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quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

26 de janeiro de 2012 - ZERO HORA


PRIMEIRA PÁGINA

UFRGS reduz exigência para preencher cotas raciais
Ao baixar a média para o acesso a vagas, medida eleva de 24 para 114 o número de cotistas nos 10 cursos mais procurados.

Dilma quita dívida de R$ 4 bilhões com a CEEE
Presidente, que chegou ontem para o Fórum Social, assina hoje na Capital o acordo com o Estado.

A Febem que ainda assombra
Métodos ultrapassados estão na origem do fracasso na tentativa de recuperação de jovens.

EDITORIAL
Estranhas importações

Está muito além do fortalecimento do mercado interno brasileiro a explicação para o crescimento das importações de produtos que o país deveria estar exportando. É esdrúxulo, em todos os sentidos, porque não caracteriza um negócio eventual, mas uma tendência, que o Brasil importe coco, álcool, alumínio e até café, sem falar no absurdo de comprar feijão da China. A explicação é dada por vários fatores, como câmbio sobrevalorizado, altos custos representados por impostos e encarecimento da mão de obra, com o aumento dos níveis de emprego. Qualquer explicação, inclusive a de prováveis concorrências desleais, não será capaz de convencer que o Brasil pode continuar importando o que produz, como se esse fosse um caminho irreversível.
O que há nesse fenômeno é uma distorção dos livres mercados, que devem ser preservados em nome da competição internacional que estimula inovações e provoca a busca constante de maior produtividade. Há evidente distorção, por exemplo, num gasto de US$ 117 milhões na importação de feijão da China, como ocorreu no ano passado, até porque tais compras têm se repetido. É igualmente desconfortável para quem produz que o Brasil importe café industrializado da Suíça, alumínio da Venezuela, óleo de dendê da Colômbia e coco seco da Indonésia, das Filipinas e da Tailândia. As importações seriam aceitáveis se fossem atípicas e eventuais, e não negócios que se incorporam às trocas comerciais.
Registrar tal anomalia não significa, sob hipótese alguma, colocar sob suspeita as virtudes do comércio internacional e da circulação cada vez maior de mercadorias e tampouco fazer a defesa de barreiras protecionistas. O que o fenômeno exige é uma avaliação criteriosa de suas causas, para que setores prejudicados contem com alguma forma de apoio setorial, como fazem todos os países, inclusive e principalmente os mais ricos. Mas as medidas de suporte às áreas fragilizadas pelas importações devem passar por um amplo diagnóstico da invasão de produtos estrangeiros, que acabam subtraindo capital nacional, produção, empregos e rendas. Há nas importações uma persistente transferência de recursos para outros países, muitos dos quais extremamente protecionistas.
O Brasil não pode reprisar o erro cometido nos anos 70 e 80, quando, a pretexto de estimular a substituição das importações, ergueu muros em torno de setores da indústria, como a de informática, que não prosperaram, mesmo com a defesa exagerada de pretensos interesses nacionais. Mas precisa estar atento à realidade do comércio mundial, que não poupa nações incapazes de defender suas estruturas produtivas. O Brasil que importa feijão é o mesmo que há muito aumenta as compras de máquinas, calçados, roupas, eletrônicos e outros produtos, enquanto a indústria nacional definha. A tendência à desindustrialização, percebida em números, exige atenção do governo. O fechamento de fábricas, observado com certa resignação, não pode ser visto como consequência de um processo natural da competição internacional.

CEEE receberá crédito bilionário
Na Capital para participar do Fórum, presidente assinará convênio para pagar dívida da União discutida na Justiça desde 1993
Depois dos recentes anúncios de realização de obras prometidas há anos, como o metrô e a segunda ponte do Guaíba, o "fator Dilma" – como definem aliados do governo Tarso Genro ao lembrar da afinidade dela com o Estado e com o Piratini – fará a diferença em favor do Rio Grande do Sul mais uma vez. A presidente Dilma Rousseff, às 16h de hoje, no Piratini, determinará o pagamento da histórica dívida da União com a CEEE, pleiteada na Justiça desde 1993.
Em valores líquidos, o Estado deverá receber cerca de R$ 2,2 bilhões em títulos do Tesouro da União. O governo Tarso precisará negociá-los no mercado financeiro para ter em mãos o "dinheiro vivo". Contudo, há avaliações de que o valor poderá chegar a até R$ 3 bilhões. O acordo entre os governos estadual e federal prevê que a quitação do passivo ocorrerá de forma parcelada, possivelmente em três prestações, a última delas em 2014. O valor global da dívida seria de R$ 4 bilhões, mas o acerto determinou abatimento de R$ 800 milhões relativos a outros débitos que a CEEE mantinha pendentes com o Planalto. Com o desconto adicional de 25% do imposto de renda, chegou-se ao montante de R$ 2,2 bilhões que deverá ser recebido pelo Estado. A informação de que Dilma anunciará o pagamento da dívida foi antecipada pela colunista do Grupo RBS Carolina Bahia.
O governo Tarso já sabe como empregar parte dos recursos. A fatia de R$ 1 bilhão será aplicada no plano de duplicação de rodovias. Os investimentos serão concentrados na construção de novas pistas em trechos que ligam Passo Fundo a Marau, Bento Gonçalves a Carlos Barbosa e a Farroupilha. A duplicação da RS-118, entre Gravataí e Sapucaia do Sul, também terá recursos.
Outra parte da verba será transformada igualmente em investimentos, parte deles na própria CEEE. Como acionista majoritário da companhia, o Piratini terá a prerrogativa de utilizar os recursos para duplicar estradas. Contudo, por lei, precisará montar planejamento de devolução dos recursos à CEEE em até 240 meses.
Como secretária estadual, Dilma apoiou ação da CEEE
O pagamento da dívida histórica será feito curiosamente por Dilma, que, logo após o passivo começar a ser contestado judicialmente, assumiu a Secretaria de Minas e Energia do governo Alceu Collares, pasta responsável pela CEEE.
Por telefone, interlocutores de Dilma comunicaram a Tarso sobre o pagamento da dívida na noite de terça-feira. Nos bastidores, governistas avaliam que a chegada de R$ 2,2 bilhões permitirá combater ainda efeitos da seca e outras dificuldades do Estado.
CARLOS ROLLSING

Chegada antecipada

Com 24 horas de antecedência em relação ao primeiro compromisso, Dilma Rousseff desembarcou ontem, às 15h35min, em Porto Alegre. Na companhia de ministros, a presidente foi direto para o Hotel Plaza São Rafael, onde descansou.
Ela deverá se dedicar à família até o início da tarde de hoje. Às 16h, anunciará o pagamento da dívida da União com a CEEE. Se reunirá, às 17h30min, com a direção do Fórum. A agenda será finalizada às 19h, no Gigantinho.

Consultoria vai examinar pedágios
Rejeitando a renovação dos contratos, RS quer estudo para avaliar sistema

O governo Tarso Genro deu início ontem ao processo de contratação, até o final de março, de empresa de consultoria que será responsável por elaborar estudos sobre novos modelos de concessão de estradas. Trata-se de mais um passo dado pelo Piratini para poder decidir o que fazer com o atual sistema em 2013, ano de encerramento dos contratos: renovar as concessões ou fazer nova licitação.
O anúncio foi feito pelos secretários Carlos Pestana (chefe da Casa Civil) e Beto Albuquerque (Infraestrutura). Ao custo máximo de R$ 7,9 milhões, a consultoria contratada terá até agosto para entregar um relatório sobre a situação dos pedágios, incluindo avaliações patrimoniais das rodovias e levantamentos de tráfego de veículos.
Serão apresentadas propostas de novos modelos de concessão em três modalidades: pedágio privado e comunitário, além de um cenário que excluirá as estradas federais. Caberá também aos consultores a tarefa de redigir os editais de licitação que serão lançados para escolher os responsáveis pela exploração das praças.
O Piratini parte da premissa de que é possível trabalhar com tarifas de R$ 3,35, metade do valor atual. Uma das dúvidas que precisa ser dirimida pelo estudo é o tamanho dos contratos – os atuais tem extensão de 15 anos.
– Precisamos de um modelo que contemple a realização de obras de ampliação de rodovias. Uma das críticas ao sistema atual é que ele só prevê a manutenção – disse Beto.
Os secretários rejeitaram qualquer possibilidade de renovação dos atuais contratos – que expiram entre julho e novembro de 2013. A Assessoria Superior do Governador, porém, segue negociando com o Univias, que fez uma proposta no final do ano passado (veja quadro). Para Pestana e Beto, não há contradição no fato de o Piratini continuar negociando.
Protesto bloqueia praça de Encantado
Outro ponto de discórdia no primeiro escalão, o suposto passivo do Estado com as concessionárias, foi minimizado por Beto:
– Toda concessão pode ter desequilíbrio. Mas é incerto. Isso se discute depois na Justiça.
Os pedágios também foram alvo de manifestação ontem. Contrários ao aumento da tarifa de R$ 6 para R$ 6,70, manifestantes bloquearam trecho da rodovia Lajeado-Encantado (ERS-130) no fim da tarde. O grupo se reuniu nas proximidades da praça de Encantado.

Protesto contra Kassab

Integrantes de movimentos sociais que faziam uma manifestação na Praça da Sé, em São Paulo, atiraram ovos no carro que o prefeito Gilberto Kassab (PSD) usou para sair da Catedral da Sé.
Ele assistiu a uma missa celebrada em homenagem aos 458 anos da capital. Os manifestantes esperaram por Kassab em uma saída lateral da igreja, mas, quando souberam que o prefeito estava saindo por outro lado, correram em sua direção e houve tumulto. A PM usou gás lacrimogêneo para conter a confusão. Em um dos pontos onde um veículo oficial aguardava a saída do prefeito, manifestantes cercaram o carro gritando palavras de ordem e bateram no veículo.
Os manifestantes protestavam contra as operações do governo na Cracolândia e contra a retirada dos moradores de Pinheirinho, que vem ocorrendo desde domingo. No local, ocupado desde 2004, viviam 1,5 mil famílias, cerca de 6 mil pessoas. De acordo com a organização mais de 60 entidades participaram do ato.

ECONOMIA
Por que o Brasil atrai os holofotes
Enquanto pessimismo predomina em debates, modelo brasileiro chama atenção em Davos pelo crescimento em meio à crise global

No meio do pessimismo que até agora predomina nos debates iniciados ontem no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, alguns países, entre os quais o Brasil, têm sido citados como modelos na direção do crescimento econômico e da criação de emprego. Em comum, os exemplos de prosperidade em meio à crise têm adotado o chamado capitalismo de Estado em vez de mercado, ou seja, a adoção da mão forte do governo para conduzir e gerar desenvolvimento em um ambiente de dificuldades no cenário internacional.
Num acalorado debate sobre o atual modelo econômico, Raghuram Rajan, professor da Universidade de Chicago e uma das principais vozes na fase atual da crise, avaliou que a grande ameaça ao capitalismo é a quantidade de pessoas que estão sem emprego e, portanto, fora do sistema. O descontentamento entre os jovens é evidente, especialmente em países como Espanha e Grécia, onde a taxa de desemprego é bastante elevada.
– A principal questão é que o crescimento está desacelerando no Ocidente e precisamos revitalizá-los com mais inovação – afirmou Rajan.
Diretor executivo da multinacional Alcatel-Lucent, Ben Verwaayen, concorda que o principal desafio é criar empregos, mas lembrou que o mesmo capitalismo que levou desenvolvimento ao mundo, em particular à Europa – debilitada agora pela crise da dívida e por recessão –, tem gerado um mar de oportunidades no mundo emergente, liderado por Brasil, China e Índia. Os países desenvolvidos compreendem melhor o modelo brasileiro do que o chinês – marcado pelo partido único e poderoso – e o indiano – ainda caracterizado por desigualdades muito acentuadas – e, assim, as luzes se dirigem com mais intensidade para o Brasil.
– Se formos ao Brasil, teremos uma visão muito diferente de onde está o mundo, assim como se formos à Índia – disse Verwaayen.
Mesmo sem ter ainda completado as reformas, feito investimentos essenciais para melhorar a infraestrutura ou a ausência da presidente Dilma Rousseff em Davos (ela chegou a aceitar o convite, mas depois decidiu participar do Fórum Social Temático, em Porto Alegre), o Brasil atrai holofotes.
Presente no evento, o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, ressaltou que o país tem três bônus que dão proteção a um eventual agravamento da crise na Europa: o juro, os depósitos compulsórios e as reservas internacionais. Se precisar, o Banco Central pode baixar o juro e usar recursos disponíveis se o comércio exterior precisar.
– A liquidez, interna e externa, e o juro são três pilares que dão condições excepcionais ao governo – afirmou Trabuco.
Prazo de até quatro anos para melhorar atual modelo
Especialistas também apontaram a ascensão do capitalismo de Estado, cujo principal representante é a China. Em recente edição, a revista britânica The Economist chamou atenção para essa tendência, comentando a ação do governo brasileiro em empresas como Vale e Petrobras.
– Teremos de três a quatro anos para melhorar o modelo econômico. Se não o fizermos rapidamente, perderemos a oportunidade de competir com o capitalismo do mercado emergente ou capitalismo de Estado – avaliou David Rubenstein, fundador e diretor-gerente do fundo de investimentos americano Carlyle Group.
Davos

Merkel rejeita aumentar fundo

Ao discursar na abertura do Fórum Econômico Mundial, em Davos, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, rejeitou os apelos para ampliar o fundo de resgate para a zona do euro.
Na sua avaliação, os países desenvolvidos ainda não aprenderam "lições suficientes" da crise iniciada em 2008, porém, insistiu que a turbulência na Europa não afetará as ambições do continente, descartando ameaças de ruptura da moeda única e da própria União Europeia.
– Frequentemente nos perguntam que lições aprendemos a partir da crise de 2008 e se foram suficientes. Sendo realista, ou até pessimista, creio que a única resposta é que ainda não aprendemos lições suficientes – disse Merkel.
Ontem, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, afirmou, em Paris, que os credores públicos da Grécia terão de contribuir com maior "esforço financeiro" para aliviar a dívida do país, caso o acordo que os bancos estão negociando com o governo grego seja insuficiente. Na terça-feira, Lagarde estimou que o mundo necessitará de um financiamento de até US$ 1 trilhão nos próximos meses, para evitar uma possível recessão. O fundo pretende levantar US$ 500 bilhões adicionais para empréstimos.
A chanceler comentou ainda a falta de regulação no sistema financeiro internacional, identificada por Merkel como "um dos principais problemas que nos trouxe até essa crise", e que a falta de uma resposta conclusiva às negociações em Doha mostram que o mundo ainda mantém medidas muito protecionistas.

Apple vê oportunidades de crescimento no Brasil

Depois da China, o Brasil é o maior foco de investimentos da Apple entre os quatro países que formam o Bric (Brasil, Rússia, Índia e China). A garantia foi dada por Tim Cook, executivo-chefe da Apple, durante a apresentação dos resultados financeiros da empresa no último trimestre de 2011.
– Acho que há uma oportunidade enorme para nós lá, e já começamos a investir mais intensamente no Brasil – afirmou Cook.
Apesar do otimismo, o executivo disse que não prevê a instalação de lojas físicas da Apple no Brasil a curto prazo. Atualmente, a empresa vende produtos por meio da loja online, por revendedores autorizados e por operadoras de telefonia celular.
– Estamos em todos esses países (Brasil, Rússia, Índia e China), mas temos muito mais energia no mercado chinês atualmente. Isso não significa que haja uma falta de esforço ou foco nos outros. Só quer dizer que é menos do que estamos investindo na China hoje – justificou Cook.
A "febre" por iPhones e iPads turbinou os resultados da Apple no trimestre encerrado em 31 de dezembro, o primeiro desde a morte do cofundador Steve Jobs, no início de outubro. O lucro líquido da Apple bateu recorde no período, alcançando US$ 13,06 bilhões (R$ 22,9 bilhões), 117% mais em relação a um ano antes. O faturamento no período subiu 73%, para US$ 46,33 bilhões (cerca de R$ 81,4 bilhões).
Embalada por um resultado recorde no trimestre, a Apple voltou a tomar temporariamente da ExxonMobil o posto de empresa mais valiosa do mundo. As ações da empresa de tecnologia registraram ganhos de 6% no início da tarde, elevando para US$ 415 bilhões o valor de mercado da companhia. No mesmo momento, a Exxon valia US$ 414 bilhões. Mas a petroleira retomou a ponta no fim do dia, fechando em US$ 418 bilhões.

GERAL
Lula e Gianecchini se encontram em hospital

O ex-presidente Lula se encontrou ontem com o ator Reynaldo Gianecchini no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, onde os dois fazem tratamento contra o câncer.
Eles conversam por cerca de 30 minutos, de acordo com a assessoria de Lula, que também divulgou as imagens.
Lula fez a 25ª das 33 sessões de radioterapia, que devem ser a fase final do tratamento contra o câncer na laringe, diagnosticado em outubro.
Na terça-feira, o ex-presidente foi a estrela da solenidade que marcou a despedida do ministro que representa a principal aposta dele e da presidente Dilma Rousseff para as eleições de 2012. Em cerimônia concorrida, o petista Fernando Haddad deixou a Educação para concorrer à prefeitura de São Paulo.

REPORTAGEM ESPECIAL
“Quero acabar com a Febem de vez”

Responsável pela Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) desde janeiro de 2011, Joelza Mesquita Andrade Pires, 53 anos, levou pouco tempo para diagnosticar que a instituição que dirige repete os mesmos erros que sepultaram a antiga Febem: excesso de medicação aplicada aos internos, agressões, falta de acompanhamento individual, carência de pessoal e superlotação.
Com a experiência de 20 anos atuando em serviços de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência, a médica baiana, com formação em pediatria, quer instalar na Fase um centro de tratamento para drogadição. Mas a principal meta ela não cansa de repetir: "Quero acabar com a Febem de vez". A seguir, trechos da entrevista a ZH:

Zero Hora – Por que a Fase falhou com este grupo de 162 ex-internos?
Joelza Mesquita – Tudo falhou. A maioria dos internos vem de famílias excluídas da sociedade, com pais desempregados, de baixa escolaridade, que deixam os filhos à mercê de todo o tipo de adversidade. Mas a responsabilidade é um tripé. É a família, o Estado e a escola, são as políticas públicas que faltam a essa família.

ZH – Onde a família e o Estado falharam?
Joelza – O que todos os governos dizem? Que nenhuma criança pode ficar fora da escola. Ouve-se isso há 20 anos. Mas o fluxo para evitar isso não funciona. Nesse tripé tem a parte da sociedade, que prefere dar dinheiro para o menino na sinaleira. Sabe qual o maior malabarismo? Inserir esses meninos na sociedade.

ZH – Por quê?
Joelza – Porque as pessoas não acreditam na recuperação deles, talvez porque ainda acreditem na escola de bandido que era a Febem. Quando a Febem virou Fase, tinha que ter sido (uma mudança) de dentro para fora.

ZH – Isso não aconteceu?
Joelza – Tem funcionários que acham que foi muito bom mudar (a filosofia de atendimento a infratores), mas alguns outros acham que tem de continuar como antes. Então, acho que a falha é nossa. Hoje, estamos investindo em educação, em profissionalização, ocupando ao máximo o menino. A recuperação vai ser muito maior.

ZH – O que é preciso mudar?
Joelza – Por exemplo, a porta de entrada do menino aqui é o Instituto Carlos Santos. Ele teria que estar adequado do ponto de vista estrutural. Para mim, como gestora promovendo a recuperação desses meninos, fica difícil engolir quatro meninos numa cela só e a existência do atendimento especial (celas isoladas em que os internos são colocados de castigo). Não sei como permitiram que fosse assim, sem iluminação, tirando os colchões.

ZH – É a velha Febem?
Joelza – Sim. Só que ninguém assumia, ia botando para baixo do tapete.

ZH – O que a Fase tem da Febem?
Joelza – A primeira coisa é o espaço físico. Eu gostaria que todas as nossas casas tivessem um quarto por menino, sala de esportes, sala de aula, sala de lazer. O que a gente tem hoje? Numa casa para 40, eu tenho 120. Outra coisa que eu vejo muito da Febem é o atendimento especial (isolamento).
ZH – O problema de excesso de medicação na fundação não é novo.
Joelza – Desde que comecei, o excesso de medicação vem diminuindo. Na primeira visita que fiz à Comunidade Socioeducativa, fiquei impressionada, porque todos os meninos estavam enrolando a língua. E a culpa não é de ninguém, pois o médico prescreveu "se necessário". Medicados, ficam quietos. É mais fácil. Quero tirar o excesso de medicação, iluminar os espaços, dar acesso à leitura.

ZH – Há muitos focos da Febem?
Joelza – Sim. Quero que os psiquiatras deem um diagnóstico para o menino. Quero saber porque ele precisa tomar remédio. São coisas que ficaram da época da Febem.

ZH – A carência de pessoal interfere?
Joelza – A equipe técnica é para fazer o planejamento individual de atendimento do menino, com a questão da saúde, da educação, do lazer, da convivência com a família. Hoje, a equipe técnica passa mais tempo em audiências. Dizem que não dá tempo de atender individualmente.

ZH _ A Fase trata a drogadição?
Joelza – Não. Privo o menino de liberdade. Enquanto está preso aqui, ele está longe das drogas. Eu trato as sequelas das drogas, a abstinência. Ele fica agitado, agressivo, deprimido, e o tratamento é a medicação para segurar isso, mas não trato a droga.

ZH – Não devia ser tratado?
Joelza – Quero tratar a droga. Montar um centro de atendimento psicossocial aqui dentro para tratamento da droga, porque 90% do meu adolescente é usuário de drogas, e ele mata, ele rouba, ele furta por causa da droga.

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