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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

30 de janeiro de 2012 - VALOR ECONÔMICO


PRIMEIRA PÁGINA

PF na penúria
Vitima de cortes orçamentários, a Polícia Federal já não é mais a mesma. Sem poder realizar as

Empresas tentam reduzir endividamento excessivo
A fixação dos analistas de ações pelo resultado operacional das companhias muitas vezes deixa escapar o impacto que as despesas financeiras têm no lucro e, principalmente, no pagamento de dividendos aos acionistas. O peso da dívida poder ser muito relevante. Em levantamento baseado em dados da Economatica, o Valor identificou pelo menos sete casos de grandes empresas em que o lucro operacional desaparece após o reconhecimento do serviço da dívida

Anvisa dá força a genéricos de uso hospitalar
Uma das prioridades da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) neste ano é apressar a chegada de remédios genéricos de uso hospitalar ao mercado. A principal proposta é obrigar que os fabricantes que detêm a patente desses produtos facilitem a aquisição dos medicamentos para testes de bioequivalência. A medida vai garantir que as farmacêuticas possam fazer os testes necessários para o registro de genéricos e similares para tratamentos de alto custo ou com poucas alternativas terapêuticas disponíveis. Segundo a agência, já houve casos de atrasos de até um ano para que um medicamento voltado para oncologia chegasse ao mercado por bloqueio de fabricantes. O projeto está em fase de consulta pública

Fed levanta dúvida sobre suas metas
O Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, ficou um pouco mais transparente com o anúncio de que perseguirá uma inflação de 2% a longo prazo. Mas não dissipou as suspeitas de segmentos do mercado financeiro de que poderá relegar a estabilidade de preços a um segundo plano para tentar reanimar a economia americana

Um freio na importação de orgânicos
Varejistas como Pão de Açúcar e Casa Santa Luzia interromperam as importações ou reduziram drasticamente suas compras externas de produtos orgânicos. Norma do Ministério da Agricultura, válida desde 1º de janeiro de 2011, quando foi feita a regulamentação nacional dos orgânicos, tornou obrigatória a certificação a partir de critérios de produção específicos para o mercado brasileiro. Dessa forma, para chegar ao país, os exportadores estrangeiros têm de pagar pela certificação local. "Eles não querem arcar com o custo de uma segunda certificação. Simplesmente paramos de importar", diz Leonardo Myao, diretor comercial do segmento de frutas, legumes e verduras do Pão de Açúcar

Com privatizações, Dilma quebra tabu no PT
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva abortou pessoalmente dois planos desenhados por seus auxiliares para abrir os aeroportos para a iniciativa privada. Em 2008, vetou estudos do BNDES para eventual privatização da Infraero. Em 2009, o governo trabalhou firmemente na concessão do Galeão e de Viracopos, mas Lula vetou de novo o projeto

EDITORIAL
Cuba e as ambiguidades da política externa brasileira

A concessão de visto de entrada no Brasil para a dissidente cubana Yoani Sanchez mostra como o governo, quando motivado, pode reduzir a ambiguidade que marca a diplomacia nacional em matéria de direitos humanos. Se, além da tácita aprovação do governo cubano para o visto, o governo brasileiro tiver conseguido a inédita autorização para saída de Yoani do país, o governo brasileiro terá demonstrado na prática seu argumento sobre a superioridade das negociações discretas em lugar da pressão escancarada sobre governos "amigos" que não respeitam as liberdades individuais.
Com o visto a Yoani, o governo claramente busca desocupar o palco durante a visita da presidente Dilma Rousseff a Cuba, para que possa brilhar o roteiro econômico programado para a viagem: empréstimos para obras de infra-estrutura a cargo de uma grande empresa brasileira, linhas de crédito para compra de alimentos "made in Brasil" pelos cubanos, apoio do Palácio do Planalto às pálidas reformas econômicas liberalizantes prometidas pela administração de Raúl Castro.
Sem declarações infelizes sobre dissidentes, como a comparação com criminosos comuns feitas no governo passado, e com o sinal verde para a visita de uma das dissidentes cubanas mais populares no exterior, Dilma imagina equilibrar-se entre a tradicional política de não intervenção em assuntos internos defendida pelo Itamaraty e a necessidade de dar uma resposta aos que cobram seu anunciado compromisso com os direitos humanos - assunto que quer evitar durante a visita.
Não é apenas um tema político; também está em jogo a marca Brasil, em um mundo onde grandes empresas brasileiras com atuação global começam a sentir a pressão de organizações não governamentais, que as acusam de desrespeito a direitos humanos ou ao meio ambiente.
O esforço para constranger empresas de ação mundial com etiquetas pouco lisonjeiras atende a preocupações legítimas da chamada sociedade civil internacional, mas também serve a interesses dos competidores internacionais das mesmas companhias, em sua disputa pela simpatia dos políticos e da opinião pública. Pintar a imagem do Brasil com cores desfavoráveis facilita o trabalho de quem procura apontar o setor privado brasileiro como influência nociva - seja ao meio ambiente, seja aos direitos humanos, seja a alguma outra grande causa internacional.
A surpresa com que foi recebido o visto a Yoani revela, por um lado, desconhecimento da ação do Itamaraty, que não tinha justificativa para fazer o contrário, e também não negou visto a outro dissidente famoso, o Dalai Lama, apesar de gigantesca pressão contrária da diplomacia chinesa. Não havia razão para negar a entrada de Yoani como não havia contra o líder religioso, que, aliás, passou sem alarido por território brasileiro no ano passado. O assombro com o visto à cubana mostra como ainda é ambígua a imagem do governo em matéria de direitos humanos, até dentro do Brasil, quando se trata de questões delicadas para governos aliados.
Dilma não deve dar destaque à questão dos direitos humanos, nem pretende receber em Havana os grupos de dissidentes que pediram um encontro com ela. O governo argumenta que, dessa forma, mantém boas relações com o governo na ilha e pode exercer com mais eficiência uma influência benigna na liberalização do modelo cubano. A presidente não esconde que esse raciocínio não está isento de simpatia pelos governantes cubanos, especialmente pelo ditador aposentado Fidel Castro, a quem ela pediu audiência.
Queira ou não Dilma não escapará do tema dos direitos humanos, que faz parte da polêmica ideológica em torno da ilha e de seus dirigentes. Cuba é apenas o exemplo mais vistoso de um dilema que o governo brasileiro já enfrenta e enfrentará com frequência crescente ao apoiar a ação de empresas brasileiras em países com ditaduras escancaradas e longevas, como a de Cuba. Se não deseja firmar uma imagem de país sem valores essenciais a não ser o desejo de expansão comercial, não bastará ao Brasil conceder vistos diplomáticos a estrangeiros em desgraça ou acusar de hipocrisia e seletividade as grandes potências que endossam as críticas aos parceiros do Brasil no mundo.

OPINIÃO
Como a Europa pode voltar ao trabalho

Klaus F. Zimmermann

Sem sombra de dúvida, a reforma dos mercados de trabalho é a parte mais crítica do processo de reforma na zona do euro e em toda a União Europeia. Somente medidas bem-sucedidas nessa área poderão induzir uma recuperação duradoura e focada no futuro da Europa. Os chefes de Estado europeus têm uma excelente oportunidade para focar sua reunião de cúpula de hoje em estratégias para reduzir o desemprego.
Embora o objetivo seja claro - o crescimento deve ser estimulado em todos os países e o desemprego precisa encolher - é preciso resistir à tentação de acreditar na existência de alguma solução de "tamanho único". Longe disso. Cada país pode, e cada país deve, desenvolver sua própria estratégia para reforma do mercado de trabalho. Cada país, e não Bruxelas ou qualquer outra pessoa, é, portanto, responsável por seu próprio destino. E isso tem uma razão muito simples. As condições, necessidades, opções e desafios do mercado de trabalho, são distintas, em cada país, muitas vezes significativamente, em diferentes países.
Alguns países têm um componente muito grande do setor de serviços em sua economia nacional e, portanto, dependem em grande parte da demanda doméstica. Outros dependem fortemente de exportações e devem preparar-se contra um possível desaquecimento nessa frente. Existem, ainda, aqueles que ainda precisam evoluir de uma dependência excessiva de estruturas agrárias. E outros, ainda, precisam concentrar-se principalmente em reduzir os enormes níveis de desemprego juvenil.
Porém mesmo países onde o desemprego já é bastante baixo, como a Alemanha, têm de lidar com sérios desafios. Uma força de trabalho em encolhimento e pressões sobre os sistemas de seguridade social sugerem incentivos para adiar a idade de aposentadoria e fazer muito mais para integrar as mulheres na força de trabalho. Essa é uma área onde a França e os países escandinavos têm dado exemplos notáveis de como fazer a coisa certa.
E embora não caiba à Comissão Europeia em Bruxelas prescrever qualquer caminho específico e, possivelmente, até mesmo uniforme, de reforma, há um papel útil que a Comissão poderia desempenhar. Ela deveria acompanhar e incentivar o progresso dos países quanto à liberalização do mercado de trabalho e criação de novos empregos. Incentivar mudanças positivas seria um uso verdadeiramente construtivo dos recursos de controle da Comissão. A mentalidade atual - obcecada com o desempenho orçamentário dos países e a imposição de sanções a países que já se encontram em graves dificuldades fiscais - tende a ser contraproducente.
Especificamente, a Comissão Europeia pode melhorar a mobilidade laboral na Europa, promovendo colaborações entre os birôs de trabalho nacionais para intercambiar informações sobre vagas e trabalhadores interessados e criar o extremamente necessário mercado de trabalho online europeu. Uma mobilidade muito maior da mão de obra dos trabalhadores europeus é a chave para gerar crescimento adicional mediante redução do desperdício de recursos humanos. Da mesma forma, nós, europeus, podemos falar um total de 23 línguas oficiais na UE, mas isso não deveria nos impedir de fazer muito mais para reconhecer os certificados de treinamento profissional de uma forma muito mais aberta de outros países.
Nesse aspecto, a Alemanha pode se tornar um centro precoce de atenção e reforma. Por causa do crescimento econômico sustentado, o mercado de trabalho alemão está se aproximando do pleno emprego. Com o gradual declínio da população total do país, as chances são de que haverá mais empregos a serem preenchidos, na Alemanha, no futuro, do que o número de novos trabalhadores que entram no mercado de trabalho a cada ano. Ao mesmo tempo, os alemães têm estado na vanguarda daqueles particularmente preocupados em ter o certificado "apropriado" de formação para novos funcionários.
Não posso imaginar que num mercado de trabalho de 500 milhões de pessoas, com muitos jovens sem um emprego, os empregadores alemães não conseguiriam encontrar pessoal adequado em outros países. Na era de mídias sociais e do Skype, não é muito difícil selecionar talentos, mesmo a longas distâncias. A médio prazo, essa é uma estratégia de RH muito mais produtiva, para as grandes empresas, do que a prática em que estão começando a se envolver: tentar usar caça-talentos para roubar uns dos outros jovens profissionais que estão apenas em seu primeiro emprego. Esse é, efetivamente, um jogo de soma zero.
Uma mentalidade mais arejada e internacional também seria um elemento poderoso rumo à eventual criação de economias mais dinâmicas nos países de origem dos migrantes. Tomemos o exemplo da Turquia. Embora o país não seja sequer membro da UE e a barreira de idioma seja certamente alta, a Turquia tornou-se uma economia manufatureira muito atraente. Uma parte fundamental do dinamismo recém-redescoberto baseia-se na transferência de competências dos trabalhadores turcos que trabalhavam na Alemanha antes de retornarem a seu país e criarem pequenas empresas. Desnecessário dizer que os 27 países da UE deveriam fazer, cada um em relação aos outros, o que a Alemanha e Turquia fizeram, juntas, durante as últimas décadas, sem qualquer ato de planejamento governamental.
Levar honestamente em conta particularmente as necessidades e responsabilidades do norte da Europa também nos leva a pensar muito diferentemente sobre o Norte da África, especialmente as pessoas com formação superior na Tunísia ou no Egito. Falamos muito sobre o rápido envelhecimento na Europa. Enquanto isso, a idade média no Egito é de 24 anos e na Tunísia de 29,7 anos.
Se o exemplo turco demonstrou alguma coisa é que ambos os lados podem se beneficiar, mesmo de formas inesperadas, do processo de intercâmbio. Esse exemplo nos ensina que devemos abrir nossos olhos para o potencial. O fato de as estratégias destinadas a suprir as necessidades de nossos mercados de trabalho precisarem também se alinhar muito bem com a estratégia da União Europeia em matéria de política externa certamente não fará mal algum. (Tradução de Sergio Blum)
Klaus F. Zimmermann é diretor do IZA, Instituto para o Estudo de Trabalho, Bonn, Alemanha

COLUNAS
Sergio Leo
Com olhos na Argentina

A presidente Dilma Rousseff viaja a Cuba nesta semana, incomodada porque, no Brasil, parece haver mais preocupação com a questão dos direitos humanos na ilha que com o possível papel do Brasil nas transformações liberalizantes do modelo econômico dirigido por Raúl Castro. Mas é ao Sul, e não no Caribe, que está o maior incômodo sentido no Palácio do Planalto. Há más notícias vindas da Argentina, e elas podem ficar piores.
No governo e na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), sabe-se que os argentinos atravessarão dificuldades para fechar suas contas externas neste ano, de queda de preços nas commodities de exportação, quebra de safras com a seca e retração de mercados mundiais. Nos últimos dias, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, pediu audiência à presidente argentina, Cristina Kirchner, e tem defendido a busca de alternativas para melhorar as contas de comércio na Argentina. Um estudo, realizado ainda no governo Luiz Inácio Lula da Silva, orienta as sugestões do executivo.
No governo Lula, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), chegou a fazer um levantamento sobre a competitividade argentina, na busca da desejada e ainda frustrada integração produtiva com o vizinho. Até hoje, apenas a indústria automotiva conseguiu êxito na integração dos parques produtivos de Brasil e Argentina, e mesmo essa enfrenta agora problemas nas linhas de montagem com os atrasos de entrega de peças provocado pelo protecionismo argentino. A ABDI chamou atenção para a competitiva indústria de petróleo e gás e para a incipiente e promissora indústria naval no país vizinho.
Não é por outra razão que esses dois exemplos têm sido citados por Skaf. Mas o estudo da ABDI mostrou obstáculos aos argentinos para se associar ao parque produtivo brasileiro de gás e petróleo ou fornecer embarcações: falta padrão comum de certificação, há requisitos técnicos divergentes e a legislação que privilegia fornecedores nacionais no Brasil teria de ser alterada para incluir empresas do país vizinho. A novidade é a postura da Fiesp, em busca de acordo com a Argentina - negligenciada pela indústria brasileira em favor de mercados mais promissores, segundo admitiram empresários paulistas reunidos há duas semanas na sede da federação.
Duas vozes foram importantes para garantir o tom conciliatório na Fiesp: o diretor de Relações Internacionais e Comércio Exterior, Roberto Giannetti, e o consultor e ex-secretário de Comércio Exterior no governo Lula Welber Barral.
A boa vontade não é consensual, porém. Executivos do setor de calçados, furiosos com as constantes retenções indevidas de mercadorias nas alfândegas, acusam a Argentina de não cumprir acordos, como o firmado pelo setor para uma cota informal de exportações àquele mercado.
Os conflitos comerciais apartam os parques produtivos e desencorajam empresários que poderiam sentir atração pela soma dos dois mercados. Como o estudo da ABDI, há outras iniciativas ensaiadas no governo Lula - como um projeto para financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para empresas argentinas - que acabaram paralisadas com a falta de sintonia entre os dois governos. Não bastassem as divergências entre as equipes econômicas, é palpável a falta de paciência de Dilma Rousseff com Cristina Kirchner.
Analistas argentinos reparam que as medidas protecionistas no Brasil, ao contrário das adotadas pelo governo Kirchner, não criaram incertezas nem interromperam as cadeias de fornecimento nacionais, e cuidaram de preservar os sócios do Mercosul. A Argentina não cogita isentar o Brasil das restrições de entrada de mercadorias; está premida pela carência de divisas para cumprir suas obrigações internacionais. Como avaliou uma consultoria argentina, para a Fiesp, um superávit comercial inferior a US$ 5 bilhões levaria o país à bancarrota.
Os problemas argentinos, como os dançarinos, no tango, vêm em dupla: a encrenca econômica anda abraçada à política, que complica a interlocução com o país vizinho. Difícil saber com quem afinar os passos: o encarregado do mais recente controle sobre importações, Ricardo Echegarray, presidente da Anfip (a Receita Federal argentina) recebeu caneladas do poderoso secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, que andou se estranhando com o vice-presidente Amado Boudou e disputa influência no governo com o outrora influente ministro de Planejamento e Investimento Público Júlio de Vido.
Echegarray divulgou as normas para a declaração antecipada que, a partir de 1º de fevereiro, todos importadores terão de entregar à Anfip para ter liberada a entrada das mercadorias no país em um prazo que prometeu não ser superior a dez dias corridos. Moreno telefonou a dirigentes de associações empresariais exigindo que os importadores lhe mandem por e-mail um formulário diferente do da Anfip com dados pormenorizados sobre o que querem importar; e informou que deve levar até quinze dias úteis para analisar os dados, até porque tem só oito funcionários para a tarefa.
Boudou entrou em cena, em entrevista para uma rádio local, para dizer que ninguém precisa mandar nenhum e-mail a Moreno, pois a Anfip será a "janela única" para informar ao governo.
Boudou também andou eriçando sensibilidades com declarações sobre um possível terceiro mandato para Cristina - o que alguns interpretaram como uma tentativa de abafar a disputa já existente entre peronistas, para saber quem sucederá a presidente. É nesse ambiente movediço que o Brasil quer evitar novas barreiras ao comércio bilateral. Cada passo exigirá muito ensaio, e os calos são muitos; será quase impossível não pisar em algum.
Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras

POLITICA
Dilma fortalece Casa Civil e amplia atuação da Junta Orçamentária

Por Fernando Exman | De Brasília
Passado o primeiro ano de seu mandato, a presidente Dilma Rousseff decidiu mudar a forma de tocar a máquina pública. O freio de arrumação, que busca uma maior eficiência e um melhor desempenho, foi feito nos encontros setoriais realizados nos últimos dias e na reunião ministerial promovida na segunda-feira. Como saldo, o governo federal deve ter a partir de agora mais reuniões temáticas envolvendo os diversos atores do Executivo e de empresas públicas, uma Casa Civil mais forte e uma Junta Orçamentária atuante.
"A ideia é desenvolver a cultura da performance, do desempenho e da accountability. É uma lógica menos discursiva e mais voltada à gestão", comentou uma autoridade do Palácio do Planalto, acrescentando que, embora seja óbvio na iniciativa privada, isso muitas vezes não é visto no setor público. "Os ministérios têm que ter capacidade de prestar contas de seus trabalhos."
Em 2011, a presidente dividiu o governo em quatro grandes eixos: infraestrutura, erradicação da pobreza extrema, desenvolvimento econômico e direitos e cidadania. No Palácio do Planalto, entretanto, a avaliação é de que esse modelo não funcionou como o imaginado.
Os investimentos em infraestrutura, por exemplo, não ocorreram no ritmo esperado. O governo estima que a segunda edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) investirá R$ 955 bilhões entre 2011 e 2014, mas até setembro do ano passado apenas R$ 143,6 bilhões haviam sido executados. Desse total, R$ 13,2 bilhões saíram do Orçamento Geral da União e R$ 41,4 bilhões das empresas estatais.
Na área de erradicação da miséria, o Ministério do Desenvolvimento Social bateu a meta fixada para a implementação do programa Brasil Sem Miséria. Mas sobraram críticas à atuação do Ministério do Desenvolvimento Agrário. O eixo de cidadania e relacionamento com os movimentos sociais, tocado pelo ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência), tem recebido elogios no governo. Por outro lado, Dilma já cobrou de integrantes do eixo de desenvolvimento econômico novas medidas de incentivo à indústria e às exportações.
A demanda foi feita durante as reuniões sobre o cenário econômico para 2012 e políticas de crédito e financiamento, que fizeram parte da maratona de encontros setoriais promovida por Dilma na semana passada. Também foram realizadas reuniões sobre a organização de grandes eventos internacionais pelo Brasil, como a Copa de 2014, a Olimpíada de 2016 e a cúpula sobre desenvolvimento sustentável Rio+20, energia, segurança pública, defesa nacional, educação e saúde.
A presidente gostou desse modelo, que promoveu debates intensos entre ministros, presidentes de bancos públicos, da Autoridade Pública Olímpica e outros órgãos federais, atores convocados para participar apenas das reuniões em que poderiam contribuir diretamente. Como resultado, sinalizou aos seus subordinados que pretende "sistematizar" a prática, intensificá-la e fazer novas rodadas dessas reuniões temáticas a cada três meses. Assim, poderá analisar os detalhes do que for feito, verificar os dados incluídos nos sistemas de monitoramento da Casa Civil, checar se as metas fixadas previamente foram cumpridas e distribuir novas tarefas para que os objetivos prioritários definidas para 2012 sejam alcançados.
"As reuniões setoriais e os despachos coletivos eliminam as situações em que um ministro fica jogando a responsabilidade para outro. O ministro tem a oportunidade de falar ou se calar para sempre", explicou um interlocutor da presidente.
Nas palavras de auxiliares de Dilma, a atitude deve-se ao fato de a presidente conhecer os desafios de cada Pasta, característica de quem "está no governo federal há nove anos" e chefiou a Casa Civil entre 2005 e 2010 na administração Luiz Inácio Lula da Silva. Mas essa não foi a única medida influenciada pela experiência adquirida por Dilma na Casa Civil.
Outra delas foi o recado dado aos ministros de que não discutirá diretamente com eles a qualquer momento a elaboração de projetos de lei, propostas de emenda à Constituição e decretos. Primeiro, ressaltou, esses assuntos devem passar pela Casa Civil. Se por um lado Gleisi tende a se fortalecer no governo e ganhar maior autoridade junto aos seus colegas de Esplanada de Ministério, por outro Dilma cria um anteparo e evita que ministros tentem debater com ela assuntos que não constem da pauta de seus despachos ou ainda não estejam maduros dentro do governo.
Dilma também informou aos ministros que nenhum novo projeto será inserido no PAC sem o crivo da Junta Orçamentária. O colegiado, formado pelos ministros da Casa Civil, Fazenda e Planejamento e teoricamente responsável pelas definições relativas à liberação de verbas para obras e demais despesas do governo, já foi palco de disputas de poder entre a então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff e o então ministro da Fazenda Antonio Palocci.
Até agora, a Junta Orçamentária vinha perdendo importância no governo Dilma. Mas a presidente quer novamente evitar que ministros tentem levar diretamente suas ideias ao gabinete presidencial, o que ocorria no governo Lula, ou rotulem como obras do PAC projetos que não foram originalmente incluídos no programa. O interesse de emplacar novos projetos como empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento deve ser grande neste ano. Em seu esforço para elevar os investimentos para impulsionar o crescimento da economia, o governo decidiu poupar o PAC e o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida dos cortes do Orçamento que em breve serão anunciados.
BRASIL
Para o Brasil, ONU deve coordenar reconstrução do Haiti

Por De Havana

A presidente Dilma Rousseff deve ficar menos de oito horas no Haiti, após deixar Havana, no dia 1º de fevereiro, mas a expectativa é que ela faça um firme pronunciamento em relação ao futuro da missão de paz das Nações Unidas (Minustah), aquartelada no país sob comando das Forças Armadas do Brasil.
Na avaliação do governo brasileiro, o problema de segurança no Haiti já não é crônico e o momento é oportuno para a ONU começar a organizar um esforço efetivo dos países ricos em torno de um projeto de reconstrução institucional e material do país.
O essencial, de acordo com fontes ligadas à missão brasileira, é que as forças de paz deixem o país quando o Haiti tiver as mínimas condições para caminhar com as próprias pernas. Na prática, isso demanda construir a infraestrutura - ou reconstruir o que havia antes do terremoto de 2010 - básica do país. Isso significa desde a capacitação institucional, como a criação de uma nova força policial e projetos de segurança alimentar até a construção de hospitais e usinas de energia.
A presidente vai assinar um convênio com os haitianos na área de assistência de saúde, projeto a ser tocado por médicos cubanos. No que se refere à infraestrutura, Dilma deve lançar a pedra fundamental de uma usina hidrelétrica a ser construída com financiamento brasileiro, promessa antiga que pode ganhar corpo agora dentro de um projeto de financiamento da reconstrução, organizado e comandado pelas Nações Unidas.
Após o terremoto que há dois anos devastou Porto Príncipe, a capital haitiana, os países ricos se comprometeram a enviar algo em torno de US$ 2 bilhões para projetos de reconstrução. No entanto, a instabilidade política haitiana levou os países e autoridades envolvidas com o projeto, como o ex-presidente americano Bill Clinton, a recuar. Havia o receio de que o dinheiro, assim como parte da ajuda humanitária enviada ao país após o tremor de terra, pudesse ser desviado.
Desde então, no entanto, os brasileiros avaliam que houve avanços institucionais. Há cerca de um ano, o cantor popular Michel Martelly foi eleito presidente da República, com a transição de um governo democraticamente eleito para outro, de oposição. No fim do ano passado, o Congresso haitiano aprovou o programa de governo e o gabinete do primeiro-ministro.
A própria ONU avalia que a situação de segurança no país já permite o início de retirada das tropas adicionais autorizadas após o terremoto de 2010. O contingente militar, de 8.940 homens, foi recentemente reduzido para 7.340; o contingente policial, que contava com 4.391 pessoas, voltou para o nível de antes de terremoto - 3.241.
As próximas reduções de contingente serão feitas com base na situação de segurança local, que o governo brasileiro considera sob controle. Isso quer dizer que, na prática, o poder das gangues que infestavam a capital foi desmantelado e o crime no Haiti poderia ser controlado por uma nova polícia nacional, como a que está sendo treinada e organizada pelo Brasil.
Nessa situação, a avaliação que se faz em Brasília é que o presidente democraticamente eleito tem legitimidade para mediar a ajuda internacional para a reconstrução do Haiti.
Apesar de avaliar que há progressos na reconstrução institucional do país e "alívio da emergência humanitária gerada pelo terremoto", o governo brasileiro também ainda enxerga fatores de instabilidade e insegurança, principalmente aqueles que decorrem do desemprego e da precariedade em que ainda vivem cerca de 500 mil deslocados pelo terremoto. Os cálculos são que 4,6 milhões de haitianos se encontrem em situação de insegurança alimentar. (RC)

Secex e exportadores discutem regras para tradings

Por Tarso Veloso | De Brasília

As regras para a atuação das trading companies poderão se tornar mais simples a partir deste ano. Na sexta-feira, representantes da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento irão se reunir com membros de associações de exportadores para discutir a revisão do Decreto-Lei nº 1.248, de 1972, que disciplina as normas para o funcionamento dessas empresas. A intenção do governo, segundo apurou o Valor, é simplificar o processo de criação dessas companhias e facilitar a interação com os produtores.
"Queremos favorecer o elo entre tradings e pequenas empresas. É importante facilitar e garantir a participação dos pequenos. Nós queremos facilitar as primeiras exportações das pequenas empresas", diz a secretária de Comércio Exterior, Tatiana Prazeres. "As tradings foram consideradas intermediários por muito tempo e hoje seu papel é valorizado como o elo de ligação entre empresas de menor porte, sem experiência no mercado externo, com outros países. Queremos reforçar esse elo."
As exportações feitas pelas trading companies registraram, no ano passado, um ritmo de crescimento menor do que o das vendas externas totais do país. As tradings aumentaram os embarques em 19,3% no ano passado em relação a 2010, totalizando US$ 29,6 bilhões, abaixo do crescimento de 26,8% das exportações totais, que somaram US$ 256 bilhões.
Essa queda, diz Tatiana, não significa que o setor está enfraquecido. O crescimento das exportações das tradings no ano passado foi menor na comparação com 2010, mas foi o terceiro maior desde 2005. Entre 2005 e 2011, as tradings elevaram as vendas externas em 188,3%, passando de US$ 10,3 bilhões em 2005 para US$ 29,6 bilhões no ano passado. No mesmo intervalo, as exportações totais brasileiras aumentaram 116%.
As exportações das trading companies ficaram concentradas em produtos básicos no ano passado. Dos US$ 29,6 bilhões vendidos ao exterior em 2011, 87,1% foram desses itens. Os bens manufaturados representaram 8,4% do total e os semimanufaturados, 4,5%.
O valor de itens básicos exportados representou novo recorde histórico para o segmento, com crescimento de 19,3% sobre as vendas externas de 2010, US$ 24,7 bilhões. "Foi um ano importante para produtos básicos. Eles puxaram o ritmo das exportações. Um dos nossos desafios é contribuir para o aumento das exportações de manufaturados por tradings e incentivar as pequenas empresas a exportar por meio delas", explica Tatiana.
Na lista dos principais produtos básicos comercializados estão minério de ferro, soja em grãos, carne de frango, farelo de soja, milho em grão, carne bovina, carne suína, café em grãos e carne salgada. Entre os itens industrializados se destacam açúcar bruto, suco de laranja, preparações e conservas de carne de peru, café solúvel, tubos de ferro ou aço fundido e açúcar refinado.
A maior parte das mercadorias exportadas pelas tradings são originárias de Estados com atividades extrativistas e agrícolas. O Pará liderou as exportações por intermédio das trading em 2011, totalizando US$ 11,8 bilhões, 40,0% do total vendido. Também se destacaram Minas Gerais, US$ 4,7 bilhões, participação de 15,9%; Espírito Santo, US$ 4,2 bilhões (14,4%); Mato Grosso, US$ 2,4 bilhões (8,2%) e São Paulo, US$ 1,6 bilhão (5,4%).
As importações feitas pelas trading brasileiras, ao contrário das exportações, são compostas, quase na totalidade, por produtos manufaturados -95,4% das compras. No ano passado, os automóveis foram o principal item importado - US$ 2,1 bilhões, participação de 35,5% do total. Aparecem a seguir máquinas automáticas para processamento de dados, com US$ 249,3 milhões (4,1%), aparelhos transmissores e receptores de telefonia (US$ 244,6 milhões, 4,1%) e máquinas e aparelhos de terraplenagem - US$ 179,8 milhões, 3%.
A China foi o principal fornecedor das tradings brasileiras no ano passado, somando US$ 1,5 bilhão, valor equivalente a 25,1% das compras totais no ano. Na segunda posição está a Argentina, US$ 1,1 bilhão, participação de 18,7%.

Paraná pode atrair novos projetos

Por De Fazenda Rio Grande (PR)

O governador do Paraná, Beto Richa, disse que o Estado pode receber, nos próximos meses, investimentos privados que somam R$ 6 bilhões. O pronunciamento foi feito durante o início das obras da fábrica da japonesa Sumitomo na sexta-feira, mas o governador não deu detalhes das outras empresas.
Uma delas é a Klabin, maior fabricante brasileira de papéis para embalagens, que deve decidir sobre a implantação de uma nova fábrica de celulose ainda no primeiro trimestre de 2012, com investimento total estimado em US$ 3,8 bilhões. Outra candidata é a Foxconn, de tecnologia. O secretário de Indústria e Comércio do Paraná, Ricardo Barros, disse que está definindo uma agenda para viajar para Taiwan e fevereiro para melhorar as condições da proposta para que ela faça investimentos no Estado.

Arena Pernambuco será a mais 'elitizada' do Nordeste

Por Murillo Camarotto | Do Recife

A Odebrecht divulgou na semana passada a configuração interna da Arena Pernambuco, um dos quatros estádios do Nordeste que receberão jogos da Copa do Mundo de 2014. No projeto, o número de cadeiras destinadas ao torcedor de maior poder aquisitivo, seja em camarotes, cadeiras especiais ou congêneres, chega a um terço dos 46 mil lugares. O percentual é superior ao das arenas de Fortaleza e Salvador, onde esses lugares não passam de 10,5% do total.
O diretor de Investimentos do Consórcio Arena Pernambuco, Jayro Poggi, informou que a distribuição dos assentos foi definida com base em análises do mercado local, que incluíram pesquisas e entrevistas individuais e em grupo. Os estudos, segundo ele, identificaram uma demanda importante por acomodações mais sofisticadas. "Há um segmento bem amplo desse público que tem uma condição melhor e quer ter privacidade e acesso a serviços diferenciados. E tínhamos que atender a isso", explicou o executivo.
Quem quiser pagar mais terá à disposição 11,5 mil cadeiras especiais, mais espaçosas e com visão privilegiada do campo de jogo. Também estão previstos 1,6 mil lugares em camarotes e outros 1,9 mil em frisas, espécie de cercado com mesas e cadeiras onde os torcedores poderão ter acesso a serviços de alimentação, por exemplo. Ao todo serão 15 mil lugares "privê", ou 33% da capacidade da arena. No Castelão, em Fortaleza, serão 10,5%, contra apenas 7,5% da Arena Fonte Nova, em Salvador. Em Natal, as obras da Arena das Dunas estão atrasadas e ainda não houve definição.
Poggi informou também que cada setor do estádio terá mais de uma faixa de preço. Segundo ele, haverá pelos menos dez opções para quem quiser assistir futebol ou algum show musical na Arena Pernambuco, prevista para ficar pronta no final deste ano. Para a Copa do Mundo, o executivo lembrou que a FIFA tem autonomia absoluta sobre a comercialização dos bilhetes.
Um dos fatores que pode explicar a quantidade de acomodações "vip" é o contexto em que o estádio está inserido. Localizada no município de São Lourenço da Mata, região metropolitana do Recife, a Arena Pernambuco será a grande estrela da Cidade da Copa, projeto bilionário que está sendo erguido pela Odebrecht no conceito de "smart city " (cidade inteligente). Serão construídos edifícios residenciais de médio e alto padrão, universidades, shopping center e hipermercado, entre outros empreendimentos. O local também fica próximo das duas unidades pernambucanas da Alphaville Urbanismo, cujas vendas estão bastante aquecidas.
Além das questões mercadológicas, a maior presença de "áreas nobres" na Arena Pernambuco, quando comparada aos outros estádios do Nordeste, pode ter influências culturais. Na avaliação de estudiosos, há na sociedade pernambucana - com maior ênfase na parte de cima da pirâmide - uma tendência um pouco mais acentuada para a distinção espacial entre as classes sociais, herança que ficou dos tempos, não muito distantes, em que os senhores de engenho comandavam a política e a economia.
"O pernambucano, especialmente o da capital, se vê diferente dos demais cidadãos do Nordeste, devido a uma importância política e econômica que o Estado já teve nos tempos áureos do açúcar. É uma espécie de complexo da aristocracia frustrada", analisa o cientista social Tulio Velho Barreto, da Fundação Joaquim Nabuco. A perda de importância em nível nacional, ele avalia, pode estar por trás da constante necessidade de auto-afirmação de uma parcela dos pernambucanos.
"Salvador, por exemplo, tem um perfil social mais homogêneo que o de Recife, creio que por conta de nossa elite, que é um tanto mais segregacionista", analisou o estudioso, que também desenvolve pesquisas sobre as relações entre o futebol e a sociedade. "Com a ascensão das classes mais baixas, o rico vai buscar seu espaço. E o Recife parece ter uma elite mais disposta a ir ao estádio", completou.
Na mesma linha, a historiadora francesa Christine Dabat, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), observa que os padrões de distinção entre as classes sociais que foram estabelecidos pelo senhor de engenho continuam presentes. "É uma singularidade histórica essa configuração ideológica do que é ser pernambucano", afirmou a professora, que há 30 anos estuda os reflexos da cultura do açúcar em Pernambuco.
Faz parte do folclore local, por exemplo, ter na ponta da língua a lista dos símbolos da grandeza de Pernambuco, como a maior avenida em linha reta do mundo, o maior teatro a céu aberto do mundo e o maior bloco de carnaval do mundo, entre outras.

INTERNACIONAL
País desperta forte interesse em Davos

Por De Davos

O salão no Hotel Belvedere, em Davos, estava cheio de convidados do governo brasileiro. O alemão Eric Essiger, presidente da Emirates Capital, parecia não conhecer muita gente. Mas queria só uma coisa: saber como investir "muitas centenas de milhões de dólares"" no Brasil.
A Emirates Capital caça investimentos para seus clientes, incluindo fundos soberanos e empresas da Arábia Saudita, como ele contou. Seu objetivo é simples: com a Europa em crise e os investimentos rendendo pouco no velho continente, seus clientes querem investir dinheiro em minas de ouro e em aquisição de terras no Brasil, que são consideradas aplicações seguras.
Essiger acertou um encontro com o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Alessando Teixeira, para a semana que vem em Brasília. E reiterou que o montante do dinheiro depende do que o Brasil pode aceitar como investimento que a Emirates quer fazer. Despediu-se e partiu antes do fim do almoço.
Dois outros fundos de investimentos procuraram os representantes brasileiros para dizer que querem investir "mais de US$ 1 bilhão no Brasil. No encontro de sábado ao meio-dia, que a Apex (Agência de Promoção de Exportações) organizou, a impressão era de que todo mundo queria investir ou pelo menos vender para o Brasil.
No Fórum Mundial de Economia, o interesse pelo país foi forte entre participantes. Um debate sobre as perspectivas brasileiras gastou quase todo o tempo em elogios. O ministro da Defesa da Noruega, Espen Barth Eide, chegou a apontar semelhanças entre o modelo brasileiro, de crescimento com inclusão social, e o norueguês. Outro ministro escandinavo tinha sugerido para o Brasil deixar de ser modesto e contar mais ao mundo o que está fazendo.
A voz discordante veio com o professor americano Daniel Isenberg. Ele não aguentou, levantou-se quase no fim do debate para reclamar de autossatisfação dos brasileiros. E passou a apontar problemas como burocracia excessiva, insegurança, mercado de capital distorcido.
"Um fala que somos modestos, outro aponta autossatisfação. A verdade deve estar no meio", comentou rindo o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. Ele e Teixeira, do MDIC, foram incansáveis nas explicações sobre a situação brasileira, ao longo do fórum de Davos.
A presença brasileira terminou com uma "noite cultural" no Centro do Congresso, onde os líderes fazem seus discursos, que dificilmente a elite mundial esquecerá. Foi provavelmente a melhor festa promovida nos últimos anos em Davos. Sem exageros, elegante, com boa representatividade da culinária brasileira - de tapioca a feijoada, picanha e bobo de camarão -, um excelente balé (grupo Corpo, de Belo Horizonte), música variando de bossa nova e forró a samba e chorinho. E, para completar, imagens do Brasil passando nos telões, para admiração geral.
A equipe da Apex deu um show. E restou ao fim sempre a mesma indagação de participantes: "onde está sua presidente?". (AM)

Elite econômica deixa Davos menos pessimista sobre a crise na Europa

Por De Davos

A elite econômica e política mundial partiu de Davos, nos Alpes suíços, aparentemente menos pessimista do que na chegada. Mudou o sentimento sobre a crise da zona do euro, o principal foco de problema da economia mundial. Fala-se menos de iminente colapso do euro, e o foco agora é como e quando dar uma solução definitiva às turbulências provocadas pela dívida soberana de vários países.
A inundação de liquidez de €490 bilhões dada pelo Banco Central Europeu (BCE) a mais de 500 bancos, em dezembro, pode ter marcado o começo do fim da crise da zona do euro, na avaliação de alguns participantes. Não é a bazuca pedida pelo mercado, ou seja, um programa de ajuda financeira bem mais amplo do que a Alemanha e outros países aceitaram até agora autorizar, mas a crise pode ser resolvida sem ruptura.
O Fórum de Davos terminou ontem com os líderes empresariais dizendo que a criação de emprego, sobretudo para os jovens, é a principal prioridade. O capitalismo e o livre mercado devem ser mais sensíveis a questões sociais. Paul Polman, CEO da Unilever, declarou ser inaceitável que 200 milhoes de pessoas estejam desempregadas.
O fato é que a elite global parecia meio desmoralizada em Davos e precisamente sobre tema "o futuro do capitalismo". Um debate do gênero há alguns anos seria um escândalo. Desta vez, houve dois, organizados pela revista americana Time e pela BBC de Londres juntamente com o fórum, examinando como "corrigir o capitalismo".
"Os empresários perderam sua orientação moral"", afirmou a secretária-geral da Confederação Internacional de Sindicatos, Sharan Burrow. Quem reagiu foi David M. Rubenstein, um dos fundadores da private equity Carlyle Group, que embolsou cerca de US$ 400 milhões somente no ano passado. Ele defendeu o capitalismo como melhor sistema, e acha que, para assegurar que o sistema seja justo, é preciso melhorar leis e regulamentações, investir em educação e promover inovação.
O debate foi intenso sobre a crise, e opiniões para reinventar o capitalismo variaram desde controlar os pagamentos excessivos dos executivos a novos modelos de envolvimento do Estado para reduzir desigualdades e promover justiça.
Nouriel Roubini, professor da Stern School of Business, em Nova York, observou que o novo modelo de capitalismo de Estado também tem seus problemas, como a própria China reconhece, com desigualdades que alimentam a instabilidade política. Para Angel Gurria, secretário-geral da OCDE, entidade que reúne os países ricos, "o que precisamos é livrar o capitalismo de seu lado mais sombrio".
Sobre as economias emergentes, a avaliação é de que representarão 68% do crescimento mundial na próxima década. A balança de poder econômico é evidente em sua direção. Mas para Stephen Roach, professor na Yale University, o conceito de emergente descolando das economias desenvolvidas é irrelevante hoje. Mais importante é o de "resilientes"".
A China, como sempre, atraiu muita atenção. A avaliação nos debates foi de que a transição de poder neste ano em Pequim levará o país a se focar na estabilidade doméstica. A China tem 20% da população mundial, mas apenas 10% do PIB global. E a expectativa é de que o pais continuará reformando sua economia, privatizando também terras, para introduzir mais confiança no sistema. Pequenas e médias empresas locais procuram competir mais globalmente, tentando passar do "Made in China" para o "Criado na China"".
Fragilizadas pela crise, as autoridades europeias se sucederam em Davos para repetir que os progressos na zona do euro tem sido importante, que o velho continente ainda tem muito a oferecer e seu modelo social de mercado não está morto. Por exemplo, tem a maior "taxa per capita de prosperidade" - renda, direitos humanos, qualidade do ar, entre outros.
O futuro do poder dos EUA também esteve em discussão. Nita Lowey, deputada democrata de Nova York, avisou que os EUA estão determinados a manter sua força militar e ser o poder predominante no século XXI. Bob Corker, senador republicano do Tennessee, provocou alguns comentários irônicos, quando disse que os americanos não estão psicologicamente preparados para ter papel secundário nos assuntos globais.
Quanto ao Japão, o país continua se recuperando do tsunami do ano passado, que causou prejuízos de US$ 1 trilhão. (AM)

ESPECIAL
Depois de veto de Lula, aeroporto privado vira realidade com Dilma

Por Daniel Rittner e Fábio Pupo | De Brasília e São Paulo

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva abortou pessoalmente dois planos desenhados por seus auxiliares para abrir os aeroportos para a iniciativa privada. Em 2008, vetou estudos do BNDES para uma eventual privatização da Infraero, sugerida por empresários à então ministra Dilma Rousseff. Em 2009, o governo trabalhou firmemente no projeto de concessão do Galeão e de Viracopos, mas Lula vetou de novo a continuidade das discussões.
"Ele garantiu que honraria o compromisso de não fazer privatizações", recorda um ex-assessor que convivia com o petista no Palácio do Planalto, relativizando a magnitude dos leilões de rodovias federais realizados em sua gestão. Lula não queria perder o eixo do discurso explorado com insistência pelo PT nas últimas campanhas presidenciais: o "sucesso" das intervenções estatais contra o "liberalismo" tucano.
Nos primeiros meses de seu mandato, sob o fantasma de um vexame na Copa do Mundo de 2014 e buscando destravar investimentos necessários para atender a um crescimento da aviação comercial, que atingiu estratosféricos 118% nos últimos oito anos, Dilma decidiu romper um paradigma no PT e comprar a briga com os sindicatos. O resultado será transferir para a gestão privada dois dos aeroportos mais lucrativos do país - Guarulhos e Campinas -, além de Brasília, em leilão marcado para o próximo dia 6.
Segundo o governo, a escolha desses terminais para a concessão ocorreu por concentrarem a maior necessidade de investimentos para os próximos 30 anos para acompanhar a demanda. Hoje, os três aeroportos juntos movimentam 30% dos passageiros, 57% das cargas e 19% das aeronaves do sistema brasileiro.
"Ao fim desse processo, teremos quatro grandes operadoras aeroportuárias concorrendo entre si", explica Marcelo Guaranys, presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) - incluindo na conta a Infraero e ressaltando a regra que permite ao mesmo grupo privado arrematar somente uma concessão.
Influi, nos números, o peso gigantesco do aeroporto de Guarulhos, o mais lucrativo de todos. Ele integra o conjunto de apenas sete terminais lucrativos, de um total de 66 controlados pela Infraero. Considerando custos com depreciação, Guarulhos está no topo do ranking, com resultado líquido aproximado de R$ 190 milhões por ano. Campinas está em quarto lugar - depois de Congonhas e de Curitiba -, com R$ 17,9 milhões. Entre os 59 que dão resultado negativo, está o de Brasília - prejuízo anual de R$ 4,5 milhões.
Por isso, a Anac chegou a conceber um modelo em que aeroportos poderiam ser concedidos em bloco, reunindo lucrativos e deficitários em um mesmo grupo. Avaliava-se que alguns terminais menores, que hoje operam no vermelho, como Florianópolis, poderiam ser rentáveis com um "choque de gestão" da iniciativa privada. No fim, prevaleceu um formato pelo qual operadores privados assumirão os aeroportos mais estratégicos do país.
Guarulhos, o mais superlotado de toda a rede da Infraero, é a principal porta de entrada e saída do país e tenta há quase dez anos tirar do papel seu terceiro terminal de passageiros. Brasília, que também opera acima de sua capacidade, tornou-se um dos maiores centros de distribuição de voos domésticos. Viracopos, aposta do governo para o futuro da aviação brasileira, se transformará no maior aeroporto da América Latina em 2023.
Os vencedores do leilão precisarão entregar as obras da primeira fase dos contratos de concessão em 18 meses, o que inclui novos terminais de passageiros e pátios de aeronaves. "É um cronograma arriscado. Certamente precisaremos executar as obras em três turnos", afirma um alto executivo de uma construtora que participará do leilão.
O dilema das grandes empresas pode ser resumido da seguinte forma: as equipes de engenharia temem enfrentar problemas que ameacem o calendário - e gerem multas de R$ 150 milhões -, enquanto as áreas de novos negócios das empreiteiras veem boas perspectivas de retorno, se o desafio das primeiras obras for superado.
Dilma cercou-se de cuidados, políticos e técnicos, para levar adiante as concessões. Juntou uma equipe de tecnocratas conhecidos no governo pela obsessão por detalhes para tocar o plano. Nenhum deles tem carreira política. O time é encabeçado por um ex-diretor de infraestrutura do BNDES (o ministro Wagner Bittencourt), um ex-diretor do Banco Central (Gustavo do Vale, presidente da Infraero) e um economista de 34 anos, tido por colegas do Planalto como "jovem brilhante" (Guaranys).
Politicamente, o governo tomou o cuidado de banir o termo privatização de declarações públicas ou mesmo de conversas entre assessores. A ideia é enfatizar a diferença com as concessões feitas no governo Fernando Henrique Cardoso, como as de telefonia e as de ferrovias, frisando a participação de 49% da Infraero nas futuras operações de Guarulhos, Campinas e Brasília.
Outra precaução foi conceder uma série de benefícios aos empregados da Infraero. Quem migrar para as concessionárias privadas terá cinco anos de estabilidade e indenização de 1,2 salário por ano trabalhado na estatal.
Até o fim de março, o governo pretende concluir um plano de outorgas, que definirá quais aeroportos serão mantidos pela Infraero e aqueles que serão repassados a governos estaduais ou ao setor privado. É provável que o Galeão (RJ) e Confins (MG) estejam na segunda rodada de concessões, que dificilmente sairá em 2012.
Alexandre de Barros, um ex-diretor da Anac que agora dá aulas de engenharia de transportes na Universidade de Calgary (Canadá), vê um cenário de intensa competição, no médio prazo, entre cinco potenciais aeroportos privados. Brasília e Confins deverão concorrer como "hubs" de voos domésticos. Além de disputar os passageiros nacionais, os aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Galeão vão competir fortemente também pelos voos internacionais, acredita Barros.

Experiência internacional indica aumento das tarifas aeroportuárias

Por De Brasília

A privatização de aeroportos em outros países reúne uma coleção de experiências que guardam poucas semelhanças entre si. Há casos de venda em definitivo dos ativos (Reino Unido), de contratos de aluguel de terminais inteiros pelas companhias aéreas para gestão própria (Estados Unidos e Canadá), de concessão de toda a rede de aeroportos a uma única operadora (Argentina) e de divisão do sistema em grupos que juntam instalações rentáveis e deficitárias (México).
O modelo brasileiro não é inspirado em nenhum outro caso em particular, mas se aproxima da experiência australiana, na prática. A Austrália concedeu cada um de seus grandes aeroportos - Sidney, Melbourne e Brisbane - a empresas diferentes, que competem entre si por tráfego e para atrair bases operacionais das companhias aéreas, como centros de distribuição de passageiros em conexão. Há uma renegociação tarifária a cada cinco anos, como no Brasil, onde está prevista a aplicação de um "fator-X" para capturar os ganhos de produtividade em benefício dos passageiros. Entre as renegociações, as tarifas australianas são reajustadas de acordo com a inflação, mas é aplicado um desconto equivalente ao percentual de aumento esperado da demanda para cada um dos aeroportos.
Independentemente do modelo seguido, quase todas as experiências levaram ao mesmo lugar: aumento das tarifas aeroportuárias, segundo um estudo feito pela Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata). A entidade, que representa companhias aéreas de todo o planeta, checou a situação de 12 aeroportos internacionais concedidos à iniciativa privada.
O aeroporto de Atenas, por exemplo, erguido por conta da Olimpíada de 2004, chegou a ter um aumento de nada menos que 500% em sua tarifa em relação àquela cobrada pelo aeroporto antigo. No Peru, o aeroporto de Lima foi concedido sob a condição de que a concessionária pagasse royalties de 46% sobre sua receita bruta. O resultado foi o aumento de tarifas para o consumidor e para empresas aéreas.
"A experiência internacional demonstra que não existe uma receita de bolo para a concessão, mas algumas propostas do modelo brasileiro nos preocupam, como a cobrança de taxas sobre a receita de fontes não tarifárias, como os espaços comerciais do aeroporto e o arrendamento das áreas de dutos para abastecimento dos aviões", afirma Carlos Ebner, diretor da Iata no Brasil.
O arrendamento das áreas de combustível, segundo ele, costuma figurar como uma importante fonte de receita complementar do concessionário. Hoje a taxa cobrada da companhia aérea é de 1,1% do volume de combustível comprado. "O que nos preocupa é que isso não é regulado, como acontece com as taxas de embarque, por exemplo. Qualquer movimento de preço nesse tipo de serviço afeta as companhias aéreas, que automaticamente repassam o aumento para o preço das passagens aéreas."
O aprendizado de algumas concessões internacionais, segundo Ebner, também já demonstrou que o sucesso delas está diretamente ligado à capacidade de o concessionário usar parte de sua receita comercial para reduzir o preço das tarifas cobradas pelo aeroporto. "É isso o que torna um aeroporto mais competitivo, mas no modelo brasileiro há o problema de subsídio cruzado", comenta Ebner. "A receita comercial deve ir para um fundo nacional da aviação civil, ou seja, o dinheiro não volta para a melhoria daquele aeroporto, mas é distribuído entre vários."
Nos Estados Unidos, onde quase todos os grandes aeroportos são estatais, há acordos com empresas aéreas para a administração de terminais. Isso faz com que companhias como American, United, Delta e Continental tenham bases operacionais em determinadas cidades. Investimentos em ampliação da infraestrutura, no entanto, costumam ser feitos com dinheiro público.
"A diferença com o Brasil é que, nos Estados Unidos, não há lei de licitações nem concursos públicos. Isso dá, naturalmente, muito mais agilidade para acompanhar a demanda por investimento", diz Alexandre de Barros, professor de engenharia de transportes na Universidade de Calgary e ex-diretor da Anac. Da rede de aeroportos americanos, 33% são operados por autoridades municipais, como Atlanta; 30% por uma autoridade aeroportuária, com representantes de várias instâncias, como Washington; e 6% são geridos por consórcios intermunicipais, como Dallas/Forth Worth, transformado em base de operações da American Airlines.
A divisão da rede de aeroportos por grupos, com terminais rentáveis e deficitários em lotes iguais, foi uma opção estudada pelo governo brasileiro. O objetivo desse modelo, adotado no México, é evitar que apenas aeroportos lucrativos despertem interesse do setor privado e instalações menores deixem de receber investimentos. No caso mexicano, houve divisão em quatro grupos e só o aeroporto da capital, por onde passam 30% de todos os passageiros, continua sendo gerido pelo Estado. Outros 34 aeroportos foram distribuídos em três lotes, concedidos por 50 anos - renováveis por outros 50 - entre 1998 e 2000, com um terminal-âncora por grupo (com 5 milhões de passageiros/ano).
"A lição que podemos tirar do México é que os concessionários concentram seus investimentos nos aeroportos principais. Por mais que a regulação econômica crie incentivos para evitar isso, a tendência do investidor é procurar brechas no contrato para aplicar recursos no aeroporto que realmente lhe dá lucro", reconhece Alexandre de Barros. (DR e AB)

EMPRESAS & TECNOLOGIA
Anvisa quer maior acesso a genéricos

Por Mônica Scaramuzzo | De São Paulo

A expansão do mercado de medicamentos no Brasil nos últimos anos e as metas do governo federal de ampliar o acesso da população à saúde estão trazendo novos desafios para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Com uma estrutura enxuta, a agência sanitária brasileira concentra esforços em 2012 para acelerar a chegada de medicamentos genéricos de uso hospitalar no mercado e na eliminação de barreiras para facilitar o ingresso de produtos inovadores no país.
Em entrevista ao Valor, Dirceu Barbano, presidente da Anvisa, afirmou que a principal proposta da agência para agilizar o processo de genéricos de uso hospitalar é obrigar os fabricantes que detêm a patente desses produtos a facilitar a aquisição dos remédios para testes de bioequivalência. Essa medida garantirá que as farmacêuticas possam fazer os testes necessários para o registro de genéricos e similares para os tratamentos de alto custo que, hoje, têm poucas alternativas terapêuticas disponíveis.
Esse processo ainda está em fase de consulta pública e vai demorar cerca de 60 dias para ser concluído. O presidente da Anvisa explicou que boa parte dos laboratórios encontra barreiras para adquirir medicamentos de referência de uso hospitalar. "Incluímos dispositivos para obrigar quem detém o registro de referência a não criar obstáculos para a entrada do genérico do mercado." Essa aquisição é mais fácil para os medicamentos que são vendidos nas redes de varejo.
Odnir Finotti, presidente da Pró-Genéricos (Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos), comemora a iniciativa. "Muitos laboratórios bloqueiam as vendas desses produtos. Levamos nossa dificuldade à Anvisa porque não conseguíamos fazer os testes", disse.
Segundo Barbano, já houve casos de atrasos de até um ano para que um medicamento voltado para oncologia fosse colocado no mercado por conta dessas barreiras. A demora, em média, é de seis meses. Essas novas regras devem acelerar a entrada de concorrentes. "Com isso, antes mesmo do vencimento da patente, as empresas teriam condições de adquirir o produto para desenvolver o genérico e pedir o registro", disse.
O mercado de genéricos movimenta cerca de US$ 5,5 bilhões por ano, segundo Finotti. O de área hospitalar está estimado em cerca de US$ 6 bilhões, incluindo hospitais públicos, privados e clínicas, de acordo com dados preliminares da consultoria IMS Heath.
Outro ponto importante no segmento de genéricos e similares é que a partir de 2014 esses dois tipos medicamentos não terão mais diferença sob o ponto de vista técnico. "Em 2004, a Anvisa tinha um grande desafio que era decidir o que seriam feitos com os medicamentos similares. O similar é uma cópia do medicamento de referência [com patente]. Mas diferentemente do genérico, mantém uma marca", explicou.
Com a lei do genéricos, em 1999, os laboratórios são obrigados a desenvolver uma cópia idêntica do medicamento de referência e esse produto tem de passar por testes de bioequivalência para comprovar sua eficácia. Como o Brasil não tinha lei de patente para medicamentos, muitos remédios foram lançados no mercado, como cópias dos produtos de referência, mas comercializados com marcas, garantidos pela lei 6.360, de 1976. Em 2004, a Anvisa decidiu que todos os similares, para permanecerem no mercado, teriam de fazer testes, uma vez que não passaram por estudos clínicos, como forma de se estabelecer critérios de qualidade. "Definimos um prazo de adequação que vai até 2014. Cerca de 90% desses medicamentos já obedecem esses critérios", disse.
O desafio até 2014 será definir se os similares deverão ser intercambiáveis com os de referência, como ocorre com os genéricos. De acordo com a Anvisa, se um medicamento similar é prescrito pelo médico, não pode ser intercambiável. "O país vai ter de resolver o que vai fazer, mesmo porque, de fato, todos serão iguais", disse Barbano. Mas essa é uma questão legal, que foge do fórum da Anvisa. "A princípio, eles podem ser intercambiáveis", disse.
Ao Valor, Henrique Uchio Tada, diretor técnico executivo da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac), que representa os produtores de similares, disse que as empresas do setor vão discutir, nos próximos meses, se querem que seus produtos sejam intercambiáveis. "É uma questão estratégica de cada empresa."
Neste ano, a Anvisa também está olhando com mais atenção a área de dispositivos médicos, que teve impacto importante com o crescimento da economia. "Vamos participar de um fórum em Cingapura sobre equipamentos para saúde. A Anvisa fará parte de um comitê gestor para permitir que empresas tragam equipamentos para fabricar no Brasil e possam exportar."
Barbano reconhece a demora na análise de documentos, mas disse que a Anvisa está fazendo esforços internos, sem necessidade de investimento de pessoal. Ele lembra que a agência foi criada em 1999 e fez concurso público em 2004. "O volume de trabalho de todos os segmentos cresceu 20% por ano, nos últimos anos. Estamos empenhados em ganhar em eficiência e dar respostas porque atividade regulatória não pode ser empecilho em um momento ímpar da economia brasileira." Segundo ele, grande parte das decisões depende de técnicos. "Eles têm de analisar com cautela porque quando surge um problema, como ocorreu com os implantes mamários, a sociedade vai querer uma resposta."
Até o fim de abril, a Anvisa colocará em prática o registro eletrônico de dossiês, que passa a valer para os registros de novos medicamentos. Em uma segunda etapa entram os genéricos e similares.
A agência está estreitando acordos de cooperação com outros países para a troca de informações confidenciais sobre medicamentos. A Anvisa está em linha com as agências da Argentina, Colômbia e Cuba e mantém acordos bilaterais com os EUA, Canadá, França, Portugal, Suécia e China. "Há quase uma impossibilidade de informação de harmonização global de registros de produtos porque as leis regulatórias de cada país são diferentes. Nosso empenho é trabalhar na pesquisa de reconhecimento de capacidade de outro países." Segundo ele, a Anvisa levou à Organização Mundial da Saúde (OMS) a experiência brasileira de partilhar informações de relatórios de inspeções. O objetivo maior seria compartilhar os registros.

Italiana Atlantia se une a Bertin em rodovias

Por De São Paulo

O grupo Bertin está fechando parceria com o grupo italiano Atlantia para unir a administração das concessões de rodovias no Brasil que pertencem aos dois grupos. Segundo fontes próximas das negociações, juntas as duas empresas vão administrar cerca de 1.500 quilômetros espalhados pelos Estados de São Paulo e Minas Gerais e com faturamento bruto estimado próximo a R$ 1 bilhão. A concessão dos trechos Sul e Leste do Rodoanel não deve fazer parte do negócio.
A Atlantia é uma das maiores empresas de concessões rodoviárias do mundo e faturou em 2010 cerca de € 4 bilhões. A empresa gere 4,5 mil quilômetros de estradas na Itália, Polônia, Índia, Chile e Brasil. A empresa chegou ao país em 2010 quando adquiriu da Leão & Leão 50% da concessionária Triângulo do Sol, que administra cerca de 400 quilômetros de estradas em Minas Gerais. No ano passado, essa fatia da Atlantia chegou a 80% na Triângulo do Sol, que agora fará parte da joint venture firmada com o grupo Bertin.
Já o grupo Bertin vai colocar no negócio suas concessionárias Nascentes das Gerais, que fica no Estado de Minas, Rodovias das Colinas e Rodovias do Tietê, estas duas últimas no Estado de São Paulo. Juntas as concessões do Bertin somam mais de 1.000 quilômetros de estradas. A negociação também previa que o Rodoanel fizesse parte da joint venture mas acabou ficando de fora do negócio. (JG)

Odebrecht contrata haitianos para obras de Santo Antônio e Teles Pires

Por Josette Goulart | De São Paulo

Desde a segunda-feira passada, cerca de 40 haitianos que estavam refugiados em Brasiléia, no Acre, passaram a fazer parte dos quadros de funcionários da construtora Norberto Odebrecht. Apesar da dificuldade da língua, esses haitianos serão aproveitados na construção da hidrelétrica de Teles Pires, que está sendo erguida no Mato Grosso. A empreiteira é a única grande construtora que está contratando os imigrantes em suas obras de energia. Outros 50 haitianos já estão em fase de contratação para trabalharem na usina de Santo Antônio, em Porto Velho.
O diretor da Odebrecht Energia, Enio Silva, diz que essa ainda é uma fase de testes para perceber a adaptação desses funcionários, principalmente em termos de segurança em função da dificuldade de comunicação. A empresa estuda até mesmo a mudança das placas de sinalização. Os haitianos falam o crèole, ou crioulo haitiano, e não entendem nada de português. Por isso mesmo, eles passarão por uma fase de treinamento para identificar palavras de segurança em português. A construtora identificou entre os próprios imigrantes um tradutor que fala francês, crèole, português e espanhol.
A meta, segundo Silva, é contratar até 300 imigrantes haitianos. Esse número não chega a 2% de todo o efetivo hoje nas obras de energia da construtora. Além disso, outras empresas do grupo, com a ETH e a Odebrecht Infraestrutura, também estão contratando haitianos para suas obras.
A forte imigração que já trouxe ao país cerca de cinco mil haitianos, segundo dados extra-oficiais, e fez o governo brasileiro, neste início de ano, restringir a concessão de vistos. Desde 2010, cerca de 1.600 vistos foram concedidos e outros 2.400 estão em análise. Mas para entrar no Brasil, os haitianos terão agora que obter o visto antecipadamente e ficou restringido ao número de cem os vistos concedidos por mês. A imigração tem sido motivada pelo grande número de obras no Brasil e pelas dificuldades que os haitianos enfrentam desde o terremoto que devastou o país em 2010.
A questão tem sido delicada, apesar do forte crescimento do emprego no país, principalmente em função do elevado número de obras civis e de infraestrutura no Brasil. E há quem defenda que esses empregos devem ser ocupados sempre por mão de obra local. A Odebrecht, entretanto, não viu problemas em contratar esses imigrantes. Para as obras de Santo Antônio, a empresa está recrutando haitianos que já estão na cidade. Segundo Enio Silva, as igrejas e organizações que estão acolhendo essas pessoas em Porto Velho, estimam que cerca de 500 haitianos moram hoje na cidade.
As obras de Santo Antônio empregam hoje mais de 14 mil funcionários e em Teles Pires o efetivo chega a 1.700.

Maersk demonstra interesse nos ativos da Anadarko no Brasil

Por Assis Moreira | De Davos

O mercado do petróleo tem sido agitado nas últimas semanas por rumores de que três grandes companhias petroleiras europeias preparam-se para comprar os ativos da americana Anadarko Petroleum no Brasil, num negocio estimado em mais de US$ 3 bilhões.
Jakob Thomasen, presidente da dinamarquesa Maersk Oil, uma das três companhias que estariam interessadas, evitou em entrevista ao Valor, em Davos, confirmar o negócio alegando que não comenta "rumores".
Mas o executivo imediatamente explicitou dois pontos: primeiro, Maersk Oil quer se expandir no Brasil e não exclui aquisições. E segundo, "gosta" dos ativos que a americana Anadarko quer vender no pré-sal. "Os ativos que a Anadarko está vendendo são bons, estão próximos de alguns dos nossos blocos, e gostamos daqueles blocos", afirmou o executivo.
As informações publicadas na Europa são de que a Maersk, a francesa Total e a norueguesa Statoil fariam juntos uma oferta para aquisição de blocos da Anadarko até amanhã. A companhia americana contratou em setembro o Citigroup, Morgan Stanley e Scotia Waterous para coordenar a venda de seus blocos.
A Maersk tem seis blocos na bacia de Campos. A expectativa é de explorar mais onze poços este ano. Os investimentos previstos para o Brasil ficam por volta de US$ 200 milhoes em 2012 - sem eventual negocio envolvendo a Anadarko.
Como outras empresas, a dinamarquesa constata que o mercado aquecido no Brasil aumentou o custo de investimentos. Outra preocupação é com a exigência de conteúdo local nos equipamentos para exploração, inclusive, para o pré-sal.
"A ideia do conteúdo local é interessante, mas acho que todas as companhias no Brasil vão enfrentar o desafio de como executar os projetos", afirmou, em referência as dificuldades dos fornecedores na entrega de equipamentos necessários a exploração de petróleo.
Além do Brasil, a Maersk Oil produz petróleo e gás na Dinamarca, Noruega, Catar, Angola, Grã-Bretanha, Golfo do México e Cazaquistão. "O que fazemos é projeto robusto comercialmente, sem estar focados na volatilidade do preço do petróleo", afirmou Thomasen.

FINANÇAS
Guinada do Fed abre suspeita sobre postura mais tolerante com inflação

Por Alex Ribeiro | De Washington

O Fed (Federal Reserve, o banco central americano) ficou um pouco mais transparente com o anúncio de que perseguirá uma inflação de 2% no longo prazo. Mas não foi capaz de eliminar as suspeitas entre segmentos do mercado financeiro de que poderá relegar a estabilidade de preços a segundo plano para tentar reanimar a economia dos Estados Unidos.
A cotação do ouro subiu nos dois dias que se seguiram à decisão do Fed, acumulando valorização próxima de 10% em janeiro. O dólar caiu perante as principais moedas do mundo. Os títulos do Tesouro americano indexados à inflação mostram ganho de mais de 1,2% no mês, puxados pelo aumento de demanda de quem aposta numa aceleração dos índices de preços.
À primeira vista, todo esse medo da inflação parece desproporcional, já que o Fed, na prática, adotou uma âncora formal para sua política monetária, com o objetivo de 2% para a variação de preços. Mas, quando a decisão é vista em conjunto e em detalhe, o comprometimento com a estabilidade de preços é menor que parece.
O Fed também indicou que os juros seguirão próximos de zero até fins de 2014, e o presidente da instituição, Ben Bernanke, deixou uma porta aberta para mais medidas não-convencionais de estímulo, ante a fraca atividade econômica no país.
No comunicado divulgado ao mercado na semana passada, o Fed menciona que perseguirá um "objetivo" de 2% para a inflação de longo prazo. Definir um "objetivo" é algo mais suave do que se comprometer com uma meta. É verdade que, na entrevista coletiva que explicou a decisão, Bernanke chamou o "objetivo" de "meta". Mas negou que o Fed esteja adotando um regime de metas de inflação. Ele ratificou o mandato duplo de, ao mesmo tempo, buscar a estabilidade de preços e o máximo emprego.
Para especialistas, formalmente não é possível dizer que o Fed adotou um regime de metas de inflação, embora Bernanke seja um reconhecido defensor desse sistema. Para ter um regime de metas, não basta apenas ter uma meta, ou mesmo objetivo.
"O regime de metas de inflação tem como núcleo a ideia de que a inflação baixa no longo prazo é o único objetivo factível para um BC", afirma Marvin Goodfriends, professor de economia da Carnegie Mellon University, em Pittsburgh, e ex-assessor do Fed de Richmond. "A ideia por trás disso é que a melhor contribuição que o BC pode dar para um baixo desemprego no longo prazo é adotar como objetivo uma inflação baixa."
Ou seja, num legítimo regime de metas, o Fed teria que ter conferido mais peso para a inflação do que para o máximo emprego. Bernanke, porém, disse que a inflação baixa e o máximo emprego são dois objetivos com pesos iguais dentro das decisões de política monetária.
Goodfriends acha que a adoção de um objetivo inflacionário pelo Fed "não foi de muito benefício". Uma questão é que o Fed indicou, no mesmo anúncio, que manterá os juros virtualmente em zero por algum tempo. "Em outras palavras, a política monetária está sendo relaxada, tirando a atenção dos riscos inflacionários", afirma o professor. Ao mesmo tempo, anunciou um objetivo de 2% para o longo prazo, mas sem definir operacionalmente como buscá-la.
Muitos analistas econômicos acreditam que, desde a presidência de Alan Greenspan, o Fed segue num regime informal de metas de inflação, com objetivo entre 1,5% e 2% e compromisso primordial de garantir a estabilidade de preços. "O Fed já adotava na prática um regime flexível de metas de inflação, como muitos outros Bcs", afirma Donald Kohn, ex-vice-presidente do conselho de governadores do Fed, hoje pesquisador da Brookings Institution, um importante centro de estudos de Washington.
O comunicado divulgado pelo Fed, lembra ele, deixa claro que a inflação é um único objetivo quantitativo que a política monetária pode perseguir, já que o desemprego de longo prazo de uma economia depende de outros fatores, como estrutura do mercado de trabalho.
Banco Central libera compra de letras financeiras entre bancos

Por Vinícius Pinheiro | De São Paulo

O Banco Central deu sinal verde para que os bancos possam adquirir letras financeiras - títulos de dívida emitidos por bancos, semelhantes às debêntures das empresas - emitidas por outras instituições. O aval do BC, aliado ao aperto no compulsório sobre depósitos a prazo definido em dezembro, deve dar novo impulso às emissões de letras, cujo estoque soma R$ 156 bilhões.
A posição oficial confirma o entendimento que o BC já havia manifestado ao Valor em novembro passado. Havia uma dúvida no mercado se a operação poderia ser vista como concessão de funding entre bancos, o que é proibido pela legislação que trata do sistema financeiro nacional. À espera do esclarecimento do BC, a Cetip não permitia o registro desse tipo de operação, o que, na prática, inviabilizava qualquer negócio.
Com a liberação, a Cetip pretende liberar registro de negociação de letras entre bancos a partir do dia 2 de fevereiro. A única restrição agora é para a aquisição de letras financeiras emitidas por um banco que detenha participação superior a 10% de outro.
Na avaliação do diretor comercial da Cetip, Carlos Ratto, o parecer do BC mostra que havia, de fato, uma incerteza jurídica sobre o assunto. "Pode ter ficado uma falsa impressão de que a Cetip estava impondo uma restrição, quando uma de nossas funções é justamente trazer segurança para o mercado", afirma.
A expectativa é que a liberação destrave as ofertas públicas de letras financeiras, de acordo com o advogado António Aires, sócio da área bancária do escritório Demarest & Almeida. Agora, os bancos de investimento que coordenam as operações poderão conceder a chamada garantia firme - por meio da qual se comprometem a adquirir os papéis caso não encontrem investidores no mercado. Praticamente todas as emissões de títulos de renda fixa no mercado de capitais nacional são realizadas com o uso desse mecanismo.
Até o momento, apenas o Banco Daycoval e a RCI - financeira das montadoras Renault-Nissan - realizaram ofertas públicas de letras. Outras instituições, como o Banco PSA, da Peugeot Citroën, também se preparam para realizar captações públicas.
A liberação de compra de letras entre bancos deve estimular também as operações privadas, principalmente após as mudanças nas regras do compulsório sobre depósitos a prazo, em dezembro. Na norma, o BC permitiu que a aquisição de letras financeiras fosse deduzida do recolhimento do compulsório. Antes do ofício do BC, porém, as instituições só podiam comprar títulos de outras de algum investidor que se dispusesse a vendê-los no mercado secundário.
Com a solução do impasse sobre a negociação de letras entre bancos, o mercado aguarda agora outras medidas para aperfeiçoar as letras financeiras. Uma delas é o fim da proibição de cláusulas de resgate antecipado dos papéis. Embora a intenção tenha sido reforçar o caráter de longo prazo do instrumento, a regra dificulta a criação de compromissos (covenants) nas operações. "Essa restrição dificulta as colocações de letras no mercado", avalia Aires, do Demarest, que assessorou a emissão pública da RCI, a primeira realizada no mercado brasileiro.

INVESTIMENTOS
Juros queimam lucro

Por Fernando Torres | De São Paulo

A empresa de alimentos JBS acaba de concluir um processo de reestruturação de dívida por meio do qual pretende economizar cerca de R$ 350 milhões anuais em pagamento de juros.
A medida será relevante para a companhia, que faz parte de um grupo de empresas em que a conta financeira "consumiu" todo o ganho operacional gerado pelo negócio nos nove primeiros meses de 2011.
A fixação que os analistas de ações têm pelo resultado operacional das companhias muitas vezes deixa escapar o impacto que as despesas financeiras têm no lucro que sobra para recolhimento de impostos e, principalmente, pagamento de dividendos aos acionistas.
Mas em muitos casos ele pode ser relevante. Em levantamento feito com base em dados da Economatica, o Valor identificou pelo menos sete casos de grandes empresas em que o lucro operacional desaparece após o registro do serviço da dívida.
Juntas, as empresas de alimentos Marfrig, Minerva e JBS, as varejistas B2W e Globex e as companhias de infraestrutura Triunfo e Rede Energia tiveram lucro antes de impostos e resultado financeiro (Ebit, na sigla em inglês) de R$ 3,59 bilhões de janeiro a setembro do ano passado, o que equivale a 4,1% da receita obtida pelas companhias no mesmo período.
O mesmo grupo de empresas, no entanto, teve resultado financeiro líquido (já considerando as despesas e as receitas financeiras) negativo de R$ 5,17 bilhões, restando um saldo negativo de R$ 1,57 bilhão no lucro antes da incidência de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).
Em outras palavras, os credores ficaram com todo o resultado operacional gerado pelos ativos das companhias até setembro.
Entre elas, apenas a Minerva conseguiu apresentar saldo positivo na última linha do balanço no acumulado de janeiro a setembro, por conta de efeito fiscal.
Cada uma das sete empresas citadas apresentou essa situação no acumulado de janeiro a setembro, sendo que foram excluídas da amostra as companhias que claramente se enquadraram na mesma situação apenas por conta do efeito da alta de 18% do câmbio sobre a dívida em dólar no terceiro trimestre, como é o caso de Fibria, General Shopping, Braskem, Hypermarcas e Suzano.
Marfrig, Minerva e B2W tiveram resultado financeiro negativo maior que o lucro operacional nos três primeiros trimestres de 2011. No caso de Trunfo, JBS e Rede Energia, a situação se repetiu em dois trimestres. Na Globex, isso foi verdade no primeiro trimestre, enquanto no segundo a conta financeira consumiu 99% do Ebit e no terceiro trimestre a relação caiu para 94%.
O que a teoria e a prática mostram é que isso ocorre mesmo em empresas saudáveis durante os ciclos de investimento. As companhias tomam empréstimos, investem o dinheiro em novos projetos ou em aquisições no curto prazo, mas o retorno demora mais para aparecer.
Não existe uma regra de bolso que determine qual o limite de comprometimento do lucro operacional com as despesas financeiras líquidas.
Mas certamente não é normal que essa relação supere 100% de forma consistente. Nesses casos, é comum que haja um plano para reverter a situação. Seja por aumento dos resultados operacionais, venda de ativos, aumento de capital ou redução do custo do endividamento.
Além da JBS, que transferiu as dívidas da holding brasileira para a controlada americana para pagar menos juros, outras empresas do grupo também estão tomando ações para tratar da questão. A Marfrig vendeu operações de logística recentemente e trocou ativos com a BRF- Brasil Foods e a Rede Energia está em negociação para sua venda.
Minerva, B2W, Globex e Triunfo disseram que consideram sua estrutura de capital adequada e não preveem nenhuma medida específica para o curto prazo, confiando na melhora paulatina dos resultados operacionais.
Em resposta por e-mail, o diretor de relações com investidores da Marfrig, Ricardo Florence, disse que o foco principal neste ano está no aumento da geração de caixa "a partir da maior integração das unidades de negócio, buscando sinergias e melhoria nas margens, contribuindo assim para a desalavancagem gradual da empresa".
O executivo mencionou ainda que a empresa vendeu ativos de logística nos Estados Unidos e no Brasil por R$ 1 bilhão nos últimos meses, sendo que esse dinheiro deve engordar o caixa da companhia. "Temos medidas já implementadas e outras em implementação, como controle de custos e redução de despesas, permitindo estrutura de capital mais eficiente", disse.
Na Rede Energia, a assessoria disse que os executivos não comentariam o caso, uma vez que a negociação para venda do controle da companhia, conforme antecipado pelo Valor em dezembro, ainda está em andamento.
O departamento financeiro da Minerva também respondeu apenas por e-mail. A empresa disse que analisa sua capacidade de pagamento excluindo do resultado financeiro as despesas que não têm efeito caixa. Sob esse prisma (que ignora o regime de competência da contabilidade), o lucro operacional teria superado a despesa financeira líquida de caixa em R$ 61,9 milhões de janeiro a setembro.
Do ponto de vista de estrutura de capital, a companhia também considera seu resultado adequado, com o argumento de que, se for considerado um patrimônio liquido médio de R$ 500 milhões para o ano de 2011, o que exclui as debêntures obrigatoriamente conversíveis em ações no valor de R$ 200 milhões (que entram no patrimônio), "o capital do acionista está sendo remunerado a uma taxa de 12,38% até o terceiro trimestre". Esse resultado se sustenta porque a empresa possui uma conta de Imposto de Renda e CSLL positiva, deixando a última linha do balanço no azul.
Ao falar da controlada Globex, o diretor de relações com investidores do grupo Pão de Açúcar, Vitor Fagá de Almeida, disse que o endividamento da empresa é baixo, a despeito de as despesas financeiras líquidas consumirem praticamente todo o lucro operacional. "A Globex está num processo de integração e já deu lucro no terceiro trimestre", disse ele, que confia numa melhora consistente do resultado.
No caso da Triunfo, o diretor financeiro, Sandro Antônio de Lima, disse que não vê problema nos resultados atuais porque a empresa "está desde 2007 em um forte ciclo de investimentos". "O nível de endividamento da empresa é adequado e com perfil de longo prazo", afirmou, dizendo que com o passar do tempo os resultados operacionais devem crescer e reverter o quadro.
Mas apesar de garantir que a companhia não precisa de aumento de capital com o plano atual de investimentos, Lima diz que vê com bons olhos uma iniciativa desse tipo para o futuro, para elevar o percentual de ações em circulação e a liquidez dos papéis da companhia. "Mas não neste momento, porque o preço da ação está abaixo do que vale", disse. "Se o valor estivesse melhor faríamos sim [um aumento de capital], porque isso abriria mais espaço para oportunidades importantes de investimento", afirmou o executivo.
Por e-mail, a companhia de comércio eletrônico B2W lembrou que recebeu um aporte de capital privado de R$ 1 bilhão no início do ano passado e disse que o investimento que está fazendo, de R$ 358 milhões em 2011, tem impacto na relação entre a geração de caixa e o resultado financeiro. Segundo ela, esses "investimentos preveem um tempo de maturação e uma geração futura de caixa".
A empresa disse também que a análise do resultados dos nove primeiros meses distorce os dados, uma vez que 35% da geração de caixa da companhia se concentra no quarto trimestre. Considerando os 12 meses até setembro, e não apenas os três primeiros trimestre, a razão entre o resultado financeiro e o Ebit da B2W cai de 1,54 vez para 1,39 vez, ou seja, a relação continua negativa.

AGRONEGÓCIOS
Nova regra trava entrada de orgânicos

Por Bettina Barros | De São Paulo

Uma norma do Ministério da Agricultura que tornou mais rígida a entrada de produtos orgânicos no país está sendo considerada uma "barreira protecionista" por alguns varejistas, que afirmam terem sido afetados pela decisão.
Desde 1º de janeiro de 2011, quando foi implementada a regulamentação nacional dos orgânicos, passou a ser obrigatória a certificação a partir dos critérios de produção específicos para o Brasil. Até então, cada certificadora seguia uma cartilha diferente, adotando como referência regras existentes nos EUA, Europa ou Japão.
Para os varejistas, a criação desses padrões nacionais acabou tendo o efeito de inviabilizar a importação de orgânicos processados. Isso porque, na prática, a chancela que os agricultores estrangeiros tinham para entrar no mercado brasileiro não vale mais. Para chegar aqui, agora eles precisam pagar por uma outra certificação que olhe para as especificações brasileiras. E muitos parecem ainda não estar dispostos a tanto.
"Eles não querem arcar com o custo de uma segunda certificação. Simplesmente paramos de importar", afirma Leonardo Myao, diretor comercial do segmento de FLV (frutas, legumes e verduras) do Pão de Açúcar e responsável pela oferta de orgânicos da rede varejista. "É um retrocesso de sortimento para o consumidor. Não vejo esse rigor em nenhum outro lugar do mundo". Segundo ele, a regulamentação "comeu 10% de toda a minha taxa de crescimento".
De acordo com o executivo, a grande dificuldade é que a medida do Ministério da Agricultura exige o rastreamento de todos os ingredientes utilizados nos produtos orgânicos processados. Assim, em uma massa, por exemplo, é necessário comprovar a origem orgânica da farinha de trigo, ovos e fermento. Em produtos mais sofisticados, com maior número de matérias-primas, Myao diz ser impossível cumprir isso. "Muitas vezes, as matérias-primas vêm de vários países para a fabricação de um produto. E como é que se rastreia e se comprova que o alho que veio da China é orgânico?".
A Casa Santa Luzia, em São Paulo, também praticamente acabou com o seu portfólio de orgânicos importados industrializados. Hoje, a empresa disponibiliza apenas dois tipos de massas - que só consegue vender porque foram contratadas ou estocadas antes da regulamentação entrar em vigor. Ana Fanelli, responsável pelo controle de qualidade, afirma que o supermercado importou, até janeiro de 2011, cerca de 40 produtos, entre chocolates, massas, molhos, azeites, temperos, biscoitos e arroz. "É uma filosofia da casa oferecer variedades de produtos, mas a indústria nacional ainda não tem essas coisas". Apesar disso, o Santa Luzia ainda oferece 320 itens orgânicos, entre industrializados e in natura, feitos no Brasil.
Segundo o governo, o rastreamento é uma premissa básica para a certificação. "Se é impossível comprovar a origem de um alimento, como posso provar que ele é orgânico?", questiona Rogério Dias, coordenador de Agroecologia do ministério. Não é isso, portanto, que está em questão. "Há diferenças no processo de certificação dos países. Nos EUA, o uso de ureia é permitido na produção animal. Aqui não, nem na Europa. O uso de aditivos no processamento também não é possível em todos os lugares. São essas diferenças que estamos olhando", explica.
Dias vê como uma possível explicação para que os produtores estrangeiros não queiram arcar com os custos o fato de o mercado interno brasileiro talvez ainda não ser tão atraente para esse segmento. "Pode simplesmente estar faltando interesse comercial no Brasil. Mas aí estamos falando de outro problema", diz. "Quando o nosso mercado interno de orgânicos crescer mais, talvez isso mude".
Para ele, essas perdas fazem parte do processo de enquadramento do Brasil no comércio internacional - e nada mais são do que reciprocidade comercial. "Os nossos produtores, quando querem vender para os EUA, precisam pagar uma certificação para o mercado americano. O mesmo acontece para a Europa e o Japão. Sempre foi assim e sempre assumiram esse custo. Por que aqui as coisas têm que ser mais fáceis? ", questiona.
O próximo passo - e Dias não arrisca dizer quando - será buscar os ajustes nas regulamentações com outros países, o chamado "reconhecimento de equivalência". Por esse mecanismo, as certificadoras focariam na averiguação somente dos pontos de discordância - caso da ureia e dos aditivos, por exemplo. "Mas antes precisamos arrumar a casa. Os próprios produtores brasileiros estão tendo de se adaptar às novas regras", diz Dias.
Analistas afirmam que a real dimensão da queda nos importados é desconhecida porque não existem dados confiáveis. A declaração de um produto cultivado sob esse preceito é hoje voluntária - e poucos importadores o fazem, entre outros motivos, por burocracia.
O impacto da nova regra tem sido mais sentido no Pão de Açúcar devido à sua parceria com o grupo francês Casino, que propiciou a entrada de um portfólio considerável de produtos orgânicos processados, que se estendia de molhos de tomates e massas a bolachas, chocolates, geleias, chás e vinhos. "Agora importamos só dois itens - azeite do Chile e papinha infantil da Argentina, que são fáceis de rastrear", diz Myao. Apesar do recuo nos importados, o segmento teve um crescimento acima do esperado. Produtos orgânicos perecíveis registraram incremento de 16% nas vendas sobre 2010, enquanto os de mercearia subiram 24%, superando em muito a alta de vendas de seus pares convencionais.

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