AVIAÇÃO
Leilão de aeroportos só em maio de 2012
Estudo da Infraero, obtido com exclusividade pelo Estado, detalha o cronograma apertado de obras que o governo tenta antecipar
Glauber Gonçalves - O Estado de S.Paulo
Um estudo preparado pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) e pela Secretaria de aviação Civil (SAC) prevê que o leilão de concessão dos aeroportos para a iniciativa privada só deverá ser realizado em maio de 2012, um prazo muito curto para a execução das obras para a Copa do Mundo de 2014.
O Estado teve acesso ao trabalho de 173 páginas que deveria ter sido apresentado na semana retrasada à presidente Dilma por autoridades da área de aviação. O encontro, entretanto, foi adiado para que ela se tratasse da pneumonia.
Dividido em duas partes, o estudo detalha o cronograma de cada etapa das obras e descreve ponto a ponto as obras que serão feitas nos aeroportos (veja o projeto das reformas na página B4).
Além de apresentar o plano detalhado das reformas, o estudo esclarece algumas dúvidas deixadas pelas declarações de ministros e autoridades da área de aviação. A proposta apresentada a Dilma deixa claro que a prioridade do governo se concentra em três aeroportos: Guarulhos, Campinas e Brasília. Os aeroportos de Galeão e Confins ficaram de fora do projeto de concessão, embora constem na relação de obras previstas até a Copa do Mundo.
O trabalho também mostra que, ao contrário do que esperavam especialistas da iniciativa privada, as concessões serão limitadas a novos terminais de aeroportos. Antigos terminais, pistas e pátios continuarão sob a gestão da Infraero.
Os dados do documento foram apresentados pela reportagem do Estado a especialistas. Eles se disseram frustrados porque esperavam um plano de concessões mais abrangente. E afirmaram que se o leilão sair só em maio de 2012, como prevê o documento, não será possível finalizar todas as obras a tempo.
De acordo com fontes ligadas ao projeto, o governo programou o leilão para maio por segurança, mas corre para antecipar o processo em seis meses. No entanto, mesmo que a concessão saia no fim deste ano, as obras teriam que ser feitas a toque de caixa para que tudo esteja pronto até 2014. "Teríamos os anos de 2012 e 2013 para fazer as obras. Está no limite do possível, e essa é uma avaliação bastante otimista", afirma o especialista em infraestrutura Richard Dubois, sócio da consultoria PwC.
Pela estimativa do governo, somente a fase de estudos duraria cerca de sete meses (veja o cronograma na pág. B4), com conclusão prevista para janeiro do ano que vem. Nesse período, seriam feitos estudos de demanda, modelagem financeira e seriam definidos requisitos de desempenho, além da elaboração do edital. A avaliação de especialistas é que o estudo de viabilidade - que dá os parâmetros do leilão - deve atrasar o processo. Complexa, essa etapa demanda tempo.
Estudo. Segundo uma fonte do governo, a apresentação elaborada para a presidente Dilma foi feita com base em um pré estudo do BNDES sobre reestruturação de aeroportos, coordenado pelo atual ministro-chefe da SAC, Wagner Bittencourt, que na época era diretor do banco.
Uma das cartas na manga do governo para acelerar a concessão é envolver a Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP) no processo. Resultado de parceria entre o BNDES e oito bancos, a empresa foi criada em 2009 para elaborar empreendimentos de infraestrutura de interesse público e privado.
A segunda etapa do processo de concessão inclui consulta pública, aprovação em órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU) e publicação dos editais. Para essa fase, o governo prevê quase seis meses.
Procurada, a SAC não quis se manifestar sobre o assunto. A Infraero afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que os dados sobre os aeroportos estão sendo revistos para serem apresentados à presidente Dilma no fim do mês.
Modelo de concessão já sofre críticas
Para especialistas, com pistas e pátios ainda sob a gestão da Infraero, risco é de aeroportos continuarem a enfrentar os mesmos problemas
Glauber Gonçalves - O Estado de S.Paulo
O modelo que o governo quer adotar para a concessão dos aeroportos trará poucos avanços no enfrentamento dos problemas dos principais terminais do País. Como a concessionária vai explorar apenas as receitas comerciais (como as lojas) e a operação ficará com a Infraero, os problemas de gestão pelos quais a estatal é conhecida não devem ser resolvidos.
"A Infraero continuará arrecadando as tarifas aeroportuárias e terá a obrigação de fornecer diversos serviços aos passageiros e às companhias. Se hoje se questiona o papel da estatal nesse processo, como é que essa gestão vai continuar com ela? O que se está questionando não é só a agilidade para executar as obras, mas também a operação", afirma o consultor de gestão de aeroportos José Wilson Massa.
Se a estatal não for eficiente nos procedimentos de pista, por exemplo, os reflexos serão visíveis nos terminais, com a formação de longas filas, por exemplo. A atuação conjunta de duas empresas (a Infraero e a concessionária) num mesmo espaço também traz o temor de que não fique claro quais as responsabilidades de cada uma. Se tiverem problemas ao embarcar, a quem os passageiros recorreriam?
Para o professor da UnB e ex-presidente da Infraero, Adyr da Silva, ao deixar pistas e pátios de fora da concessão, o governo demonstra que tem uma visão míope da questão aeroportuária. Ao deixar as obras dessas instalações com a Infraero, corre-se o risco de ver repetirem-se os atrasos dos últimos anos. "Esse é o calcanhar de Aquiles. Está se discutindo apenas terminal de passageiros e nosso problema não é esse. Nosso problema, entre outros, é pista de pouso, controle de tráfego aéreo, pátio de estacionamento de aeronaves, software e tecnologias. A questão é mais complexa e ampla", diz Silva.
Ele afirma, porém, que é possível remover alguns entraves. Segundo o ex-presidente da Infraero, um entendimento com o Tribunal de Contas da União (TCU) também tornaria a concessão e as obras mais rápidas. Na avaliação dele, o tribunal extrapola as suas funções de fiscalização ao envolver-se na elaboração de contratos, por exemplo.
"O TCU, que deveria fiscalizar se você gastou bem o dinheiro, está sendo usado como órgão executivo. Por isso, assistimos a uma novela em Campinas, Vitória e Confins", disse Silva, acrescentando que, se governo e tribunal entrarem em consenso, seria possível economizar um ano na execução de projetos. Sabendo do problema, o governo já prevê um alinhamento com o TCU e outros órgãos, de acordo com a apresentação feita à presidente.
Mesmo fazendo uma força-tarefa, o governo não tira a corda do pescoço. Depois de concluído o leilão, as empresas levariam pelo menos quatro meses para colocar a mão na massa, período necessário para a elaboração do projeto executivo das obras.
"Não dá para pensar que a empresa vai começar a obra um dia depois de ganhar a licitação. No dia seguinte, ela começa a pensar em como ela fará a obra", afirma Richard Dubois, da consultoria PwC. Segundo ele, o custo do projeto detalhado de um terminal como o de Guarulhos é de cerca de R$ 20 milhões.
Com o projeto detalhado em mãos, a empresa ainda esbarrará nos prazos dos fornecedores, explica Dubois. "Um fornecedor de finger (instalação que conduz ao avião) disse que entre o pedido e a entrega leva-se um ano. Depois, são mais uns seis meses de ajuste fino." Ele lembra que o governo precisa estar com tudo pronto no início de 2014 para, em caso de erros na execução do projeto, ser possível corrigi-los.
Empresas podem ficar só com as receitas comerciais
Glauber Gonçalves - O Estado de S.Paulo
Embora sejam apontados diversos problemas no tipo de concessão dos aeroportos proposto pelo governo, o modelo deve atrair o interesse da iniciativa privada. O plano do governo é de que as empresas fiquem apenas com as receitas comerciais do terminais, como o referente ao aluguel de lojas.
"Essa receita é considerável. Os grandes administradores de aeroportos no mundo têm seu lastro de receita nas atividades não operacionais, que é a comercial", diz o consultor de gestão aeroportuária José Wilson Massa. De acordo com ele, essas receitas respondem por entre 60% e 70% de concessionárias em outros países.
A locação de lojas é uma receita menos volátil do que as de tarifas aeroportuárias - que continuarão sendo pagas à Infraero. No caso de uma queda brusca na movimentação de aeronaves, como a ocorrida na Europa no ano passado por conta da erupção do vulcão Eyjafjallajökull, as receitas operacionais podem sofrer uma queda brusca.
Modelo de concessão já sofre críticas
Para especialistas, com pistas e pátios ainda sob a gestão da Infraero, risco é de aeroportos continuarem a enfrentar os mesmos problemas
Glauber Gonçalves - O Estado de S.Paulo
O modelo que o governo quer adotar para a concessão dos aeroportos trará poucos avanços no enfrentamento dos problemas dos principais terminais do País. Como a concessionária vai explorar apenas as receitas comerciais (como as lojas) e a operação ficará com a Infraero, os problemas de gestão pelos quais a estatal é conhecida não devem ser resolvidos.
"A Infraero continuará arrecadando as tarifas aeroportuárias e terá a obrigação de fornecer diversos serviços aos passageiros e às companhias. Se hoje se questiona o papel da estatal nesse processo, como é que essa gestão vai continuar com ela? O que se está questionando não é só a agilidade para executar as obras, mas também a operação", afirma o consultor de gestão de aeroportos José Wilson Massa.
Se a estatal não for eficiente nos procedimentos de pista, por exemplo, os reflexos serão visíveis nos terminais, com a formação de longas filas, por exemplo. A atuação conjunta de duas empresas (a Infraero e a concessionária) num mesmo espaço também traz o temor de que não fique claro quais as responsabilidades de cada uma. Se tiverem problemas ao embarcar, a quem os passageiros recorreriam?
Para o professor da UnB e ex-presidente da Infraero, Adyr da Silva, ao deixar pistas e pátios de fora da concessão, o governo demonstra que tem uma visão míope da questão aeroportuária. Ao deixar as obras dessas instalações com a Infraero, corre-se o risco de ver repetirem-se os atrasos dos últimos anos. "Esse é o calcanhar de Aquiles. Está se discutindo apenas terminal de passageiros e nosso problema não é esse. Nosso problema, entre outros, é pista de pouso, controle de tráfego aéreo, pátio de estacionamento de aeronaves, software e tecnologias. A questão é mais complexa e ampla", diz Silva.
Ele afirma, porém, que é possível remover alguns entraves. Segundo o ex-presidente da Infraero, um entendimento com o Tribunal de Contas da União (TCU) também tornaria a concessão e as obras mais rápidas. Na avaliação dele, o tribunal extrapola as suas funções de fiscalização ao envolver-se na elaboração de contratos, por exemplo.
"O TCU, que deveria fiscalizar se você gastou bem o dinheiro, está sendo usado como órgão executivo. Por isso, assistimos a uma novela em Campinas, Vitória e Confins", disse Silva, acrescentando que, se governo e tribunal entrarem em consenso, seria possível economizar um ano na execução de projetos. Sabendo do problema, o governo já prevê um alinhamento com o TCU e outros órgãos, de acordo com a apresentação feita à presidente.
Mesmo fazendo uma força-tarefa, o governo não tira a corda do pescoço. Depois de concluído o leilão, as empresas levariam pelo menos quatro meses para colocar a mão na massa, período necessário para a elaboração do projeto executivo das obras.
"Não dá para pensar que a empresa vai começar a obra um dia depois de ganhar a licitação. No dia seguinte, ela começa a pensar em como ela fará a obra", afirma Richard Dubois, da consultoria PwC. Segundo ele, o custo do projeto detalhado de um terminal como o de Guarulhos é de cerca de R$ 20 milhões.
Com o projeto detalhado em mãos, a empresa ainda esbarrará nos prazos dos fornecedores, explica Dubois. "Um fornecedor de finger (instalação que conduz ao avião) disse que entre o pedido e a entrega leva-se um ano. Depois, são mais uns seis meses de ajuste fino." Ele lembra que o governo precisa estar com tudo pronto no início de 2014 para, em caso de erros na execução do projeto, ser possível corrigi-los.
Questão ampla
ADYR DA SILVA - EX-PRESIDENTE DA INFRAERO
“Nosso problema é pista de pouso, controle de tráfego aéreo, pátio de estacionamento de aeronaves, software e tecnologia”
ACIDENTE
Queda de avião mata 27 pessoas na Indonésia
Avião de passageiros caiu no mar matando todos a bordo perto da província de Papua
07 de maio de 2011 | 13h 06
Um avião de passageiros caiu na Indonésia matando todas as 27 pessoas a bordo, segundo informações de uma autoridade da Marinha do país.
O avião caiu no mar em meio ao mau tempo, pouco depois de deixar a pista de pouso da pequena cidade portuária de Kaimana, no leste da província de Papua.
Equipes de resgate conseguiram recuperar 15 corpos.
"Posso confirmar que todos os passageiros morreram quando o avião explodiu ao cair no mar", afirmou a autoridade da Marinha, que não foi identificada e que participou das operações de busca, à rádio local ElShinta.
"A aeronave ficou em pedaços... Encontramos 15 corpos flutuando na água e os outros passageiros estão presos nos destroços", acrescentou.
Bambang Ervan, que trabalha no Ministério dos Transportes do país, afirmou à agência de notícias AFP que o avião levava 21 passageiros e seis tripulantes e era operado pela Merpati Airlines.
O arquipélago indonésio usa muito o transporte aéreo e tem uma dos piores históricos de segurança aérea da Ásia, com vários acidentes com aviões comerciais nos últimos anos.
Em 2007 a União Europeia proibiu todas as companhias aéreas da Indonésia, incluindo a companhia nacional, Garuda.
Em 2009, a Garuda e outras três companhias saíram da lista de companhias proibidas na União Europeia, no entanto, a Merpati Airlines ainda está nesta lista. BBC Brasil
SINOPSE
O crepúsculo dos profetas
Daniel Piza
O assassinato de Osama Bin Laden parece ter antecipado muitas reflexões que seriam feitas em setembro, por ocasião dos dez anos do atentado contra as torres do World Trade Center em Nova York. Muitos se perguntam se isso terá algum efeito prático, não apenas simbólico, no sentido de evitar ou estimular novos ataques terroristas. Desde o início me pareceu que a decisão de não divulgar imagens do corpo era para não despertar ímpetos de martirização. Mas, concretamente, afora alguns protestos no Paquistão e algumas queixas contra o método, o resultado é mesmo mais simbólico. Chegar a 11 de setembro próximo e lembrar Osama livre e impune não soaria nada bem. Além disso, o presidente Barack Obama tem sido tão vilipendiado, a ponto de ter de mostrar sua certidão de batismo havaiana, que a ação lhe veio a calhar. Ponto.
A questão maior é observar o que aconteceu nesse período, não apenas em relação ao desmantelamento da Al-Qaeda e outras redes terroristas, mas sobretudo quanto à conjuntura política internacional. Na pesquisa que fiz para um livro que chega às livrarias na próxima semana, Dez Anos Que Encolheram o Mundo (editora Leya), me espantei ao rever o tom que se seguiu ao 11 de Setembro nas mais diversas culturas. A sensação era de que se tratava do fim do mundo. Para uns, como Stockhausen, o ato apocalíptico foi uma obra-prima; para outros, como Berlusconi, era hora de montar novas cruzadas contra o islamismo. Até os mais moderados, entre platitudes do tipo "o século 21 começou" e "nada será como antes", jamais imaginaram que nos dez anos seguintes haveria muito mais demonstrações de bom senso e liberdade do que o contrário. Que um Barack Obama seria eleito nos EUA e que uma série de revoltas populares contra governos tirânicos eclodiria nos países árabes.
Os profetas, para variar, erraram. Para variar também, hoje fingem que não disseram nada daquilo. Já notei aqui, por exemplo, como as tão ruidosas manifestações "antiglobalização" dos anos 90 foram sumindo ao longo do tempo, perdendo força e cabimento. Como repórter, cobri aquele período dos "fóruns sociais" em Porto Alegre e Mumbai, que se opunham ao de Davos, na Suíça. Debates e até brigas ocupavam a mídia vários dias. Aonde foi parar todo aquele clima? Eis algo interessante de tentar entender.
Naqueles movimentos já havia uma ambiguidade clara: os trabalhadores dos países desenvolvidos temiam pela perda de emprego para mão de obra mais barata; os de países subdesenvolvidos achavam que as grandes corporações multinacionais engoliriam suas soberanias e salários. O que aconteceu? Na primeira década do século, os emergentes cresceram muito acima da média mundial, sobretudo China e Índia, que cada vez mais se industrializam e geram tecnologia própria. E isso ajudou a manter o crescimento mundial, dada a quase estagnação dos mais ricos. No Brasil, um presidente que veio do sindicalismo adotou a política que os mercados financeiros queriam e estimulou crédito e consumo.
Nos anos 90, o debate era entre dois livros, O Fim da História, de Francis Fukuyama, e O Choque das Civilizações, de Samuel Huntington. Um dizia que a democracia liberal ocidental era um patamar de estabilidade na história do mundo; o outro, que grandes correntes culturais continuariam em atrito cada vez maior. Ambos parecem ter errado. Economias de mercado e/ou regimes democráticos são cada vez mais comuns, mas numa infinidade de graduações (a começar pela China, onde o Estado é dirigista e ao mesmo tempo cobra poucos impostos), não em acordo com meia dúzia de regras conservadoras do consenso de Washington. E os confrontos entre civilizações persistem, mas quase ninguém mais se atreve a dizer que países mais religiosos não querem saber de votos e grifes, que o islamismo seria por definição incompatível com liberdade.
Obama, por sinal, colhe frutos da morte de Osama, mas foi muito razoável quando a histeria pós-11/9 estava no pico. Não se opôs à invasão do Afeganistão, onde o Talibã acolhia a Al-Qaeda, mas se opôs à do Iraque, ao contrário do casal democrata Clinton, por duvidar das provas exibidas do apoio de Saddam Hussein. Esse discurso equilibrado, que pareceu e ainda parece republicano demais aos democratas e democrata demais aos republicanos, foi um salto de maturidade. A mera eleição de um homem com sua biografia e sua cor era um sinal histórico. Mas não foram apenas a crise econômica dos países desenvolvidos nem a eleição de um Obama que modificaram o panorama no norte da África e no Oriente Médio; não foi nem mesmo a percepção de que o fanatismo não leva a nada, nem sequer ao fim de Israel. Foi tudo isso junto e mais o espraiar dos meios de comunicação e informação, que revelaram o desgosto com as autocracias anacrônicas. O mundo mudou. Que as mentes mudem.
Rodapé (1). Octavio Paz notou que a América Latina não teve um Voltaire, um Kant, um Hume, um pensador iluminista em sua formação histórica. E pelo jeito ainda não entendeu a importância disso. Ontem, dia 7, foram comemorados no mundo todo os 300 anos de nascimento de David Hume (1711-1776), de quem a Iluminuras acaba de publicar nova edição de A Arte de Escrever Ensaio. Hume é muito conhecido por seu Tratado sobre a Natureza Humana, bem editado no Brasil pela Martins Fontes, mas seus ensaios - que muito devem aos de Joseph Addison, um dos fundadores da revista Spectator, também tricentenária - foram os maiores responsáveis por sua influência no pensamento moderno.
Como bom herdeiro de Montaigne, não havia assunto que escapasse à sua pena, do suicídio ao comércio, das artes ao casamento (que defendia que fosse fundado na amizade); e no texto que dá título ao volume ele defende o gênero como aproximação entre os letrados e o convívio social, contra o encerramento do conhecimento em academias. Seminal.
Rodapé (2). No aeroporto, onde sempre se espera tanto, compro para ocupar o tempo Casa Velha, de Machado de Assis (editora L&PM), que leu seu Hume. Na introdução, leio um pequeno resumo de sua vida que copia várias observações minhas sem dar a fonte, a começar pela recusa às especulações de outros biógrafos sobre fatos não documentados de sua infância e juventude, tidas até há pouco como desprivilegiadas e tristes (mas ele tinha pais alfabetizados, aos 15 traduzia poetas franceses e logo mais estava animadamente inserido na vida cultural da corte), e a terminar pela visão de sua ascensão social em paralelo com a transformação urbana. Nada, porém, se diz sobre o fato capital de que Machado recusou padre no leito de morte. No posfácio, outro acadêmico classifica de romance essa novela de Machado, que, embora publicada em 1885-86, está mais para o esquematismo narrativo de sua primeira fase, com a história de um possível incesto por fim esclarecido.
Bem, o que vale mesmo é reler frases como: "Não se podia ouvir-lhes nada, mas era claro que falavam de si mesmos. Às vezes a boca interrompia os salmos, que ia dizendo, para deixar a antífona aos olhos; logo depois recitava o cântico. Era a eterna aleluia dos namorados".
De la musique. Cada novo CD de Nelson Freire é um acontecimento, no Brasil e no mundo, e quando se trata de um compositor para o qual parece ser o intérprete ideal, como Liszt (ou Chopin ou Schumann), a escolha é certeira. Em Liszt: Harmonies du Soir (Decca), o pianista vai a tantos detalhes, sem jamais florear demais, que queremos ouvir de novo cada peça para saboreá-los. Há algumas composições tradicionais, como o Soneto 104 de Petrarca e a Rapsódia Húngara n.º 3, mas estou curtindo especialmente as seis Consolações, de belas melodias ao mesmo tempo tristes e doces, e as Harmonias da Noite, estudos de grande riqueza harmônica. Freire continua em excelente forma.
Por que não me ufano. Dilma Rousseff enfim começa a governar. Abriu concessões para aeroportos, reconhecendo algo que seu partido há tantos e tantos anos teima em não reconhecer - que o setor só vai atender à demanda crescente se tiver investimentos privados -, lançou programas para ensino técnico, elegeu a erradicação da miséria como prioridade. Mas, e há sempre um mas, é preciso ver a capacidade de execução dessas medidas. Afinal, ela é a "mãe do PAC" e seu filho não tem tirado notas boas na escola... No caso dos aeroportos, talvez seja tarde e pouco, embora melhor do que não fazer nada.
E há seu maior desafio, o macroeconômico, num momento em que todos baixam previsão do PIB em 2011 para 4% e sobem a da inflação para mais de 6%, ou seja, no topo da margem da meta. Corretamente, ela apontou o cerne do problema: a produtividade. Daí a importância de investir em qualificação. Mas há algo fundamental no qual ela jamais toca: a redução da carga tributária e a simplificação da burocracia. Sem isso, não há empreendedor que vá longe.
MÚLTIPLA ESCOLHA
Marinha estende inscrição
A Marinha do Brasil prorrogou as inscrições para 85 vagas em cargos de nível superior para o quadro de engenheiros. Agora, as inscrições podem ser feitas até 13 de maio, pelo site www.ensino. mar.mil.br, no link “Concursos Externos”. As vagas estão abertas para as engenharias aeronáutica, cartográfica, civil, de materiais, de produção, de sistemas de computação, de telecomunicações, elétrica, eletrônica, mecânica, mecatrônica, naval e química. Para se inscrever, o candidato deve ter menos de 36 anos no primeiro dia de janeiro de 2012. A taxa de inscrição é de R$ 62. O candidato aprovado fará o Curso de Formação de Oficiais na Ilha das Enxadas, no Rio de Janeiro.
TUTTY HUMOR
Tutty Vasques - O Estado de S.Paulo
Se deu bem!
O que mais estimula o trabalho de José Genoino no Ministério da Defesa é o fato de que, desde que tomou posse como assessor do Nelson Jobim, a imprensa o abandonou por completo.
Caos aéreo
A nova classe média está preocupada. O governo quer tirar da pobreza absoluta 16 milhões de brasileiros que vivem em condições de extrema miséria no País. Já imaginou quando todo mundo puder "andar" de avião?!
INTERNACIONAL/TRUNFO AMERICANO
Al-Qaeda se moderniza e busca tecnologias de recrutamento
Analistas afirmam que a morte de Bin Laden é simbólica e não afeta a capacidade operacional da organização terrorista
A Al-Qaeda, que antes do 11 de Setembro se concentrava apenas ao redor do núcleo de Osama bin Laden no Afeganistão e Paquistão, transformou-se na última década, com uma expansão para outras partes do mundo, do Iêmen aos EUA. As formas de recrutamento e difusão da mensagem da organização foram alteradas e novas tecnologias criadas no Ocidente são utilizadas cada vez mais pelo grupo islâmico.
Apesar de autoridades americanas dizerem que documentos encontrados no Paquistão indicam que Bin Laden ainda estava no comando, a morte do líder terrorista, na avaliação de analistas, tem um enorme caráter simbólico, mas pouco afetará a Al-Qaeda dez anos depois dos atentados. Fenômenos como o fortalecimento da organização em países como Iêmen são bem anteriores à operação dos Seals na semana passada. E novos líderes com pouca ligação a Bin Laden, como Anwar al-Awlaki, ganharam mais influência entre os jihadistas nos últimos três anos.
Awlaki é a estrelas de vídeos em inglês no YouTube e o presidente Barack Obama autorizou no início deste ano uma ação para matá-lo - Awlaki vive escondido no território iemenita. A revista Inspire, publicada pela rede terrorista na internet, dá uma série de dicas sobre como organizar um atentado e até mesmo como construir bombas. Algumas reportagens indicam a estratégia da organização. Em vez de grandes atentados são "melhores operações menores e mais frequentes", disse a revista.
Os principais ataques terroristas recentes tiveram alguma forma de ligação com a Al-Qaeda na Península Arábica (AQAP), uma espécie de franquia da organização de Bin Laden que mantém as suas bases no território iemenita. O nigeriano Umar Farouk Abdulmutallab, que tentou explodir um avião em Detroit, no Natal de 2009, admitiu ter recebido instruções e os explosivos da AQAP no Iêmen. O major palestino-americano Nidal Malik Hasan, responsável pela morte de 13 pessoas em uma base militar no Texas, mantinha laços com a rede terrorista no território iemenita. E o paquistanês Faisal Shahzad, autor da tentativa de detonar um carro-bomba em Times Square há um ano, disse ter sido inspirado por Awlaki, apesar de seu treinamento ter ocorrido no Paquistão.
No Oriente Médio, o braço da organização no Iraque, que tem autonomia em relação ao núcleo de Bin Laden e também à AQAP, tem sido o mais violento em todo o mundo, apesar de enfraquecido nos últimos quatro anos. Scott Stewart, da consultoria de risco político Stratfor, afirma que "o núcleo da Al-Qaeda não foi apenas eclipsado no campo de batalha, mas também passou a ser ofuscado ideologicamente". "Grupos como a AQAP passaram a comandar o pensamento jihadista e pedem aos muçulmanos para assumirem uma resistência sem líder, sem a necessidade de se filiar a grupos. Percebemos que o núcleo da Al-Qaeda passou a seguir os líderes da AQAP, que tem ditado as novas diretrizes."
Nem todos concordam com esta posição de fortalecimento da rede no Iêmen e em outros países. Em artigo nesta semana na Foreign Affairs, Daniel Byman, do Brookings Institute, disse que "Bin Laden liderou a Al-Qaeda nos seus triunfos e derrotas, e seus sucessores enfrentarão dificuldades para manter a organização relevante".
PARA LEMBRAR
Um exemplo da descentralização da Al-Qaeda, segundo analistas, é a atuação de Khalid Sheik Mohamed, atualmente preso na base de Guantánamo. Apesar de nunca ter tido o peso de Bin Laden, especialistas e membros da inteligência americana lembram que ele é o principal mentor do 11 de Setembro e de um atentado anterior contra o World Trade Center, em 1993.
PONTOS-CHAVE
Doutrina em mesquitas
Fiéis islâmicos são convertidos em mesquitas lideradas por clérigos islâmicos radicais, principalmente em grandes cidades dos EUA e Europa para atrair ocidentais
Redes sociais
Grupos divulgam discursos no YouTube, criam fóruns de discussão em sites como o Facebook e o MySpace na internet por meio de líderes fluentes em inglês
Ação solitária
Terroristas ‘solitários’ são raros, mas existem. Os autores dos ataques geralmente têm algum suporte, mesmo quando são somente encorajados virtualmente
Recrutamento local
Combatentes são atraídos por afinidade ideológica e recebem salários para integrar o grupo terrorista. A proposta é feita aos jovens em comunidades pobres do Norte da África e da Ásia
ENTREVISTA: JON LEE ANDERSON - JORNALISTA, COLABORADOR DA THE NEW YORKER E AUTOR DE A QUEDA DE BAGDÁ E CHE – UMA BIOGRAFIA (OBJETIVA)
Tensão na sala de comando
Morte de Bin Laden foi revanche da CIA e será chance de Obama recalibrar política externa, diz analista
Carolina Rossetti - O Estado de S.Paulo
No verão de 1989, embrenhado nas montanhas empoeiradas de um Afeganistão que tentava expelir os soviéticos, o repórter americano Jon Lee Anderson abandonou a cobertura às pressas, depois de combatentes jihadistas descobrirem que um "infiel" viajava com as tropas afegãs. "Eu não sabia, mas esses homens eram o núcleo inicial da Al-Qaeda e seu líder, um saudita rico recém-chegado, um tal de Osama bin Laden", lembrou Anderson nessa semana, em um texto para a The New Yorker, revista da qual é colaborador. Na fuga, ele teve que ser contrabandeado para a cidade paquistanesa de Peshawar, a 230 km de Abbottabad, último esconderijo do terrorista morto numa ação cirúrgica dos "dobermans humanos", como Anderson categoriza os Navy Seals.
Aos 54 anos, esse californiano esteve em quase todos os lugares quentes em momentos estratégicos da história recente: Iraque, Irã, Haiti, Líbia, morros do Rio de Janeiro. Foi também o primeiro jornalista a pisar no Afeganistão depois do 11 de Setembro, incursão que lhe rendeu o livro The Lion"s Grave: Dispatches from Afeghanistan. No Iraque, ele abandonou a carona de tanques americanos e mergulhou numa cobertura independente em busca de histórias de gente comum submersa num cataclismo bélico. A narrativa resultou em seu livro mais recente, A Queda de Badgá, publicado no Brasil pela Objetiva, que editou também Che - Uma Biografia.
Na entrevista a seguir, o jornalista - que estará em São Paulo no dia 20 para uma palestra no Sesc Vila Mariana, por ocasião do 3º Congresso Internacional de Jornalismo Cultural - discute o envolvimento da agência de espionagem americana na morte de Bin Laden, diz que a CIA estava em dívida com o país pela falha colossal de inteligência que permitiu o 11 de Setembro e sustenta que Barack Obama precisa tirar as decisões de Estado das mãos dos militares e do interesse privado. Com isso, içará a política externa americana do legado de George W. Bush.
Em um passado de erros de inteligência, como a acusação de armas de destruição em massa no Iraque e a demora em encontrar o mentor do ataque às Torres Gêmeas, a CIA conseguirá, com a morte de Bin Laden, melhorar sua imagem perante os americanos?
A CIA tinha que se redimir pela falha colossal de não conseguir prever o 11 de Setembro. E não apenas perante o público geral, mas com os formadores de opinião e as outras agência do governo, sem falar da própria Casa Branca. O ataque aos EUA em 2001 significou o retorno de frankensteins - Bin Laden e seus seguidores - criados pelos próprios americanos. E nós costumávamos tirar sarro dos soviéticos quando, em 1987, um nerd alemão de 19 anos aprendeu a pilotar um avião de pequeno porte e voou pela Europa aterrissando na Praça Vermelha, em Moscou. Isso foi um embaraço para o Kremlin, mostrou que a URSS podia ser invadida por um secundarista. Mas não houve grandes consequências, além de mostrar como a URSS havia se tornado um gigante disfuncional. O 11 de Setembro foi uma tragédia digna de filme B e o impacto no imaginário nacional foi enorme. Não sei que visão o americano médio tem da CIA, porém a indústria de entretenimento, a partir da qual a maioria dos americanos forma sua opinião, com frequência retrata os agentes da organização como à beira da imoralidade. Desde sua criação, no pós-2ª Guerra, a CIA acumulou muitas sombras. Nos anos 60 foi muito ativa em operações secretas ao redor do mundo para combater o comunismo. Por causa do resultado dramático de muitas dessas atividades, criou-se uma percepção internacional da CIA como uma organização terrível, todo-poderosa. Em certos países, nunca houve reconciliação com essa imagem e os agentes do Serviço Secreto são vistos como uma gangue de bandidos, assassinos de terno.
Desde a falha em prever o 11 de Setembro, a CIA perdeu espaço nos rumos da política externa americana?
A CIA tem estado em baixa na mesa de negociação nos últimos anos, ao passo que Bush filho militarizou muitos aspectos da política externa. Temos até generais que são embaixadores. Há gerações isso não acontecia, desde Dwight Eisenhower, que, no entanto, chegou à presidência por sua reputação de herói de guerra. Obama deveria representar a reafirmação de uma autoridade civil e moral na política externa. Não fez isso. Eu o critico não pela forma como lidou com o terrorismo e com Bin Laden, mas pela permanência das tropas no Iraque e no Afeganistão e na contínua militarização da política externa. Precisamos nos afastar dessa lógica. Obama sabe disso e já começou a mudar as pessoas de lugar. O diretor da CIA, Leon Panetta, foi escolhido para secretário da Defesa e o general Petraeus para liderar a agência de espionagem.
Ambos são conhecidos por sobrepor as funções da CIA e do Exército de forma a que ações militares e de inteligência sejam impossíveis de distinguir. A opção de Obama por esses nomes sinaliza uma mudança no modo como os EUA travarão suas batalhas de agora em diante?
Uma mudança está, de fato, acontecendo. Obama não tinha muita experiência em política externa quando assumiu e foi pouco assertivo nessa área para um homem tão articulado em questões internas. Talvez com a morte de Bin Laden Obama tenha força renovada não só para a campanha, mas para recalibrar esses aspectos perigosos de nossa política externa, que incluem não só a militarização, mas também a privatização. Nossa política exterior foi dada de bandeja para empresas com interesses pecuniários na guerra. É problemático que o dinheiro do contribuinte americano vá para empresas privadas assumirem as mais diversas funções nas frentes de guerra, desde alimentar e lavar os uniformes de nossos soldados até construir estradas no Afeganistão. Ou fornecer mísseis para jatos que serão usados em operações da CIA no Paquistão para matar integrantes da Al-Qaeda. Esse grupo Blackwater, rebatizado de XE depois que cometeu um massacre em Bagdá, está envolvido em todas as ações importantes da nossa segurança internacional. Como a operação secreta de Raymond Davis, preso no Paquistão por matar dois agentes do serviço secreto paquistanês. A dúvida permanece: a operação é da CIA ou da Blackwater? Essas são questões que precisam ser respondidas imediatamente. Já em 1959, o presidente Eisenhower, um general conservador, alertava sobre a possibilidade de um dia os EUA criarem um enorme establishment industrial-militar que se tornaria tão poderoso a ponto de comandar nossa política externa. Em certa medida é o que vemos hoje, e isso me incomoda. A porta giratória não para, e empresários se misturam com idealizadores de política externa. Vemos ex-embaixadores aceitando contratos milionários assim que deixam o cargo, transformando-se em lobistas de países nos quais foram representantes do governo americano. As coisas não estão cheirando bem.
Alguns analistas chamam a morte de Bin Laden de "assassinato político", outros rebatem alegando que ele era um alvo militar, não político. Em paralelo, a Otan não é clara sobre Muamar Kadafi ser um alvo e contudo bombardeou sua casa, matando filho e netos, A semântica usada para justificar a morte do saudita está sendo aplicada ao líbio?
Está claro para mim que a Otan tentou matar Kadafi em uma série de ocasiões. Isso dois dias antes da morte de Osama. Há temor de que, por causa da proximidade entre os dois eventos, a ideia de resolver as coisas com as próprias mãos, com mísseis direcionados e assassinatos, esteja virando moda. Essa preocupação é válida. A tentativa de assassinato de Kadafi está sendo encoberta por uma trapaça semântica. A Otan alega estar mirando nos centros de controle militar do regime. Kadafi é o líder de um regime verticalizado. Se decapitarmos a serpente, ela morre. Quando tentaram matar Saddam Hussein, ainda no início da invasão americana, também alegaram que foi um ataque contra o centro de comando iraquiano. Depois soubemos, por causa de um vazamento de informação, que aquela tinha sido uma tentativa de matar o iraquiano. O mesmo se repete com Kadafi, e a tentativa de negar isso é um insulto a nossa inteligência. Bin Laden está à margem da política e o terrorismo é uma guerra que não admite leis. A operação para pegá-lo foi feita por um grupo altamente treinado. Os Navy Seals são, basicamente, dobermans humanos: assustadores e treinados para matar. Não podia dar outra. Mas isso nos trás para um terreno arrepiante que é o dilema moral dessa guerra. Estamos atolados há anos nesse pântano, que envolve também a discussão sobre o tratamento de prisioneiros em Guantánamo e o uso de tortura para extrair informações.
O uso de tortura foi abertamente criticado por Obama na campanha. Pode essa inconsistência entre retórica e ação prejudicar sua imagem e influenciar a corrida presidencial?
Obama tem mais dificuldade em se explicar em relação ao uso de métodos tortuosos de interrogação porque ele adotou o discurso da moralidade na campanha. Sua imagem foi afetada e ele pode perder alguns votos democratas com isso. Mas não acho que esse seja um problema para a vasta maioria do eleitorado americano, que, francamente, está mais preocupado com a situação econômica. Se quiserem, os republicanos podem entrar na próxima campanha como os defensores de quê? O partido pró tortura? Ok. Boa sorte. Não acho que isso vá afetar a reeleição de Obama.
Em artigo para a The New Yorker, o sr. relaciona a execução de Che Guevara, em 1967, e o fato de Bin Laden ter sido jogado no mar. Pode a falta de sepultura e de foto do terrorista morto criar uma aura mística e alimentar uma imagem de mártir da jihad?
Pode sim. E há analogia entre as mortes de Che e Bin Laden no que se refere à participação do serviço de inteligência americano e à preocupação de que suas mortes pudessem aumentar a popularidade e a imagem de martírio desses líderes de insurgências. No caso de Che, as circunstâncias da morte só foram descobertas décadas depois. A diferença é que Che teve o cadáver exposto em praça pública, permitindo que seus admiradores se convencessem de que estava morto. Os EUA sumiram com os restos mortais de Bin Laden para negar a seus seguidores um local de enterro. Mas preservaram secretamente evidências de sua morte. As mãos de Che foram amputadas e escondidas. Elas eventualmente foram parar em Cuba, assim como as fotografias de Che antes da execução. Então, se há 45 anos todo esse processo foi registrado, acho difícil que não fizessem o mesmo agora com Bin Laden. A dificuldade agora, nessa era de hackers e WikiLeaks, é preservar as provas fotográficas. Minha intuição diz que eventualmente essas imagens vão chegar ao domínio público. O momento da morte de Bin Laden se dá em meio a um período de convulsão e incertezas no mundo árabe e islâmico, um tipo de fenômeno social que não tínhamos visto antes e muito ameaçador ao status quo mundial. Em meio a tantas incertezas naquele lado do planeta, certamente o cálculo dos EUA era o de sumir com o corpo e anular a saga pela procura de uma sepultura que os seguidores de Bin Laden pudessem cultuar. Mas acho que a atenção vai se focar no espaço físico onde ele foi eliminado. Por muitos anos, os seguidores de Che preservaram a pequena escola na Bolívia onde ele morreu como santuário. Se os paquistaneses não demolirem a casa em Abbottabad ou a incorporarem como parte da academia militar paquistanesa, ela se tornará também um ponto de peregrinação. Ou seja, mesmo sem uma sepultura, o problema não está resolvido.
A história permanece cheia de lacunas e versões cambiantes. Como o sr. vê a posição titubeante dos EUA no relato da operação?
Essas várias versões que estão surgindo mostram que mesmo a mais sofisticada superpotência mundial pode ter uma resposta atrapalhada. Acho que os EUA estavam tão excitados pela notícia que se precipitaram em adiantar detalhes da operação. Isso é tão típico do meu país... No final das contas, ele não consegue manter um segredo. Quanto mais os governantes alteram os fatos, menos atraente fica a história.
DEFESA DOS EUA
Falcão em tempos frugais
Leon Panetta será secretario da Defesa dos EUA numa hora em que a despesa militar anual de US$ 700 bilhões briga com o orçamento
Lúcia Guimarães - O Estado de S.Paulo
Na confusão criada por diferentes versões da operação que matou Osama bin Laden, chamou atenção a franqueza com que o diretor da CIA, Leon Panetta, deslizou - e tropeçou - no campo minado das explicações.
Na terça-feira, véspera de Barack Obama decidir não divulgar as fotos do corpo do líder do Al-Qaeda, Leon Panetta disse na TV que era a favor de liberar as imagens: "No fim das contas", disse, "nós pegamos o Bin Laden e precisamos revelar para o resto do mundo que fizemos isso e o matamos". Panetta também admitiu que a intenção era matar o terrorista. E, diante de repetidas perguntas sobre o papel da tortura para obter informações que levaram ao mensageiro de Bin Laden, ele também não ofereceu rodeios: "E óbvio que alguma informação valiosa veio daqueles interrogatórios". Mas a questão, lembrou Panetta, é se outras táticas de interrogação não teriam obtido o mesmo resultado. Obama baniu a tortura, ou o eufemismo preferido pelos assessores de George Bush, "interrogatório intensificado".
Quando o presidente anunciou, em abril, que pretendia cortar US$ 400 bilhões do orçamento da defesa americana até 2023, ele ainda não tinha ouvido o "sim" do homem que escolhera para a tarefa inglória.
Leon Panetta não queria assumir o cargo de secretário da Defesa que Robert Gates ocupa desde o governo Bush e vai deixar no dia 30 de junho. Passou semanas pesando a oferta, mas acabou convencido por Obama numa conversa noturna no fim de abril.
O bronzeado californiano, filho dos calabreses Carmelina e Carmelo Panetta, não vai se mudar para o Pentágono porque andava entediado na sede da Agência Central de Inteligência, em Langley, Virgínia, onde foi recebido como celebridade, sob aplausos dos funcionários, em janeiro de 2009.
Ex-republicano e ex-funcionário do governo Nixon, ele trocou de partido em 1971 por causa de direitos civis, e não por desacordo com a política econômica. Panetta está longe de ser carente de cerejas no bolo de seu currículo. Deputado pela Califórnia durante oito mandatos, ex-diretor do Comitê de Orçamento do governo Clinton e depois promovido a chefe de gabinete de Bill Clinton, ele poderia continuar navegando no prestígio do cargo que ocupa. Panetta curte os netos e o rancho onde mora no pitoresco Vale de Carmel o bastante para encarar com otimismo um ritmo menos intenso, à frente de um instituto de política pública que criou com a mulher, Silvia, na Costa Oeste.
Na primeira entrevista como diretor da CIA, em junho passado, o próximo secretário da Defesa americano disse a um repórter que Osama Bin Laden estava nas montanhas do Paquistão e reconheceu que havia anos não recebia informações de qualidade sobre o paradeiro do homem mais procurado do mundo. Tudo mudou em agosto de 2010, quando um telefonema interceptado ligou o mensageiro Abu Ahmed al-Kuwaiti à mansão em Abbottabad, Paquistão, onde Bin Laden vivia com a família. Panetta montou um miniquartel-general da operação para a captura de "Gerônimo", o codinome de Bin Laden que previsivelmente provocou a ira de representantes indígenas americanos. E vai entrar para a história como o espião chefe que matou Bin Laden.
Mas a ribalta - ou, em outros cantos, a infâmia - pós-Bin Laden vai durar pouco. Quando assumir como secretário da Defesa, em 1o de julho, Panetta vai ser recebido por um establishment que o vê como um burocrata. E foi escolhido por isso mesmo. Os militares estão ativos em três fronts - o Iraque, o Afeganistão e a Líbia. O país ainda opera 850 bases militares no exterior e hoje é difícil encontrar um falcão ultraconservador em Washington que justifique a extensão dessa presença em outros países.
Um coronel da reserva, Douglas McGregor, conhecido por criticar a estratégia de planejamento da defesa americana , admitiu ao Wall Street Journal: "Apoio incondicional à indústria militar não é patriotismo".
Não há penca de medalhas por bravura que seja útil quando um secretário da Defesa enfrenta o exército de políticos tentando manter o status quo das bases e da indústria militar nos seus quintais. A reputação de falcão da responsabilidade fiscal é um atributo que fez Obama insistir tanto em atrair Panetta para o Pentágono.
Nos anos 90, um assessor político de Bill Clinton, frustrado com a austeridade proposta por Panetta, acusou o então diretor do Escritório de Administração e Orçamento de ser "o garoto do cartaz da prisão de ventre econômica".
Num momento em que a presença americana no Afeganistão é questionada e o déficit público americano não acomoda uma despesa militar anual de quase US$ 700 bilhões - o dobro do orçamento pré-11 de Setembro -, o novo secretário da Defesa tem mais que a gordura dos zeros a cortar. Ele vai ajudar a redefinir o papel e a eficácia da força militar mais poderosa do planeta.
TENSÃO NO ORIENTE MÉDIO
ENTREVISTA - MICHEL AOUN, general libanês, líder do Movimento Patriótico Livre
'Planos de reforma de Assad acabaram atropelados pela onda de protestos''
Lourival Sant?Anna - O Estado de S.Paulo
Quarenta dias antes do início dos protestos na Síria, o general Michel Aoun esteve com o presidente da Síria, Bashar Assad, seu aliado. No encontro, em Damasco, Assad disse a Aoun que iniciaria reformas, porque "a estrutura do Estado não pode responder às aspirações do povo sírio e à situação interna", segundo o relato do militar, um cristão maronita, ex-presidente e ex-primeiro-ministro do Líbano. Os supostos planos de Assad foram atropelados pelos protestos.
Líder do Movimento Patriótico Livre, aliado do grupo xiita Hezbollah, que é patrocinado pela Síria e pelo Irã, Aoun quer indicar o ministro do Interior do novo governo libanês, encarregado da polícia e da organização das eleições. A resistência na coalizão a essa indicação paralisa desde janeiro a formação do gabinete. Em entrevista exclusiva ao Estado, Aoun, de 76 anos, acusa o Ocidente de atacar um país "moderno e laico", a Síria, ao mesmo tempo em que apoia regimes "autoritários e teocráticos" no Golfo. Antigo inimigo de Damasco, o general explica que mudou de lado depois da retirada síria do Líbano, em 2005, em nome das boas relações com o vizinho.
O que o presidente Bashar Assad lhe disse no início do ano?
Ele me convidou para jantar em Damasco. Disse que faria reformas porque a estrutura do Estado não pode responder às aspirações do povo sírio e à situação interna.
O sr. falou com ele depois?
Às vezes trocamos ideias. O fato de as reformas terem sido exigidas pelo povo sírio diminuiu o efeito da intenção de Assad. De qualquer maneira, ele anunciou as reformas. Uma parte do povo sírio, que realmente quer as reformas, acalmou-se e deixou de participar das manifestações. Certamente os radicais islâmicos vão continuar. À medida que a participação no movimento diminuiu, apareceram armas e muitos incidentes ocorreram. Não são mais reivindicações pacifistas e democráticas de reformas políticas. Tornaram-se uma revolução armada para derrubar Assad. Há um uso da força contra a força, não contra manifestantes.
O sr. era inimigo da Síria. O que o fez mudar de posição?
Havia um conflito porque a Síria ocupava o Líbano. Eu lutava para recuperar a independência e soberania do Líbano. A Síria se retirou e é preciso ter boas relações com um país vizinho. Agora há uma situação de normalidade. Mesmo durante o combate, eu dizia que depois da retirada dos sírios teríamos boas relações.
O atual impasse na formação do gabinete libanês tem a ver com seu desejo de indicar o ministro do Interior?
É meu direito nomear o posto mais eminente nesse ministério. Sou o maior bloco no interior da nova maioria.
E como o sr. acha que se poderá sair desse impasse?
Não é um impasse. É responsabilidade do primeiro-ministro formar o governo. Não deveria demorar. Já se passaram quase quatro meses. Isso vai desencadear uma nova crise.
O sr. não acha que, pela estabilidade do Líbano, o Hezbollah deveria entregar suas armas, como fizeram os outros grupos?
Ainda não. A hora vai chegar. Isso não será para sempre.
Qual a utilidade dessas armas?
Defender nosso país contra as agressões israelenses. Todos os dias, temos sobrevoos israelenses. Temos 500 mil refugiados palestinos. Precisamos encontrar uma solução aceitável para essa gente. Não podemos integrá-los. Eles estão esperando para voltar para o país deles.
Israel argumentaria que precisa sobrevoar o Líbano por causa das armas do Hezbollah.
O que podemos fazer se eles podem interferir em qualquer área do Oriente Médio, com as armas mais sofisticadas? Têm F-15, F-16, F-18, mísseis, bombas de fragmentação. O Hezbollah tem apenas foguetes. Não há equilíbrio entre o que o Hezbollah e Israel têm.
Por que o Exército nacional libanês não deveria desempenhar esse papel?
Porque não temos recursos suficientes. Israel é ajudado pelos EUA. Nós estamos endividados. Temos de defender nosso país com a guerra do pobre contra o rico, que é a guerrilha.
Ainda há lealdades sectárias no Exército libanês?
Há divisões, que não são mais políticas. O Exército tem as mesmas sensibilidades que o povo. Mas, enquanto cumpre missões, sua lealdade é ao país.
As milícias da época da guerra civil ainda têm armas? Quais?
Sim. Metralhadoras, foguetes antitanque de uso manual, morteiros. Mas há um desequilíbrio de forças. É por isso que há calma. Nunca teremos luta dentro do país.
Desequilíbrio em favor do Hezbollah?
Sim. Mas não para fazer guerra dentro do país. Essas armas são para defender o território libanês. Mas com certeza serão usadas se eles forem atacados por trás.
O sr. tem um grupo armado?
Não. Apoio o Exército.
O sr. não se preocupa com a influência do Irã sobre o Líbano por meio do Hezbollah?
Não. O Irã fala persa, não árabe. Está a 3 mil quilômetros daqui. Não vizinho. Não têm influência. Mas sentimos que é um país amigo, porque resiste à ocupação israelense. O que não é bom para Israel é bom para nós.
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