EDITORIAL
Ação contra Bin Laden pode e deve ser questionada
Apesar da cortina de fumaça ufanista com que tentam cobrir a operação dos militares norte-americanos que matou Osama bin Laden, a ação é passível de muitos questionamentos. A pertinência das decisões tomadas pelo governo dos Estados Unidos não pode ser ofuscada pela alardeada eficiência dos cerca de 20 homens que invadiram a casa onde o terrorista chefe da Al-Qaeda se refugiava, no Paquistão, e deram cabo dele em menos de cinco minutos.
Houve o que a diplomacia internacional chama de “assassinato seletivo”, procedimento em que uma pessoa específica é eliminada, em território estrangeiro, por forças oficiais de um país a que se contrapõe. As convenções de Genebra, que tentaram dar um caráter minimamente humano aos conflitos internacionais, não mencionam esse tipo de operação.
Especialistas em direito internacional são quase unânimes em questionar a legitimidade moral, legal e mesmo a eficiência estratégica de ações como a que eliminou Bin Laden.
Professores e juristas admitem o assassinato seletivo apenas se o alvo estiver a caminho de cometer um atentado, o que não era o caso de Bin Laden. Não se pode provar nem mesmo que ele ainda arquitetava ações da Al-Qaeda, visto que na casa onde se escondia não havia telefone nem internet.
Também argumenta-se que esses crimes cirúrgicos fomentam reações mais virulentas nos grupos atingidos e que abrem portas para mais violações dos direitos humanos. A inacreditável ideia de jogar o cadáver de Bin Laden no mar mostra que não há mais parâmetros.
COISAS DA POLÍTICA
Mauro Santayana
As sementes do medo
Os Estados Unidos celebram a morte de bin Laden, e um ex-embaixador brasileiro considerou-a “espetacular”. É melhor ver a morte de qualquer homem, bom ou mau, como a morte de parte de nós mesmos. Como no belo poema em prosa de Donne, any man’s death diminishes me, because I am involved in mankind, and therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee.
A morte de qualquer homem me diminui, disse o poeta, porque sou parte da Humanidade, e, por isso, não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por você. Todos nós morremos um pouco, quando as Torres Gêmeas vieram abaixo, e todos nós morremos quase diariamente com os que tombam e tombaram, na Palestina, no Iraque, no Afeganistão, na Costa do Marfim, no Realengo, em Eldorado dos Carajás, na Candelária e nas favelas brasileiras.
Os americanos comemoram nas ruas a morte de bin Laden, enquanto nos países muçulmanos outros oram pelo homem que consideram mártir. Como parte da Humanidade, talvez não nos conviesse a euforia pela execução sumária de bin Laden, nem a consternação por sua morte. Os atentados de Nova York – de resto, nunca assumidos de forma cabal pelo saudita – foram crime brutal contra a Humanidade, bem como todos os atos de terrorismo, ao longo das duas últimas décadas. Mas a vingança exercida pelos comandos norte-americanos não pode ser aplaudida. Foi um ato de guerra, cometido contra a soberania do Paquistão, desde que ao governo de Islamabad não foi solicitada autorização prévia para a operação – segundo informou o diretor da CIA, Leon Panetta.
Isso nos leva a outra leitura de John Donne: não pergunte que povo foi atingido pela intervenção militar norte-americana. Todos nós fomos atingidos, não só por essa operação bélica e pela agressão à Líbia, mas também, no passado, pela intromissão, política, militar, econômica, das elites que controlam o governo de Washington, desde a guerra de anexação de territórios soberanos do México, movida pelo presidente Polk, em 1846. O México perdeu a metade de seu território, e os Estados Unidos ganharam mais de um quarto do que já ocupavam no norte do hemisfério. Essa vitória excitou a voracidade imperialista dos Estados Unidos, mais tarde explícita no fundamentalismo do Destino manifesto.
Devemos ser cautelosos quando procuramos entender o momento atual. Comentaristas internacionais, sob o calor destas horas, tentam pensar nas conseqüências imediatas, e há os que discutem se o homem morto em Abbottab (o nome da cidade é homenagem ao general James Abbott, que serviu nas forças de ocupação da Índia no século 19) é mesmo bin Laden – que começou a sua vida de combatente como aliado dos norte-americanos contra os soviéticos, no Afeganistão dos anos 80. Tenha sido ele, ou não, importa pouco. Osama era apenas um símbolo, na clandestinidade imposta pelas circunstâncias. O que importa, e muito, é o que virá a ocorrer não nos próximos dias, que serão de pausa e perplexidade, mas nos próximos meses e anos.
O perigo maior, e desdenhado, é o de que o conflito atual, iniciado com a ocupação da Palestina por Israel, se transforme realmente em guerra declarada entre os países capitalistas ocidentais, que se identificam como cristãos, e os muçulmanos. Quem definiu a agressão como cruzada foi Bush, ao afirmar que Deus o havia convocado a matar Saddam.
E conforme o livro clássico de Essad Bey, todos os movimentos no Oriente Médio, entre eles a ocupação judaica da Palestina, se fazem na busca da posse de seu petróleo. No passado, o saqueio se fazia em nome da “civilização” e, hoje, se faz também em nome da “modernidade”.
No fundo do regozijo, há terríveis sementes de medo. Esse medo é muito mais poderoso do que foi o saudita, de 54 anos e, segundo informações não desmentidas, a um tempo amigo e sócio dos Bush nos negócios de petróleo.
TERRORISMO
Aqui não era o QG
Idealizador da Al-Qaeda há muito não liderava a organização terrorista
Robert Worth e Scott Shane - The New York Times
Muitos acreditam que a Al-Qaeda e seus seguidores no mundo árabe ficarão mais ferozes depois da morte de Osama Bin Laden, mas a popularidade do suposto líder entre os muçulmanos já havia caído nos últimos anos, pois ele, há muito tempo, não administrava as operações da rede.
Mas a morte do fundador e líder espiritual da rede global de terrorismo, junto com as recentes revoluções democráticas dos países árabes que já haviam questionado a relevância da Al-Qaeda, pode diminuir o apelo violento e extremista defendido por Bin Laden, embora alguns estudiosos discordem.
– O assassinato foi uma conquista incrível e muito simbólica. Mas, no que diz respeito à Al-Qaeda, Osama já não tinha uma importância prática como na época do atentado às Torres Gêmeas – diz Audrey Kurth Cronin, que escreveu um livro sobre movimentos terroristas.
Mohammad Omar Abdel Rahman, ex-militante muçulmano que lutou junto com Osama, diz que, nos últimos dez anos, o grupo não estava sendo liderado por seu fundador.
– Ele sempre foi um símbolo, mas não tinha condições de liderar o movimento, já que estava sendo perseguido de perto – diz Abdel Rahman, filho mais velho de um sheik egípcio preso por ajudar a planejar o ataque em Nova York.
Sobre a morte de Bin Laden, ele afirma:
– As pessoas vão sentir dor no coração, mas isso não terá nenhum impacto sobre a ação do movimento.
Depois do ataque à fortaleza de Bin Laden, ainda não se sabe se serão feitas outras operações contra membros da Al-Qaeda ou se os computadores lá confiscados pela Marinha americana abrirão o caminho de outros quarteis operacionais da organização terrorista.
Bomba nuclear seria represália à morte do mito
Como prova da importância reduzida de Bin Laden, no discurso sobre a Al-Qaeda feito por Daniel Benjamin, coordenador do Departamento Antiterrorista do governo norte-americano, na semana passada, não houve nenhuma menção ao nome de Bin Laden, dentro de um texto de 4 mil palavras.
Se o impacto da eliminação de Bin Laden é limitado, isso se deve, em parte, ao seu sucesso em criar um movimento global descentralizado, onde grupos independentemente coordenados são frequentemente ligados apenas por uma mesma ideologia. Os membros do antigo núcleo da Al-Qaeda estão situados no Iêmen, norte da Africa, e Somália e exercem hoje um papel muito mais ativo, organizando diversos atentados nos Estados Unidos e Europa.
Os próximos dias e semanas serão tensos para as equipes de combate ao terrorismo, que vão aguardar novos ataques designados pelo braço direito de Bin Laden, Ayman al-Zawahri, e por seus outros seguidores, para mostrar que a potência do movimento não foi abalada.
Um documento secreto do centro de detenção de Guantánamo, em Cuba, informa que os componentes da Al-Qaeda lá presos planejavam detonar uma arma nuclear quando Bin Laden fosse capturado ou morto. Oficiais norte-americanos não acreditam que o grupo possua tal arma, mas estão preocupados que a notícia da morte de Bin Laden possa impulsionar novos ataques terroristas.
– A questão é o quão rápido Zawahri e seus seguidores irão tentar provar sua relevância. Incentivo é o que não falta – diz Bruce Hoffman, especialista em terrorismo da Universidade de Georgetown.
A motivação é ainda maior porque a popularidade do grupo como um todo tem diminuído. Mesmo com a interminável caçada a Osama Bin Laden custeada pelo governo dos Estados Unidos, a popularidade do líder também havia caído entre os muçulmanos de muitos países, devido à grande quantidade de civis mortos pelos terroristas. No Paquistão, uma pesquisa do instituto Pew Research, lançada no início deste ano, mostrou que a confiabilidade de Osama caiu de 46% em 2003 para 13% em 2011. No Líbano, a queda foi maior, de 19% para 1%.
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