OPINIÃO
Riocentro e 1º de maio
Roberto Boaventura da Silva Sá
O final da semana que se foi nos trouxe duas datas que não poderiam ser esquecidas: a cada 30 de abril é mais um ano que se completa e que se distancia do atentado no Riocentro. Da ocorrência do episódio, em 1981, até hoje, são 30 anos passados. A outra data é o 1º de maio.
Sobre o atentado do Riocentro, vale lembrar: dois militares (o sargento Guilherme Pereira do Rosário e o então capitão Wilson Dias Machado, hoje coronel) provocariam uma explosão de bombas, por volta das 21h, do dia 30 de abril, no Pavilhão Riocentro, onde acontecia um megashow em comemoração ao Dia do Trabalhador. Do monumental encontro, dentre outros artistas da mais fina flor, participaram Gonzaguinha e Gonzagão, Clara Nunes, Gal, Moraes Moreira, o MPB-4, Elba Ramalho, Beth Carvalho e Ivone Lara.
Enquanto Elba cantava o “Banquete dos signos”, de Zé Ramalho, duas bombas seriam postas, de tal forma que levasse tudo pelos ares. Os militares mais radicais do governo – principalmente do CIE (Centro de Informação do Exército) e do SNI (Serviço Nacional de Informação) – não suportavam a ideia de que alguém no País pudesse “discutir o cangaço com liberdade”, nem “saber da viola, da violência”, conforme é dito nos versos iniciais daquela canção. Todavia, uma das bombas explodiu dentro do carro onde estavam os militares, no estacionamento do Riocentro. Como que provando do próprio veneno, o sargento morreu na hora; o capitão ficou ferido.
Simultaneamente, outra bomba explodiu na miniestação elétrica responsável pelo fornecimento de energia do Riocentro. O artefato, arremessado por cima do muro da miniestação, explodiu no pátio; assim, a eletricidade do pavilhão não chegou a ser interrompida e o show no Riocentro continuou...
Diante dos atentados, o governo Figueiredo responsabilizou radicais da esquerda pelos episódios. Contudo, isso jamais se sustentou. Até representantes menos extremistas do governo militar mostram-se assustados com tamanha violência, num momento em que já se anunciava o fim do regime. Por conta de inquéritos tendenciosos, até hoje há incógnitas sobre essa gravíssima pontualidade de nossa história. Uma delas: quem ordenou o ato terrorista?
Enfim, do obscuro tempo da ditadura, também nessa “página infeliz de nossa história”, faltam algumas letras, algumas palavras; talvez elas nunca sejam escritas. Hoje, nem sombra resta mais da qualidade cultural daqueles megashows. Os eventos da MPB serviam aos estudantes e trabalhadores como consciência crítica/política do momento vivido. Nossa rica cultura musical ancorava lições de cidadania; por isso, nossos artistas incomodavam tanto o regime. Agora, na vigência de uma caricata democracia, o que tem restado no 1º de maio aos trabalhadores é apenas o lixo da indústria cultural, no que concerne à musica. Pulalam eguinhas, cachorras etc.
Para sustentar esse lixo, “promoters” desses eventos, em geral, colados ao poder público e a centrais sindicais cooptadas pelos governantes da hora, fazem sorteios de automóveis, casas etc. É o império da falta de consciência crítica, da total falta de qualidade. Essa carência de qualidade se alastra por tudo no dia a dia, penalizando os trabalhadores, principalmente os mais jovens. Não é sem motivo que até as empresas já estão com dificuldade de encontrar mão-de-obra qualificada. Tudo faz parte de um processo de degradação; e assim como a educação, a cultura é uma vitrine bonita ou feia, a depender da opção que se faz para construí-la. Seja como for, salve o trabalhador brasileiro.
*ROBERTO BOAVENTURA DA SILVA SÁ é Doutor em Jornalismo/USP e prof. de Literatura da UFMT
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