São Paulo
O conselho de administração da Brasil Ecodiesel, uma das maiores produtoras de biodiesel do país, decidiu vetar a proposta de incorporação da produtora de soja e algodão Vanguarda.
De acordo com pessoas ligadas à Brasil Ecodiesel, a proposta foi rejeitada por maioria do conselho de administração, em reunião realizada ontem na sede da empresa, em São Paulo.
A incorporação criaria a maior empresa do setor de agronegócios do país, com faturamento estimado em R$ 1,6 bilhão em 2011.
Procurado, José Carlos Aguilera, presidente da Brasil Ecodiesel, disse desconhecer a decisão.
O veto foi uma consequência da decisão do conselho de negar a criação de um comitê independente para analisar a proposta e os benefícios da incorporação.
Pela proposta, a Brasil Ecodiesel teria que fazer um aumento de capital de R$ 1,2 bilhão para adquirir a Vanguarda. Na operação, as 1,08 bilhão de ações ordinárias (com direito a voto) da Brasil Ecodiesel foram avaliadas R$ 964,9 milhões, equivalente a R$ 0,89 por ação.
A formação do comitê era necessária porque o grupo Veremonte - controlado pelo investidor espanhol Enrique Bañuelos - tem participação indireta na Brasil Ecodiesel. Bañuelos é um dos maiores acionistas individuais da empresa, com 21% das ações, e ainda detém 50% da Vanguarda. Ele adquiriu 50% da empresa recentemente, por R$ 600 milhões. A outra metade pertence ao ex-deputado estadual Otaviano Pivetta.
Conforme antecipou o Valor, Silvio Tini, um dos maiores acionistas da Brasil Ecodiesel, estava disposto a convencer o conselho a barrar a aprovação da proposta. Se a incorporação fosse aprovada e Tini não participasse do aumento de capital, sua fatia - estimada em 15% - seria reduzida à metade.
Bañuelos promete reagir. Em recente entrevista ao Valor, o executivo Marcelo Paracchini, presidente da Veremonte no Brasil, afirmou que, se a proposta fosse rejeitada, a companhia convocaria assembleia geral extraordinária para que os 25 mil acionistas da Brasil Ecodiesel decidam a questão.
AGRONEGÓCIOS
DuPont amplia investimentos em defensivos para canaviais
Alexandre Inacio | De São Paulo
Quinta maior indústria no mercado brasileiro de defensivos, a DuPont se prepara para deflagrar um plano para ganhar posições e retomar a liderança nas vendas em segmentos onde já ocupou o topo do ranking. Com uma fatia de 5,8% das vendas totais do país em 2010, o grupo pretende ganhar espaço na venda de produtos para o setor sucroalcooleiro, que no ano passado foi o terceiro maior mercado para defensivos no Brasil.
Em 2010, a DuPont fechou o ano no Brasil com faturamento de US$ 440 milhões no mercado de defensivos agrícolas. Desse total, US$ 70 milhões foram provenientes do segmento sucroalcooleiro. "Cerca de 50% das nossas vendas ainda são feitas para o mercado de soja. Acreditamos, no entanto, que o segmento sucroalcooleiro tem potencial para ganhar espaço internamente e, sozinho, gerar receitas de US$ 120 milhões em até cinco anos", afirma Marcelo Okamura, diretor de marketing da DuPont.
Para avançar no mercado sucroalcooleiro, a DuPont passará a comercializar ainda neste ano um novo herbicida. A meta é já no primeiro ano gerar um aumento nas vendas entre 10% e 15%. O produto começou a ser desenvolvido no Brasil em 2004 e obteve o registro no governo federal no fim do ano passado.
Segundo Okamura, o novo herbicida é um complexo de três diferentes princípios ativos, formulados dentro de uma tecnologia desenvolvida pela própria DuPont. Uma das matérias-primas é fabricada no Brasil e será enviada para os Estados Unidos, onde receberá os outros dois ativos até chegar à formulação final para ser exportada novamente ao Brasil. "Nossas unidades no Brasil não possuem a tecnologia necessária para fazer a formulação e fica mais barato adotar essa logística do que construir uma nova fábrica", explica Okamura.
O executivo afirma que o novo herbicida é usado no período de seca, logo após a colheita, mas só é "ativado" quando as chuvas têm início e a competição com as ervas daninhas aumenta. Além disso, ele tem a vantagem de conseguir controlar tantos plantas de folha largas como de folhas estreitas e a ideia é que usinas e produtores realizem uma única aplicação para o controle, sem a necessidade de repasses, já que hoje são necessárias pelo menos duas aplicações para um controle efetivo.
A empresa não revela qual foi o investimento para desenvolver o novo produto. Estimativas do mercado, no entanto, dão conta que, em média, são necessários pelo menos US$ 200 milhões para se chegar a um novo produto. "Globalmente a DuPont investe em pesquisa cerca de US$ 1,4 bilhão, dos quais US$ 700 milhões são direcionados ao segmento agrícola. Especificamente para defensivos são aplicados US$ 200 milhões todos os anos para se criar novos produtos e formulações", afirma Okamura.
A escolha pela cana não é por acaso. A expectativa é que a área cultivada tenha uma expansão média anual de 5,5% e consequentemente o uso de defensivos para o segmento. No ano passado, o segmento sucroalcooleiro teve uma participação de 9,6% dos US$ 7,303 bilhões de vendas, segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag). O produto que mais movimenta recursos no país é a soja (44,1%), seguido pelo algodão (10,6%), ficando a cana em terceiro lugar.
Gomes da Costa amplia fábrica em SC
Júlia Pitthan | De Florianópolis
A Calvo, empresa controladora da fabricante de pescados em conserva Gomes da Costa, vai assinar na próxima semana um protocolo de intenções com o governo de Santa Catarina para investimento de R$ 30 milhões para ampliação de sua fábrica em Itajaí. O documento será assinado durante a primeira viagem oficial do governador Raimundo Colombo ao exterior, que prevê uma visita à sede da companhia em Carballo, na Província de Corunha, na próxima sexta-feira.
A empresa confirma o investimento, mas não informa detalhes no projeto de expansão. Segundo o Valor apurou, o projeto prevê a construção de novos armazéns frigorificados que ampliariam a capacidade de industrialização da empresa em Santa Catarina. A Gomes da Costa mantém uma unidade em Itajaí desde 1998, quando transferiu a produção da Baía da Guanabara para Santa Catarina. Segundo o site da empresa, a planta é o maior complexo de recepção, captura e processamento de pescados da América Latina, com produção de 1,2 milhão de latas por dia e 1,4 mil empregados. A expectativa é que o investimento gere até 350 empregos diretos.
Em 2006, a Gomes da Costa finalizou uma obra de ampliação da fábrica de atum, que ganhou 7 mil m2 de área, e uma nova fábrica de embalagens de aço, com mais de 10 mil m2. A fábrica, que também está instalada em Itajaí, produz latas com tampa "abre fácil" voltadas às linhas de atum e sardinha.
O mercado brasileiro de sardinhas e atum em lata, que movimenta cerca de R$ 1 bilhão por ano, vem chamando a atenção de concorrentes estrangeiros. Em agosto do ano passado, o grupo espanhol Jealsa-Rianxeira iniciou investimento para construção de uma unidade em Rio Grande, no Rio Grande do Sul.
No País, a empresa atua com a marca Crusoe Foods. O novo player pretende investir R$ 50 milhões nos próximos dois anos no Brasil para conquistar uma participação de mercado de 5% em produtos de atum e sardinha.
A Coqueiro, marca da PepsiCo que detém grande participação no mercado brasileiro de atum e sardinha, prevê US$ 11 milhões em investimentos para este ano. A empresa mantém uma unidade de produção em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, e um entreposto em Itajaí onde são recebidos os peixes frescos e onde a empresa também mantém uma pequena fábrica de patês.
Segundo a PepsiCo informou, os US$ 11 milhões serão aplicados em projetos em todo o País para aumento da capacidade produtiva, promoção ao consumidor, modernização de processos e projetos de cuidados com o meio ambiente. No ano passado, a empresa investiu US$ 9 milhões na ampliação da capacidade de armazenamento de sardinha congelada na unidade em São Gonçalo.
Receita da exportação de frango cresce 27%
De São Paulo
Dados da União Brasileira de Avicultura (Ubabef) mostram que a receita com as exportações de frango em abril foi de US$ 689,59 milhões, alta de 27,9% em comparação com o mesmo período do ano passado. A receita foi gerada a partir do embarque de 325,2 mil toneladas, volume 4,9% superior ao registrado em abril de 2010.
Mesmo com os conflitos no Oriente Médio, a região segue como o principal destino das exportações brasileiras de carne de frango. O bloco importou no mês passado 116,6 mil toneladas do produto, que renderam ao Brasil US$ 221,3 milhões e liderou as compras de frango em abril.
Entre os produtos exportados, os cortes in natura permaneceram na liderança no mês passado, representando 53% do volume total. Os embarques de frangos inteiros aparecem em seguida, com fatia de 36%, seguido pelo frango salgado com participação de 6% do volume. Mais caros, porém, com menor participação, o frango industrializado representou em abril 5% do volume total.
Com o bom resultado de abril, as exportações acumulam 1,258 milhões de toneladas embarcadas no primeiro quadrimestre. O volume é 8,7% maior que as 1,157 milhões de toneladas dos quatro primeiros meses de 2010. Em receita, as exportações totalizam US$ 2,556 bilhões, com incremento de 28,2%, ante o resultado do mesmo período do ano passado.
USDA derruba cotações dos grãos
Fernando Lopes | De São Paulo
O primeiro relatório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) com projeções para os volumes de oferta e demanda de grãos no país e no mundo nesta safra 2011/12, divulgado ontem, derrubou as cotações de milho e trigo e, por tabela, arrastou também para baixo os preços de soja e trigo na bolsa de Chicago, referência para o comércio dessas três commodities.
Os números mais "baixistas" vieram no quadro de fundamentos do milho. O USDA surpreendeu o mercado ao estimar os estoques finais mundiais da temporada em 129,14 milhões de toneladas, 5,7% superiores aos do ciclo 2010/11, com destaque para um crescimento de 23,3% nos EUA. Em parte, o incremento para os estoques do país está relacionado à queda do ritmo de crescimento da demanda para a produção de etanol. Conforme o USDA, serão "apenas" 1,3 milhão de toneladas de milho a mais que em 2010/11 para o biocombustível - que absorverá, no total, 127,3 milhões de toneladas, ou 37,1% da produção estimada para os EUA na safra que se desenvolve.
Como o mercado não esperava tanto, as cotações dos contratos do grão com vencimento em julho atingiram limite de baixa ontem em Chicago (30 centavos de dólar por bushel) e fecharam a US$ 6,7725. Apesar do tombo, a valorização acumulada em 12 meses ainda chega a 79,64%, conforme o Valor Data.
Mas, para desgosto de exportadores e alegria de quem quer ver a pressão dos alimentos sobre a inflação diminuir, o pessimismo sobre o futuro das cotações ontem dava o tom, apesar das muitas incertezas, inclusive climáticas, que pairam sobre as safras que estão sendo cultivadas no Hemisfério Norte. Foi o clima adverso acima do Equador e seus reflexos sobre as colheitas que catapultaram os preços dos grãos no último ano.
"No curto prazo, é definitivamente o fim do "bull market"", disse Terry Reilly, analista do Citigroup em Chicago, à agência Dow Jones Newswires. Os estoques finais previstos pelo USDA representarão 15% do consumo total em 2011/12, ante 14,6% em 2010/11. Só que tudo isso também depende do Hemisfério Sul, onde o plantio da nova safra começará a ganhar força apenas em setembro.
No mercado de trigo, pesou mais sobre as cotações a estimativa de aumento da produção global do que a leve queda dos estoques finais, inclusive nos EUA. E elas despencaram também pelo fato de o trigo poder ser usado como alternativa ao milho em rações.
No caso da soja, realça Renato Sayeg, da Tetras Corretora, a projeção do USDA para os estoques finais globais é de queda, confirmando que o aumento da produção mundial tem sido muito menor que o da demanda. Para ele, nessa toada o cenário poderá se agravar nas duas próximas safras. Ontem, em Chicago, a baixa do grão foi moderada. Para Sayeg, contudo, o principal fator que pode tirar sustentação das commodities nos próximos meses não está nos fundamentos, mas no dólar. Se a moeda americana se fortalecer, com sugerem sinais de Washington, as cotações tendem a recuar.
Fonterra planeja elevar a produção de leite no país
Alda do Amaral Rocha | De São Paulo
A cooperativa neozelandesa Fonterra, maior exportadora de lácteos do mundo, planeja investir na produção de leite no Brasil. A empresa anunciou ontem que assinou um acordo para a compra de uma fazenda na região de Cristalina (GO). O objetivo é desenvolver fazendas leiteiras-piloto no país.
O projeto deve ser concluído ainda este semestre e prevê a utilização de genética neozelandesa e o modelo de produção a pasto, como ocorre na Nova Zelândia.
Conforme comunicado divulgado pela Fonterra, a intenção é "desenvolver uma fazenda leiteira-piloto a fim de estabelecer, avaliar e refinar um sistema pastoral de produção adequado para esta região do Brasil e assim como outras regiões similares".
O presidente da Fonterra, Andrew Ferrier, diz, no comunicado, que "o investimento numa fazenda leiteira com um modelo de produção pastoral será o primeiro passo para o desenvolvimento de um abastecimento de leite de alta qualidade no Brasil".
Fabrizio Jorge, gerente geral da Fonterra para o Cone Sul, disse que a produção deve ser iniciada "por volta de 2014". Os embriões dos animais, com genética neozelandesa, começam a chegar neste semestre ao país. Segundo ele, a genética é semelhante ao kiwicross, cruzamento entre as raças jersey e a holandesa friesian, já criado no Brasil pela também neozelandesa Leite Verde, em Jaborandi (BA).
Ele não informou o valor do investimento no projeto nem quanto leite a fazenda-piloto deve produzir. O plano é que, num primeiro momento, a unidade forneça leite para as fábricas da Dairy Partners Americas - DPA - no Brasil, joint venture entre Fonterra e Nestlé, segundo Jorge.
De acordo com a Fonterra, a localidade escolhida tem bom acesso à água e condições de solo e climáticas que devem permitir a produção de leite a pasto ao longo de todos os meses do ano.
A unidade será gerenciada seguindo os mesmos princípios que a Fonterra utiliza. Se a fazenda-piloto for bem-sucedida, a Fonterra pretende desenvolver mais unidades produtivas no Brasil.
Com 10.500 produtores cooperados e receita de US$ 13,3 bilhões em 2010, a Fonterra é a maior processadora de leite do mundo, com mais de 2 milhões de toneladas de produtos lácteos por ano.
LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS
Conta conjunta pode ser penhorada
Zínia Baeta | De São Paulo
A penhora on-line de contas correntes, medida que permite aos juízes bloquear depósitos bancários de devedores, ganhou uma nova interpretação do Judiciário. Em uma decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitiu que uma conta conjunta tivesse parte dos valores penhorados para o pagamento de dívida de apenas um dos correntistas. Os ministros da 2ª Turma interpretaram que, a partir do momento em que há valores nessas contas, o montante ali depositado torna-se solidário, ou seja, pode ser utilizado para o pagamento de débitos ainda que apenas de um dos titulares.
A conta penhorada é de um casal divorciado que a mantém para as despesas dos filhos. O advogado que representa o casal, Marcelo Domingues Pereira, do escritório Falletti e Penteado Advogados, afirma que demonstrou no processo que o dinheiro depositado na conta conjunta era proveniente da conta-salário do ex-marido. A mulher responde por uma dívida fiscal de ICMS de uma empresa da qual não é mais sócia. De acordo com Pereira, ainda está sendo discutido na Justiça e pendente de julgamento a responsabilidade dela pela dívida fiscal cobrada pela Fazenda de São Paulo. "Só foi decidido pelo STJ a possibilidade de serem penhorados valores depositados em conta conjunta", diz o advogado, ressaltando que o ex-marido não foi incluído na execução fiscal.
Ao decidirem, os ministros do STJ entenderam que no caso de conta conjunta cada um dos correntistas é credor de todo o saldo depositado, de forma solidária. "Se o valor pertence somente a um deles, não deveria estar nesse tipo de conta, pois nela a importância perde o caráter de exclusividade", afirma o ministro relator do processo, Humberto Martins. Para o magistrado, nessa condição, a solidadriedade se estabelece pela própria vontade das partes, no instante em que optam por essa modalidade de depósito bancário. Na decisão, porém, o ministro ressalta que não se trata de valores referentes a vencimentos, subsídios, soldos, salários, dentre outras situações listadas no Código de Processo Civil como impenhoráveis.
O advogado Edmundo Emerson de Medeiros, do Menezes Advogados, afirma que a decisão da 2ª Turma diverge de julgamentos da 1ª Turma do STJ. Segundo ele, o entendimento da 1ª Turma é o de que a penhora nesse tipo de conta não pode ocorrer se é demonstrado que os titulares, ao celebrarem o contrato, não tinham a intenção de que existisse a solidariedade. Em um dos casos julgados pela turma, a conta bancária tinha como titulares mãe idosa e filho, que a utilizava para pagar as despesas da mãe. "A 1ª Seção poderia se manifestar para pacificar o entendimento divergente entre as turmas", diz. Segundo ele, pelo Código Tributário Nacional (CTN), a solidariedade ocorre apenas entre "as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal".
O advogado Eduardo Salusse, do Salusse e Marangoni Advogados, diz que essa discussão é antiga. Segundo ele, até 2006, por exemplo, quando um cheque de conta conjunta era protestado, os nomes dos cotitulares eram protestados. O Banco Central, posteriormente, determinou que só quem emitisse o cheque poderia ter o nome negativado. Hoje, segundo ele, há três correntes. A que defende a penhora integral da conta, o bloqueio parcial e a impenhorabilidade total. O que o advogado entende é que pode haver a penhora total, mas isso não exclui a possibilidade do cotitular fazer a prova do quanto lhe pertence na conta corrente e anular parte do bloqueio.
Na análise do advogado Luiz Rogério Sawaya, do Nunes e Sawaya Advogados, a meação dos conjugues deve sempre ser respeitada. Para que isso não ocorra, só se o regime for da comunhão universal de bens.
DESTAQUES
Ambiente de trabalho
A fabricante de calçados Azaleia não conseguiu reverter no Tribunal Superior do Trabalho (TST) decisão que a condenou ao pagamento de multa por descumprimento de medidas de proteção ao trabalhador. A penalidade foi imposta em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho. Obrigada a adotar 19 medidas para melhoria do ambiente de trabalho, com a finalidade de evitar acidentes com empregados, a empresa foi multada por descumprir 15 delas. A Subseção 2 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do TST, ao julgar recurso ordinário em mandado de segurança apresentado pela Azaleia, entendeu que não houve qualquer violação a direito líquido e certo que justificasse a concessão do pedido a favor da empresa. O Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (Bahia), ao julgar a ação civil pública proposta em 2003, impôs à Azaleia a obrigação de adotar diversas medidas de proteção ao trabalhador, dentre elas sinalizar locais de uso obrigatório de equipamentos de proteção individual, realizar campanhas educativas e treinamentos específicos para evitar acidentes, realizar estudos técnicos para substituição de solventes tóxicos, evitar emissão de pó de couro e borracha, obedecer aos intervalos intrajornada e instalar armários individuais para os empregados, dentre outros, relacionados a ruídos, alta temperatura, ergonomia e manipulação química.
Dever de indenizar
Mesmo se o imóvel é destinado a pessoas de baixa renda e as prestações de seu contrato forem de valor ínfimo, o inadimplemento do pagamento gera a obrigação de indenizar. A maioria dos ministros da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) adotou esse entendimento em recursos apresentados por particulares e o Distrito Federal contra acórdão do Tribunal de Justiça local (TJ-DF). Em 1977, os compradores fecharam contrato de compra e venda de imóvel com o Distrito Federal, a ser quitado por prestações mensais. Em janeiro de 1994, os compradores tornaram-se inadimplentes, o que deu causa à rescisão do contrato. Em primeira instância, o juiz declarou o contrato rescindido, com a devolução aos compradores das quantias pagas, com exceção do sinal. O Distrito Federal foi reintegrado na posse do imóvel. Ao analisar recurso do ente público, o Tribunal de Justiça decidiu que os compradores deviam indenização por lucros cessantes durante a inadimplência. O valor foi definido como equivalente às prestações pagas durante a vigência do contrato. As partes apresentaram recursos no STJ. A 3ª Turma determinou, então, o pagamento de indenização correspondente a 20% do valor já pago, devidamente corrigidos e acrescidos de juros legais.
Sentença impede multa de 50% em compensação fiscal
Laura Ignacio | De São Paulo
Uma agroindústria do Rio Grande do Sul obteve sentença que garante a realização de compensações de créditos de PIS e Cofins para quitação de tributos federais sem o risco de aplicação de multa de 50%, caso a operação seja julgada indevida pelo Fisco. É a primeira decisão sobre o assunto que se tem notícia. A pena foi imposta pela Lei Federal nº 12.249, de 2010. O objetivo é desestimular situações de uso de créditos de PIS e Cofins que não são expressamente permitidas por lei. Segundo a Receita Federal, o volume de compensações caiu 50% logo após a entrada em vigor da nova multa.
A sentença foi proferida pelo juiz federal Adriano Copetti, da qual cabe recurso. O magistrado afasta a aplicação da multa "em caso de mero indeferimento de pedido de ressarcimento ou de compensação, exceto se for caracterizada má-fé da contribuinte". Para ele, quem tem boa-fé não pode ser ameaçado de multa só por exercer regularmente seu direito constitucional de pedir. "Ao invés disso, a Receita tem que estar aparelhada para dar cabo à demanda", afirma
A empresa gaúcha decidiu ir à Justiça preventivamente por acumular mensalmente um grande volume de créditos. Como a agroindústria é eminentemente exportadora, a cada trimestre precisa fazer pedidos de ressarcimento ou compensação. Assim, o risco de ser autuada é alto. "O problema é que a Receita tem uma política restritiva de reconhecimento de créditos", diz o advogado Gustavo Goulart, do escritório Martinelli Advocacia Empresarial, que representa a indústria no processo.
Antes da alteração, era aplicada apenas uma multa de 20% pelo atraso no pagamento dos tributos quitados com créditos indevidos. Para o advogado Luiz Roberto Peroba Barbosa, do escritório Pinheiro Neto Advogados, a multa de 50% é claramente confiscatória, além de violar o direito de pedir do contribuinte. "Quando o Fisco tenta executar alguma dívida infundada não é condenado a pagar uma multa de 50%", critica o tributarista.
Como a lei entrou em vigor em junho, ainda há poucos casos de empresas multadas em 50%. "Por enquanto, só apresentamos recurso administrativo", afirma o advogado Luiz Rogério Sawaya Batista, do escritório Nunes e Sawaya Advogados. "Mas é possível usar a sentença gaúcha como jurisprudência para obter o mesmo benefício."
O caso está sendo acompanhado pela Procuradoria Regional da Fazenda Nacional (PRFN) da 4ª Região. Por nota, o procurador regional José Diogo Cyrillo da Silva afirmou que o prazo de 30 dias para recorrer começou a contar no dia 5 e que a delegacia da Receita na região vai subsidiar a procuradoria em sua defesa.
Para a advogada Valdirene Franhani Lopes, do escritório Braga e Marafon Advogados, apesar do precedente, ainda é interessante esperar uma eventual autuação para só então contestá-la no Judiciário. Hoje, ela ainda defende empresas autuadas por compensações realizadas em 2008. "Só o contribuinte que fez compensação a partir de julho corre o risco de ser multado em 50%", diz a advogada.
As mudanças nas regras da Lei Pelé
Renata W. Lancellotti
A presidente Dilma Roussef sancionou, recentemente, a Lei nº 12.395, de 16 de março de 2011, alterando e aprimorando a Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, a famosa Lei Pelé. São alterações importantes para o fortalecimento das entidades de prática desportiva, dos atletas e, notadamente, dos investidores atentos aos clubes formadores de jovens atletas. O olhar dos investidores está voltado, sobretudo, para o crescimento desses jovens não como simples "ativos" negociáveis, mas sim como "stakeholders" das referidas entidades, que poderão receber investimentos de fundos de investimentos em participações (private equity), regidos pela Instrução CVM nº 391/03, visando a estimular mais transparência, prestação de contas, responsabilidade social e melhores práticas de governança corporativa.
O artigo 29 da nova Lei Pelé é um exemplo desse estímulo; além de definir o conceito de formadora de atletas, estabelece, explicitamente, regras, garantias e assistências ao jovem atleta. O artigo 27 da lei, cuja redação teve como influência o artigo 18bis do regulamento Fifa sobre transferência de atletas, trouxe inovações e mais segurança jurídica aos investidores. Isso porque os direitos econômicos, tão valorizados na antiga lei, estão sendo desmitificados.
Na prática, os direitos econômicos nada mais são que direitos de créditos referentes a valores que a entidade venha a receber no futuro, em uma eventual transferência do atleta, cuja cessão se formalizava mediante contrato. As entidades de prática desportiva recorriam a investidores, negociando direitos econômicos em troca de recursos para viabilizar o pagamento de multas rescisórias de atletas. Ou seja, os direitos econômicos estavam ligados às referidas multas. Em contrapartida, a nova lei, de forma protecionista, além de tratar expressamente dos casos de atletas em formação, modificou e blindou a lógica de transferência de atletas. A referida norma prevê que são nulas de pleno direito as cláusulas de contratos firmados entre as entidades de prática desportiva e terceiros, ou entre estes e atletas, que possam intervir ou influenciar nas transferências de atletas ou, ainda, que interfiram no desempenho do atleta ou da entidade, exceto quando objeto de acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Direitos econômicos são créditos referentes a valores a receber no futuro
Por outro lado, também estabelece que são nulos de pleno direito os contratos firmados pelo atleta ou por seu representante legal com agente desportivo, pessoa física ou jurídica, bem como as cláusulas contratuais ou de instrumentos procuratórios com vínculo desportivo que, dentre outras regras, acarretem exigência de receita total ou parcial exclusiva da entidade e versem sobre gerenciamento de carreira de atleta em formação com idade inferior a 18 anos.
Isso significa que os direitos econômicos perderam sua razão, já que a que a nova lei, de forma transparente, invalidou os contratos que impliquem vinculação ou exigência de receita total ou parcial relativa à cláusula indenizatória exclusiva à entidade de prática desportiva à qual está vinculado o atleta. Ora, os agentes desportivos poderão receber pelo seu trabalho, todavia, é razoável entender que esses "stakeholders" não poderão compartilhar dos reais direitos dos atletas. Ou seja: o atleta deixa de ser "fracionado" como qualquer ativo. Nesse contexto, podemos concluir que as especulações, as tentativas de formação de cestas de atletas ou mesmo os fundos de investimentos em direitos creditórios sairão desse cenário, mas, em contrapartida, será estimulado o ingresso de novos investidores, por intermédio de fundos de private equity.
Em outubro de 2010, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) negou a constituição de fundo de investimento em jogadores de futebol regido pela Instrução CVM nº 409, de 2004. O relator do caso, o diretor Eli Loria, indeferiu o recurso, afirmando que os "direitos econômicos" possuem a natureza de direitos creditórios de existência futura e incerta, só que emergentes de relações já constituídas.
Seguindo o espírito da nova Lei Pelé, os direitos econômicos tomaram cartão vermelho, não fazendo mais sentido, portanto, a constituição de fundos de investimentos em direitos creditórios. Em contrapartida, como dito, entram em campo, como potenciais e principais investidores os fundos de private equity, como stakeholders importantes na criação de projetos de formadores de atletas e clubes não deficitários, devidamente profissionalizados, com boas práticas de governança corporativa. Assim, os fundos de private equity poderão ser donos do negócio e não meros espectadores.
Renata Weingrill Lancellotti é sócia do Motta, Fernandes Rocha Advogados. Possui LLM em Direito Societário e MBA Executivo, ambos pelo INSPER (antigo Ibmec SP).
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.
STJ garante união estável a homossexuais
De São Paulo
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecendo a união estável entre casais do mesmo sexo começa a refletir no posicionamento de outros tribunais. Na tarde de ontem, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também declarou que a união homoafetiva se equivale ao relacionamento entre um homem e uma mulher, para fins legais.
A diferença é que, enquanto o STF analisava a questão do ponto de vista constitucional, o STJ enfrentou os efeitos da discussão em um caso concreto. A 2ª Seção do STJ - composta pelos dez ministros responsáveis por questões de família e direito privado - retomou o julgamento de um processo do Rio Grande do Sul, em que o autor pedia a partilha do patrimônio adquirido durante um relacionamento de mais de dez anos. Ele também requeria pensão alimentícia, alegando dependência econômica do antigo parceiro. Para isso, no entanto, era preciso reconhecer a união estável, na qual vigora - a não ser nos casos de declaração expressa em contrário - a comunhão parcial de bens.
Na decisão de ontem, o STJ manteve o posicionamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, determinando a partilha dos bens, conforme as regras do direito de família. O réu na ação queria que o caso fosse interpretado como sociedade de fato, e não união estável. Caso o relacionamento fosse visto como sociedade de fato, desentendimentos patrimoniais nas separações iriam parar nas varas cíveis (e não de família), e os bens seriam divididos proporcionalmente ao esforço de cada um em sua aquisição. Esse posicionamento era adotado pelo STJ desde 1998, e agora foi modificado.
O julgamento concluído ontem começou em fevereiro, com um voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, favorável à união estável homoafetiva. "A ausência de previsão legal jamais pode servir de pretexto para decisões omissas, ou, ainda, calcadas em raciocínios preconceituosos", afirmou a ministra, para quem uma decisão em contrário negaria o direito à felicidade.
Em fevereiro, o voto de Nancy Andrighi foi seguido pelos ministros Aldir Passarinho Junior, João Otávio de Noronha e Luis Felipe Salomão. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Raul Araújo. Ao se posicionar ontem, ele também votou pelo reconhecimento da união estável, apontando o efeito vinculante da decisão do STF. O voto foi seguido pela ministra Isabel Galloti. O ministro Sidnei Beneti, que havia votado em sentido contrário, também observou o efeito vinculante e alterou seu posicionamento.
Briga entre militares é crime comum
Folhapress, de São Paulo
A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem declarar a incompetência da Justiça Militar para o julgamento de militares envolvidos em uma briga de trânsito. O relator do caso, ministro Luiz Fux, ressaltou que a Justiça castrense é competente para julgar crimes militares, não crimes comuns cometidos por militares. A decisão foi unânime.
De acordo com o ministro, os acusados não conheciam a situação funcional um do outro, "não estavam uniformizados e dirigiam carros descaracterizados". Segundo ele, envolveram-se em uma discussão no trânsito que terminou em uma briga e lesão corporal. O relator ressaltou também que a competência da Justiça Militar "não pode ser fixada apenas à luz do critério subjetivo".
Segundo o ministro Fux, é necessária a reunião de outros elementos que justifiquem a submissão do caso concreto à Justiça castrense, principalmente quando a análise envolver alguma lesão "do bem ou serviço militar juridicamente tutelado". Para ele, "a Justiça castrense não é competente para julgar crimes de militares, mas crimes militares."
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