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Tesouro quer limitar gastos com custeio administrativo
Luciana Otoni e Ribamar Oliveira | De Brasília
O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, defendeu a fixação, em lei, de limite para a expansão dos gastos com o custeio administrativo, que abrange passagens, diárias, material de escritório, terceirizações, reformas etc. Para ele, o crescimento dessas despesas deveria ser limitado em 2,5%, em relação ao ano anterior, mais a inflação. Esse é o critério previsto no projeto de lei em tramitação na Câmara para a expansão da folha de pessoal. Segundo Augustin, o teto para custeio administrativo poderia ser incluído no mesmo projeto. "Essa não é uma discussão especificamente do Executivo", disse ao Valor. "É também do Congresso e da sociedade, é um debate estratégico e de longo prazo".
Independentemente do projeto, o secretário disse que o governo trabalha para que, a partir deste ano, o gasto de custeio cresça menos do que a variação nominal do PIB. "Teremos uma trajetória de crescimento no ano abaixo do PIB nominal para as despesas de custeio e acima do PIB nominal para as despesas de investimento", afirmou.
No primeiro trimestre, segundo o secretário, o governo fez "propositadamente" um superávit primário elevado. "Foi uma opção trabalhar com um superávit forte principalmente no início do ano em função da necessidade da política fiscal ajudar na redução do ritmo do crescimento". Ele garantiu que a meta cheia de superávit (sem o desconto dos investimentos do PAC) será cumprida. Mas negou-se a falar em resultado acima da meta. "Achamos que mirar no superávit cheio já tem caráter contracionista".
Embora o governo aceite discutir com Estados e municípios formas de amenizar o peso de suas dívidas com a União, Augustin não aceita mudar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ele garantiu que o Tesouro não permitirá que Estados e municípios voltem a lançar títulos públicos. E informou que haverá, em breve, uma emissão soberana do Tesouro, provavelmente em reais.
Setor público não terá fortes ganhos salariais este ano
Ribamar Oliveira e Luciana Otoni | De Brasília
Em entrevista ao Valor, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, disse que o governo não aceita conceder reajustes salariais entre 30% e 40% aos funcionários públicos, como foi feito em passado recente, pois avalia que as carreiras já estão alinhadas. "Os níveis salariais do setor público brasileiro estão equilibrados inclusive entre os poderes e entre as carreiras", afirmou, numa referência ao pleito dos juízes e servidores do Judiciário, que ameaçam greve. "Isso não significa que não haverá correção monetária".
Augustin informou que os repasses do Tesouro ao BNDES em 2012, "se houver aportes", serão inferiores aos R$ 55 bilhões previstos para este ano. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: No primeiro trimestre, houve uma expansão menor dos gastos, que cresceram abaixo do PIB. Essa é uma trajetória para o ano inteiro ou foi um fato isolado?
Arno Augustin: Teremos uma trajetória no ano de crescimento abaixo do PIB nominal para as despesas de custeio e acima do PIB nominal para as despesas com capital (investimento). Para a despesa de pessoal, minha estimativa é que venha a crescer abaixo do PIB nominal. Queremos mudar o perfil da despesa pública no sentido de que o percentual de investimento do setor público vá aumentando. Toda a nossa estrutura de liberação orçamentária, de planejamento do gasto está voltada para isso.
Valor: As despesas de custeio cresceram acima da variação do PIB, no primeiro trimestre, e os investimentos abaixo do PIB. Isso será revertido?
Augustin: Foi um resultado muito episódico (no primeiro trimestre), em função de algumas coisas principalmente nas áreas de saúde e educação, mas isso não é tendência. A tendência é de investimento maior e custeio menor.
Valor: Para o conjunto da despesa, qual é a projeção de crescimento?
Augustin: Creio que tende a ficar próximo à variação do PIB nominal. Não acho que haverá grande variação nem acima nem abaixo.
Valor: Se a despesa de custeio crescer abaixo do PIB, essa estratégia garante o cumprimento da meta cheia de superávit primário?
Augustin: Sim.
Valor: Vocês estão convencidos de que a meta cheia (sem o desconto dos investimentos do PAC) será cumprida?
Augustin Sem dúvida. Eu disse, entre o fim do ano passado e início deste ano, que havia sinais de que a situação fiscal era diferente. O primário dos últimos meses é muito melhor em comparação ao primeiro trimestre do ano passado. A diferença é gritante. Vamos cumprir a meta e acho que ninguém duvida disso. Os dados são bem claros.
Valor: Boa parte do ajuste do primeiro trimestre foi obtido com uma receita muito forte. Agora a expectativa é de uma acomodação do crescimento econômico. Essa desaceleração não vai impactar negativamente a receita?
Augustin: A nossa previsão de receita tem se mostrado em linha com o que está acontecendo. Não há nenhum indício de que a receita possa ficar menor que a nossa projeção, que já considerava o crescimento econômico menor em 2011 porque o governo colocou isso como um objetivo. É parte da nossa estratégia ter uma expansão menor [do PIB], isso está planejado. Mesmo com esse menor crescimento, o ritmo de aumento da receita vai se manter ao longo do ano porque, em 2010 e em 2009 a receita esteve muito abaixo do PIB. Agora está recuperando. Quando o PIB cresce fortemente, como no ano passado, no momento subsequente a receita com o Imposto de Renda aumenta. Há uma série de elementos que fazem com que a nossa expectativa em relação ao IR [Imposto de Renda] e ao IPI [Imposto sobre Produto Industrializado] deste ano seja bem mais favorável em comparação a 2010.
Valor: Diante dessa perspectiva e considerando o resultado fiscal elevado do primeiro trimestre, o governo pode fazer um superávit acima da meta?
Augustin: Acho prematuro falar em excesso de superávit. Não gosto de criar expectativas demasiadamente otimistas. Nossa meta é o superávit cheio. Pode ser que, ao longo do ano, se coloque essa situação, como em 2008, quando fizemos superávit maior? Pode. Vamos encarar isso como uma hipótese de trabalho. Mas não estamos mirando nisso neste momento. Achamos que mirar no superávit cheio já tem um aspecto contracionista. Não estamos mirando nem em mais, nem em menos.
Valor: A economia passa por uma acomodação com o objetivo de sair de um crescimento de 7,5% para 4,5%. Isso explica a razão de fazer esse superávit elevadíssimo no primeiro trimestre?
Augustin Trabalhamos, propositadamente, com um superávit mais forte no primeiro trimestre.
Valor: Por quê?
Augustin: Porque a economia exigia. Em dezembro, janeiro, fevereiro e março, enxergamos que a economia estava em um ritmo acima da atividade (que o governo queria) e que era o momento do fiscal agir com mais força e fizemos isso. Concentramos mais no início do ano.
Valor: Em abril já se chega a um superávit primário acumulado equivalente à metade da meta, como chegou a dizer o ministro da Fazenda, Guido Mantega?
Augustin Sim. Quero reiterar o que o ministro falou. Essa é a expectativa do Tesouro. Até abril estaremos próximos da metade da meta de superávit do ano (para o governo central, a meta é de R$ 81,8 bilhões). Isso é uma opção que fizemos: trabalhar com o superávit forte principalmente no início do ano em função da necessidade da política fiscal ajudar na redução do ritmo do crescimento econômico.
Valor: O sr. quer dizer ajudar no controle da inflação?
Augustin: Eu prefiro dizer no ritmo do crescimento econômico, porque no caso da inflação há várias questões a serem analisadas, inclusive a das commodities.
Valor: Então, quem aposta que o governo não fará a meta cheia de superávit vai perder?
Augustin: Vai, sem dúvida alguma. Eu acho que agora ninguém mais está apostando nisso.
"Não há política de arrocho. Não crescer igual ao PIB nominal não tem nada a ver com arrocho"
Valor: O gasto com pessoal dará grande ajuda porque o funcionalismo não está tendo reajuste este ano. Mas evidentemente o governo não pretende manter essa política de arrocho.
Augustin Não há política de arrocho. Não crescer igual ao PIB nominal não tem nada a ver com arrocho, porque o PIB nominal inclui a variável de correção monetária e a variável de crescimento econômico (real). O que ocorre este ano é que os aumentos reais (para o funcionalismo) dados no passado, principalmente para reequilibrar a relação entre as carreiras - reajustes de 30% a 40% - não precisam ser dados novamente porque nós reequilibramos as carreiras. Os salários das carreiras como da Polícia Federal, da Receita Federal, do Tesouro, do Banco Central hoje estão equilibrados.
Valor: Mas os juízes ameaçam fazer greve...
Augustin A nossa opinião é que hoje há equilíbrio.
Valor: Equilíbrio inclusive entre os poderes?
Augustin Exatamente. Principalmente entre os poderes, foi exatamente esse o equilíbrio alcançado. Portanto, não é o momento de se rediscutir reajustes que gerem desequilíbrios e não estamos projetando isso para este ano. Isso não significa que não haverá correção monetária. Agora, não enxergamos a necessidade de reajustes de 30% ou 40%. Os níveis salariais do setor público brasileiro estão equilibrados inclusive entre os poderes e entre as carreiras. Hoje temos um nível de tensão bem menor.
Valor: O governo desistiu de impor um limite à expansão do gasto de pessoal?
Augustin O projeto que impõe limite à despesa de pessoal nós fechamos e esperamos a aprovação (pelo Congresso).
Valor: Por que o governo não inseriu no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2012 um limite para o gasto de custeio?
Augustin Também achamos isso (limite para o gasto de custeio) uma possibilidade, mas não na LDO. Seria no projeto que limita o gasto com pessoal. Esse projeto (que está na Câmara dos Deputados) altera a Lei Complementar 101, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal. Esse é o local adequado para se discutir o gasto de pessoal e também eventualmente a despesa de custeio. Nós somos a favor de que haja limite para as despesas de custeio administrativo.
Valor: O que significa isso?
Augustin Não achamos razoável que a lei diga que o gasto fim com educação e saúde não possa ser aumentado, ou os gastos da área social. Agora, o custeio administrativo (diárias, passagens, terceirização, reformas etc) achamos que se houver um limitação... Mas essa é uma discussão no Congresso.
Valor: Mas o governo vai tomar a iniciativa de enviar um projeto propondo um limite para a despesa com custeio administrativo?
Augustin Já há um projeto.
Valor: Mas nesse projeto o governo propõe um limite?
Augustin O governo não fala isso, mas o governo demonstrou que acha pertinente que haja um limite.
Valor: Qual seria o limite para a despesa com custeio administrativo? Um aumento real de 2,5% em relação ao ano anterior, como o do gasto com pessoal?
Augustin Isso. A mesma regra para a despesa de pessoal e de custeio administrativo. Agora, quero chamar a atenção que essa não é uma discussão especificamente do Executivo. É uma discussão também do Congresso e da sociedade, é um debate estratégico e de longo prazo. Independente do projeto, estamos fazendo isso, trabalhamos com um custeio menor.
Valor: O governo tem insistido que deseja melhorar a qualidade do gasto. O que isso quer dizer?
Augustin: O PAC. Ou seja, trabalhar com investimentos maiores e trabalhar com investimentos programados plurianualmente. O Brasil hoje tem uma programação desde o início dessa gestão sobre quais são os investimentos prioritários. Os ministérios estão trabalhando nisso, fazem projetos, portanto, isso proporciona maior qualidade. Outro elemento é reduzir despesas para que, no longo prazo sejam menores.
Valor: Que tipo de despesas?
Augustin Custeio de diárias, passagens, terceirizações de uma forma geral. Entendemos que é necessário esse esforço. Há dois grandes agregados que precisam de atenção constante: auditoria e análise das contas de pessoal, para ver se tudo está sendo feito de acordo com a legislação e, também, volume de contratações de pessoal. Outro grande bloco é o abono salarial e o seguro desemprego: o desemprego vem caindo e nem por isso a despesa de abono e seguro desemprego cai, precisa de uma análise mais forte disso. Até tem uma explicação econômica, que é a rotatividade maior, mas isso explica apenas uma parte. Então, achamos que é bom trabalharmos com uma lupa mais forte sobre esse agregado.
Valor: Na política fiscal, pode-se fazer excesso de superávit para reforçar o Fundo Soberano?
Augustin Poder pode. Mas não estamos trabalhando, no momento, com excesso de meta. O Fundo Soberano existe para momentos como esse (de excesso de superávit). Se for o caso de se fazer superávit um pouco maior, se o governo entender isso, pode-se usar o Fundo Soberano.
Valor: O Fundo está totalmente preparado para prestar ajuda à política cambial? Para a compra de dólares?
Augustin Sim. Não precisa mais nada.
Valor: E quais são os parâmetros para esse uso do fundo na política cambial?
Augustin É a avaliação sobre qual é a melhor política de câmbio, que é algo que temos feito cotidianamente aqui e no Banco Central. O fundo é um instrumento importante a mais. O simples fato de existir já ajuda.
Valor: Por quê?
Augustin Porque cria no mercado a convicção de que se o governo entender que precisa agir de mais de uma maneira, poderá fazê-lo sem limites.
Valor: Sem limites porque o Tesouro pode emitir títulos para financiar essa compra. É isso?
Augustin Sim. E podemos fazer isso a qualquer momento. Então, isso reforça nosso posicionamento.
Valor: Essa decisão é de quem: do Ministério da Fazenda, do Banco Central ou da presidente Dilma Rousseff?
Augustin O conselho do fundo autorizou a operação em moeda estrangeira. Portanto, agora, é uma decisão do Ministério da Fazenda. Mas sempre tomamos decisões como essa em conjunto e coordenada.
Valor: A última ata do Copom levantou a possibilidade de o Tesouro reduzir os aportes ao BNDES nas operações subsidiadas, no contexto do melhor controle da demanda. Esse tipo de questão já foi discutida?
Augustin O governo já está fazendo isso. Em 2011, temos um volume de recursos previsto para o BNDES de R$ 55 bilhões, portanto, bem inferior aos R$ 80 bilhões de 2010 e aos R$ 100 bilhões de 2009. Também temos taxas [de juros] do PSI [Programa de Sustentação do Investimento] bem mais altas do que as do ano passado. Tudo isso tem o objetivo de fazer com que nossa ação nos investimentos possa resultar na diminuição direta do setor público e fazer com que os mecanismos privados de mercado possam sustentar o financiamento de longo prazo. Esse tipo de financiamento no Brasil ainda é muito difícil de ser feito sem a intervenção do BNDES. Adotamos uma série de medidas que estão maturando e isso aos poucos constituirá na maior participação do mercado, com o BNDES saindo.
Valor: Então em 2012 esses aportes serão menores que os de 2011?
Augustin Certamente. Se houver aportes, serão menores. O importante é ter uma estratégia porque não podemos prescindir de que os bens de capital cresçam fortemente senão haverá inflação porque não haverá capacidade instalada.
Valor: A gente nota certa movimentação dos Estados em rever o IGP-DI, como indexador das dívidas que foram renegociadas pela União. Essa é uma discussão que encontra receptividade no governo?
Augustin Nós não vamos mexer na Lei de Responsabilidade Fiscal e isso não está em discussão. Agora, não temos particular afeição pelo IGP [como indexador]. Ele foi à época escolhido e é um indexador que não se pode mexer. Não alteramos o IGP porque a LRF diz que não pode. Por outro lado, temos feito, dentro da LRF, alterações e temos melhorado o perfil das dívidas dos Estados. Fizemos uma negociação com o município do Rio de Janeiro, que pagava IGP mais 9% ao ano, e passou a pagar IGP mais 6%. O município pré-pagou, nos termos do contrato, a parcela extraordinária que não havia pago.
Valor: Como foi feito isso?
Augustin O município do Rio de Janeiro pegou empréstimo externo com o Banco Mundial (e pagou a parcela extraordinária), o que permitiu a ele ter uma taxa de juros menor. O Estado do Rio Grande do Sul fez uma operação pela qual, também através de um empréstimo do Banco Mundial, pagou a dívida extra limite. Isso melhorou o perfil da dívida do Estado. Temos feitos discussões semelhantes com vários Estados e tudo isso está previsto na LRF. Ou seja, o fato de dizermos que não iremos mexer na lei não significa que não vamos melhorar, dentro das regras do jogo, as dívidas estaduais.
Valor: Alguns Estados e municípios estão reivindicando voltar a emitir títulos público no mercado.
Augustin Não há nenhuma hipótese de a Secretaria do Tesouro Nacional vir a concordar com isso. Não é permitido pela Resolução do Senado que prorrogou a proibição para novas emissões até 2020. E não há nenhum estudo nosso que aponte para essa possibilidade. Não pode e não vamos deixar. Isso (a proibição para a emissão de títulos) para nós é um dos pontos mais importantes que há.
Valor: Por quê?
Augustin Porque foi isso que gerou todo o problema do endividamento dos Estados e municípios. Imagine 27 Estados e 5 mil municípios no mercado financeiro lançando títulos todos os dias.
Valor: Isso não será permitido nem para financiar obras da Copa e da Olimpíada?
Augustin Não. Isso é argumento para reestruturarmos as dívidas, melhorar o perfil dos entes e darmos limites, e temos feito isso.
Valor: Quando o Tesouro fará uma emissão no exterior?
Augustin Será em breve.
Valor: Em real ou em dólar?
Augustin Provavelmente em real.
OPINIÃO
Ameaça à prosperidade do Peru
Mary Anastasia O'Grady
Se o nacional-socialista Ollanta Humala derrotar a populista de centro-direita Keijo Fujimori no segundo turno da eleição presidencial do Peru em 5 de junho, grande parte do crédito caberá ao brasileiro Partido dos Trabalhadores. As implicações para a região são alarmantes.
Uma vitória de Humala de forma alguma é algo garantido. Nos dias seguintes à sua vitória no primeiro turno, com 30% dos vo tos, seus números aumentaram. Na semana passada, no entanto, pesquisa da Ipsos-Apoyos mostrou que seu apoio caiu de 42% para 39%. O apoio a Fujimori aumentou de 36% para 38%. Com 10% de indecisos, a disputa agora está em empate estatístico.
Ainda assim, a forte projeção de Humala no Peru, cujo perfil econômico vem melhorando, requer uma explicação. Ela pode ser encontrada no Brasil.
O PT - como o Partido dos Trabalhadores é conhecido no Brasil por suas iniciais em português - passou mais de 20 anos cultivando, organizando e orquestrando diversos setores da extrema esquerda da América Latina. É fundador do Foro de São Paulo, um conglomerado de nacionalistas, socialistas e comunistas de toda a região que, tendo visto o Muro de Berlim cair, agruparam-se para trabalhar pelo renascimento de seus ideais totalitários.
Ao logo dos anos os "companheiros de viagem" incluíram Cuba, o grupo terrorista colombiano Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e Hugo Chávez, da Venezuela. Agora membros-chave do partido trabalham nos bastidores no Peru para tornar Humala o próximo presidente do país.
O Peru é assunto premente no radar revolucionário porque as circunstâncias dos pobres vêm melhorando drasticamente. Começando com a presidência do pai de Keiko, Alberto Fujimori (1990-2000), sucessivos governos apoiaram uma economia mais aberta e uma moeda estável. Todos os setores da sociedade se beneficiaram. Jaime de Althaus, jornalista peruano e autor de "La revolución capitalista en el Peru" (a revolução capitalista no Peru, de 2008, disponível apenas em espanhol), destacou em coluna em 15 de abril no jornal peruano "El Comercio" que a pobreza caiu pela metade nos últimos 20 anos. Também observou que nos últimos dez anos a renda dos peruanos mais pobres cresceu quase o dobro que a dos mais ricos.
A corrupção é uma das explicações para o descontentamento com o status quo. Humala, contudo, dificilmente parece ser o antídoto. Em 2000, como ex-oficial das Forças Armadas, liderou levante militar contra Fujimori e justificou a ação porque o presidente era ditatorial e corrupto. Outros que estiveram próximos do incidente, no entanto, duvidam dos motivos sublimes. Um dos céticos é Marco Miyashiro, que era policial de alta hierarquia na ocasião. Em abril, ele chamou a tentativa de golpe em 2000 de nada além de um "show", elaborado para criar uma distração e permitir que o chefe da agência de espionagem, Vladimiro Montesinos, pudesse fugir do país e evitar julgamento por seus feitos.
Em 2005, Humala era adido militar peruano na Coreia do Sul, quando seu irmão Antauro tentou outro golpe, desta vez contra o presidente Alejando Toledo. Em Seul, Ollanta ligou para uma emissora de rádio em Lima para dizer que apoiava as ações do irmão. Quatro policiais foram mortos.
Esse passado violento e errático não é o único problema. O plano de governo nacionalista de seu partido, de 198 páginas (datado de dezembro de 2010), chama o liberalismo econômico de "predatório" e propõe nacionalizar "atividades" estratégicas. Diz que "a exploração (dos recursos naturais), aproveitada geralmente por uma minoria econômica estrangeira, não pode continuar". Também promete "revisar" acordos de livre comércio que "se opõem ao exercício de nossa vontade soberana". Em resumo, Humala não gosta das políticas que serviram bem ao Peru nos últimos anos.
Essas visões, juntamente com os laços de Humala com Hugo Chávez, significavam que o candidato precisava de uma mudança de imagem, se quisesse ter esperança de ser eleito. Entra o PT. Agindo sob seus conselhos, ele agora diz que o ex-presidente Lula da Silva, do PT brasileiro, é seu modelo.
O problema é, como escreveu o jornalista peruano Enrique Chávez, na edição de 7 de abril do semanário "Caretas", que Lula não foi a pessoa "designada" pelo PT para assessorar Humala. A tarefa, explicou Chávez, coube a Valter Pomar, diretor do Foro São Paulo e conhecido por ser da "esquerda dura" dentro do PT.
O jornalista também destacou que foi Pomar quem apareceu ao lado de Humala neste ano para pronunciar o apoio do PT à sua candidatura. Mais do que isso, "ele foi chave para instalar o "comando brasileiro" na campanha e oferecer recomendações importantes para purificar a imagem do comandante". Humala agora usa gravata, fala do "amor" pelo Peru e é fotografado segurando rosários.
Então, o que Pomar tem em mente para o Peru? Chávez cita entrevista de março de 2010 para o "site esquerdista "Alerta Peru"", na qual o brasileiro lamenta que a Venezuela não tenha tido uma revolução verdadeira. "Nossos países continuam sofrendo interferência externa e a resistência das elites locais, que são muito poderosas." Ele acrescentou: "Em muitos países ainda não atingimos a vitória: esse é ocaso na Colômbia, México e, é claro, Peru. Se nesses três países, que são tão importantes, não houver governos esquerdistas, progressistas ou nacionalistas, não haverá uma mudança completa."
Os peruanos estão alertados de antemão.
Mary Anastasia O"Grady é colunista do The Wall Street Journal.
POLÍTICA
Dívida rural fará parte de negociação do Código
Mauro Zanatta | De Brasília
O governo apresenta hoje ao Congresso um texto com novas concessões para aprovar a reforma do Código Florestal sem alterações substanciais consideradas "inaceitáveis" pela presidente Dilma Rousseff.
Nos bastidores, o governo também passou a negociar um programa de troca de parte da dívida rural - estimada hoje em R$ 80 bilhões - pelo compromisso de recomposição das matas ciliares, as chamadas Áreas de Preservação Permanente (APPs).
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, listou ontem os dois pontos nos quais o governo está disposto a ceder para aprovar um "código para valer".
O primeiro é reduzir, de 500 para 100 metros, as APPs em margens de rios com mais de 200 metros de largura. Mais: se essa área estiver "integralmente" dentro dos 100 metros, a APP poderia ser reduzida a apenas 30 metros. Mas esse benefício será restrito à agricultura familiar e servirá apenas em casos de recomposição de APPs. Até agora, o governo queria deixar esse detalhe para a regulamentação do código.
"É uma válvula de escape. Até 30 metros, protegemos água, solos, retenção de nutrientes e evitamos erosão. Até 100 metros, resolvemos a fauna e a biodiversidade", afirmou a ministra ao Valor.
A segunda concessão oficial seria aceitar a isenção de recomposição da vegetação mínima obrigatória (reserva legal) para produtores associados a cooperativas rurais. O benefício estaria limitado a áreas de até quatro módulos fiscais (média de 20 a 400 hectares, segundo a região do país). O produtor familiar ou cooperado teria, ainda, direito a somar as APPs nas reservas legais, além de "oferecer" a mata nativa remanescente, seja do tamanho que for, como forma de cumprimento da regra ambiental. "O que não foi desmatado, permanece. Essa é a exceção da exceção", disse Izabella Teixeira. "A proposta é boa. Admitimos novas alterações com os cooperados e os rios mais largos".
A terceira "inovação" do governo seria estimular a recuperação das APPs via conversão das dívidas rurais. A alternativa está em negociação no governo e a presidente Dilma Rousseff teria "simpatia" pela solução. O Ministério do Meio Ambiente calcula ser possível gerar um abatimento de até R$ 110 bilhões com a recuperação de um "passivo" de 78 milhões de hectares de APPs e reservas legais. Apenas em APPs, haveria um potencial conversão das dívidas de R$ 55 bilhões para "cobrir" um déficit estimado em 43 milhões de hectares no país. O governo usa como base US$ 10 por tonelada de carbono. Com a média é de 90 toneladas por hectare, cada fração "renderia" US$ 900 ao produtor, estima o MMA.
A dúvida, no setor rural, é se esse benefício alcançaria a todos os produtores em situação irregular. E se esse público endividado teria condições de investir na recuperação da propriedade diante das exigências bancárias.
A ministra defendeu as concessões como uma "moldura política e institucional". E afirmou que o meio ambiente não perderá com as alterações. "Nossa proposta não aumenta as emissões (de gases do efeito estufa), não compromete as APPs, mantém os recursos hídricos, a biodiversidade e não induz ao desmatamento", resumiu Izabella. A ministra afirmou que as saídas elaboradas pelo governo "envolvem a agricultura familiar" e dão "condições de produção ao agronegócio". "É uma proposta para valer. É prática, resolve tudo na lei, não remete a regulamentações. Tem critérios objetivos. E não tem fundamentalismos nem radicalismos", afirmou Izabella Teixeira.
A proposta do governo permite a consolidação de áreas desmatadas até 2008, mas sob conceitos objetivos de interesse social, utilidade pública e baixo impacto ambiental. A ministra defende que a proposta, "que não gera negativos", simplifica os procedimentos de regularização ambiental, elimina a averbação em cartório, protege APPs em topos de morros e áreas acima de 1,8 mil metros de "forma objetiva e precisa". Também reduz a "imprecisão" das faixas de APP na margem de rio, ajuda aos pequenos proprietários com "parâmetros técnicos", traz mecanismos simplificados de "uso racional e sustentável" da vegetação da reserva legal, permite o cômputo da APP na reserva legal e remanescentes de vegetação nativa existente, além de regularizar essas reservas com percentuais exigidos à época da conversão da área. O Meio Ambiente afirma que o texto do governo dá segurança jurídica e amplia previsões de usos admitidos em APPs, reduz à metade o percentual de reserva legal em municípios onde áreas de conservação (UCs) e terras indígenas sejam acima de 50% do território (auxilia Roraima, Acre, Amapá, Pará e Mato Grosso do Sul, por exemplo). "Nós não nos escondemos atrás da cortina. Eliminamos passivos, e não chegamos atrasados. Construímos, isso sim, consensos", disse a ministra.
BRASIL
China pode estar usando Mercosul em triangulação
Marta Watanabe | De São Paulo
O aumento das exportações do Uruguai e do Paraguai ao Brasil de produtos que estão submetidos à sobretaxa antidumping está chamando a atenção de alguns setores. Elevações consideradas repentinas estão sendo consideradas como indícios de uma nova triangulação usando os dois países na exportação de produtos chineses ao Brasil. Produtos como cobertores, tecidos de malha, pneus e partes de calçados estão entre os que despertam mais atenção.
A venda de cobertores do Uruguai ao Brasil no primeiro quadrimestre do ano chegou a US$ 5,05 milhões. No mesmo período do ano passado, a compra de cobertores com origem no Uruguai não chegou a um sexto desse valor, atingindo apenas US$ 817,5 mil. No acumulado de janeiro a abril de 2009 foram US$ 314,7 mil em cobertores originados do Uruguai. Os cobertores de fibra sintética da China passaram a ser alvo de investigação antidumping desde maio de 2009 e em abril do ano passado entrou em vigor a sobretaxa antidumping de US$ 5,22 por quilo do produto.
Outro caso que tem chamado a atenção é o dos tecidos de malha de viscose. No primeiro quadrimestre de 2009 não houve importação brasileira desses produtos vindos do Uruguai. De janeiro a abril do ano passado foram importados do país vizinho US$ 649,5 mil. Neste ano, a importação passou para US$ 1,08 milhão. O processo antidumping sobre tecidos chineses de malha de viscose foi aberto em junho de 2009. O direito antidumping passou a ser aplicado em abril do ano passado.
Do Paraguai houve aumento considerado repentino na importação de partes e componentes de calçados. No primeiro quadrimestre de 2009, o Brasil importou US$ 1,8 milhão desses produtos do Paraguai. No mesmo período do ano passado essa importação aumentou para US$ 5,1 milhões. De janeiro a abril deste ano a importação caiu um pouco, para US$ 4 milhões.
Mesmo com a queda em 2011, o forte aumento de vendas ao Brasil deve ser alvo de pedido de investigação do setor. Heitor Klein, diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), diz que a elevação nas importações do país vizinho já foi detectada. Para ele, o movimento está relacionado com a entrada em vigor da sobretaxa para alguns tipos de calçados fabricados na China. O processo antidumping para o produto foi aberto em dezembro de 2008 e a sobretaxa definitiva passou a ser aplicada em março do ano passado.
O setor, diz Klein, tem levantado informações sobre o uso da triangulação como forma de burlar a sobretaxa aplicada sobre os calçados chineses a o uso de países vizinhos ao Brasil também foi incluído. O setor pleiteia a aplicação de normas estabelecidas há pouco tempo pelo Brasil contra a triangulação. No caso do setor de calçados, diz, a triangulação parece estar sendo aplicada não somente nos produtos acabados como também em parte e componentes.
Para José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), os dados podem indicar que a triangulação agora mudou. No início, lembra, houve indícios de triangulação utilizando-se países próximos à origem dos produtos submetidos ao antidumping. No caso da China, por exemplo, a origem muitas vezes se desloca para Malásia, Vietnã e Indonésia. "Os dados indicam que agora podem estar sendo usados países próximos ao importador. Ou seja, próximos ao Brasil, como Uruguai e Paraguai."
Castro lembra que quando o produto de determinada origem fica sujeito ao antidumping, é natural que haja crescimento de participação de mercado de outros produtores, já que a sobretaxa melhora as condições de competição para os demais fornecedores. "A ocupação de mercado, porém, não costuma acontecer de uma hora para outra."
Carol Monteiro de Carvalho, sócia da área de comércio exterior do escritório Bichara, Barata, Costa & Rocha Advogados, explica que todos os indícios devem ser investigados. "É preciso verificar, por exemplo, se há indústria e capacidade de produção suficiente no país de origem para resultar em aumento de exportação em cada um dos casos." Chamam muito a atenção, porém, diz Carol, produtos que não constavam da pauta e que repentinamente passaram a ser exportados por determinados países. É o caso da malha de viscose vinda do Uruguai. No caso dos cobertores, ressalta, o ritmo do aumento desperta a atenção e torna-se um indício que precisa ser investigado.
Procurada, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) disse, em nota, que a entidade tem acompanhado permanentemente as importações dos produtos do setor. Como resultado desse monitoramento, disse a associação, há a identificação de indícios de triangulação. Tais indícios têm sido apresentados ao governo para que a análise seja aprofundada e, uma vez comprovada a triangulação, há pedido para que sejam aplicadas as medidas devidas.
Sai hoje plano que acaba com benefício tarifário na UE
Assis Moreira | De Basileia
A União Europeia anunciará hoje seu plano de eliminar preferência tarifária para o Brasil e outros emergentes a partir de 2014, pelo Sistema Geral de Preferências (SGP), o que tornará ainda mais necessário um acordo de livre comércio birregional Mercosul-UE.
Para se ter uma ideia do impacto, o SGP europeu tem beneficiado cerca de 12% das exportações do Brasil para o mercado europeu. Foram, em média, € 4 bilhões por ano vendidos com redução tarifária de 3 pontos percentuais, beneficiando produtos como máquinas e equipamentos, automóveis, produtos químicos, plásticos, têxteis, além de frutas, legumes e óleos.
Karel de Gucht, comissário europeu de Comércio, apresentará seu plano de cortar o benefício a 80 de 171 países que têm produtos entrando na UE com redução tarifária fornecida unilateralmente por Bruxelas.
Para a UE as economias do Brasil e outros já "emergiram", não necessitam mais da ajuda, e a retirada reflete a mudança no comércio mundial e ascensão do Brasil, Rússia, Índia e outros exportadores.
A redução tarifária pelo SGP deverá ser concentrada nos países mais pobres. Mas o plano terá dificuldades para passar no Parlamento, já que a Itália, por exemplo, não vê com bons olhos a concessão para os têxteis do Paquistão.
Até agora, a discussão entre os brasileiros era se a UE eliminaria ou apenas reduziria substancialmente a concessão tarifária ao país. Pelos detalhes até ontem divulgados, o projeto é o pior que se imaginava, tirando o Brasil inteiramente do jogo.
Com a Rodada Doha em estado de coma, paralisada por um bom tempo, os europeus, americanos e japoneses querem fazer concessões comerciais mais a nível bilateral.
Nesse cenário, para não perder a competitividade até agora dada pelo SGP, exportadores brasileiros poderiam ter interesse na conclusão do acordo de livre comércio Mercosul-UE. Com isso, a preferência tarifária poderia ser bem mais ampla, dependendo do produto.
Para o Brasil, o jeito será continuar tentando defender a margem de preferência na UE, mas sabendo que o panorama global mudou. Se mantido o ritmo atual, dentro de alguns anos o Brasil é que será conclamado a ter um SGP forte para países em necessidade.
Em todo caso, a fatia das exportações coberta pelo mecanismo vem caindo, de 14,5% do total em 2007 para 12,3% em 2009, comparado a 50% no caso da Índia. Isso por causa do próprio desconhecimento de exportadores em relação ao mecanismo.
Varejo tem melhor Dia das Mães desde 2003
Ana Luísa Westphalen e Eduardo Laguna | De São Paulo
Apesar das taxas de juros mais altas, o comércio varejista teve o melhor Dia das Mães desde 2003, com aumento de 12,4% nas vendas realizadas entre os dias 2 e 8 de maio frente ao mesmo período de 2010 (3 a 9 de maio), segundo dados da Serasa Experian. Apenas no último fim de semana, as vendas avançaram 8,1% diante de igual período do ano passado.
As consultas para vendas a crédito para bens duráveis cresceram 7,2% na mesma base de comparação, enquanto as vendas à vista de itens de menor valor cresceram 10,2%, segundo levantamento da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). Economistas do Serasa acreditam que a compra parcelada continua estimulando o consumo, assim como a volta do cheque pré-datado.
A confiança do consumidor brasileiro, no entanto, teve leve queda em abril, conforme pesquisa da ACSP feita em parceria com a Ipsos. O índice nacional de confiança da instituição caiu para 150 pontos no mês passado, contra 157 registrados em março. A parcela dos participantes que definem sua situação financeira como boa caiu de 51% para 47% entre abril e março. A associação relaciona a mudança de humor às medidas de restrição ao crédito adotadas pelo governo.
Dos entrevistados, 42% se sentem mais confiantes no emprego, abaixo dos 48% de março. O percentual dos que estão menos confiantes no trabalho passou de 19% em março para 21% em abril. Para o presidente da Associação Comercial, Rogério Amato, o consumidor tende a ficar mais pessimista se a inflação permanecer alta por um período mais longo de tempo.
Participação de importados no consumo sobe a 21,6%
Luciana Seabra | De São Paulo
O Coeficiente de Importação (CI), índice que mostra a participação das importações no consumo aparente dos brasileiros, ficou em 21,6% no primeiro trimestre de 2011, diante de 19,9% no mesmo período do ano passado, segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O consumo aparente - tudo o que foi consumido internamente no país, incluindo os importados - cresceu 4%, verificados na comparação com o primeiro trimestre de 2010, sendo que 64,1% foram atendidos com importações.
O avanço dos produtos estrangeiros no setor de vestuário foi o destaque. Os importados abocanharam 74,3% do aumento do consumo adicional dos itens desse setor no trimestre, maior índice já verificado para a categoria, segundo a Fiesp. O coeficiente de importação passou de 8% nos primeiros meses de 2010 para 12,1% no mesmo período de 2011.
"O setor de vestuário está vivendo uma crise", afirmou o diretor de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp, Roberto Giannetti da Fonseca. Ele citou a China ao afirmar que "o custo da mão de obra está caro com relação a países emergentes, e a produção desloca-se para onde é mais barato".
A Fiesp considerou que a situação também é preocupante no setor de máquinas e equipamentos para fins industriais e comerciais, em que os importados ficaram com 82,4% do consumo aparente adicional. Aqui o coeficiente de importação passou de 43,1% para 49,2%, usando a mesma base de comparação.
IGP-DI perde força e fecha abril com alta de 0,5%
De São Paulo
Com a deflação dos preços agropecuários ao produtor, a inflação medida pelo Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) perdeu força em abril, fechando em 0,5%, abaixo do 0,61% do mês anterior. No ano, o indicador está em alta de 3,08% e em 12 meses, de 10,86%. Já os preços industriais ao produtor, os preços ao consumidor e o custo da construção mostraram aceleração em abril.
O IPA agropecuário, que subira 1,08% em março, caiu 0,66%, num quadro marcado pela recuo expressivo das cotações de produtos como soja, tomate, laranja, abacaxi, algodão, bovinos e aves. Os preços do algodão em caroço, por exemplo, caíram 10,35% e os da laranja, 23,57%.
O IPA industrial subiu 0,58%, mais que o 0,42% do mês anterior. Um dos destaques da alta foi o minério de ferro, com aumento de 3,33%. Também subiram com mais força itens como couro e calçados, produtos derivados de petróleo e álcool, produtos de metal e máquinas, aparelhos e materiais elétricos, como nota relatório da LCA Consultores.
A alta dos preços ao consumidor foi bastante salgada - 0,95%, acima do já elevado 0,71% de março. As maiores fontes de pressão vieram de alimentos, vestuário e transportes e saúde e cuidados pessoais, todos com alta superior a 1%. Alimentos, por exemplo, subiram 1,04%, enquanto transportes avançaram 2,1%, com aumento de 5,98% da gasolina e de 10,47% do álcool combustível.
O custo da construção também teve aceleração significativa, de 0,43% em março para 1,06% em abril. O item mão de obra foi o maior responsável, com variação de 1,74%. No mês anterior, o aumento tinha sido de 0,37%.
INTERNACIONAL
Brasil barra crítica a etanol em relatório da ONU
Daniela Chiaretti | De São Paulo
O etanol ficou no centro de um debate científico sobre energias renováveis que terminou ontem em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. Foi na conclusão de um estudo do IPCC (o braço científico das Nações Unidas) sobre o potencial da energia eólica, solar, geotérmica, hídrica, dos oceanos e bioenergia para reduzir a emissão de gases-estufa e, assim, enfrentar a mudança do clima.
Na madrugada de segunda-feira, na discussão sobre a sustentabilidade destas fontes, o Brasil se opôs à relação, no texto, entre a produção de biocombustíveis e a pressão sobre florestas ou a produção de alimentos. Países europeus e representantes dos Estados Unidos insistiam na citação, ao mesmo tempo em que queriam promover biocombutíveis de segunda geração, para onde canalizam suas pesquisas. O Brasil, representado por sete cientistas e liderado por autoridades do Itamaraty, ganhou o embate. O texto de 28 páginas saiu sem a referência.
Mas foi uma vitória de apenas algumas horas. A primeira frase sobre biocombustíveis no comunicado de seis páginas distribuído à imprensa mundial traz críticas veladas: "Alguns sistemas de bioenergia, incluindo aqueles que envolvem a conversão de terras em biomassa e colheitas energéticas, podem produzir mais emissão de gases estufa do que reduzir". E continua: "Mas outros (..) que, por exemplo, convertem restos de madeira em combustíveis líquidos, podem significar uma redução de 80% a 90% nas emissões comparados aos combustíveis fósseis."
"Começou a ficar extremamente politizado o sumário", disse, ao Valor, Suzana Kahn, vice-presidente do grupo de mitigação do IPCC, onde representa a América Latina. "E com isso não se deu a atenção que deveria ser dada para a questão científica." O IPCC é a principal referência científica mundial em matéria de aquecimento global.
A votação de relatórios deste gênero segue o regime da ONU - eles têm que ser aprovados por consenso e, no caso, por representantes de 192 países. O que foi aprovado agora foi o sumário executivo do Relatório Especial sobre Fontes de Energias Renováveis e Mitigação da Mudança Climática. Trata-se de uma versão resumida de um estudo que agrupa o que a ciência mundial produziu sobre o tema e que tem mais de mil páginas.
Este é o primeiro relatório do IPCC depois da crise de 2009, quando foi criticado por ter publicado duas informações erradas e pelo vazamento de e-mails constrangedores de cientistas no Reino Unido. O indiano Rajendra Pachauri, que preside o IPCC, referiu-se à mudança do clima ao dizer que o estudo "é uma base sólida para formuladores de políticas públicas enfrentarem o maior desafio do século 21."
Segundo o relatório, cerca de 80% do fornecimento de energia mundial pode vir de fontes renováveis em 2050 se políticas públicas adequadas forem adotadas.
Isto poderia significar deixar de emitir entre 220 e 560 gigatoneladas de CO2 equivalente entre 2010 e 2050.
Os países em desenvolvimento têm papel importante neste quadro porque é neles que vive a maioria do 1,4 bilhão de pessoas sem acesso à eletricidade e onde existem as melhores condições para o desenvolvimento das energias renováveis, destacou o pesquisador Ramon Pichs, um dos coordenadores do trabalho.
O relatório fará parte do próximo grande estudo do IPCC, o 5° Assessment Report (AR5), com lançamento previsto para 2014.
EMPRESAS & TECNOLOGIA
Endesa volta a investir no Brasil
Carlos Prieto | De Madri
Depois de um movimento que aparentava uma saída dos espanhóis do país, com a venda de uma série de transmissoras espanholas para a China, as empresas espanholas começam a mostrar que não só querem ficar no país como ampliar sua participação. Ontem, a Endesa anunciou que deve participar do próximo leilão de energia eólica no país, a exemplo de sua conterrânea Iberdrola. Será a primeira experiência da companhia no Brasil nesse tipo de geração.
No Brasil, a Endesa é dona de duas distribuidoras e de um parque gerador de cerca de 900 MW. Seus investimentos estavam estagnados nos últimos anos, o que levou a se cogitar a saída da empresa com a venda de seus ativos de distribuição para a Cemig.
Borja Prado, presidente do conselho de administração da companhia espanhola, afirmou que o Brasil apresenta uma segurança politica e regulatória que incentiva os investimentos. Portanto, não haveria, na sua opinião, motivos para reduzir ou evitar novos projeto no país.
Em entrevista à imprensa após reunião do conselho de acionistas que ratificou os resultados de 2010, o executivo foi além e disse que está disposto a crescer tanto de forma orgânica quanto com aquisições. "Estamos sempre buscando novos negócios. Tanto em distribuição, como em geração. Por isso, planejamos participar do proximo leilão de energia (marcado para julho) com projetos no segmento de geração eólica. Estamos abertos a todas as possibilidades", afirmou Prado.
O grupo pretende participar com projetos que somam 400 MW no leilão, o que poderia gerar investimentos de R$ 1,4 bilhão, sendo metade no Estado do Ceará, onde já opera a Coelce. A Endesa mapeou os ventos em várias partes do território brasileiro antes de decidir se ia ao leilão. A região Nordeste deverá concentrar os investimentos nesse segmento caso saia vencedora.
Atualmente, o grupo espanhol controla a Usina Hidrelétrica de Cachoeira Dourada, no Estado de Goiás, e a Termoelétrica de Fortaleza, no Ceará. Os dois empreendimentos somam potência instalada de geração de cerca de 900 MW.
Além dos novos planos para geração, Prado descartou a venda da Coelce, distribuidora cearense. Classificando de rumores, disse que nunca negociaram a companhia e, ao contrário, tem interesse em ampliar a sua presença na distribuição. A Endesa controla também no Brasil a distribuidora Ampla, no Estado do Rio de Janeiro, e a Cien, companhia que faz a interligação elétrica entre o Brasil e Argentina.
Logo após sua apresentação, um representante dos acionistas perguntou se a Endesa poderia buscar novos mercados para investir. O executivo respondeu que a presença de seu controlador na Europa - o grupo italiano Enel tem 92% das ações da Endesa - limitava seu crescimento no continente. Na América Latina, o potencial de expansão é muito maior e "não faz sentido ir para outros mercados e perder o foco" na região. A América Latina recebeu € 1,2 bilhão de investimentos do total de € 3,4 bilhões aplicados no ano passado pelo grupo.
O grupo planeja investir € 10,3 bilhões nos próximos cinco anos na Espanha e na América Latina.
Quanto aos demais países da região, a direção mundial da Endesa evitou fazer, principalmente, análises políticas. Questionados sobre a sucessão presidencial no Peru, Andrea Brentan, principal executivo da companhia espanhola, disse acreditar que independentemente do vencedor - a eleição, em segundo turno, está marcada para o dia 5 de junho -, não haverá mudanças imediatas e a política energética será mantida.
A Endesa tem negócios no Brasil, Chile, Argentina, Colômbia e Peru. Dos seus 25 mil funcionários, 12 mil estão na América Latina, sendo 5,3 mil no Brasil. Prado destacou, em seu discurso aos acionistas, o papel que os cinco países da América Latina representam na expansão do grupo.
O jornalista viajou a convite da Endesa
Construtoras serão mais rigorosas para contratar terceiros
Paulo de Tarso Lyra | De Brasília
Os conflitos trabalhistas que paralisaram duas das principais hidrelétricas em construção no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - Jirau e Santo Antônio, ambas localizadas no Rio Madeira - e a possibilidade de um aumento exponencial de obras de infraestrutura com a proximidade de grandes eventos como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas Rio 2016, obrigaram as grandes construtoras brasileiras a adotar critérios mais rígidos na subcontratação de pequenas empresas para realizar as diversas etapas das obras.
A intenção é estabelecer limites claros de responsabilidade entre as partes, para evitar que eventuais problemas na ponta recaiam sobre a responsável principal.
Além disso, aumentou a procura por empresas que observem fielmente os direitos trabalhistas, ambientais e de responsabilidade social para que sejam evitados posteriormente questionamentos judiciais. "As análises de risco e o planejamento do projeto tendem a ser muito mais detalhados e cuidados daqui para frente", disse Fábio Moura, um dos sócios da FH Cunha Advogados Associados, escritório de São Paulo especializado em atender empresas que lidam com obras de engenharia, arquitetura e infraestrutura.
No caso de Jirau e Santo Antonio, as principais reclamações dos trabalhadores estavam relacionadas a problemas com empresas que faziam o transporte e a segurança, além de benefícios diferentes pagos por empresas distintas a trabalhadores que exerciam a mesma função. "Esses são problemas que não afetam apenas as empresas que atuam nas obras de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte. Muitas empreiteiras às vezes recusam-se a construir alojamentos para não aumentar o gasto total do empreendimento", admitiu o diretor de relações do Trabalho do Consórcio Norte Energia, João Pimentel.
Ele assegura que em Belo Monte, construído pela Norte Energia, todas as empresas subcontratadas estão dentro dos limites da legalidade, o que traz tranquilidade para o governo e para as empreiteiras. Tanto que Belo Monte passou incólume no turbilhão que atingiu Jirau e Santo Antonio.
Existe também o receio de que as subcontratadas possam provocar problemas nos canteiros para, futuramente, pedir revisão dos contratos para entregar as obras no prazo. Sócio de Fábio Moura, o advogado Fernando Henrique Cunha já ouviu essa preocupação de mais de um cliente, temeroso de que seus empreendimentos, especialmente aqueles com grande números de empregados, possam ser sabotados por parceiros menores.
Para o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Simão, a Lei de Responsabilidade da Construção é obsoleta e toda a culpa por eventuais problemas acaba recaindo sobre a construtora. A situação fica mais delicada no momento vivido pelo país, com a perspectiva de obras de infraestrutura reunindo de dez a vinte mil trabalhadores.
"Temos que nos prevenir para problemas que possam ocorrer", disse Simão. Ele só não acredita em desonestidade das empresas subcontratadas para aumentar o valor das obras. "Isso é quase impossível. Os contratos hoje estão muito mais rígidos, específicos. É difícil alguém querer impor um aditivo à obra sem uma razão plausível."
Os empresários, contudo, estão reticentes em relação à proposta fechada nas reuniões com o secretário-geral da Presidência, ministro Gilberto Carvalho, de se formar uma comissão tripartite (empresas-sindicatos-governo) em cada obra para impedir novos levantes trabalhistas. Um nova reunião das centrais e empresas com Gilberto está marcada para a quinta-feira 12 de maio. Paulo Simão foi um dos articuladores do acordo que decidiu pela formação da comissão. "Queremos colaborar. Mas espero que a comissão atenha-se, de fato, aos problemas trabalhistas, não perdendo tempo com questões políticas", alertou.
Para Fernando Henrique Cunha, o formato da comissão tripartite pode atrasar ainda mais o andamento das obras. E atrasos, nesses casos, representam aumentos no custo final e prejuízo para todas as partes. Ele sugere a formação de um tribunal arbitral, prática comum em outros países.
Nesse tribunal - que não é uma instância do Poder Judiciário - cada parte (empregador e empregado) escolhe um juiz e um terceiro é nomeado por consenso entre as partes ou indicado pelos juízes previamente escolhidos. "O Tribunal tem o poder de dar uma decisão definitiva. A Comissão pode se perder em discussões políticas", defendeu Fernando Henrique.
Paulo Simão não considera o Tribunal Arbitral viável no país. "Temos, além do PAC, cerca de dois milhões de obras em andamento no país. Não há como formar tribunais ou comissões em todas elas. Na maioria dos casos, teremos de apelar para o bom senso", afirmou Simão.
FINANÇAS
BCs veem risco nos problemas fiscais
De Basileia
Os principais bancos centrais do mundo consideram que o problema fiscal dos países desenvolvidos e o superaquecimento de economias emergentes trazem hoje riscos equivalentes para a economia mundial e precisam ser tratados "sem complacência". Ao relatar a discussão dos principais presidentes de BCs do mundo, Jean-Claude Trichet, do Banco Central Europeu (BCE), acrescentou que a queda dos mercados de commodities foi um desenvolvimento "saudável" para a economia mundial. "Essa é uma questão de grande importancia, tem impacto direto na inflação no mundo todo", disse.
Analistas notam, por sua vez, que uma mudança na tendência das matérias-primas no momento ameaçaria uma "aterrissagem forçada" em regiões que se vêm beneficiando do "boom" dos preços das matérias-primas, a começar pela América Latina. Falando com porta-voz do Encontro de Economia Global, que reúne os principais BCs periodicamente no Banco Internacional de Compensações (BIS), Trichet abordou o que as autoridades monetárias consideram os temas mais relevantes para a economia internacional.
Disse que a recuperação da economia global está "confirmada", mas com as economias avançadas crescendo menos que os emergentes e havendo o potencial de "real superaquecimento em mercados emergentes".
Países desenvolvidos colocam agora a culpa pela inflação pelo fato de os emergentes estarem crescendo. Dizem que alta de preços em seus próprios mercados é em grande parte alimentada pela alta demanda dos emergentes por matérias-primas. "Prevenir é uma parte das medidas obrigatórias", afirmou Trichet. A receita sugerida é a combinação de juros altos, corte de gastos públicos e medidas macroprudenciais. Pela primeira vez Trichet mencionou a terceira, especificamente, numa combinação que o Brasil já faz.
"Há uma absoluta necessidade de se ter sábias politicas fiscais como um dos pontos que acreditamos ser importante no nível global", disse ele, sobre a Europa em particular. "É o equivalente do potencial de superaquecimento dos emergentes. A política fiscal é muito importante para os avançados, para a Europa e para os que têm problemas específicos."
Ele reiterou que os BCs têm "unidade sólida para consolidar e ancorar as expectativas inflacionárias". Sobre a recente volatilidade dos preços de commodities, a novidade para os bancos foi a magnitude do evento. As autoridades monetárias não entraram na discussão sobre se a tendencia é de "crash" ou mera correção, mas Trichet reiterou que "alguns colegas" consideraram a queda recente como algo "saudável". Alem disso, as autoridades continuam a estudar o impacto, por exemplo, de uso crescente de commodities como colateral (garantia) para financiar especulação.
O presidente do BCE insistiu que a situação em emergentes pede "esfriamento" e que um país estará em situação mais favorável com "expansão controlada, evitando excessivos altos e baixos que tem custos".
Indagado se o Brasil poderia ser um exemplo a ser seguido, pela combinação de políticas no combate a inflação, Trichet retrucou: "Posso confirmar que temos no caso desse país específico, assim como em vários outros, uma combinação de sábias políticas monetárias que, claro, é o fator comum entre os governadores de BCs que estavam ao redor da mesa na reunião, com políticas apropriadas - eu não vou fazer o julgamento -, com um elemento de restrição fiscal e de macropolítica e elementos macroprudenciais. Eu colocaria isso na ordem de 1, 2 e 3".
O presidente do BC brasileiro, Alexandre Tombini, não quis dar entrevista nos três dias que permaneceu em Basileia.
Enquanto Trichet falava, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgava seu indicador de atividade econômica, mostrando divergências no ritmo de atividade econômica tanto entre economias avançadas e em desenvolvimento como entre os emergentes. A expansão é estável ou mais lenta na maioria dos países europeus, enquanto o crescimento continua nos EUA, na China e na Rússia. Por sua vez, a Itália, o Brasil e a Índia mostram desaceleração de sua economia em relação à tendência de longo prazo.
O Brasil vem tentando frear o consumo e a alta de juros deve continuar. Bancos centrais nas Filipinas, Malásia e Índia também aumentaram o custo do dinheiro na semana passada. A China está multando até empresa que fala na possibilidade de elevar preços.
Nem todos os emergentes acham que têm condição política de cortar despesas públicas ou elevar juros como querem os desenvolvidos. Temem desaceleração mais acentuada da economia, menos emprego e problemas sociais. "Isso levaria gente para as ruas", comentou um economista próximo do BIS. Mas o que chamou a atenção de alguns participantes no encontro dos BCs foi que desta vez apenas Trichet, como presidente do BCE, falou, enquanto todos os outros europeus ficaram calados.
A especulação é de que a crise da dívida soberana na periferia europeia chegou a tal ponto que algo estava sendo cozinhado em Bruxelas para atenuar o peso da carga imposta a Grécia, como fazer uma restruturação inevitável da dívida sem utilizar esse nome amaldiçoado entre os europeus por lembrar as crises latino-americanas. Trichet, em todo caso, insistiu que a situação fiscal nas economias avançadas exige medidas "para enfrentar deficiências que registramos". A Europa está em plena crise de dívida soberana, mais uma vez rachada e com dificuldades de tomar decisão e risco de contágio. Os EUA e o Japão têm enormes desafios fiscais nos próximos anos. (AM)
Enrascado, país tem de contar com EUA
Liam Denning | Dow Jones
A política monetária brasileira é fixada em Brasília, certo? Nem tanto. Tente, em vez disso, Pequim, Frankfurt e Washington. Os investidores estrangeiros devem ficar atentos.
O Brasil está numa enrascada. Apesar dos dados, melhores que os previstos, dos preços ao consumidor de abril, divulgados na semana passada, a inflação de 6,5% está muito superior ao centro da meta de 4,5%. Embora as quedas sazonais dos preços dos alimentos e dos combustíveis possam ser de alguma ajuda nos próximos meses, o índice restrito de inflação está se mostrando obstinado.
Brasília está sensível a isso, em vista de sua história de hiperinflação. Esse é um dos motivos para a dolorosa taxa brasileira real de juros de quase 6%. Mas isso atrai especuladores externos. Apesar das medidas contra eles, como impostos direcionados, a moeda brasileira, o real, se fortaleceu sistematicamente no câmbio com o dólar. Os exportadores estão sofrendo - o diretor das operações brasileiras da Siemens, por exemplo, adverte que podem ser necessários controles cambiais para evitar uma "desindustrialização".
Examinando essas taxas reais, no entanto, a elevação do custo do capital brasileiro pela adoção de controles cambiais não é aconselhável. O país já sofre de fragilidade de investimentos em ativos fixos, o que agrava a inflação por meio dos gargalos de logística devidos à precariedade da infraestrutura.
Se o Brasil continuar comprometido com a política equivocada de mirar tanto a inflação quanto a taxa de câmbio, precisará contar com os outros países para sair dessa enrascada. O recuo do apetite pelo risco verificado na semana passada foi útil em várias frentes. Ele não apenas sustou, provavelmente, alguns fluxos de dinheiro de curtíssimo prazo, conhecido como "hot money", como também fortaleceu o dólar e baixou os preços das commodities.
Futuramente, qualquer crise de renegociação da Grécia também deverá pressionar o real, uma vez que os investidores compraram dólares. Em última instância, no entanto, o Brasil precisa de uma política monetária mais restritiva da parte dos Estados Unidos. Um dólar mais valorizado diminuiria os inflacionários preços das commodities e, ao valorizar o yuan vinculado ao dólar, tornaria as importações de seu maior parceiro comercial, a China, menos competitivas.
Trata-se de uma aposta de risco. Na ausência dessa conjugação de fatores, os exportadores brasileiros deveriam se preparar para novos problemas, e os investidores, para taxas de juros mais altas.
BC ainda acredita que Morada pode ter comprador
De Brasília
Os Fundos de Investimento em Direito Creditório (FIDCS) do banco Morada estão fora do processo de intervenção, instaurado pelo Banco Central no fim de abril. Os FIDCS são fiscalizados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e são independentes.
Ontem o BC indicou os técnicos responsáveis pelos inquéritos junto às empresas do grupo, como Morada Viagens e Turismo Ltda, Morada Administradora de Cartões de Crédito Ltda e Morada Informática e Servicos Técnicos Ltda, todas com sede no Rio de Janeiro.
O Morada estava sob a mira do BC há pelo menos dois anos. Por diversas ocasiões a autoridade reguladora cobrou provisionamento do banco para fazer frente a riscos de inadimplência. A direção do Morada cumpria a determinação do BC, mas logo em seguida desfazia a provisão.
O BC ainda aguarda o trabalho de apuração do interventor para saber se a instituição, além dos problemas de gestão e de má governança, estava praticando irregularidades. Há indícios de fraude, mas não há ainda uma certeza em relação a isso.
O BMG, quando estava negociando a aquisição do banco Schahin, tentou comprar o Morada. Mas o tradicional banco carioca, que tinha somente uma agência e 41 funcionários, não dispunha de garantias para dar ao Fundo Garantidor de Créditos (FGC) e a operação não pôde ser concretizada. O BC, porém, ainda espera que haja uma solução de mercado para essa instituição.
O patrimônio de referência do Morada era de apenas R$ 110 milhões e o banco, quando sofreu intervenção, estava com o patrimônio líquido negativo.
Mesmo que fiquem claras eventuais fraudes, o fato é que instituições de pequeno e médio portes, como o Morada, enfrentam descasamento crônico entre ativos e passivos desde a crise de 2008. Falta captação de recursos de mais longo prazo para financiar linhas de crédito para pessoas físicas.
As medidas mais recentes do BC, como aumento do requerimento de capital para a expansão do crédito e o aperto na regulação dos correspondentes bancários, pioraram a vida dos pequenos e médios bancos. Os correspondentes bancários é que davam capilaridade a esses bancos. Ao aumentar a fiscalização e as exigências para o funcionamento dos correspondentes bancários, o BC dificultou, indiretamente, a possibilidade dos pequenos e médios aumentarem suas carteiras de crédito.
INVESTIMENTO
Bovespa deve recuperar terreno e superar Wall Street
Angelo Pavini e Antonio Perez | De São Paulo
A bolsa brasileira está ficando mais atrativa em relação à americana, avalia Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e sócio da gestora Mauá Sekular. "Nos últimos dez meses, o gráfico das duas bolsas mostra uma boca de jacaré", observa, citando o ganho na bolsa americana e a perda na brasileira. O motivo, diz, é que em outubro do ano passado, a bolsa brasileira estava cara, apesar do Índice Bovespa baixo. "As ações de segunda linha subiram 20% a 30%, enquanto o índice parou por conta de Petrobras e da oferta pública, que desagradou os investidores", diz.
Hoje, porém, a bolsa brasileira tem melhores chances de subir que a americana. O crescimento brasileiro, apesar de menor, continua na faixa de 3,5%. Já os Estados Unidos começam a ver entraves para sua recuperação que devem afetar a bolsa lá. "Tanto que grandes bancos de investimento estão sugerindo comprar as bolsas de países emergentes e vender as de desenvolvidos", diz.
Uma das surpresas negativas nos EUA deve ser o crescimento menor que os 3,5% a 4% esperados. Figueiredo acha que ele não passará de 2,5%. "Devemos ter algum aperto fiscal agora ou no ano que vem, via aumento de impostos ou fim de isenções, além da redução dos estímulos para a economia", diz Figueiredo. E isso é negativo para a bolsa. Além disso, o consumidor americano continua sofrendo com a perda de riqueza, já que os preços das casas não se recuperaram, e o desemprego ainda elevado. "A isso se juntam as altas do petróleo e dos combustíveis que comem parte importante da renda. Esses fatores podem influir na decisão dos investidores em trocar os EUA pelo Brasil.
Por tudo isso, a performance da bolsa brasileira deve ser melhor. "E temos a perspectiva de longo prazo de queda dos juros, o que deve ajudar a bolsa", diz. Para ele é hora de aproveitar os preços das empresas que caíram demais.
Os investidores estão se ajustando ao novo cenário deste ano, diz Marco Saravalle, analista da corretora Coinvalores. Alguns fatores continuam, como os problemas fiscais na Europa, com o agravamento da crise na Grécia. Mas os EUA passaram a dar sinais contraditórios, de que o país saiu da crise, mas não retomou ainda o crescimento sustentado.
Uma grande mudança foi no cenário interno, afirma Saravalle. No começo do mês, o grande assunto era a nova curva de juros, que projetava uma taxa básica de 12,25% ao ano e saltou para 13% ao ano após a pressão maior da inflação, superando a meta no ano, e a reação do Banco Central. A confiança do consumidor continua alta, mas já dá sinais de fraqueza, com redução de valor das compras e do padrão de consumo. "Isso deve afetar o crescimento da economia, que deve fica abaixo dos 4%", diz.
Mas o cenário de médio e longo prazo não mudou, e os emergentes, como o Brasil, devem seguir se destacando no crescimento mundial e ganhando naquilo que são bons, ou seja, commodities. "Por exemplo, o minério de ferro não deve cair muito e o petróleo não vai voltar para US$ 60 o barril, então por que não comprar Vale ou Petrobras para 2013?", diz.
No curto prazo, ele prevê que a Bovespa pode continuar sofrendo. Por isso, a recomendação são papéis bom pagadores de dividendos e mais previsíveis, como energia, infraestrutura, rodovias e consumo interno. "Isso para atravessar a volatilidade", diz. Ele sugere também empresas de shopping centers, que têm suas receitas de aluguéis corrigidas pela inflação.
Já as commodities entram em uma carteira para quem olhar para o longo prazo, até cinco anos, diz Saravalle. "Temos de aproveitar o que Brasil faz melhor, que são alimentos, papel e celulose, minério de ferro", diz.
O Ibovespa sofreu com a troca de cadeiras promovida pelos investidores entre as bolsas emergentes e desenvolvidas, afirma Ivan Guetta, gestor de ações da GAP Asset Management. Com a perspectiva de um cenário de recuperação da economia dos ricos, após uma recessão profunda, e a perspectiva de desaceleração dos emergentes, acossados pelo dragão inflacionário, os investidores apenas giraram suas carteiras.
O tombo do Brasil foi maior, entre outras coisas, porque os dois pilares do Ibovespa sofreram com questões específicas da Petrobras e da Vale, afirma Guetta. Mas quando se olha para o restante do Ibovespa, observa-se que poucos setores escaparam de influências negativas. Os papéis de bancos, por exemplo, foram prejudicados pelas incertezas sobre os efeitos das medidas macroprudenciais de restrição ao crédito. "Do lado positivo, o varejo de vestuário e os papéis defensivos, como energia, concessões e teles, foram bem, o que é pouco para sustentar a bolsa", afirma Guetta.
O gestor da GAP recomenda ao investidor que fique atento as oportunidades em algumas empresas com grande desvalorização nos próximos três meses, período sazonalmente mais benigno para a inflação no Brasil. Isso pode trazer uma percepção melhor da bolsa brasileira para o investidor estrangeiro. Ele vê bom potencial em alguns papéis do setor bancário, de construção e siderurgia. "As ações da Gerdau, por exemplo, já sofreram muito", diz o gestor da GAP. "No caso da Petrobras, um reajuste da gasolina aqui traria algum fôlego extra para a empresa", afirma.
Procuradoria do Cade faz restrições à Brasil Foods
Juliano Basile | De Brasília
A Procuradoria do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça concluiu um parecer favorável à compra da Sadia pela Perdigão, mas com importantes restrições. Pelo documento, que vai servir de base para o julgamento final do negócio, a BRF-Brasil Foods deve vender marcas e fábricas de maneira a permitir que uma terceira concorrente tenha condições reais de competir com a Sadia e a Perdigão.
O texto não especifica quais seriam as marcas ou fábricas. Nele, o procurador-geral do órgão antitruste, Gilvando Araújo, concluiu: "Pela aprovação da operação condicionada a restrições desde que possibilitem efetivamente que um terceiro agente econômico possa contrastar o poder de mercado gerado pela Brasil Foods ou permita repartir com os consumidores as eficiências decorrentes da operação".
Em seguida, Araújo acrescentou que, caso a empresa não concorde com medidas que permitam um terceiro competidor no mercado, "impõe-se a reprovação da operação".
As razões para a reprovação seriam "as elevadas concentrações encontradas nos mercados relevantes analisados".
Nos mercados de peru temperado congelado, chester e tender de frango a concentração entre a Sadia e a Perdigão atinge entre 80% e 90%. Em carnes processadas para consumo a frio o domínio seria de 90% a 100%.
"É possível observar em muitos mercados um patamar de concentração bastante elevado", afirmou o procurador-geral.
Em lasanhas e pratos prontos congelados esse patamar seria de 80% a 90%. Em pizzas congeladas o domínio de mercado da Sadia e da Perdigão ficaria entre 60% e 70%. Em hamburgueres e carne bovina e de frango congeladas seria de 70% a 80%.
No mercado de quibes e almôndegas congeladas a concentração também supera 70%. As participações só são baixas nos mercados de frango, suínos e carne bovina in natura. Neles, Sadia e Perdigão, juntas, teriam, no máximo, 10%.
O parecer da ProcCade, como é chamada a Procuradoria, foi mais restritivo às empresas do que os dois estudos anteriores feitos pelo governo sobre a criação da Brasil Foods.
Em julho do ano passado, a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda concluiu que, para aprovar a criação da Brasil Foods, seria necessário: o licenciamento da marca Sadia ou da Perdigão a concorrentes, ou a venda de marcas-chave das empresas, como Batavo, Doriana, Claybom e Escolha Saudável, ou mesmo a adoção dessas duas restrições. A Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça decidiu recomendar as mesmas restrições sugeridas pela Fazenda.
A ProcCade criticou esses estudos. Para ela, as soluções propostas pela Seae "não abarcaram aspectos referentes aos canais de distribuição". "Sabe-se que as concorrentes têm redes de distribuição ampla, o que lhes dá vantagem competitiva", diz o parecer da ProcCade. "As elevadas concentrações de mercado encontradas indicam que as medidas da Seae não são suficientes para possibilitar que outro agente econômico contraste o poder de mercado concentrado na BR Foods após a operação", completa.
O parecer será enviado para o relator do processo no Cade, conselheiro Carlos Ragazzo. Caberá a ele preparar um voto e levar o caso para julgamento final, o que deve acontecer em junho.
Moagem de cana avança e preços do etanol desabam
Reuters, de São Paulo
A aceleração da colheita de cana em regiões do Centro-Sul, diretamente influenciada pelo clima mais seco, ajudou a derrubar os preços do etanol combustível no país na semana passada. "Tivemos problema no início de safra com chuva (...) Agora o tempo ficou mais firme e a produção se normalizou", afirmou Mirian Bacchi, pesquisadora do Cepea/Esalq/USP.
O etanol hidratado, utilizado diretamente nos tanques dos automóveis, inclusive os flex, era negociado, na semana passada, a R$ 1,06 por litro nas usinas de São Paulo, sem incluir custos de frete ou impostos, com quedas de 20% em relação à semana anterior e de quase 35% na comparação com o pico alcançado na última semana de março, de acordo com o Cepea.
No caso do anidro, que é misturado à gasolina, pagou-se na semana passada nas usinas paulistas, em média, R$ 1,88 o litro, em baixa de aproximadamente 21% sobre a semana anterior e 31% abaixo do nível recorde de meados de abril.
Com os preços sem precedentes alcançados durante a entressafra de cana no Centro-Sul, que alimentaram a inflação e geraram preocupações quanto ao desabastecimento do combustível em algumas regiões do país, o governo editou uma medida provisória tornando o etanol estratégico e passou a avaliar medidas para garantir a oferta no futuro com menores oscilações.
O baixo rendimento dos canaviais até agora, principalmente devido a uma longa estiagem em 2010, também contribuiu para o lento início da temporada, de acordo com a Unica, entidade que representa as usinas do Centro-Sul. Nos últimos meses, foi a vez da chuva atrapalhar a colheita, mas com a melhora diversos grupos estão acelerando a moagem, especialmente aqueles que precisam de caixa depois da entressafra.
"Algumas unidades precisam de dinheiro para pagar tributos e salários", disse Mirian Bacchi. Ela lembrou que, no atual patamar, o etanol hidratado volta a ser competitivo em relação à gasolina.
Índice Ceagesp tem 1ª queda no ano
De São Paulo
O Índice Ceagesp, que mede o comportamento dos preços de uma cesta de mais de 100 produtos e serve de referência para as oscilações agrícolas no atacado de São Paulo, registrou em abril sua primeira queda mensal em 2011.
Conforme levantamento divulgado ontem, a variação negativa média foi de 1,13%, determinada por desvalorizações nos grupos de legumes (4,91%), verduras (2,57%) e frutas (1,19%). Houve altas nos grupos de pescados (1,19%) e diversos (4,27%), este último formado por cebola, batata, amendoim, coco seco e ovos.
Com os ganhos do primeiro trimestre, informou a estatal federal, o indicador ainda acumula alta de 8,06% em 2011 e de 0,2% em 12 meses. "Esperávamos quedas de preços ainda mais acentuadas, principalmente de legumes e verduras. No entanto, as atípicas chuvas de granizo ocorridas em meados de abril em importantes regiões produtoras do cinturão verde paulista, como Ibiúna, Piedade, Sorocaba, Mogi das Cruzes, Guararema, acarretaram a redução do volume ofertado e prejudicaram a qualidade dos produtos comercializados", afirma Flávio Godas, economista da Ceagesp, em comunicado.
"Com a normalização da oferta, os preços dos setores de verduras e legumes devem apresentar forte retração em meados de maio, época de redução no consumo de boa parte dos produtos, principalmente das folhas", prevê Godas. Entre os produtos que mais caíram em abril estão a vagem (31,6%) e o chuchu (23,5%). No terreno das frutas, os destaques de baixa foram a laranja lima (35,3%) e o abacaxi havaí (18%).
Crescimento orgânico
O possível incremento de 5% para 15% da participação da Petrobras na produção brasileira de etanol nos próximos quatro anos, anunciado na sexta-feira passada pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, deverá ser puxado principalmente por investimentos da estatal em oferta nova. "Ela [Petrobras] pode adquirir outras empresas, mas pode abrir novas empresas [usinas], que é o que nós desejamos que ela faça", afirmou ontem Lobão à agência Reuters.
LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS
Justiça condena empresas por discriminação estética
Adriana Aguiar | De São Paulo
Funcionários acima do peso, trabalhadoras que vestem minissaia e usam decote. Homens que têm barba, possuem cabelos compridos, tatuagem, usam piercing ou, simplesmente, são considerados fora do padrão estético. A Justiça trabalhista tem sido cada vez mais chamada a decidir os limites de interferência das companhias na aparência de seus empregados. Os manuais de conduta, que algumas possuem, são aceitos pelo Judiciário e o descumprimento dessas orientações pode justificar demissões por justa causa. O Judiciário, no entanto, tem condenado as companhias pela chamada discriminação estética, quando essas exigências ultrapassam o que poderia ser considerado razoável.
O banco Bradesco, por exemplo, foi condenado recentemente por proibir o uso de barba por seus funcionários - vedação que chegou a constar no manual de regras da empresa, segundo o processo. A decisão do juiz Guilherme Ludwig, da 7ª Vara do Trabalho de Salvador determinou o pagamento de R$ 100 mil por dano moral à coletividade dos trabalhadores, a retirada da previsão do manual da instituição e a publicação de retratação em jornais locais. A decisão foi tomada em uma ação civil pública ajuizada em fevereiro de 2008, pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). O magistrado entendeu que a regra era abusiva e violaria o artigo 3º, inciso IV, da Constituição. O dispositivo proíbe preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Dessa decisão ainda cabe recurso.
Em uma outra ação contra o banco, um advogado que trabalhou no departamento jurídico da instituição também alegou discriminação estética pelo mesmo motivo. Segundo seu depoimento no processo, um de seus chefes falava, de forma reiterada e usual, na frente de colegas, que "barbicha", não era coisa de homem". A 6ª Turma do TST, porém, não concedeu a indenização porque as testemunhas teriam entrado em contradição sobre quem seria o gerente responsável pela humilhação. Ainda assim, o ministro Augusto César Leite de Carvalho, relator do recurso, deixou claro em seu voto que "a exigência imposta pela empresa de trabalhar sem cavanhaque ou sem barba pode afetar o direito à liberdade, à intimidade, à imagem, previstos na Constituição". O Bradesco, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que não comenta assunto sub judice.
Como não há regra que defina claramente em quais situações as empresas podem interferir na aparência de seus funcionários, as decisões têm sido tomadas a partir da aplicação de dois princípios constitucionais: dignidade da pessoa humana e razoabilidade, como afirma o juiz do trabalho Rogério Neiva Pinheiro, que atua em Brasília.
Em um caso julgado pela 5ª Turma do TST, os ministros entenderam que não seria abusiva a proibição do uso do piercing prevista no manual de regras do supermercado Atacadão, do grupo Carrefour, em São Paulo. "Uma vez que, se uma parte da população vê tal uso com absoluta normalidade, é de conhecimento público que outra parte não o aceita", afirma o relator do processo, ministro Emmanoel Pereira. Segundo a decisão, o supermercado, ao fixar normas, "busca não agredir nenhuma parcela de seu público consumidor e, por isso, tem o poder de estabelecer restrições". Para os ministros, a empresa não teve outra alternativa senão demitir o empregado por justa causa, que, mesmo sabendo das regras, foi trabalhar com um piercing no lábio e não o retirou após repreensão da direção. A empresa informou, por meio da assessoria de imprensa, que prefere não comentar o assunto.
Para a advogada trabalhista Sônia Mascaro, do Amauri Mascaro Nascimento Advocacia Consultiva, somente se pode preterir determinados profissionais para uma função se houver justificativa plausível, caso contrário caracteriza-se discriminação. Ela lembra que a Convenção nº 111, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1958, ratificada pelo Brasil, já trazia previsão relativa à discriminação. Segundo a convenção, é discriminação todo o ato, fato comportamento que tenha por objetivo dar preferência ou excluir alguém.
Foi o que ocorreu com um professor de educação física obeso, de uma escola de Maringá (PR). Ele foi indenizado em R$ 10 mil ao alegar que foi chamado de gordo e de ser incapaz de ser bom professor de educação física. A decisão da 6ª Turma do TST foi unânime. Para o relator, ministro Aloysio Corrêa da Veiga "deve a empresa cuidar para um ambiente de respeito com o trabalhador, não possibilitando posturas que evidenciem tratamento pejorativo, ainda mais em razão da condição física, o que traz sofrimento pessoal e íntimo ao empregado, pois além de ser gordo ainda tem colocado em dúvida a sua competência profissional".
Uma trabalhadora das lojas C&A, em Curitiba, que alegou ter sido considerada feia e velha para os padrões estéticos da empresa também obteve indenização de R$ 30 mil no TST. Segundo testemunhas, seu superior teria dito que "ela era bonita do pescoço para cima, e do pescoço para baixo era feia". Para a funcionária, a demissão aconteceu em função da idade e por critérios relacionados à aparência física. A trabalhadora foi contratada como vendedora aos 28 anos e demitida aos 38 anos. Em nota, a C&A informou que "preza pelo respeito e ética entre seus funcionários, clientes e fornecedores" e que investe constantemente em treinamentos para que não ocorram casos desta natureza.
O advogado João Marcelino, do escritório Tavares, Riemma e Advogados Associados, afirma que como todos esses julgados giram em torno do princípio da razoabilidade, tendo em vista que não há, no Brasil, regra legal estabelecendo critérios objetivos, as decisões dependerão muito do contexto. Ele explica, que a barba, por exemplo, poderia ser vetada caso o funcionário trabalhasse com alimentos. Por outro lado, a saia curta, que pode não ser recomendável em um ambiente como um escritório, pode ser aceita em outros locais.
Manual pode exigir padrão de roupa
De São Paulo
A Justiça Trabalhista tem admitido o uso de manuais pelas companhias para estabelecer padrões de roupas para uso em ambientes de trabalho. Ao analisar o processo de uma digitadora da Brasilcenter Comunicações, prestadora de serviços de call center pertencente ao grupo Embratel, a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) foi unânime ao entender que a companhia, com o poder diretivo dado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pode exigir que seus funcionários estejam vestidos de forma adequada ao serviços que prestam.
No caso, a funcionária alegou que a companhia exigia que ela usasse roupa social, sem determinação de cores, e sapatos fechados. Assim, pedia indenização para o pagamento de despesas com roupas. No entanto, os ministros entenderam que a própria funcionária admitiu que não era exigido uniforme - que daria direito ao pagamento dos valores gastos pela empresa - e que ela poderia utilizar essas roupas em outras ocasiões, fora do horário de trabalho. Segundo a decisão da relatora, ministra Rosa Maria Weber, "é razoável que a empresa proibisse o uso de decotes, alças, saias muito curtas, para que se construa um ambiente respeitável. Não há abuso de poder em tal atitude". A decisão é de outubro de 2009.
Para a advogada trabalhista Sônia Mascaro, do Amauri Mascaro Nascimento Advocacia Consultiva, essa decisão do TST sinaliza que a empresa tem poder para estabelecer regras em relação ao vestuário de seus funcionários. "Até porque isso pode interferir na imagem da companhia", diz. Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa da Embratel e da Brasilcenter informou que as empresas não comentam decisões judiciais. (AA)
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