VOO 447
Reclamação de parentes
Famílias dizem que a França não terá isenção para analisar os dados das caixas-pretas
Da Redação, com agências
O resgate da primeira das duas caixas-pretas do Airbus A-330 da Air France, que fazia a rota Rio-Paris e caiu no mar em 31 de maio de 2009, deixando 228 mortos, voltou a mexer com os sentimentos das famílias das vítimas. Quase dois anos após o acidente, parentes reclamam da falta de apoio e respeito por parte da companhia aérea e do governo francês, e cobram que a análise do equipamento seja feita por um "país neutro".
"Eles (França) respondem a processo. Não podem ser os responsáveis pela análise", afirmou a nutricionista Sylvie Mello, que perdeu o irmão e a cunhada, em viagem de lua de mel a Paris. Segundo ela, o resgate da caixa-preta não traz conforto para as famílias. "Para nós, o que tinha que acontecer, já aconteceu. A localização da caixa pode significar algo só para o futuro, para evitar ocorrências do tipo", disse.
Sylvie conta que a família recebeu com tristeza a informação da ministra francesa dos Transportes, Nathalie Kosciusko-Morizet, de que os corpos encontrados serão levados primeiro para a França, e não para o Brasil. "Minha família está toda em choque. Meu pai, minha mãe. Tenho familiares em depressão. Daí, com esta notícia, surgem várias perguntas: será que os corpos deles (irmão e cunhada) serão resgatados? Será que vão ser os dois, ou um só?"
“MEROS OBJETOS” - A nutricionista critica a prioridade, nas buscas, ao resgate das caixas-pretas, e cobra uma preocupação maior com a procura dos restos mortais. "Eles tratam os corpos como meros objetos, como se fossem malas, e não vítimas", disse.
A fotógrafa brasileira Alexandra Salvador, que perdeu o noivo, o diplomata suíço Ronald Dreyer, faz questão de não acompanhar as notícias a respeito dos desdobramentos da tragédia. Ainda assim, ficou sabendo do resgate da caixa-preta. "Tomo conhecimento pelos amigos, que se preocupam mas, sinceramente, estou muito desgastada com isso tudo. São dois anos", disse.
Decepcionada com o tratamento que tem recebido do governo francês e da Air France, Alexandra considera a localização do equipamento "mais uma ação de marketing, tudo parte de um 'circo' criado pelo BEA" (Escritório de Investigações e Análise para a Aviação Civil), órgão do governo francês. "Se puderem ser punidos, bem, mas já não acompanho tudo isso."
Equipes francesas prosseguiram ontem, no Atlântico, as buscas à segunda caixa-preta do do avião, o Cockpit Voice Recorder (CVR), cujo conteúdo é considerado "essencial" pelo BEA, órgão francês responsável pela apuração das causas do acidente.
Um dia depois de localizar a primeira das caixas-pretas, o Flight Data Recorder (FDR), com dados eletrônicos do voo, os investigadores vasculham o local do acidente em busca dos diálogos travados pela tripulação, que podem esclarecer as reações dos pilotos.
Até ontem, segundo indicou a porta-voz do BEA, Martine Del Bono, nenhum pista da segunda caixa-preta havia sido localizada.
Especialistas esperançosos
De acordo com o diretor do BEA, Jean-Paul Troadec, os dados do Cockpit Voice Recorder (CVR) são complementares aos do Flight Data Recorder (FDR) em uma investigação sobre as causas de um acidente aéreo. "Sem os dados do sistema CVR, nos faltariam informações essenciais: a maneira como os pilotos reagiram, as razões de terem tomado tal decisão frente à urgência", citou Troadec.
O diretor voltou a afirmar que o estado exterior do gravador localizado é bom, mas que ainda não sabe se as informações foram preservadas. "A certificação do FDR não garante que ele resista tanto tempo embaixo d'água, mas nossos experts acreditam que existem chances de que possamos explorá-la, desde que não tenha havido corrosão”, acrescentou.
O que determinará se os dados poderão ou não ser recuperados é o estado do microchip localizado no interior da estrutura metálica. É nele que ficam armazenados os dados de um voo.
Os experts do BEA aguardam agora a transferência da primeira caixa-preta, que deve chegar a Paris dentro de oito a dez dias – previsão que pode variar de acordo com as condições meteorológicas no Atlântico. Ainda no domingo, o gravador encontrado foi lacrado em uma caixa pela Justiça da França, cujos representantes estão a bordo do navio Ile de Sein.
“HOMICÍDIO INVOLUNTÁRIO” - No lado externo da caixa, um selo foi colado sobre uma etiqueta na qual se lê a expressão "Homicídio involuntário", uma referência ao processo que corre em Paris, no qual a Air France, companhia a qual pertencia o aparelho, e a Airbus, fabricante da aeronave, são rés.
Sobre o processo, Jean-Claude Guidicelli, advogado de algumas das famílias francesas que estavam entre as 228 vítimas do desastre, se disse cético ao comentar a recuperação da primeira das caixas-pretas. "Trata-se de uma operação de marketing para permitir à Air France e à Airbus de ocultar uma responsabilidade evidente", afirmou o advogado. Enquanto a investigação técnica avança, com a descoberta do FDR, a busca pelos corpos das vítimas ainda não começou, segundo confirmou Martine Del Bono.
SAIBA +
Militares franceses divulgaram imagens das operações de busca que encontraram uma das duas caixas-pretas do voo AF 447 da Air France. A caixa-preta localizada pelos investigadores é chamada de Flight Data Recorder (gravador de dados de voo, em inglês). Nela, estão os parâmetros técnicos do voo, dados como altitude, velocidade e trajetória do avião da Air France.
Essas informações são consideradas essenciais para descobrir o que causou a queda do avião que fazia a rota Rio de Janeiro-Paris em 2009. A descoberta do módulo e seu resgate ocorreram dois anos depois do acidente, após várias operações de buscas em uma área de 10 mil quilômetros. Esta nova fase de buscas, a quinta, foi iniciada em abril, a mais de mil quilômetros da costa brasileira.
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