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terça-feira, 10 de maio de 2011

10 de maio de 2011 - CORREIO BRAZILIENSE


PRIMEIRA PAGINA
A ladainha do consumidor - Devo, não nego. E Vou gastar mais

A maioria dos brasileiros entrou em uma perigosa armadilha financeira. Pela primeira vez em cinco anos, 53% das famílias gastam mais do que recebem. Segundo dados coletados pelo Banco Central, o trabalhador deve uma montanha de dinheiro a bancos e cooperativas de crédito: R$ 806 bilhões. Somente de janeiro a abril deste ano, os correntistas pagaram de juros R$ 54,4 bilhões às instituições financeiras — mais do que o corte que o governo Dilma pretende fazer no Orçamento de 2011. Especialistas atribuem a gastança à grande oferta de dinheiro na praça e ao hábito de manter as finanças com cheque especial e parcelamento de cartão de crédito. E recomendam: para sair do atoleiro dos juros, é preciso cortar gastos e trocar as dívidas mais caras por financiamentos baratos.

Brasileiro já deve mais do que ganha
Estimuladas pela farta oferta de crédito, 53% das famílias têm dívidas que extrapolam seus rendimentos. Segundo especialistas, a prioridade deve ser equilibrar o orçamento e poupar para consumir mais tarde

Ana D"angelo
Vera Batista

Os brasileiros levaram à risca os conselhos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva para consumir, foram às compras em 2010 e perderam o controle. Pela primeira vez em cinco anos, 53% das famílias estão gastando mais do que recebem. Estudo elaborado pelas empresas de pesquisa Nielsen e Kantar Worldpane, a pedido da Associação Paulista dos Supermercados (Apas), mostra que a renda média subiu 13% no ano passado e atingiu R$ 2.146, mas as despesas foram maiores (R$ 2.171). Dados do Banco Central (BC) revelam que as pessoas devem R$ 806 bilhões a bancos e cooperativas de crédito.
Em 2010, os trabalhadores destinaram R$ 192 bilhões para pagar juros de empréstimos, segundo levantamento feito pela Federação do Comércio de São Paulo, com base em estatísticas do BC. Nos primeiros quatro meses do ano, os trabalhadores desembolsaram R$ 54,4 bilhões em juros, um quarto de todos os recursos que o governo quer usar com o programa Bolsa Família em 2011. Desse total, R$ 4 bilhões foram decorrentes da pressão da retomada de alta da taxa Selic pelo BC desde janeiro. Ou seja, com orçamento deficitário, o brasileiro tem que gastar mais em juros para equilibrar as contas.
O diretor de Economia e Pesquisa da Apas, Martinho Paiva Moreira, atribui o descontrole dos brasileiros à maior oferta de crédito, principalmente para a compra de imóveis e veículos. “O desejo de consumo, aliado à oferta de financiamentos, fez com que o trabalhador se embebedasse no crédito”, resume. O levantamento foi feito com base em uma amostra de 8.200 lares de todas as classes sociais, em cidades acima de 10 mil habitantes.
“Crédito, em nosso país, é e sempre foi sinônimo de suicídio. Os bancos cobram, em um mês, juros maiores do que são capazes de compensar com rendimentos de um ano em qualquer aplicação financeira”, avalia o analista de finanças da Moneyfit Antonio de Julio. O diretor da Apas acredita, no entanto, que o consumidor vai reequilibrar as despesas “de forma que a renda fique mais compatível com os gastos”.
O presidente da Apas, João Galasse, acredita que a renda continuará a crescer em 2011, ainda que em um ritmo menor, mas suficiente para ajudar no equilíbrio do orçamento familiar. Segundo ele, a taxa de crescimento dos gastos dos trabalhadores foi acima de 5% nos últimos cinco anos, mas a renda superou a despesa apenas em 1%. Em 2008, a pesquisa, que é anual desde 2006, indicou renda média de R$ 1.540 para consumo de R$ 1.558. Em 2007, o brasileiro ganhou R$ 46 a mais do que gastou. Em 2009, essa conta ficou equilibrada.
“O que temos observado é a dificuldade maior do consumidor de obter crédito barato, até para equalizar as contas, e os dados de inadimplência mostram elevação. Acende a luz amarela”, afirma o economista-chefe do Espírito Santo Investment Bank, Jankiel Santos. Isso não significa, diz ele, que possa haver uma crise, pois o mercado de trabalho ainda está aquecido e negociações eficazes na obtenção de aumento de salário. O que favorece o acerto do orçamento familiar. “Por isso, a necessidade de combate à inflação, buscando a convergência para as metas. Só assim para as famílias terem um alívio em suas despesas”, avalia Santos.
Segundo ele, as famílias devem priorizar o equilíbrio das contas, preparando-se para períodos de vacas magras. Caso seja necessário aperto monetário maior para frear a inflação, pode haver desemprego. “Dívida maior e inflação rodando relativamente forte não resultam em uma das situações mais agradáveis”, alerta.

Armadilha
Antonio de Julio, da Moneyfit, afirma que endividamento “é questão de matemática e não de classe financeira”. Caso o consumidor se deixe seduzir pela armadilha do crédito rotativo, como cheque especial e cartão de crédito, de taxas abusivas, dificilmente conseguirá sair sem danos drásticos à saúde financeira. Julio tem clientes de todas as faixas de renda. Vários deles, com ganhos mensais acima de R$ 15 mil, perderam a noção dos gastos e ficaram enredados no cheque especial. “Passaram por sofrido processo de educação financeira, reuniram a família, identificaram extravagâncias, venderam bens e se recuperaram. Tudo poderia ser evitado com um simples planejamento familiar”, ensina.
Segundo o especialista, antes de gastar, as famílias devem fazer uma “retrospectiva orçamentária”, que significa colocar na ponta do lápis gastos com luz, água, condomínio, aluguel, mensalidade escolar, impostos e taxas, prestações, cheque especial e cartão de crédito. A meta seguinte é cortar desembolsos desnecessários. “A pessoa deve procurar o gerente do banco e, olho no olho, trocar dívidas mais caras, do cartão de crédito, por exemplo, por mais baratas, como um consignado”, ressalta. Com o valor que eventualmente sobre do salário, o ideal é montar uma reserva para gastos inesperados, recomenda.
Na avaliação de Jankiel Santos, do Espírito Santo Investment Bank, os brasileiros deveriam se preocupar em poupar constantemente, seja pela questão previdenciária, para garantir a aposentadoria mais folgada adiante, seja para ter um colchão em momentos de reversão do quadro de bonança. “Se poupa hoje, pode, com as taxas obtidas, conseguir um investimento que pode lhe dar uma cesta de consumo maior adiante.”


A ladainha do governo

Lobão está feroz

Ministro condena abertamente suposto cartel entre postos de combustíveis no DF. E ouve a resposta: “É dever do governo agir e aplicar as sanções cabíveis”.
Ministro condena "cartel"

A ínfima diferença de preço da gasolina entre os postos, para Edison Lobão, revela combinação de valores. As declarações foram rechaçadas pela Fecombustíveis, que desafia o governo a agir e punir quem pratica a irregularidade

Diego Amorim

A concorrência de preço entre os postos de combustíveis do Distrito Federal está cada vez menor. De acordo com o mais recente levantamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o preço mínimo da gasolina na capital federal saltou R$ 0,10 nas últimas três semanas: de R$ 2,83 para R$ 2,93. As poucas opções que os consumidores tinham para pagar menos na hora de abastecer sumiram. Nas bombas, os valores são praticamente idênticos, com variação de apenas R$ 0,01, segundo o levantamento oficial, ou seja, nos postos pesquisados pela agência, o litro do combustível varia de R$ 2,93 a R$ 2,94.
Ontem, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, voltou falar na existência de um cartel de combustíveis no DF. “Está havendo aqui em Brasília e em São Luís, nitidamente, um cartel. Pedi que a ANP fosse ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) para que esse descalabro fosse resolvido”, afirmou, ao sair de uma cerimônia na Câmara dos Deputados. O Cade é vinculado ao Ministério da Justiça.
De acordo com Lobão, o combustível sai das refinarias com o mesmo preço há nove anos. O aumento, acrescentou ele, tem ocorrido nas distribuidoras e nos postos. O ministro avisou que as punições para os revendedores serão severas daqui para frente. No mês passado, a pedido de Lobão, a ANP concluiu estudo em que considerou “inaceitável” o comportamento dos preços na capital do país. Os números foram enviados à Secretaria de Direito Econômico (SDE), ligada ao Ministério da Justiça, que investiga as denúncias contra o setor de Brasília desde 2009. O ministro afirmou ainda que, a partir de agora, as punições para os donos de postos que combinarem preços serão mais rigorosas, incluindo a cobrança de multa e até mesmo o fechamento dos estabelecimentos.
À tarde, a Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis) divulgou nota em que classificou como “irresponsáveis e infundadas” as declarações do ministro. “Como principal autoridade do setor no Brasil, ele sabe muito bem, ou deveria saber, que a recente alta dos combustíveis teve origem nas usinas”, ataca o texto, assinado pelo presidente da entidade, Paulo Miranda Soares. Para o representante do setor, se há casos comprovados de combinação de preços, “é dever do governo agir e aplicar as sanções cabíveis”.
De acordo com a nota, “de junho de 2010 até abril deste ano, o (álcool) anidro (que é misturado à gasolina) aumentou 182% nas usinas e elevou o custo da gasolina em 19%. Os postos majoraram seus preços em 11% no mesmo período, segundo preços médios mensais apurados pela ANP. Quem está praticando preços abusivos ou se aproveitando da situação: o posto, que cobrou cerca de R$ 0,35 a mais, ou as usinas, que aumentaram o litro do anidro em quase R$ 2?” O presidente da Fecombustíveis rebateu as acusações de cartel entre os postos. “Por que o Ministério Público não pede as planilhas de custos das produtoras para averiguar os motivos dessa disparada? Por que o ministro Lobão não solicita ao Cade analisar se há formação de cartel na produção e na distribuição? Afinal, é mais fácil combinar preços entre 38 mil postos ou entre 400 usinas?”, indaga.

"Esse recuo não adianta nada: o preço continua um absurdo, não vale a pena colocar álcool"
Francisco Rocha, 36 anos, servidor público

Etanol
Após oito aumentos em 2011, o preço do litro do etanol começou a cair nas bombas do DF. Segundo o levantamento da ANP, o valor médio cobrado nos postos recuou de R$ 2,83 para R$ 2,58 em abril. No último fim de semana, o preço chegou a R$ 2,45 na maioria dos estabelecimentos do Plano Piloto. Por ora, no entanto, a gasolina — que também deve diminuir de preço este mês — continua mais vantajosa.
No caso do DF, onde o preço médio da gasolina está em R$ 2,94, o etanol deveria valer, no máximo, R$ 2,05 para valer a pena. Ou seja, R$ 0,40 a menos que o preço atual. Com o fim do período de entressafra da cana-de-açúcar, a expectativa é que os preços recuem daqui para frente. A queda deve puxar para baixo o preço da gasolina, composta atualmente de 23% de álcool anidro. Este ano, o valor dos combustíveis atingiram, em todo o país, patamares históricos e se tornaram os grandes vilões da inflação.
A queda no preço do etanol, no entanto, ainda não exerceu influência sobre a demanda. Frentistas contam que o consumo continua próximo a zero. “Com esse preço ainda não dá. Nossa esperança é que o álcool volte a ser competitivo ainda este mês”, afirmou o diretor da Rede Gasol, Antônio Matias. Até o fim desta semana, adiantou ele, o litro do etanol deve cair mais R$ 0,10.
Em um posto da Quadra 8 de Sobradinho, o chefe de pista avisou que, nos próximos dias, o etanol vai recuar para R$ 2,37. “Mesmo assim, acho que a procura vai continuar baixa. O consumidor sabe quando passa a valer a pena”, disse. Gerente de um posto na Asa Norte e outro em Taguatinga, Thiago Jarjour não acredita que os preços das distribuidoras recuarão tanto. “Os valores estão caindo muito lentamente.”
O servidor público Francisco Rocha, 36 anos, tem um carro flex e torce para voltar logo a abastecer com etanol, o que não faz há pelo menos dois meses. “Esse recuo não adianta nada: o preço continua um absurdo, não vale a pena colocar álcool”, avaliou, ao encher o tanque com gasolina e parcelar o valor total em cinco vezes. O autônomo Lauzinho Lélis, 51, espera queda no valor da gasolina: “Vão ter que baixar, não tem jeito”.


OPINIÃO
Visão do Correio
O descalabro dos planos de saúde


O direito à saúde é garantia constitucional do brasileiro. Assegurá-lo cabe ao Estado. Na prática, contudo, o cidadão sabe que nem a Lei Maior nem os impostos que recolhe lhe dão a certeza de atendimento ao menos satisfatório na rede pública. Diante do desamparo, os menos desafortunados suprem a carência com recursos próprios e fazem um segundo desembolso, dessa vez com a contratação de planos de saúde. Aí descobrem que o preço do bem-estar é ainda mais alto, pois médicos credenciados decidem cobrar taxa extra pelas consultas. A desculpa é que as operadoras não lhes pagam o suficiente.
Lado mais fraco da história, o consumidor se vê preso num círculo vicioso de abusos, em que paga sucessivamente por guarda-chuvas furados, sem encontrar quem o proteja. Esse saco sem fundo precisa ser costurado de forma definitiva. Desde 1999 os planos estão sujeitos a regulamentação pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). É inconcebível que, mais de uma década depois, haja dúvidas quanto a questões essenciais de uma relação de consumo. Remendos, como os aplicados ontem pela Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, via Diário Oficial da União, deveriam ser desnecessários.
São medidas pontuais. Uma proíbe o óbvio: que os médicos deixem de prestar o serviço contratado como fizeram em 7 de abril último. Outra abre processo administrativo para apurar a participação do Conselho Federal de Medicina, da Associação Médica Brasileira e da Federação Nacional dos Médicos no boicote aos planos e na cobrança de adicional para atendimento a pacientes. A última recomenda ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que essas três entidades sejam condenadas por influenciar a categoria a adotar a Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos.
Urge expurgar o faz de conta dessa relação, sob todos os aspectos, cara ao consumidor. É imprescindível assegurar a quem contrata plano de saúde a certeza de que os serviços serão prestados da forma contratada. Se uma das partes falha (a administradora, a instituição de saúde ou o médico), a conta não pode sobrar para o contratante. Cumprir deveres não é obrigação apenas do usuário, a quem simplesmente se negará atendimento no caso de estar com alguma mensalidade em aberto. O absurdo pagamento de bônus a profissionais que pedem menos exames aos pacientes, enfim proibido pela ANS no mês passado, é mais do que antiética: é exemplar do descalabro que impera no setor.
Médicos insatisfeitos com a remuneração recebida dos planos de saúde têm a alternativa de requerer o descredenciamento conforme previsto em contrato. Em hipótese alguma lhes pode ser facultado decidir cobrar a diferença do usuário, deixar de atendê-lo ou prestar serviço incompleto. A responsabilidade pela fiel prestação dos benefícios é das administradoras. Cabe ao Poder Público fiscalizá-las com o devido rigor, punindo com igual intensidade as que saírem da linha, sem se esquecer de que a saúde é um direito que a Constituição assegura ao cidadão.


Itaipu: caridade de R$ 5 bilhões
Claudio J. D. Sales

Presidente do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)

Em tempo de aperto fiscal, observamos, de um lado, o governo dizer que precisa cortar R$ 50 bilhões do Orçamento. De outro, vemos o mesmo governo tomar decisões que nos levam à conclusão de que há dinheiro sobrando a ponto de fazer uma caridade adicional ao Paraguai que custará R$ 5 bilhões ao Brasil.
Se acompanharem o parecer favorável da senadora Gleisi Hoffman, aprovado na Comissão de Relações Exteriores, nossos senadores aprovarão em plenário, nos próximos dias, o Projeto de Decreto Legislativo 115/11, que altera o Tratado de Itaipu e triplica o pagamento do Brasil ao Paraguai pela cessão de energia excedente. O problema é que a senadora tem demonstrado desconhecer as bases do tratado. Se as conhecesse, não defenderia sua alteração com a ideia de “preço de mercado” para a energia gerada por Itaipu.
O Tratado de Itaipu, assinado em 1973 que deveria ser mantido até 2023, foi negociado entre Brasil e Paraguai para se chegar a arranjo justo e factível. Suas bases financeiras estão no Anexo C, em que se explicita que a tarifa da usina serviria para cobrir os custos do financiamento da sua construção, com 100% da dívida garantida pelo Tesouro brasileiro. Portanto, nada a ver com “preços de mercado”.
Aliás, se a tarifa de Itaipu seguisse a lógica de mercado, a usina não teria saído do papel porque, na época em que foi concebida, nos anos 70, não havia “mercado” para pagar pela energia que seria gerada. A falta de mercado, inclusive, obrigou que nós, brasileiros, assumíssemos em nossas contas de luz, ao longo de décadas, o custo da construção da usina, período durante o qual o Paraguai não manifestou nenhum interesse no “preço de mercado”, conceito que agora lhe é tão conveniente.
Além disso, o reajuste que a senadora Gleisi Hoffman defende, em prejuízo dos brasileiros, não diz respeito ao preço da energia de Itaipu, mas a uma parcela adicional chamada “remuneração por cessão de energia”. É fonte extra de recursos para o Paraguai. Essa confusão precisa ser interrompida porque conduz a perigoso desvirtuamento dos fatos.
O Brasil tem buscado implementar projetos de integração energética com os vizinhos. Muitos dos projetos têm sofrido abalos por causa de alterações das condições inicialmente pactuadas. A reação do governo brasileiro diante desses abalos, ao longo da última década, tem sido de “acomodação” dos pleitos, acarretando custos bilionários para consumidores, contribuintes e empresas nacionais, sejam elas estatais ou privadas.
No White Paper Energia e geopolítica: compromisso versus oportunismo (estudo disponível em ), foram examinados 11 incidentes em que intervenções ou pleitos de nossos vizinhos alteraram as condições originalmente pactuadas em contratos ou tratados. O impacto acumulado até agora de tais alterações foi de perdas de cerca de R$ 6,7 bilhões para o Brasil.
A elevação da remuneração da energia de Itaipu para o Paraguai engrossa a lista de “acomodações” que têm sido acolhidas de forma incompreensível pelo governo brasileiro, muitas vezes com apoio de parlamentares. E é uma “acomodação” por motivos políticos, sem justificativas econômicas ou sociais.
Mas o Senado Federal ainda tem a chance de corrigir o erro dos deputados que aprovaram a alteração do Tratado na Câmara. O Projeto de Decreto Legislativo 115/11 deverá ser votado no plenário do Senado na próxima semana.
A senadora Gleisi Hoffman tem afirmado que “não se trata de caridade, mas de inteligência” aumentar a remuneração ao Paraguai. Com o respeito que a senadora merece, discordo da primeira parte de sua visão: a aprovação da alteração do Tratado de Itaipu é ato de caridade de R$ 5 bilhões porque não há razão para ceder às pressões paraguaias. Mas concordo com a segunda parte: é ato de inteligência sim. Inteligência dos parlamentares paraguaios, que defendem os interesses dos eleitores, ao contrário do que fizeram vários dos nossos deputados federais que cederam sem exigir nenhuma contrapartida.
Na condição de observatório do setor elétrico, o Instituto Acende Brasil passará a acompanhar uma lista com todos os deputados federais e senadores que votarem a favor do aumento para o Paraguai, ao custo de bilhões tirados dos bolsos brasileiros. E confrontará essa lista com os posicionamentos e votações futuras dos parlamentares que se dizem preocupados com o custo de energia para os consumidores e com a falta de recursos públicos para nossas necessidades. Afinal, está ou não sobrando dinheiro para caridades com países vizinhos?


Nas entrelinhas
Alon Feuerwerker

Conte para alguém de um país realmente democrático que no Brasil o presidente da República legisla ad referendum do Congresso Nacional sobre uma infinidade de assuntos. O sujeito vai achar que o Brasil é uma republiqueta

O Senado e as MPs

O Senado está diante de uma oportunidade talvez única. Se quiser, pode pôr algum freio nas medidas provisórias (MPs). Segundo a proposta do senador tucano Aécio Neves (MG), elas só entrariam em vigor depois de admitidas por uma comissão parlamentar. Que ficaria encarregada de zelar pela verificação dos requisitos constitucionais.
O governo tem maioria no Congresso, acachapante. Teoricamente, pode controlar com tranquilidade qualquer comissão na Câmara dos Deputados e no Senado. Mas o governo resiste a dar mais poder ao Legislativo na apreciação das MPs.
Pois se o governo não teme tanto assim a oposição, receia bastante a própria base parlamentar. Como está demonstrado no debate na Câmara dos Deputados sobre as mudanças no Código Florestal.
A iniciativa política do ex-governador de Minas Gerais embute essa visão. Reconhece que a polarização mais potencialmente explosiva no cenário político não é entre PT e PSDB, mas entre o núcleo e a periferia das forças governistas. Entre o PT e o resto. Ainda que no próprio PT haja insatisfações. Por incrível que pareça.
De volta às medidas provisórias. O que Aécio propõe não chega a ser radicalmente novo. No papel, o Legislativo já tem a atribuição de julgar preliminarmente a relevância e as urgências das MPs. Na prática, a maioria governista, neste e noutros governos, tem transformado tal passo em formalidade.
Seria diferente se as MPs só vigorassem depois de admitidas pelo Congresso. Haveria uma parada obrigatória. Algum debate precisaria acontecer antes do plenário.
O governo diz que não consegue governar sem as MPs do jeito que estão hoje. Estranho seria se o governo dissesse diferente. É superconfortável e superadequado, para o Executivo, poder mudar as leis quando e como dá na telha.
As MPs são uma herança da legislação ditatorial. A explicação bonita para elas é a suposta alma parlamentarista da nossa Constituição. A explicação verdadeira é que o então presidente José Sarney exigiu da Constituinte a introdução de algum mecanismo para substituir o decreto-lei da ditadura.
Conte para alguém de um país realmente democrático que no Brasil o presidente da República legisla ad referendum do Congresso Nacional sobre uma infinidade de assuntos. O sujeito vai achar que o Brasil é uma republiqueta.

E neste particular terá razão.
Quem argumenta com a imprescindibilidade das MPs precisa explicar por que um monte de países de grande sucesso conseguiram chegar onde chegaram sem tanta concentração de poder na mão do chefe do Executivo.
Certo mesmo seria simplesmente abolir as MPs. O que é difícil, pois qualquer Congresso só fará isso com apoio do governo. E ainda está para nascer o governo que abra mão de poder por vontade própria.
O Brasil seria um país melhor se as MPs fossem abolidas e se os orçamentos fossem para valer. Todo mundo sabe disso.

Carochinha
Em qualquer canto do planeta, uma casa misteriosa, sem telefone ou internet, chamaria atenção se estivesse encravada numa região de quartéis e academias militares. Regiões de concentração militar são vigiadas.
Ainda mais num país nuclear infestado pelo terrorismo, e possuidor de um vizinho inimigo também nuclear.
Mas no Paquistão ninguém pensou em investigar o que havia, afinal, naquela estranha edificação em Abbottabad.
Entre a chegada e a saída dos helicópteros americanos na ação que executou o chefe da Al-Qaeda foram cerca de 40 minutos. Nesse tempo houve tiros, um helicóptero pifou e foi parcialmente destruído.
Em quase uma hora de ação, nem um guardinha de esquina paquistanês chegou para ver o que estava acontecendo. E isso, repito, a poucas centenas de metros da principal academia militar do Paquistão.
Se tudo for mesmo verdade, eu consigo imaginar a festa agora do outro lado da fronteira, na Índia. Imagino o alívio dos indianos por notar que o inimigo é um amador patético.
Mas duvido que a Índia esteja a festejar. Pois é difícil acreditar que tenham sido mesmo só dois descuidos, o de deixar Bin Laden morando ali pacificamente e o de não perceber a ação dos comandos americanos.
Mesmo não sendo original, uma boa hipótese de trabalho é que o terrorista estivesse ali sob proteção. E que em algum momento alguém deixou de ter interesse em protegê-lo.


Brasília-DF
Luiz Carlos Azedo

Com Leonardo Santos


Sem acordo
O Palácio do Planalto passou o dia de ontem em tratativas sobre o novo Código Florestal, cuja votação na Câmara está prevista para hoje. O ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio, se reuniu reservadamente com alguns líderes da base e a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, em busca de um texto de consenso, mas o encontro acabou esvaziado.
Não valeu porque outros líderes da base não participaram, entre eles o do PMDB, deputado Henrique Alves (RN). São justamente os que estão dispostos a votar com o relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), cuja queda de braço com Izabella Teixeira continua.
Pela manhã, o líder do governo, deputado Cândido Vaccarezza
(PT-SP), teve uma longa conversa com Aldo Rebelo, mas nada de acordo até agora. A maioria dos deputados da base apoia o relatório de Aldo, embora o governo faça restrições nos dispositivos que tratam da consolidação de áreas ocupadas e da reserva legal. Nova reunião de líderes será realizada hoje. Se não houver um texto de consenso, o governo pretende, novamente, empurrar a votação com a barriga. Não quer perder.

Recadastramento
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) inicia amanhã o recadastramento biométrico dos eleitores de Catende, em Pernambuco. Ao longo do primeiro semestre, também passarão pelo processo os eleitores de
Curitiba, Goiânia, Jundiaí (SP), Itupeva (SP), Aliança (PE), Macaparana (PE) e Camaçari (PE). A meta do TSE é recadastrar, até abril do próximo ano, 10 milhões de eleitores

Antes tarde…
O senador Eduardo Suplicy (foto), do PT-SP, subiu à tribuna do Senado ontem para se queixar das circunstâncias da morte do terrorista Osama bin Laden pelo governo norte-americano. Suplicy se solidarizou com as vítimas dos atentados comandados por Bin Laden, mas defendeu um julgamento justo para o ex-líder da Al-Qaeda.

Balanço
A ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, vai apresentar amanhã, na Marcha dos Prefeitos, a nova versão do cadastro único da pasta, base para a concessão do Bolsa Família e de outros benefícios. Os grupos mais vulneráveis (quilombolas, indígenas, população de rua, ribeirinhos e assentados) já foram mapeados em mais de 2 mil municípios.

Obstrução
O PSDB anunciou que fará obstrução à votação da MP n° 521, que flexibiliza a Lei de Licitações, marcada para a sessão extraordinária desta terça-feira, às 13h. Segundo o líder do partido, deputado Duarte Nogueira (SP), a oposição tentou negociar com o governo alterações na proposta, mas não obteve resposta. Entre os pontos estão a obrigatoriedade da licitação com prévia elaboração de projeto básico, vinculado ao processo licitatório; e o condicionamento do início da execução de obras à conclusão do projeto executivo.

Vidraça
Os líderes da oposição no Senado estão se articulando para tentar convocar o empreiteiro Fernando Cavendish. Ele é cliente do ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu. Os senadores querem saber detalhes de como o empresário conquistou uma fatia maior no mercado de licitações depois que passou a contar com a assessoria do petista.
Direitos/ O secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado Coêlho, foi designado membro da Comissão Permanente de Direitos Constitucionais do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Fazem parte ainda da comissão os constitucionalistas José Afonso da Silva, Luís Roberto Barroso e Célio Borja.
Esvaziada/ A recém-criada Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco) foi esvaziada pelo Palácio do Planalto. Terá 17 funcionários, além do diretor, para atender a Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal. A senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO) queixa-se de que até o Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO) ficará fora da esfera da Sudeco.

Azebudsman/
Ao contrário do que foi publicado na coluna de sábado, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), foi recebido pelo ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci. Conversaram por 40 minutos, apesar do chá de cadeira.



Itaipu
O Senado deve votar hoje o Projeto de Decreto Legislativo n° 115/11, que eleva a quantia paga pelo Brasil ao Paraguai pela cessão de energia de Itaipu (de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões ao ano). A proposta recebeu parecer favorável na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.


Visto, Lido e Ouvido :: Ari Cunha

Com Circe Cunha

Movimento de prefeitos
Prefeitos de centenas de municípios brasileiros estão prontos para invadir Brasília. A Confederação Nacional dos Municípios tem conhecimento de que mais de 400 prefeitos não prestaram contas. Para conviver com o governo central, todos devem obrigações ao Estado. A notícia é saber quantos municípios estão em débito com o erário e para onde foram as verbas. A intenção é pedir prestação de contas das importâncias recebidas com obrigação de executar obras. Onde está o dinheiro das obras que deveriam ter sido realizadas no período de 2007–2008 e não iniciadas até 30 de junho de 2008? Vão perder o direito os manifestantes devedores. Uma vez punidos, terão de gestores públicos instruções para não falhar novamente, daí passa a ser obrigação ter a responsabilidade de informar como foi usado o dinheiro recebido.

A frase que não foi pronunciada

 “Todos os números da minha agenda começam com 9090.”

Dona Dita pensando sem poder mais pagar pelo preço das ligações telefônicas.

Bin Laden
» Estados Unidos conseguiram sair livres. Informam que o corpo de Bin Laden foi lançado ao oceano, obedecendo aos preceitos religiosos, em lugar que ninguém encontrará. Foi evitado que ficasse na cidade onde foi morto. As informações dadas convenceram a Al-Qaeda.

Código Florestal
» Adiada votação do Código Florestal para esta semana. Marina Silva: “Estamos olhando para trás. Em futuro vai ser pior. Anistia hoje é o adensamento em área”.

Tempo
» Senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) contra o aumento de tempo dos mandatos. Expôs irrealidades políticas. Pagamento desde o presidente da República até vereadores vai ser dinheiro com que o governo não pode arcar. Ao tempo do presidente Castelo Branco não houve outra solução. Vereadores em municípios pequenos exerciam as atividades graciosamente e recebiam diplomas de serviços prestados à nação.

Decisão do STF
» União homoafetiva foi decisão do Supremo. Horas foram consumidas com a explicação do relator vice-presidente do Supremo, Ayres Brito. Dia seguinte a votação. Resultado superior ao esperado. A ministra Hellen Gracie ofereceu um voto magistral, mostrando espírito independente e moderno.

Ameaça
» Pelo menos um em cada oito juízes federais vive sob ameaça. Entre 300 juízes federais, pelo menos 40 vivem perseguições e ameaças. Os ataques são do Sindicato do Extermínio.

Embratel
» Com a socialização da telefonia brasileira, o edifício onde funcionava a telefonia comandada pelo governo não sofreu nada com a inversão. Resultado é que a empresa particular usa o estacionamento precioso controlado pelos funcionários. Há vagas, mas o cidadão não tem direito a usá-las.

Eixo Capital
» Você que lê o Correio Braziliense não perca a coluna Eixo Capital, publicada aos domingos. O texto é escrito com humor. Fala da nossa política e da federal. Faz comentários alegres sobre a humanidade.

Apartamentos
» Imóveis em Brasília são os mais caros do país. Há imóveis pagando pouco IPTU. São os preferidos dos que não sabem da pegadinha em que estão caindo. Cidadão com imóvel próprio para escritório. Firmas construtoras fazem desenho para que aquele espaço seja usado para fins residenciais. Comprador pede para que o IPTU seja barato. É concedido. Se o imóvel foi transformado em escritório, o imposto aumenta muitas vezes. Não há explicação sequer. O comprador estava pensando enganar o governo. Paga caro pelo atrevimento. A Caixa Econômica cobra pouco de quem vai residir no imóvel.

Viadutos
» Construir viadutos em Brasília é farra com dinheiro público. O peso do concreto e o valor da construção vão longe. Tempos atrás a engenharia da Construtora Rabelo ganhou um prêmio. O engenheiro-chefe construiu viaduto usando bolhas de pouco peso. A economia foi grande, o preço baixou e nunca mais se repetiu a façanha. Não agradou à concorrência, e o assunto morreu aí.

História de Brasília
Não é pretensão, mas encontrei uma coisa comum entre mim e o presidente Jânio Quadros: ambos gostamos de filmes de bangue-bangue. (Publicado em 9/4/1961)


POLÍTICA
Remédio ineficaz

Todo ano eles fazem quase tudo sempre igual: os prefeitos desembarcam em Brasília com o discurso de que estão dispostos a chutar o balde com o governo federal, mas acabam saindo, de um jeito ou de outro, de mãos abanando. Ou com uma aspirina para passar a dor de cabeça da falta de recursos.
Mas nunca há um remédio verdadeiramente eficaz para o problema das transferências voluntárias. São convênios feitos com emendas que terminam canceladas, mas as dotações continuam no sistema; históricos de falta de recursos que se repetem em discursos de representantes municipais de norte a sul; e liberação ao sabor das conveniências políticas.
Invariavelmente, o governo vai lá, faz um discurso, lança um novo programa com foto nas prefeituras e todos voltam para casa com a sensação de que poderia ser melhor. O cotidiano, contudo, pouco se altera e eles regressam irados no ano seguinte, com a mesma pauta de reivindicações.
No ano passado, pretendiam até exibir um vídeo mostrando as agruras dos prefeitos de pires na mão diante de um Executivo moroso e que não costumava cumprir as promessas. Não o fizeram a pedido do governo federal, principalmente para não prejudicar a corrida eleitoral. Agora, prometem mostrar o filme. Talvez seja a única novidade de uma marcha cheia de pedidos e poucas respostas. (DR).


Presentes, mas descrentes
Prefeitos que estiveram em outras edições da marcha afirmam que o histórico de promessas não cumpridas pelo governo federal diminui as expectativas de muitos. CNM lista conquistas obtidas

Ano após ano, prefeitos de todo o Brasil se reúnem na capital com duas expectativas: resolver pendências antigas que beneficiariam os municípios e voltar com a notícia de repasses imediatos de verba para suas cidades. A esperança, no entanto, não tem saído do imaginário deles: questionados sobre as conquistas de marchas anteriores, prefeitos só conseguiram se lembrar de três retornos de maior impacto. São eles: a reposição de parte das perdas do FPM depois de a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); o adicional de 1% do FPM para ajudar as prefeituras a pagar o 13º salário; e o aumento do repasse para merenda escolar.
Diante da pauta extensa e repetitiva, chefes de Executivo não depositam muita expectativa no encontro. “Há um cansaço entre os prefeitos. Sentimos que nada sai do lugar. Queremos apresentar uma pauta mais clara e objetiva”, diz o presidente da Associação Mineira de Municípios, Ângelo Roncalli (PR), prefeito de São Gonçalo do Pará, que leva como sugestão inédita o fim das emendas parlamentares. A impressão é compartilhada pelo ex-presidente da mesma associação José Milton de Carvalho (PSDB), que comanda Conselheiro Lafaiete: “Acredito que 90% da pauta da marcha é repetida”.
Prefeito de Itabinha, Aurélio Cézar (PSDB) já participou de outras seis edições da marcha. “Algumas promessas surgem do encontro, mas geralmente o governo federal não cumpre. É decepcionante.” Ele precisou desmarcar na última hora a presença. Além da falta de novidades, pesou outro problema: os gastos com a participação são altos. “Afiliado da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) não paga inscrição, mas os custos com hotel e passagem aérea ficam por conta da prefeitura”, relata. A confederação informa que apenas indicou uma empresa de turismo para fazer os pacotes com descontos, mas sem interferir nas negociações. Apesar da grande quantidade de pessoas em Brasília, a lotação dos hotéis ainda não havia chegado ao máximo, segundo o sindicato da categoria, que considera a taxa de ocupação alta.
Já em 1998, na estreia do movimento, os chefes de Executivo reivindicavam a elevação do FPM. Naquele ano, pediam também a municipalização dos recursos do IPVA — imposto arrecadado pelos estados — e a renegociação de dívidas municipais com a União (item que nunca sai de pauta). No entanto, os prefeitos não conseguiram audiência com o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e reclamaram por terem sido recebidos pela tropa de choque da Polícia Militar.
Para o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, ao se dizerem desanimados, os prefeitos se esquecem de conquistas anteriores. “Costumo dizer que, se vêm com o objetivo de voltar com dinheiro no bolso, não precisam comparecer. Nossas lutas são dia após dia. Em 2008, conseguimos que o Senado aprovasse a regulamentação da Emenda 29, que determina os gastos com a saúde. Agora, a luta é para que a Câmara também a aprove. Quando sair, será uma grande conquista”, afirma.

Vício
Além dos 4,2 mil prefeitos, outro grande número de pessoas estará no DF até quinta-feira, em eventos paralelos. São vereadores, que participam de um fórum, e as primeiras-damas, que realizam conferência para debater a saúde. No encontro da CNM, um tema não político, mas que preocupa prefeitos, também será discutido: a chegada do crack às pequenas cidades. Os prefeitos deverão apresentar um diagnóstico da situação do crack em suas cidades, principalmente nas fronteiras, onde será criada uma rede de proteção. A CNM apresentará também o observatório que acompanhará as ações públicas no combate ao vício em todo o país.

Consumo ascendente
Nos últimos três anos, os municípios da fronteira — principalmente de estados brasileiros próximos às regiões produtoras de coca, como Bolívia, Peru e Colômbia — começaram a registrar um grande consumo de drogas, o que não era realidade há 10 anos. Isso se deve, segundo especialistas, ao preço baixo e ao poder viciante da cocaína transformada em crack ou oxi. Pessoas de baixa renda e até mesmo de classe média são as principais vítimas dos traficantes, que também têm como alvo adolescentes e crianças.


Memória
Ao longo dos anos de mobilização, os prefeitos conquistaram alguns benefícios

Adicional no Fundo de Participação dos Municípios (FPM)
» Em 2007, o movimento comemorou a aprovação da Emenda Constitucional nº 53/07, que determinou o pagamento adicional de 1% do FPM, repassado para as prefeituras a partir de dezembro de 2008. O montante, que supera R$ 2 bilhões anuais, ajudou na organização de orçamentos municipais.

Isenção do IPI
» Para compensar perdas com a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) durante a crise econômica de 2008/2009, Lula autorizou o repasse de R$ 2,5 bilhões para as prefeituras. Em setembro de 2009, foram registradas as menores arrecadações dos municípios e a medida ajudou a evitar o endividamento. Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins)
» Em 2009, durante a XII Marcha, o ex-presidente Lula assinou decreto que autoriza a compensação financeira entre o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), o que aliviou a folha de pagamento dos municípios com os gastos voltados para servidores públicos.

Transporte e merenda escolar
» Em dezembro de 2009, o Ministério da Educação anunciou aumento de 37% nos valores repassados aos municípios para transporte e merenda escolar. Os recursos beneficiaram municípios mais pobres e com alunos da zona rural. O cálculo subiu de R$ 0,22 para R$ 0,30 por dia para cada aluno matriculado em turmas de pré-escola, ensino fundamental, médio e educação de jovens e alunos.





Licitações de volta à pauta

Ivan Iunes

O governo fará hoje nova tentativa de aprovar a proposta que flexibiliza as regras de licitação para obras de infraestrutura nas cidades que receberão os jogos da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. O Palácio do Planalto já havia tentado, sem sucesso, votar a matéria em março. Agora, o projeto elaborado em conjunto pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e técnicos do governo será inserido no corpo da Medida Provisória n° 521, que trata do aumento da bolsa para médicos residentes. A oposição critica o que chama de “contrabando” dentro do texto original da MP.
Em busca de acordo, oposicionistas chegaram a entregar ao líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), seis pedidos de alterações na iniciativa. Caso os pontos não sejam incorporados ao texto, PSDB e DEM anunciaram que vão obstruir a votação em plenário. “O governo pretende aprovar um projeto como esse sem deixar digitais, por meio de uma MP que trata de bolsas para médicos. A proposta ainda tem vários absurdos, como a possibilidade de uma construtora fazer um alojamento sem que o contratante, no caso a União ou os estados, possa escolher portas, janelas, tipo de piso e as especificações da obra”, reclama o líder do PSDB, deputado Duarte Nogueira (SP).
A oposição também critica a possibilidade de abertura de licitação sem projeto básico e a prerrogativa de o segundo colocado no certame poder tocar a obra em caso de desistência do vencedor, sem necessidade de se adequar ao preço mais baixo. “Não queremos prejudicar a Copa, mas faz três anos e meio que sabemos que haverá o Mundial. O governo teve tempo para se mexer, mas não se mobilizou porque é mal gerenciado”, critica Nogueira.


Planalto dribla deputados
Câmara aprova MP que redistribui os recursos anteriormente previstos para as emendas parlamentares canceladas pelo governo. Na prática, Executivo assume a autoria de ações com peso eleitoral, como obras de infraestrutura

Izabelle Torres

Submersos no clima de negociações em torno do Código Florestal, os deputados aprovaram, na semana passada, quase que sem perceber, uma medida provisória na qual o governo dribla o Legislativo, reformulando o destino de bilhões de reais previstos no Orçamento de 2010 e referendando, a toque de caixa, uma lista de projetos de lei apresentados ao Congresso no ano passado e que não foi adiante por falta de consenso. Na prática, os parlamentares permitiram que o Executivo tirasse dinheiro das emendas apresentadas por eles mesmos para aplicar diretamente em outros programas.
A aprovação da MP n° 515/2010 na última terça-feira foi decidida durante uma reunião de lideranças marcada para discutir as mudanças na legislação ambiental. Diante das dificuldades em encontrar um acordo para o projeto na pauta, o líder governista, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), propôs que a medida provisória entrasse na pauta para que algo fosse votado naquele dia. A ideia foi aceita rapidamente e as assessorias correram para distribuir o texto da proposta, que destinou R$ 26 bilhões para diversos órgãos do governo e do Judiciário. O resumo na mensagem palaciana dizia apenas tratar-se da concessão de créditos para a “Justiça do Trabalho e diversos órgãos do Executivo”.
No plenário, parte dos líderes se baseou no relatório do deputado Fabio Trad (PMDB-MS) para orientar as bancadas. No texto do relator, no entanto, havia pouca informação sobre a origem do dinheiro e nenhuma referência ao fato de que parte dos remanejamentos feitos pelo Executivo nos programas dos ministérios teriam sido objeto de emendas parlamentares que não foram liberadas. Questionado sobre a possibilidade de a medida representar um drible no Legislativo, o relator foi evasivo. “Sei que esse dinheiro virá de recursos contingenciados no ano passado. Eles não iriam ser liberados. Agora, serão destinados a outros programas, diferentes dos previstos inicialmente, ainda que dentro dos mesmos ministérios. Mas se me perguntar se nesse bolo há dinheiro previsto para emendas parlamentares, diria que é possível, sim, mas não fiz esse levantamento meu relatório”, comenta Trad.

Destino
Entre as ações constantemente objeto de emendas parlamentares de peso eleitoral, e que agora passam a ser tocadas pelo Executivo diretamente, estão o deslocamento de R$ 10 milhões para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) por meio do Ministério das Cidades e de R$ 1,1 bilhão que a MP tirou da Fundação Nacional da Saúde (Funasa) — controlada nos estados pelo PMDB — para que o Ministério da Saúde ajude os estados na compra de medicamentos e na estruturação de unidades na Rede Hospitalar. A estimativa de técnicos do Congresso é de que o total de recursos cancelados para serem redistribuídos pelo governo inclui pouco menos de R$ 1 bilhão em emendas parlamentares. Mas o levantamento oficial ainda não foi concluído.
Eu chamei a atenção dos colegas para a manobra do governo. Mas as pessoas estavam com muita pressa para aprovar a matéria e não me deram ouvidos. Com essa proposta, o Executivo não apenas mudou o destino do dinheiro que o Congresso tinha aprovado no Orçamento, como impôs sua vontade mais uma vez”, comentou o líder do PSol, deputado Chico Alencar (RJ).
Em conversa reservada, um ministro explicou o sucesso do governo na estratégia de realocar os recursos sem alarde ou resistências: “Isso sempre ocorre. O Executivo pede pelos meios normais, mas o Congresso ignora. A saída é editar uma MP para garantir o dinheiro e depois intensificar as articulações políticas para aprovar a medida. Uma articulação que é mais tranquila, pois os efeitos da MP são imediatos e, quando os parlamentares a votam, parte do crédito já chegou onde se pretendia”, resume.

Versão oficial
A assessoria do Ministério do Planejamento afirmou que a Medida Provisória n° 515 foi editada em 28 de dezembro de 2010 para substituir uma série de projetos de lei de créditos adicionais enviados no decorrer do ano passado ao Congresso e que não tinham sido aprovados no fim da sessão legislativa. Nesse bolo de pedidos feitos e não atendidos, estão, por exemplo, mais de R$ 7 milhões destinados ao Banco Central para pagar o plano de saúde dos funcionários do órgão e R$ 96 mil para quitar débitos judiciais da Secretaria Especial de Direitos Humanos.

Remanejamentos
Alguns ajustes feitos pelo governo federal por meio da MP n° 515 cancelaram recursos de ações previstas em emendas parlamentares. Veja algumas delas:

Ministério da Saúde
» Cancelou R$ 16,8 milhões previstos para a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) investir na melhoria dos sistemas públicos de esgotamentos sanitários nos municípios com menos de R$ 50 mil habitantes.
» Destinou R$ 1,1 bilhão para que a pasta invista na compra de medicamentos e na estrutura de hospitais.

Ministério da Ciência e Tecnologia
» Cancelou R$ 7,4 milhões destinados ao fomento a pesquisa.
» Destinou R$ 19 milhões para bolsas de iniciação a pesquisa.

Ministério da Agricultura
» Cancelou R$ 48,6 milhões destinados ao apoio a projetos de desenvolvimento da agricultura.
» Destinou R$ 6,4 bilhões para investir nas estatais ligadas à pasta.

Ministério das Cidades
» Cancelou R$ 169 milhões previstos para obras de infraestrutura urbana e de esgotamento sanitário nas regiões metropolitanas.
» Destinou R$ 10 milhões para obras do PAC em diversos estados brasileiros.


ECONOMIA
Brasileiro já deve mais do que ganha
Estimuladas pela farta oferta de crédito, 53% das famílias têm dívidas que extrapolam seus rendimentos. Segundo especialistas, a prioridade deve ser equilibrar o orçamento e poupar para consumir mais tarde

Ana D"angelo
Vera Batista

Os brasileiros levaram à risca os conselhos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva para consumir, foram às compras em 2010 e perderam o controle. Pela primeira vez em cinco anos, 53% das famílias estão gastando mais do que recebem. Estudo elaborado pelas empresas de pesquisa Nielsen e Kantar Worldpane, a pedido da Associação Paulista dos Supermercados (Apas), mostra que a renda média subiu 13% no ano passado e atingiu R$ 2.146, mas as despesas foram maiores (R$ 2.171). Dados do Banco Central (BC) revelam que as pessoas devem R$ 806 bilhões a bancos e cooperativas de crédito.
Em 2010, os trabalhadores destinaram R$ 192 bilhões para pagar juros de empréstimos, segundo levantamento feito pela Federação do Comércio de São Paulo, com base em estatísticas do BC. Nos primeiros quatro meses do ano, os trabalhadores desembolsaram R$ 54,4 bilhões em juros, um quarto de todos os recursos que o governo quer usar com o programa Bolsa Família em 2011. Desse total, R$ 4 bilhões foram decorrentes da pressão da retomada de alta da taxa Selic pelo BC desde janeiro. Ou seja, com orçamento deficitário, o brasileiro tem que gastar mais em juros para equilibrar as contas.
O diretor de Economia e Pesquisa da Apas, Martinho Paiva Moreira, atribui o descontrole dos brasileiros à maior oferta de crédito, principalmente para a compra de imóveis e veículos. “O desejo de consumo, aliado à oferta de financiamentos, fez com que o trabalhador se embebedasse no crédito”, resume. O levantamento foi feito com base em uma amostra de 8.200 lares de todas as classes sociais, em cidades acima de 10 mil habitantes.
“Crédito, em nosso país, é e sempre foi sinônimo de suicídio. Os bancos cobram, em um mês, juros maiores do que são capazes de compensar com rendimentos de um ano em qualquer aplicação financeira”, avalia o analista de finanças da Moneyfit Antonio de Julio. O diretor da Apas acredita, no entanto, que o consumidor vai reequilibrar as despesas “de forma que a renda fique mais compatível com os gastos”.
O presidente da Apas, João Galasse, acredita que a renda continuará a crescer em 2011, ainda que em um ritmo menor, mas suficiente para ajudar no equilíbrio do orçamento familiar. Segundo ele, a taxa de crescimento dos gastos dos trabalhadores foi acima de 5% nos últimos cinco anos, mas a renda superou a despesa apenas em 1%. Em 2008, a pesquisa, que é anual desde 2006, indicou renda média de R$ 1.540 para consumo de R$ 1.558. Em 2007, o brasileiro ganhou R$ 46 a mais do que gastou. Em 2009, essa conta ficou equilibrada.
“O que temos observado é a dificuldade maior do consumidor de obter crédito barato, até para equalizar as contas, e os dados de inadimplência mostram elevação. Acende a luz amarela”, afirma o economista-chefe do Espírito Santo Investment Bank, Jankiel Santos. Isso não significa, diz ele, que possa haver uma crise, pois o mercado de trabalho ainda está aquecido e negociações eficazes na obtenção de aumento de salário. O que favorece o acerto do orçamento familiar. “Por isso, a necessidade de combate à inflação, buscando a convergência para as metas. Só assim para as famílias terem um alívio em suas despesas”, avalia Santos.
Segundo ele, as famílias devem priorizar o equilíbrio das contas, preparando-se para períodos de vacas magras. Caso seja necessário aperto monetário maior para frear a inflação, pode haver desemprego. “Dívida maior e inflação rodando relativamente forte não resultam em uma das situações mais agradáveis”, alerta.

Armadilha
Antonio de Julio, da Moneyfit, afirma que endividamento “é questão de matemática e não de classe financeira”. Caso o consumidor se deixe seduzir pela armadilha do crédito rotativo, como cheque especial e cartão de crédito, de taxas abusivas, dificilmente conseguirá sair sem danos drásticos à saúde financeira. Julio tem clientes de todas as faixas de renda. Vários deles, com ganhos mensais acima de R$ 15 mil, perderam a noção dos gastos e ficaram enredados no cheque especial. “Passaram por sofrido processo de educação financeira, reuniram a família, identificaram extravagâncias, venderam bens e se recuperaram. Tudo poderia ser evitado com um simples planejamento familiar”, ensina.
Segundo o especialista, antes de gastar, as famílias devem fazer uma “retrospectiva orçamentária”, que significa colocar na ponta do lápis gastos com luz, água, condomínio, aluguel, mensalidade escolar, impostos e taxas, prestações, cheque especial e cartão de crédito. A meta seguinte é cortar desembolsos desnecessários. “A pessoa deve procurar o gerente do banco e, olho no olho, trocar dívidas mais caras, do cartão de crédito, por exemplo, por mais baratas, como um consignado”, ressalta. Com o valor que eventualmente sobre do salário, o ideal é montar uma reserva para gastos inesperados, recomenda.
Na avaliação de Jankiel Santos, do Espírito Santo Investment Bank, os brasileiros deveriam se preocupar em poupar constantemente, seja pela questão previdenciária, para garantir a aposentadoria mais folgada adiante, seja para ter um colchão em momentos de reversão do quadro de bonança. “Se poupa hoje, pode, com as taxas obtidas, conseguir um investimento que pode lhe dar uma cesta de consumo maior adiante.”

Álcool cai e alivia BC

Combustível recua 20% em uma semana e leva mercado a rever, para baixo, as projeções de inflação neste ano

Mariana Mainenti

Depois de um longo período de descrédito, o Banco Central pôde respirar aliviado ontem. Pela primeira vez, em nove semanas, os analistas ouvidos pela instituição revisaram, para baixo, as estimativas de inflação deste ano: de 6,37% para 6,33%. Tanto no BC quanto no Ministério da Fazenda a visão foi a de que, finalmente, os economistas estão reconhecendo que o discurso do governo, de que o pior do processo inflacionário ficou para trás, começa a se sobrepor ao pessimismo do mercado financeiro. “Todos estavam apegados à inflação corrente (atual) e se negando a olhar para frente. Felizmente, essa postura está mudando”, disse um técnico do BC.
Segundo ele, o fato de a elevação do Índice Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ter ficado em 0,77% em abril, aquém do previsto pelo mercado, e de o preço do álcool ter interrompido a trajetória de alta (caiu 20% nos últimos sete dias), fez com que os analistas dessem uma trégua ao BC. “A mediana das estimativas de inflação caiu porque foi a primeira vez, em cerca de seis meses, que o IPCA saiu abaixo da expectativa”, afirmou a economista Tatiana Pinheiro, do Banco Santander. O alento, no entanto, pode não ser suficiente para manter a inflação deste ano abaixo do teto da meta fixada para o ano, de 6,5%. “O Santander aposta que o IPCA fechará 2011 com 6,1%. Mas eu não descartaria a hipótese de a inflação fechar acima do teto. Minha posição pode estar sendo otimista”, reconheceu. Nos últimos 12 meses, a alta acumulada está de 6,51%.

Fim do exagero
Dentro do governo, o otimismo com a inflação vem, principalmente, da queda dos preços dos combustíveis. De acordo com o Centro de Estudos Avançados de Economia Aplicada (Cepea/Esalq), o etanol hidratado, utilizado nos carros flex, era negociado, na semana passada, a R$ 1,06 o litro, sem incluir os custos de frete ou taxas, em queda de 20% ante a semana anterior, e quase 35% abaixo da máxima atingida na última semana de março. “Com o início da safra, o preço do álcool terá um belo recuo em maio, caindo 10%. Já a gasolina terá queda de 1%”, disse o economista Fábio Romão, da Consultoria LCA. Ainda assim, é pouco para compensar a alta até agora. Em abril, a gasolina subiu 6% e o álcool, 11%.
Na avaliação do Santander, o IPCA de maio, junho e julho virão em patamares mais confortáveis e, no último quadrimestre, começarão a ser sentidos os efeitos do aperto na política monetária. Para isso, no entanto, o Comitê de Política Monetária (Copom) terá, segundo o banco, de promover altas nos juros até dezembro, de modo que a taxa básica (Selic) saia dos atuais 12% para 13% ao ano. Para Fábio Romão, a inflação de maio ficará em 0,41% e a de junho em apenas 0,10%.
Além dos combustíveis, os preços dos alimentos e das bebidas também deverão interromper a disparada que ocorreu até agora. “Ainda haverá alta, mas será menor”, disse Romão. Outro item cujo custo vem assustando o brasileiro é o vestuário, que já tinha subido 7,5% em 2010. Em maio, a subida chegou a 1,42% e para maio, será apenas um pouco menor segundo projeta a LCA: de 1,21%. Parte disso é consequência do fato de o momento ser de troca de coleção. Mas há ainda outro fator muito importante: o preço do algodão no atacado subiu 190% de janeiro de 2010 a março de 2011


Preços de roupas disparam nas lojas
Cotações recordes do algodão chegam com força ao varejo. Alta já atinge 37%
Sílvio Ribas
Jorge Freitas

Obrasileiro está pagando caro para se vestir. A escalada do preço do algodão, iniciada em agosto de 2010, está chegando mais forte às roupas, sobretudo com a entrada da coleção outono/inverno. Para especialistas, esse efeito retardado sobre o varejo continuará pelo menos nos próximos dois meses, apesar da cotação da matéria-prima estar em declínio.
A variação do vestuário dentro da primeira prévia do Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) de maio mostra avanço de 1,34% para 1,60%, conforme dados divulgados ontem pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Em abril, o segmento foi responsável pela segunda maior alta no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA): 1,42%, ante 0,56% em março, perdendo só para os combustíveis, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os reajustes mais expressivos do grupo foram nos itens infantis, que subiram 1,97%.
O aumento dos preços nas roupas em Brasília levou a bancária Nila Fernandes, 56 anos, a comprar em São Paulo, onde duas ou três peças básicas do vestuário feminino podem custar R$ 200 numa loja de departamentos. “Aqui, tudo é mais caro e não existe preço promocional, que possa se adequar ao bolso de quem precisa administrar uma casa”, disse.

Coleção
O lojista e atacadista Juscelino Mattos acredita que a coleção outono/inverno chegará às lojas com aumento de 37% nos preços, depois de a de verão estar sendo vendida 25% mais cara, puxada pela maior escalada de preços do algodão em 42 anos. “O comércio têxtil vai enfrentar uma alta devido à baixa produção das safras de algodão em 2009 e em 2010, causada pela estiagem e as quebras de produção no Paquistão”, afirmou.
A falta de produto foi compensada com a subida de preços, em torno de 30%. O mercado, contudo, deve continuar aquecido, estimulando novos plantios. Em 2012, a expectativa do setor é de ganhos de produção no Brasil e no exterior, particularmente na China.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), o preço do algodão e a retração das vendas afetaram a produção, que recuou 7% em janeiro e em fevereiro em relação a igual período de 2010. O presidente da Abit, Aguinaldo Diniz Filho, também destacou a crescente perda de competitividade para importados asiáticos. “Se as importações de roupas e de tecidos mantiverem o ritmo atual, a balança comercial do setor vai fechar 2011 com deficit histórico de US$ 5,6 bilhões”, disse.

Pressões estão no limite
Os produtores de algodão admitem que a escalada nas cotações chegou ao limite suportável pelo mercado. “A escassez e a especulação levaram a um pico de preços difícil de repassar à indústria e ao varejo. Essa realidade e a expectativa do início da colheita provocaram quedas sucessivas nas cotações do algodão, acentuadas nos últimos 10 dias”, disse Haroldo Cunha, presidente do Instituto Brasileiro do Algodão (IBA). Após dispararem até a primeira quinzena de março, os preços do produto despencaram, segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP). Em 31 de março, a arroba de algodão era negociada a R$ 128. Ontem, estava a R$ 79, um recuo de 38,5%.


BRASIL
Encontradas mais duas peças do avião
Turbina e computador de bordo serão enviados a Paris para serem analisados. Caixas-pretas chegarão, nesta quinta, à sede do escritório francês responsável pela investigação do acidente

» Débora Álvares

Depois de resgatar os restos mortais de duas vítimas do acidente com o Airbus A330 da Air France, ocorrido em 31 de maio de 2009, o Escritório de Investigações e Análises (BEA, conforme a sigla em francês) anunciou ontem que içou, do fundo do Oceano Atlântico, uma turbina e os computadores de bordo da aeronave. As peças se juntarão às que já foram retiradas pelo robô submarino e serão levadas à sede da BEA, em Paris, para serem analisadas.
A primeira leva de destroços a chegar à Europa será composta pelas caixas-pretas — equipamentos que gravaram dados do voo e as conversas dos pilotos na cabine e, portanto, podem ser essenciais para desvendar os motivos do acidente. Elas devem estar na França na próxima quinta-feira. Levados à superfície na última semana, os equipamentos estão no navio La Capricieuse, da Marinha francesa, e têm chegada ao Porto de Cayenne, na Guiana Francesa, prevista para amanhã. De lá, os equipamentos, que estão em compartimentos lacrados, já que fazem parte de um inquérito judicial, seguirão de avião para Paris.
De acordo com um comunicado do BEA divulgado ontem, a maleta é acompanhada por Alain Bouillard, um oficial da Polícia Judiciária (OPJ). O coronel- aviador da Força Aérea Brasileira (FAB) Luís Cláudio Lupoli, designado representante do Brasil pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, também está no navio que leva os equipamentos. Em visita a Paris para participar de uma reunião do G8, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, comentou a descoberta das caixas-pretas do avião e disse que “é necessário conjugar todos os esforços para o esclarecimento dos fatos e, obviamente, para que a Justiça seja feita em uma tragédia como essa”.

Funcionários levam peças ao navio que as transportará para a Guiana Francesa

Mais gente
Apesar de o objetivo principal da quinta fase de operações — a quarta localizou os destroços a quase 4 mil metros de profundidade, a cerca de 10km de onde a aeronave apareceu pela última vez nos radares — ter sido cumprido com a retirada das caixas-pretas, as equipes de buscas vão continuar no local e ganharão, inclusive, um reforço, segundo anunciou a França. A grande expectativa, agora, é pelo resgate dos corpos das vítimas. Os restos mortais de duas, retiradas do oceano na atual operação de resgate, foram analisados a bordo do navio Ile de Sein e serão transferidos para Paris, nesta semana, para uma eventual identificação.
Por conta das dificuldades do resgate dos corpos, novas tentativas de levar restos mortais à superfície ocorrerão só em 20 de maio, quando a tripulação do Ile de Sein será trocada e haverá um reforço da equipe de especialistas. “A expectativa é de mais conforto. Em geral, todo esperam encontrar seus familiares para que se finalize, para que possam enterrá-los e amenizar todo o sofrimento”, destacou o presidente da Associação dos Familiares das Vítimas do Voo 447, Nelson Faria Marinho.,

Indenizações em xeque

Uma matéria publicada pela The New York Times Magazine promete aumentar a polêmica em relação a indenizações a serem pagas aos parentes das vítimas da queda do Airbus A330 da Air France em 31 de maio de 2009. Segundo a reportagem, 90% das 50 vítimas cujos corpos foram recuperados logo após o acidente — a autópsia ocorreu em Recife — tinham fraturas nas pernas e nos braços.
Outros apresentavam traumas no peito, abdômen e crânio. Ainda de acordo com a publicação, a análise dos primeiros restos mortais indica que muitos ocupantes do avião podem ter sobrevivido ao impacto e morrido com a demora do socorro.
O advogado especialista em direito civil Rodolfo Freitas Rodrigues acredita que a hipótese de alguém ter sobrevivido e morrido horas depois do acidente pode gerar um outro tipo de indenização.
Desta vez, por danos morais. “A extensão do dano não se circunscreveu ao acidente, mas pela frustração em não receber pronto-socorro, o que era obrigação da companhia aérea”, avaliou.
De acordo com Nelson Faria Marinho, presidente da Associação dos Familiares das Vítimas do Voo 447, a maioria das indenizações ainda não foi realizada. “Alguns poucos já receberam um valor irrisório, em acordo com a companhia aérea, porque estavam desesperados, necessitados do dinheiro”, destacou.
Marinho, que perdeu o filho no acidente, conta que, das cerca de 50 famílias que integram a entidade, apenas duas estão nessas condições, mas muitas passam por dificuldades após a tragédia. “A maioria das pessoas daquele avião eram os provedores de suas famílias”, ressaltou.
Algumas ações de indenização já chegaram a ser julgadas em primeira instância, mas segundo o presidente da associação, em todas a Air France entrou com recurso, não havendo ainda uma decisão definitiva. Para Rodolfo Rodrigues, casos em que há discussão de valores costumam demorar até 10 anos para serem resolvidos
“Nessas situações, o caminho mais fácil é que haja uma mediação entre as partes. Familiares devem chegar a um acordo com a empresa.
É indiscutível que tem que reparar prejuízos, mas quanto e em que extensão é o que vai ser discutido”, explica o advogado. (DA)
"A extensão do dano não se circunscreveu ao acidente, mas pela frustração em não receber pronto-socorro, o que era obrigação da companhia aérea”
Rodolfo Freitas Rodrigues, advogado


Fica para a próxima
Hugo Chávez cancela visita a Brasília na última hora, por motivo de saúde. Assinatura de atos com a Venezuela fica para outra data

» Tatiana Sabadini

Ainda não foi desta vez que Dilma Rousseff e o colega venezuelano, Hugo Chávez, conseguiram cumprir a promessa, trocada na posse da presidente brasileira, de concretizar o regime de reuniões trimestrais iniciado, com tropeços, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Chávez era esperado em Brasília na noite de ontem, para uma breve visita de trabalho que previa uma reunião e um almoço com a anfitriã, com partida ainda de tarde para o Equador — e, depois, Cuba.
Quem desembarcou na Base Aérea foi apenas o chanceler Nicolás Maduro, para anunciar ao governo brasileiro que o presidente venezuelano foi instruído por seu médico a observar repouso para tratamento de uma lesão no joelho. As demais etapas da viagem também foram canceladas.
Segundo o Correio apurou, a ausência de Chávez foi recebida com frustração, já que a expectativa era de que ele e Dilma assinariam alguns atos durante a visita — os documentos estavam em negociação até a última hora.
Maduro se reunirá com o colega Antonio Patriota para tratar das relações bilaterais, como integração energética e a cooperação brasileira com programas de desenvolvimento na Venezuela. “Temos uma relação complexa, e os acordos que temos não ficam apenas no papel: é uma coisa muito concreta, que contribui para melhorar a vida do povo”, afirmou o embaixador Antônio Simões, subsecretário-geral do Itamaraty para América do Sul, América Central e Caribe.
Em fevereiro, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, fez uma visita oficial a Caracas e assinou acordos nas áreas de habitação e de agricultura, prévios à vinda de Chávez. Brasil e Venezuela também têm colaboração em tecnologia, infraestrutura e indústria. O comércio bilateral movimentou US$ 4,6 bilhões em 2010, com saldo de US$ 3,8 bilhões para o Brasil — o que corresponde a 15% do superávit apurado na balança comercial. Empresas brasileiras trabalham, por exemplo, na ampliação de linhas de metrô de Caracas e na renovação do sistema de tratamento e abastecimento de água.
Habitação
Patriota teve agenda intensa na capital venezuelana. Além de reunir-se com o colega, Nicolás Maduro, encontrou-se com ministros de outras pastas e com o próprio Chávez. O Brasil apresentou o projeto Minha Casa, Minha Vida, e a Venezuela aderiu ao modelo. “A vantagem é que não é um investimento apenas do Estado.
Ele (Chávez) se interessou pela ideia de pequenos empresários poderem investir em casas populares, de poder colocar o sistema privado junto com o governo”, explica Simões. A Caixa Econômica Federal, que tem representações no país, deve aprofundar a operação nos próximos meses e implantar um sistema de financiamento similar ao do Brasil.
De acordo com o embaixador da Venezuela em Brasília, Maximilien Sánchez, a questão da habitação é importante para o país, especialmente depois das chuvas que deixaram centenas de desabrigados, no último ano. “Estamos aprendendo com a Caixa Econômica Federal como ampliar o crédito imobiliário na Venezuela.
Temos nos empenhado incessantemente nessa questão, para dar melhor resposta possível à população venezuelana, e o Brasil é um grande parceiro, com experiências muito bem-sucedidas, que queremos ter como inspiração”, garante o diplomata.
Projetos de cooperação agrícola se desenvolvem há alguns anos. Um escritório da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) ajuda em programas de agricultura familiar e na distribuição de sementes. A Venezuela era um país agrícola até a descoberta de petróleo. Depois disso, os empresários resolveram deixar o campo de lado e uma massa invadiu as cidades em busca de emprego. Hoje, o país importa 60% dos alimentos que consome.
“São duas as demandas a serem atendidas por esse trabalho conjunto: o desenvolvimento do nosso setor agropecuário e o combate ao latifúndio. É interessante o que ocorre hoje, no Brasil, onde o governo dá prioridade aos pequenos produtores e às fazendas coletivas, nas suas compras. É o tipo de ação que corresponde ao dever do Estado, de proteger a população camponesa”, comenta Sánchez.


Cubanos poderão fazer turismo

O plano de reformas proposto pelo governo de Cuba, aprovado no 6º Congresso do Partido Comunista Cubano (PCC) e distribuído ontem para a população da ilha inclui a permissão de viagens turísticas para o exterior para qualquer morador. A decisão política está tomada, mas o regime ainda não definiu como, exatamente, isso irá funcionar e quando a medida passará a valer. O encontro do partido, no poder desde 1959, havia aprovado, em meados de abril, 313 medidas, mas a versão final das reformas só foi divulgada ontem. O texto também confirma o anúncio do presidente Raúl Castro de que serão autorizadas a compra e a venda de carros e casas.
O fim das restrições às viagens é uma das principais demandas dos cubanos, pois hoje eles, teoricamente, até podem conseguir sair da ilha, mas uma permissão de saída, hoje, custa 150 dólares — quantia quase impensável para a maioria dos moradores da ilha —, pode ser negada por qualquer razão pelas autoridades e fixa uma estadia máxima no exterior de 30 dias. No fim das contas, o trâmite exigido hoje é um pesadelo burocrático e pode alcançar um custo total de 400 dólares. Em 52 anos de revolução, o governo cubano permitiu apenas aos trabalhadores mais destacados fazer viagens de turismo — a países do extinto bloco soviético.
Outras medidas de impacto social, que também precisam da criação de um marco legal, incluem a concessão de crédito à população e aos trabalhadores do incipiente setor privado para adquirir bens e montar negócios, além das transações imobiliárias. Quase 90% dos cubanos são donos de suas casas, não pagam impostos por elas ou pagam aluguéis baixos, mas não podem vender os imóveis, apenas optar por uma permuta, em um negócio que movimenta muito dinheiro de maneira ilícita.


EUA não se desculpam
Casa Branca descarta pedir perdão ao Paquistão pela operação que matou Bin Laden. Premiê rebate acusações

» Rodrigo Craveiro

Ao ignorar a soberania do Paquistão, matar Osama bin Laden em Abbottabad e ainda acusar o aliado de manter uma rede de apoio ao terrorista, os Estados Unidos se indispuseram com Islamabad. Ainda assim, o presidente Barack Obama está longe de sentir arrependimento pela operação que eliminou o inimigo número 1 do Ocidente.

“Obviamente, levamos as declarações e as preocupações do governo paquistanês a sério, mas também não pedimos desculpas pela ação que nós tomamos, que o presidente tomou”, disse Jay Carney, porta-voz da Casa Branca.
“Em sua mente não havia sombra de dúvida de que ele (Obama) tinha o direito e o dever de fazer isso”, acrescentou. O secretário de imprensa se referia ao pronunciamento do primeiro-ministro paquistanês, Yousuf Raza Gilani, diante de parlamentares da Assembleia Nacional.
O premiê considerou “absurda” qualquer acusação de “cumplicidade e incompetência” lançada contra seu gabinete. “O Paquistão não é o berço da Al-Qaeda. Não convidamos Osama bin Laden a vir para cá”, declarou. Por várias vezes, Gilani usou um tom ameaçador contra os Estados Unidos. De forma sutil e sem citar Washington, o premiê perguntou-se quem foi o “responsável pelo nascimento” da rede terrorista, na década de 1990. “É necessário remontar a comunidade internacional à década de 1990, quando os voluntários árabes se uniram à jihad”, comentou.
Ele destacou o papel dos EUA em encorajar a guerra santa “em nome do islã, como um dever nacional”. Gilani também advertiu que ações unilaterais — como a realizada pelos norte-americanos em Abbottabad — podem acarretar “graves consequências” e anunciou a abertura de um inquérito interno. “Nós estamos determinados a chegar até o fundo, em saber como, quando e o porquê da presença de Osama bin Laden em Abbottabad”, disse.
“A tensão aumentará”, prevê o analista afegão Abdulhadi Hairan, do Centro para Estudos de Paz e Conflito (em Cabul). “O Paquistão sempre culpa os outros por suas próprias falhas”, criticou, em entrevista ao Correio, pela internet. Apesar de ter anunciado a recusa de Washington em pedir desculpas a Islamabad, Carney ressaltou a importância dos laços entre os governos, até então considerados parceiros na guerra ao terror. “Nossa necessidade de cooperação continua sendo muito importante”, comentou. De acordo com Hairan, os EUA oficialmente tentam transmitir a imagem de uma aliança intacta. No entanto, o afegão diz que as autoridades paquistanesas até agora foram incapazes de explicar como Osama viveu por tanto tempo no “quintal” de uma academia militar.
No Departamento de Estado, o porta-voz Mark Toner afirmou que a cooperação entre o Paquistão e os EUA trouxe “resultados tangíveis” por uma década, mas admitiu que os dois lados não se veem sempre “olho-no-olho”. Manter uma relação amistosa com Islamabad era considerado importante para Washington, do ponto de vista de garantir sua estratégia no Afeganistão.
Ante a crise atual, o Pentágono confirmou ontem que possui rotas alternativas ao Paquistão para abastecer suas tropas no país vizinho. “Estamos confiantes de que não somos dependentes de qualquer segmento específico individual, e de que podemos continuar com os esforços de abastecer o Afeganistão”, disse à Reuters o subsecretário de defesa para aquisição de tecnologia e logística do Pentágono, Ashton Carter. Hairan confirma que os EUA podem utilizar a Ásia Central e a Rússia, com quem firmaram um acordo, como opções.

Resgate
O governo Obama revelou ontem que ninguém vai receber os US$ 25 milhões de recompensa pela morte de Bin Laden. “Que eu saiba, ninguém nos disse: ‘Viu, Osama bin Laden está aqui em Abbottabad’”, ironizou Jay Carney. Segundo ele, a recompensa não é paga a alguém que, acidentalmente, forneça a informação necessária à captura de um terrorista ou criminoso procurado pelos serviços de inteligência.
O Pentágono divulgou no sábado imagens do terrorista Osama bin Laden diante da televisão, no casarão em Abottabbad. O governo dos EUA esperava que o vídeo fosse a prova de que o líder da Al-Qaeda está morto. No entanto, a emissora britânica BBC ouviu 50 moradores da cidade paquistanesa e apenas um deles disse crer que o homem de barbas brancas na imagem é Bin Laden. Um dos entrevistados chegou a reconhecer o próprio vizinho nas imagens. O tabloide The Daily Mail denunciou que a gravação é fruto de uma fraude “cuidadosamente fabricada” e destinada a expor o terrorista como um homem velho, ocioso e com fixação em se ver na TV.


Síria intensifica repressão a manifestantes

Evan (nome fictício), um ativista da oposição síria, vive com medo dos Mukhabarat — como são chamados os homens dos serviços de inteligência do presidente Bashir Al-Assad. Por isso, ele se recusa em fornecer ao Correio sua identidade verdadeira. “Existe uma crença profunda entre os sírios de que qualquer um pode ser um cara da segurança disfarçado”, afirmou. O temor aumentou depois que as forças do governo impuseram um cerco a Moadamiyah, um bairro a oeste da capital, Damasco. “Uma amiga que vive no distrito não foi para a universidade hoje. Tentamos contato com ela, mas o celular estava desligado. Outra colega viu blindados e um posto de controle do Exército”, relatou Evan. “Não me surpreendo com isso. O regime é brutal”, acrescentou. Segundo ele, os tanques ocuparam os bairros de Moadamiyah, Barzeh, Darayah, Zamalka e Douma logo ao amanhecer. Testemunhas contaram às agências de notícias terem escutado tiros na capital.
Outro ativista disse à reportagem, também sob condição de anonimato, que a eletricidade e os serviços de telefonia em Moadamiyah foram cortados. “Todas as estradas que levam ao subúrbio estão fechadas, incluindo as vicinais. Tiroteios e fumaça foram vistos em Damasco e testemunhas dizem que seis tanques estavam no centro da capital”, descreveu. Em entrevista à rede de TV Al-Jazeera, Rami Abdul-Rahman — diretor do Observatório Sírio para Direitos Humanos — denunciou que as forças sírias invadiram as casas de manifestantes, na madrugada de ontem, e realizaram buscas. As operações foram feitas na cidades de Homs (centro) e de Baniyas (noroeste), nos subúrbios de Damasco e em vilarejos da região de Deraa. Em Baniyas, centenas de mulheres saíram às ruas ontem para pedir a libertação de opositores.
“O regime sírio acha que o uso de violência vai pôr fim aos protestos, mas isso está tendo efeito reverso”, garantiu Evan. Ele lembra que antes de os protestos começaram, em 15 de março passado, a ideia de queimar uma foto de Bashar Al-Assad era algo impensável para muitos sírios. “O que está acontecendo em meu país é que o governo assassina seu próprio povo, para defender sua autoridade. Desde 1963, o Partido Baath mantém-se no poder por meio da força e da repressão, e não vai abandonar o governo sem lutar ferozmente”, admite o opositor. Entre 600 e 700 pessoas foram mortas pelas tropas do governo, e ao menos 8 mil foram presas, segundo a organização não  governamental Insan.
Para o sírio Radwan Ziadeh, especialista do Instituto para Estudos do Oriente Médio na Georgetown University, não há dúvidas de Al-Assad optou pela radicalização. “O presidente pensa que pode terminar o levante, como o regime iraniano fez em 2009, usando a força e envolvendo o Exército. Mas a base de apoio de Al-Assad é muito pequena, diferente da do Irã”, sustenta. Em Bruxelas, a União Europeia adotou ontem sanções contra 13 autoridades sírias e impôs um embargo à venda de armas a Damasco. As medidas entram em vigor hoje e incluem a proibição de vistos, além do congelamento de bens.

Iêmen
Cinco manifestantes morreram na repressão das forças de segurança iemenitas em Taez, 250km ao sul da capital, Sanaa. Testemunhas afirmaram que as tropas leais ao presidente Ali Abdullah Saleh usaram bombas de gás lacrimogêneo e abriram fogo com munição letal contra centenas de pessoas que se reuniam na principal avenida da cidade. Pelo menos 15 manifestantes ficaram feridos, três deles em estado grave. (RC)

Otan sob suspeita de omitir socorro
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) defendeu-se da acusação de que teria omitido socorro a um grupo de imigrantes africanos que tentavam chegar à ilha de Lampedusa, no sul da Itália. O jornal britânico The Guardian afirmou que um porta-aviões da aliança ignorou pedidos de ajuda da embarcação, apesar de ter sido constatado o risco de naufrágio. A porta-voz da coalizão militar internacional, Carmen Romero, respondeu que a informação é falsa, e que o único navio sob o comando da Otan na data era o italiano Garibaldi, que “estava a mais de 100 milhas náuticas da costa líbia”. A acusação se estende à Guarda Costeira italiana, que teria ignorado um alerta emitido pelos africanos. Depois de 16 dias à deriva, 61 pessoas morreram de sede e fome, entre mulheres e crianças. A embarcação transportava 72 imigrantes que estavam radicados na Líbia, entre eles 47 etíopes, sete nigerianos, sete eritreus, seis ganenses e cinco sudaneses. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) alertou que o Mar Mediterrâneo não pode virar “terra de ninguém”.


CIDADES
Deputado Benedito nas mãos da Justiça
Distrital do PP é denunciado pelo Ministério Público do DF e Territórios por formação de quadrilha, corrupção e fraude em licitação

Ana Maria Campos

A procuradora-geral de Justiça do DF, Eunice Amorim Carvalhido, protocolou ontem, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT), denúncia contra o deputado distrital Benedito Domingos (PP) por formação de quadrilha, fraude em licitação e corrupção passiva. A chefe do Ministério Público do DF tomou como base inquérito policial que apontou favorecimento no Governo do Distrito Federal a empresas ligadas a familiares do parlamentar nos contratos firmados pelo Executivo para ornamentação do Natal de 2007 a 2010, a decoração do carnaval de 2008 a 2010 e para a comemoração dos 50 anos de Brasília.
Eunice Carvalhido incluiu ainda na ação penal um dos filhos de Benedito, Sérgio Domingos, um neto dele, Leandro Domingos Silva, e uma nora do distrital, Sabrina Lima da Silva, além de três empresários que teriam agido em conluio para conseguir os contratos nas administrações regionais e na Empresa Brasiliense de Turismo (Brasiliatur). Como Benedito tem foro especial, em virtude da condição de deputado distrital, o processo tramitará no Conselho Especial do TJDFT. Com a denúncia, o Ministério Público confirma inquéritos conduzidos pelo delegado Flamarion Vidal, da Divisão de Repressão dos Crimes contra a Administração Pública (Decap) da Polícia Civil, que pediu o indiciamento de Benedito e dos demais investigados.
Além de Benedito Domingos, o ex-governador José Roberto Arruda (sem partido), o ex-secretário de Governo José Humberto Pires e os ex-coordenadores de administrações regionais Irio Depieri e Geovani Rosa Ribeiro foram denunciados pela procuradora-geral de Justiça.
Na ação penal, o Ministério Público sustenta que, no período compreendido entre 2007 e 2010, os denunciados formaram uma quadrilha para cometer crimes contra a administração pública. “As tarefas foram previamente definidas, competindo a cada um dos componentes da quadrilha um conjunto específico de atos dirigidos à contratação das empresas do grupo criminoso”, aponta Carvalhido na ação. Os acusados teriam se valido da “superioridade hierárquica” para “compelirem e coagirem” os administradores regionais a contratarem empresas ligadas a familiares do distrital do PP.
De acordo com as investigações, pelo menos parte dos recursos beneficiou diretamente Benedito Domingos. Um dos filhos do distrital, Sérgio Domingos depositou, segundo o Ministério Público, R$ 30 mil em dinheiro na conta do pai, como suposto pagamento pela ajuda na obtenção de contratos públicos. O dinheiro teria sido sacado da conta da empresa LSS Locação e Serviços, que tem como sócios-proprietários um neto e a nora do distrital e foi contratada pelo GDF entre 2007 e 2010. A assessoria do distrital sustenta que ele está tranquilo, nega influência política nos contratos de familiares e acredita que a verdade vai prevalecer. José Humberto informou, por meio da assessoria, que os contratos não passaram pela Secretaria de Governo e ficaram a cargo das administrações regionais. Por isso, ele não teria nenhuma ingerência sobre supostas irregulares. A defesa de Arruda sustenta que o ex-governador nunca se envolveu diretamente nesses contratos do GDF.

Relatório
O relator do caso no Tribunal de Justiça do DF é o desembargador Humberto Adjuto Ulhôa, ex-procurador-geral de Justiça do DF. O magistrado deverá apresentar um relatório e voto perante o Conselho Especial em que defenderá a abertura de processo penal contra os denunciados ou o arquivamento das acusações, se considerar que não há elementos mínimos para a tramitação da ação.


Investigado na Câmara

O deputado distrital Benedito Domingos (PP) tem até segunda-feira para entregar defesa na Corregedoria da Câmara Legislativa (CLDF). Ele foi denunciado por formação de quadrilha e beneficiamento ilícito de parentes em licitações do Governo do Distrito Federal (GDF). O corregedor, Wellington Luiz (PSC), notificou o colega em 2 de maio e deu o prazo de 10 dias úteis para o colega se defender, conforme determina o regimento da Casa.
De posse da manifestação de Benedito, Wellington terá mais 15 dias úteis para dizer se há indícios suficientes para abrir processo por quebra de decoro parlamentar na Comissão de Ética. Caso seja dada continuidade ao processo, os membros da comissão deverão abrir novo prazo para ouvir o investigado. Se for condenado, Benedito pode ser punido com a cassação.
As acusações contra o distrital se baseiam em inquérito da Polícia Civil, que apurou a participação de Benedito em esquema montado para fraudar as licitações públicas. De acordo com as investigações, há “flagrantes” indícios de irregularidades em negócios realizados com 22 administrações regionais do Distrito Federal. Um dos casos aponta para a participação de Benedito em fraude nos contratos para a decoração natalina de 2008. Segundo os policiais, não há dúvidas de que a influência política de Benedito favoreceu a montagem de uma organização criminosa para beneficiar seus interesses privados.


Marido de Jaqueline refuga
Manoel Neto descarta a possibilidade de prestar esclarecimentos sobre o caso no Conselho de Ética. Relator do processo no colegiado afirma que a ausência da testumunha não afetará a finalização dos trabalhos, que deve ocorrer até o fim do mês

» Ricardo Taffner

Mais uma testemunha se nega a depor no caso da deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF). Desta vez, o próprio marido da parlamentar, Manoel Neto, recusará o convite feito pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Há duas semanas, depois de confirmar presença em sessão do colegiado, o delator do esquema que deu origem às investigações da Operação Caixa de Pandora, Durval Barbosa, voltou atrás e desistiu de colaborar com o órgão. Apesar de frustrado na tentativa de ouvir as testemunhas, o relator do processo administrativo, Carlos Sampaio (PSDB-SP), afirma que essas ausências não atrapalharão a análise das denúncias e o prazo para a finalização dos trabalhos. Ele garante fazer a leitura do relatório em 25 de maio. O deputado acredita que Jaqueline também não se manifestará oralmente, uma vez que já entregou a defesa escrita. “Os três jamais agregariam qualquer coisa no contexto probatório. Não vejo nenhum ponto prejudicial. Já temos elementos de convicção para emitir juízo de valor seja pela admissibilidade ou não do processo”, afirmou Sampaio.
Ainda não houve comunicado oficial da negativa de Manoel Neto ao Conselho de Ética, mas a informação foi confirmada pelo assessor de imprensa de Jaqueline, Paulo Fona. Segundo o jornalista, a instrução foi dada pelos advogados da deputada. “Eles (Manoel e Jaqueline) já estão respondendo às acusações na polícia e não precisam depor sobre esse assunto na Câmara”, disse.
O caso é investigado pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal no Inquérito nº 3.113, do Supremo Tribunal Federal (STF). Por outro lado, os advogados de Jaqueline confirmarão o depoimento de três funcionários do gabinete da parlamentar. Eles defenderão a chefe da denúncia de uso irregular da verba indenizatória para custear as despesas do escritório político montado em sala de propriedade de Manoel.
[FOTO2]Segundo a defesa, o uso do imóvel foi repassado sem custos de aluguel pelo marido da deputada. “A doação foi aceita pela Câmara e o pagamento foi somente para despesas de condomínio, o que é permitido”, alegou Fona. Em fevereiro deste ano, Jaqueline declarou ter gastado R$ 1.120,74 da cota parlamentar para “manutenção de escritório de apoio à atividade parlamentar”. O cadastro informa como beneficiário o Condomínio do Edifício Oscar Niemeyer, no Setor Comercial Sul. Quanto ao vídeo gravado por Durval Barbosa, os advogados de Jaqueline argumentam que a Câmara não pode julgar um ato cometido antes do início do mandato e, diante isso, não se manifestaram sobre o conteúdo das imagens.

Depoimentos
Jaqueline, Manoel e Durval são os protagonistas das cenas gravadas, em 2006, com repasse de dinheiro supostamente ilícito do delator para o casal. Segundo o relator do processo instaurado contra Jaqueline, o depoimento do marido da deputada não faria diferença. “Deixei claro para o presidente [José Carlos Araújo (PDT-BA)] que temos de aprovar os requerimentos dos conselheiros, mas não via relevância na oitiva do Manoel Neto, porque ele não diria nada contra Jaqueline e nem iria além das justificativas já dadas por ela”, disse Carlos Sampaio. O pedido foi apresentado na quarta-feira passada pelo conselheiro Ricardo Izar (PV-SP) e aprovado por maioria. Apenas os peemedebistas Wladimir Costa (PA) e Mauro Lopes (MG) foram contrários à realização do depoimento.
Sampaio explica ter informações suficientes para produzir o relatório. “Temos elementos mais do que suficientes.” Ele já recebeu todas as informações solicitadas para a apuração do caso. O parlamentar pediu informações ao Tribunal de Contas do DF e ao Ministério Público. À Câmara Legislativa, ele requereu os relatórios da CPI da Codeplan, que investigou as denúncias surgidas após ser deflagrada a Operação Caixa de Pandora, os pronunciamentos de Jaqueline Roriz no plenário da Casa e as declarações de renda da ex-distrital.
Segundo o tucano, um dos relatórios da CPI faz menção indireta sobre o envolvimento de Jaqueline com as denúncias de corrupção. Além disso, Durval disse em depoimento ao Ministério Público, também encaminhado ao colegiado, que por conta de todo o contexto da época ele tinha convicção de que Jaqueline sabia da origem ilícita do dinheiro. Em carta, a deputada confirma ter recebido e utilizado o dinheiro sem a devida declaração à Justiça Eleitoral.
O Conselho de Ética aguarda para esta semana o envio do parecer da corregedoria com pedido de abertura de novo processo contra Jaqueline Roriz.
O documento foi aprovado na última quinta-feira, por unanimidade, pela Mesa Diretora da Câmara. Segundo o corregedor, Eduardo da Fonte (PP-PE), há indícios de quebra de decoro parlamentar.
O processo receberá nova numeração no conselho, mas será apensado às investigações em curso. De toda forma, será preciso abrir novo prazo para a defesa. “Esse é um direito constitucional e ele será exercido pelos advogados”, afirmou Fona. Mesmo assim, Carlos Sampaio promete fazer a leitura do relatório em duas semanas.

Cargos de confiança
Leonardo de Moura Soares, Williams Cavalcante de Oliveira e Keila Alves Franco foram nomeados no início de fevereiro como secretários parlamentares de Jaqueline. Eles trabalhariam no escritório político da deputada e foram arrolados pelos advogados dela como testemunhas de defesa. Os advogados ainda não anunciaram, entretanto, se a deputada falará no Conselho de Ética.


Passado nebuloso

Manoel Costa de Oliveira Neto ficou famoso nacionalmente no início de março ao aparecer em um vídeo ao lado da mulher, Jaqueline Roriz (PMN), recebendo dinheiro de Durval Barbosa, mas ele transita nos bastidores da política do DF há mais de uma década. De açougueiro a doleiro, Manoel Neto fez amizades importantes no meio até garantir espaço no cenário local. Agora, corre o risco de virar réu, ao lado de Jaqueline, em ação de improbidade administrativa, caso seja configurado que eles lesaram o patrimônio público.
Dono de açougue nos anos 1990, Manoel Neto começou a despontar quando se tornou sócio do Super Bingão dos Importados, que fez muito sucesso na capital da República. Em seguida, abriu uma casa de câmbio. Em 1998, concorreu a uma vaga de deputado distrital pelo PMDB mas terminou a disputa em 125º lugar, com apenas 1.811 votos. No início do ano seguinte, foi nomeado presidente da Sociedade de Transportes Coletivos de Brasília (TCB).
Em 2002, Manoel Neto tentou concorrer novamente à Câmara Legislativa e, mais uma vez, saiu derrotado. Com isso, voltou a atuar nos bastidores do governo de Joaquim Roriz. Nas eleições de 2006, saiu do centro da disputa para mergulhar na candidatura da mulher. Apesar de Jaqueline ter sido eleita, Neto sempre se comportou como dono do mandato. Dava as ordens no local e interferia no trabalho dos servidores. (RT)


Saúde
A responsabilidade é dos pais
Estudo de nutricionista apresentado na USP mostra como eventuais problemas de peso em crianças de 4 a 6 anos são ligados aos padrões alimentares aprendidos em casa

Carlos Tavares

Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) fez soar um novo alerta sobre o risco de se ter no futuro um país ainda mais problemático em termos de saúde pública. O estudo, assinado pela nutricionista da USP Isa Maria de Gouveia Jorge, é uma tese de doutorado que aponta os pais como responsáveis pelo aumento de peso em crianças na faixa dos 4 aos 6 anos. O Brasil da infância, segundo a pesquisadora, já exibe uma população com 22,2% de crianças com sobrepeso e 9,7% consideradas obesas — ou seja, um país de 10 milhões de meninos e meninas fortes candidatos a contrair doenças graves ainda na idade da escola e se tornarem adultos de saúde frágil.
A pesquisa acompanha a tendência — notada pela primeira vez em meados do século passado, com a mudança dos padrões alimentares — de o planeta ganhar uns quilos a mais, a cada ano, e as cifras do levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que constam na Pesquisa de Orçamento Familiar de 2008/2009, em parceria com o Ministério da Saúde: prevalência de sobrepeso (29,8%) e obesidade (9,8%) de 34,6%. “Procuro mostrar na minha pesquisa que as crianças em idade de formação da educação alimentar acompanham o modelo dos pais. São eles quem passam aos filhos a cultura da alimentação saudável — ou não”, conclui Isa Jorge.
A endocrinologista e pediatra Ana Cristina Bezerra, do Hospital de Base do Distrito Federal, recomenda a intervenção do governo brasileiro na questão como condição para evitar o pior no futuro. “É melhor prevenir do que gastar mais no futuro. Crianças obesas estão mais expostas à hipertensão e a outras doenças cardiovasculares, sem falar nos problemas de ordem psicológica que a obesidade provoca”, ressalta Ana Cristina. Na lista de enfermidades que a médica aponta como decorrentes do excesso de peso, aparecem aterosclerose, alterações respiratórias e de colesterol, lesões dermatológicas, deficiências de articulações, asma e incontinência urinária, entre outros distúrbios.

Achados científicos
O estudo Bogalusa, que descreve os fatores de riscos da obesidade, mostra que dieta e males coronarianos na infância e na adolescência estão muito entrelaçados. A coleta de dados da pesquisa ocorreu no período de 1973 a 2004. No estudo, os autores tiveram os objetivos de avaliar qual nível de percentil (P) do índice de massa corporal (IMC) na criança e adolescente é apropriado para definir grande risco de doenças cardiovasculares, de excesso de adiposidade e de essa criança ou adolescente se tornar um adulto obeso. O ponto de partida do estudo ocorreu em uma pequena cidade do sul dos Estados Unidos, que empresta o nome ao projeto, com cerca de 6 mil crianças e adolescentes de 5 a 17 anos.
“Atualmente, pelos parâmetros da Organização Mundial da Saúde, um percentil acima de 95 já significa obesidade”, define a pediatra. Ao citar a investigação científica mais completa do mundo sobre o tema, Ana Cristina Bezerra destaca que foram encontrados vestígios de gordura em artérias de crianças até com 2 anos, após necrópsias. Esse é um exemplo que confirma a necessidade de uma alimentação saudável desde o ventre. “O ideal é que a partir dos 6 meses a criança alterne o leite materno com produtos naturais”, orienta Isa Jorge. “Os pais precisam ensinar aos filhos o que significa um produto saudável e uma dieta que os defenda de doenças como diabetes, hipertensão e outras”, acrescenta.
O projeto da nutricionista da USP teve como fonte um questionário com 400 crianças de municípios do estado de São Paulo. Ao avaliar a participação das famílias na educação alimentar, ela percebeu que apenas 20% dos pais reconheceram que os filhos estavam com uns quilos a mais. “O problema é cultural. Começa em casa e vai para a escola, onde as lanchonetes estão repletas de produtos industrializados com excesso de sal e sódio, entre outros componentes prejudiciais à saúde”, afirma Isa.

Questão cultural
O garoto Eduardo Pereira Neiva, 9 anos, se encaixa em um dos perfis descritos nas investigações da nutricionista. Fatores ambientais, hereditários e culturais explicam o sobrepeso de Eduardo. Na casa dele, o avô, Olímpio Pereira Neto, a mãe, Heloísa Rocha Pereira, e outros membros da família são obesos. “No ano passado, resolvemos fazer o controle da alimentação dele e cuidar de outras questões que envolvem a saúde”, diz Heloísa. Em pouco mais de um ano, o menino, que pesava 48kg, já perdeu 4kg e se habituou a uma dieta à base de frutas, cereais, grelhados e sucos “Também estou fazendo basquete. Acho que é o esporte que gosto mesmo”, afirma, depois de ter provado o futebol, a capoeira e outras atividades.
Eduardo e o irmão de 13 anos, Giovani, fazem acompanhamento alimentar em um posto de saúde do Lago Norte. Ele garante que não sente mais saudades de pizzas, refrigerantes e biscoitos recheados. “Bolo, só no fim de semana”, diz. O controle tem dado tão certo que se alguém perguntar a ele se prefere comprar lanches na escola ou levar de casa, responde na hora: “Eu levo de casa”. A dieta do garoto inclui bolachas e pães integrais, legumes, verduras, frutas e frango grelhado. “Só como chocolate na Páscoa e em datas como Natal e ano-novo”, afirma.

Carlos Eduardo, 4 anos: não aos doces e aos refrigerantes
O menino Carlos Eduardo de Sena G.V. Martins, 4 anos, exibe um perfil inverso. Até os 3, não sabia o que era açúcar e jamais bebeu um refrigerante. “O doce dele é fruta”, diz a mãe, a tradutora Marta Sena. O garoto também não ataca mesa de doces em festas de aniversário e adora Beethoven e as aulas de teatro. Aos 4, Carlos já toca a 9ª Sinfonia no piano, conhece peças de Mozart, Chopin e Brahms. Além do teatro, Carlos Eduardo preenche o tempo fora da escola normal com aulas de psicomotricidade, artes e música e judô — tudo para evitar ao máximo o excesso de televisão e games.
“Os grandes aliados da obesidade são as guloseimas, os programas de televisão e os videogames”, destaca Ana Cristina. Para a médica, o governo precisa investir mais na criação de programas de educação alimentar. “O ideal é pegar a criança ainda na idade pré-escolar”, recomenda. Segundo dados do IBGE, o Brasil tem uma população de crianças e adolescentes obesos de 15% e ocupa a 19ª posição no ranking mundial da obesidade. Cerca de 500 milhões de habitantes do planeta estão acima do peso, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).

O que fazer para prevenir
» A partir dos 2 anos, substituir laticínios integrais por aqueles com baixos teores de gordura.
» Aumentar o consumo de frutas, vegetais e cereais integrais.
» Evitar ou limitar o consumo de refrigerantes.
» Evitar o hábito de comer assistindo a televisão.
» Diminuir a exposição a propagandas de alimentos.
» Limitar o consumo de alimentos ricos em gordura e açúcar (que têm elevada densidade energética).
» Estabelecer e respeitar os horários das refeições.
» Diminuir o comportamento sedentário.
» Atividades físicas estruturadas.
» Diminuir o tamanho das porções dos alimentos.


Quanto "piores", melhores

A pesquisa Aceitação de alimentos por pré-escolares e atitudes práticas de alimentação exercidas pelos pais avaliou um grupo de 29 alimentos e destacou os de maior preferência, todos com alta densidade energética, ricos em gordura e açúcares. Os mais aceitos foram justamente os “piores” (em relação à obesidade): batatas fritas, pizza, chocolate, salgadinhos tipo chips, salsicha, biscoito recheado e refrigerante. Os mais saudáveis entre 10 produtos foram frango, iogurte e melancia. “A maioria dos produtos pesquisados são de itens com micronutrientes escassos e fracos em fibras”, comenta Isa.
Outro aspecto importante da pesquisa foi um achado de 43,2% de pais com excesso de peso, o que confirmaria a herança cultural ou genética dos hábitos. “Nessa idade (de 4 a 6 anos), há muito mais chances de as crianças filhas de pais com excesso de peso se tornarem obesas e manterem esse vínculo cultural de hábitos que causam danos à saúde”, observa a pesquisadora. “É preciso fazer um alerta, sim. A obesidade é um fator de risco para câncer, diabetes e hipertensão arterial. A criança obesa de hoje vai ser o adulto de saúde frágil do futuro”, prevê Ana Cristina Bezerra.

Indústria
Outro vilão da obesidade infantil é a própria indústria de alimentos. “Recentemente, a rede de lanchonetes McDonald’s prometeu reduzir as calorias em seus sanduíches e, no momento seguinte, lançou um Big Mac 40% maior”, lembra a médica, em tom de crítica. “A escola erra por um lado, porque não investe em educação física, e a indústria erra porque lança produtos no mercado de alto teor calórico”, deduz. “Também há falhas na fiscalização por parte do governo e não há uma política pública definida que combata a obesidade infantil”, critica Isa Jorge. Ela cita como exemplo de ausência de controle por parte do governo federal o fato de existirem produtos como barras de fibras sem fibras e massas instantâneas para crianças mais salgadas do que as de adulto. (CT)

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