DESTAQUE DE CAPA
TENSÃO NO ORIENTE MÉDIO
Pilotos se negam a atacar e Kadafi sofre nova derrota
Sem o apoio da Força Aérea Líbia, cujos pilotos não acataram ordem de bombardear alvos rebeldes, tropas leais a Muamar Kadafi fracassaram ontem na tentativa de retomar instalações petrolíferas do vilarejo de Brega, 230 km a oeste de Benghazi, a principal cidade controlada pelos rebeldes. Pelo menos 14 pessoas morreram e 29 ficaram feridas no combate que se seguiu à ocupação da refinaria e da pista de pouso por integrantes das Forças especiais e mercenários, repelidos pelos rebeldes. A reportagem do Estado presenciou a movimentação de tropas e confrontos. O regime de Kadafi convidou o Brasil a integrar uma missão de observadores que acompanharia a crise entre opositores e o governo Líbio, informa o enviado especial Andrei Netto. A proposta foi feita diretamente por autoridades ao embaixador brasileiro em Trípoli, George Fernandes. O convite ao Brasil foi estendido à União Africana e ao bloco da Conferencia Islâmica.
ESPAÇO ABERTO
Na tenda de Kadafi
*Demétrio Magnoli
Muamar Kadafi foi muito mais longe que Hosni Mubarak em seus pronunciamentos desesperados, em meio à revolução. Ele se dirigiu aos líbios como faria uma potência ocupante descontrolada, ameaçando emitir uma ordem de extermínio geral. A queda dramática do tirano da Líbia tem importância geopolítica incomparavelmente menor que a do regime egípcio. Contudo, tem um inigualável cortejo de significados simbólicos.
O fim de Kadafi assinala a segunda, e definitiva, morte do nasserismo. "A revolução é o meio pelo qual a nação árabe pode libertar-se de seus grilhões." A Carta Nacional divulgada por Gamal Abdel Nasser em 1962 definia a doutrina do pan-arabismo, que deveria destruir as fronteiras interestatais criadas pelas potências europeias e propiciar a "restauração da ordem natural de uma única nação". O Egito de Nasser figuraria, nesse percurso, como uma entidade transitória: o instrumento para a edificação da "nação árabe". O jovem Kadafi formou-se na academia militar nos anos áureos do nasserismo e liderou o golpe antimonárquico de 1969 para inscrever a Líbia na moldura da revolução anunciada pelo Egito. A humilhação árabe na Guerra dos Seis Dias, em 1967, foi o estampido para o levante dos oficiais líbios do grupo de Kadafi.
Nasser morreu em 1970, mas o nasserismo prosseguiu, sob Anuar Sadat, ainda por alguns anos e uma nova guerra árabe-israelense. A primeira morte do nasserismo se deu pela ruptura do Egito com a URSS e o subsequente tratado de paz com Israel. Então, em 1977, Kadafi enrolou-se nos farrapos da bandeira do pan-arabismo e lançou um ataque militar contra o povoado egípcio fronteiriço de Sallum, sofrendo uma contraofensiva devastadora. Na década seguinte, enquanto no Egito a herança doutrinária de Nasser se dissolvia num antissemitismo caricato, a Líbia de Kadafi, o "cachorro louco", proclamava guerra ao "imperialismo" e organizava atos de terror contra interesses ocidentais ao redor do mundo. Agora, quando o tirano desaba, fecha-se de vez o ciclo inaugurado pela revolução pan-arabista.
O fim de Kadafi assinala o ocaso do longo período em que os povos árabes foram ofuscados pela invocação do espectro do "inimigo externo". A ditadura nasserista no Egito, como as ditaduras baathistas implantadas na Síria, em 1963, e no Iraque, em 1968, reclamavam uma legitimidade derivada da luta contra o imperialismo ocidental e sua suposta cabeça de ponte no mundo árabe, o Estado de Israel. A supressão dos partidos de oposição, a repressão à dissidência interna, a interdição do debate político eram justificadas pelo imperativo da unidade árabe. No caso da Líbia, agentes de Kadafi perpetraram assassinatos de dezenas de "cães vadios", na expressão usada pelo tirano para designar dissidentes exilados, na Europa, nos EUA e mesmo na Arábia Saudita. A nova revolução árabe não segue estandartes antiocidentais. A sua consigna é a liberdade, são os direitos de cidadania, não a utopia geopolítica da "nação única".
O fim de Kadafi assinala a desmoralização das tiranias personalistas que derivam de sistemas de partido único e acabam por lhes tomar o lugar. O modelo do regime de partido-Estado ancora-se no conceito de que o partido dirigente coagula uma verdade histórica superior. Os partidos comunistas se exibiam como locomotivas do "trem da História", em marcha rumo à estação terminal do socialismo. No mundo árabe, os regimes de partido único apresentavam-se como condutores de uma caravana que avançava rumo ao oásis da unidade pan-árabe. Invariavelmente, o modelo evoluía para ditaduras pessoais: Joseph Stalin, Mao Tsé-tung, Kim Il-sung, Fidel Castro, Gamal Abdel Nasser, Hafez Al-Assad, Saddam Hussein. A Líbia de Kadafi não passou pelo estágio primário, organizando-se desde o início como uma tirania pessoal.
O golpe de 1969 substituiu a monarquia liberal do rei Ídris, baseada na rede de poder tribal da região da Cirenaica, por um "Estado de massas" (Jamahiriya) - isto é, de fato, por um Estado de comitês submetidos ao controle do tirano. Kadafi não ocupava nenhum cargo formal no governo líbio, mas enfeixava o poder de fato, concentrado no Conselho de Comando da Revolução, e subordinava as Forças Armadas a milícias especiais. A nação líbia, destituída de contrato constitucional operante, identificava-se à figura de Kadafi, o "Irmão Fraternal e Guia da Revolução".
Mais que qualquer ideologia, essa redução da nação à imagem de um condottieri atraiu a admiração de Fidel Castro e, mais tarde, de Hugo Chávez. Um ano e meio atrás, Lula dirigiu-se a Kadafi como "meu amigo, meu irmão, meu líder", saltando a fronteira que separa a cortesia protocolar da apologia repugnante. O cumprimento representou mais que uma esperteza instrumental, destinada à conquista de votos árabes e africanos para a pretensão brasileira a uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU. Ela evidenciou, ao lado da conhecida inclinação do ex-presidente por cortejar ditadores, uma ponta de inveja pelo estatuto de um líder não embaraçado por qualquer limite institucional.
O fim de Kadafi joga mais um facho de luz sobre a facilidade com que o Ocidente imola posições de princípio no altar das conveniências geopolíticas circunstanciais. O tirano operou como elo de articulação logística de variados grupos terroristas, ordenou a explosão do voo da Pan Am em Lockerbie, financiou milícias de mercenários no Chade e no Sudão, ajudou a montar as máquinas genocidas de Idi Amin, em Uganda, e Mengistu Mariam, na Etiópia, treinou o sanguinário exército de Charles Taylor na Serra Leoa. Nada disso evitou uma ignóbil "reabilitação", negociada pela CIA em 2003, na moldura da "guerra ao terror", e conduzida por Washington, Londres e Roma. Há, mesmo pequena, uma chance de Kadafi se sentar no banco dos réus de um tribunal para crimes contra a humanidade. Ele teria histórias interessantes a contar.
*SOCIÓLOGO E DOUTOR EM GEOGRAFIA HUMANA PELA USP.
NOTAS & INFORMAÇÕES
O Brasil e o Tribunal de Haia
Em março de 2005, o Brasil se absteve de votar a favor de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que condenava o governo islâmico do Sudão pelos massacres cometidos nos dois anos anteriores contra a população da província separatista de Darfur, matando 300 mil civis (muitos deles cristãos) e transformando mais de 2 milhões em refugiados.
A posição brasileira foi uma resposta à insistência dos EUA em excluir da ação que se seguiria no Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia cidadãos de países que não aderiram ao Tratado de Roma, de julho de 1998, o qual deu origem ao TPI. Foi o caso dos próprios EUA, de Israel e do Sudão. De toda maneira, a resolução passou e surtiu efeito.
Em 2008, a Corte abriu processo por genocídio e crimes de guerra contra o presidente sudanês Omar Hassan al-Bashir e três membros do seu governo. Foi a primeira vez que o Tribunal, instalado em 2002, se pôs a julgar um governante no exercício do poder. Bashir assumiu o governo em 1993 e nele se mantém até hoje. O processo ainda não terminou.
No sábado passado, a divergência entre Brasília e Washington sobre a jurisdição do TPI teve um desfecho diferente. Os EUA enxertaram no corpo da Resolução 1.970, contendo as primeiras sanções efetivas do Conselho de Segurança contra o regime de Muamar Kadafi na Líbia, um parágrafo que excluiria da alçada do Tribunal de Haia os 34 países que firmaram, mas não ratificaram o Tratado de Roma. São parte do TPI 114 Estados.
Desta vez, porém, o Brasil seguiu um caminho mais assertivo. "Em face da gravidade da situação na Líbia e da urgente necessidade de o Conselho enviar uma mensagem forte e unificada", disse na sua declaração de voto a chefe da representação brasileira, embaixadora Maria Luiza Ribeiro Viotti, "minha delegação aprovou a resolução". A diplomata não deixou, contudo, de reiterar o duradouro apoio do Brasil à "integridade e universalidade" do Tratado de Roma e a oposição às iniciativas para limitar a jurisdição do TPI aos cidadãos das nações que ratificaram o documento.
Não há como lhe negar razão. O Tribunal é a primeira instituição permanente criada por amplo acordo internacional para não deixar impunes os perpetradores de crimes contra a humanidade, como o genocídio. A sua raiz está nos Tribunais de Nuremberg e Tóquio, criados depois da 2.ª Guerra Mundial pelos aliados para julgar os responsáveis pelos monstruosos crimes cometidos pelo nazismo alemão e o militarismo japonês.
Meio século depois vieram outros tribunais ad hoc para levar ao banco dos réus os mandantes e executores de atrocidades em massa na antiga Iugoslávia e em Ruanda. O iugoslavo Slobodan Milosevic morreu na prisão em 2006 antes do término do seu processo. Em 50 julgamentos, 29 ruandeses foram condenados. Onze outros processos continuam.
Mas essas cortes tratam de crimes cometidos durante um dado período em um conflito específico. Essa limitação só poderia ser superada pela instituição de um órgão internacional permanente - e independente. O TPI, que resultou da costumeira impunidade dos culpados pelos assassinatos em massa por motivos políticos, étnicos e religiosos, não é um organismo da ONU. É sustentado pelos países que fazem parte do Tratado de Roma e por contribuições voluntárias de entidades e doações individuais.
Os EUA rejeitam esse tribunal, embora sejam os primeiros a denunciar violadores de direitos humanos - nem todos, é bem verdade. O Irã, seu inimigo, está na lista; a Arábia Saudita, sua aliada, está fora. A razão por que Washington contesta a legitimidade da Corte é um segredo de Polichinelo: os crimes de guerra de que podem ser acusados os seus comandantes e as suas tropas no Iraque e Afeganistão, a entrega (rendition) de prisioneiros suspeitos de ligações com movimentos terroristas a governos que os interrogarão sob tortura - e a mera existência de Guantánamo.
O momento, disse a representante brasileira no Conselho de Segurança, é de "fortalecer o papel do Tribunal".
CORTE DE GASTOS
Presidente pode cancelar contratos de quase R$ 34 bilhões fechados por Lula
Marta Salomon - O Estado de S.Paulo
A ministra Miriam Belchior (Planejamento) já orientou seus colegas de Esplanada a selecionar despesas contratadas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva e que não serão honradas pela sucessora Dilma Rousseff. Levantamento do Estado indica que o cancelamento de contratos pode alcançar R$ 33,9 bilhões, valor equivalente ao custo estimado do polêmico trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro.
No primeiro dia de março, depois de quitar R$ 28 bilhões de contas pendentes deixadas por Lula no ano eleitoral, o governo ainda acumulava mais de R$ 98 bilhões de despesas a quitar, informa levantamento feito pela ONG Contas Abertas no Siafi (sistema de acompanhamento de gastos da União). Isso é quase o dobro do tamanho no corte no Orçamento de 2011 anunciado pela equipe econômica.
Obrigados a escolher entre levar adiante gastos autorizados no Orçamento deste ano e pagar as contas deixadas por Lula, tecnicamente chamadas de "restos a pagar", vários ministros procuraram orientação da ministra do Planejamento. Ao Estado, o ministério informou: "Estamos em contato com os ministérios para que eles façam esse trabalho de análise para o cancelamento de restos a pagar".
A reportagem perguntou o valor das despesas sujeitas ao cancelamento. "Não existe informação sobre a expectativa de cancelamento", respondeu a assessoria do Planejamento.
Oficial. Decreto de Dilma Rousseff publicado ontem no Diário Oficial da União informa, porém, os limites de pagamento dos chamados "restos a pagar" processados e não processados. A diferença entre os dois tipos de contas pendentes é que a primeira refere-se a bens e serviços já entregues. Já na conta de "não processados" estão incluídas despesas que foram objeto de compromisso de gastos (empenhos, no jargão orçamentário), mas não necessariamente são obras ou serviços concluídos.
O Estado considerou esses limites fixados a partir de março e o valor das contas de Lula ainda não quitadas. O resultado é que não há previsão para o pagamento de R$ 31,6 bilhões de despesas apenas contratadas, nem para o pagamento de R$ 2,3 bilhões de contratos já executados pelos prestadores de bens e serviços.
O maior número de despesas contratadas e não quitadas concentra-se nos investimentos da União. Ainda restava pendente de pagamento uma conta de R$ 51,6 bilhões em 1º de março. A conta inclui obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Entre os programas do governo com o maior volume de contas não quitadas estão obras de saneamento, a urbanização de favelas, a transposição do rio São Francisco e obras para remediar desastres naturais.
Também há um volume de mais de R$ 3,5 bilhões de projetos na área de turismo contratados e não pagos, assim como gastos na área de saúde e educação.
Histórico. Esse tipo de despesa contratada e não paga no mesmo ano é um problema crescente no governo. Desde 2006, o Tribunal de Contas da União considera "preocupante" o volume de "restos a pagar". A partir desse ano, a conta não parou de crescer até o último ano eleitoral.
O cancelamento de despesas já contratadas não será um fato inédito na história. Poucos dias antes de passar a faixa presidencial para Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso mandou cancelar R$ 26,1 bilhões de despesas pendentes de pagamento. Na época, foi uma grande confusão.
Aproximadamente 2.000 contratos administrados pela Caixa Econômica Federal (CEF) na área de saneamento e urbanização no governo Fernando Henrique tiveram o pagamento suspenso. Mais de 1.000 obras foram paralisadas.
Em fevereiro de 2003, Lula baixou outro decreto e cancelou mais R$ 18,1 bilhões de despesas deixadas pelo antecessor sem quitação. Desse total, R$ 700 milhões referiam-se a obras supostamente concluídas ou bens e serviços já entregues.
Ministérios terão de cortar gastos com viagens pela metade
Decreto de Dilma foi publicado ontem, dia em que ''Estado'' revelou aumento de 32% nessas despesas em 2011
Lu Aiko Otta - O Estado de S.Paulo
Depois de o governo registrar um aumento de 32% nas despesas com passagens aéreas apenas nos dois primeiros meses deste ano, conforme informou ontem o Estado, a presidente Dilma Rousseff assinou ontem um decreto que corta pela metade os gastos com viagens, diárias e outras despesas de locomoção de seus funcionários. O corte será de 25% para funcionários das áreas de fiscalização.
Também foram proibidos contratos novos para locação, compra e reforma de imóveis e aquisição e aluguel de veículos e máquinas e equipamentos. A partir de hoje, as viagens passarão pelo crivo dos ministros.
O decreto procura atender à determinação da presidente de "fazer mais com menos". De acordo com o decreto, os gastos com viagens somarão R$ 1,159 bilhão este ano. É um valor pequeno, considerando que o governo tem o desafio de enxugar seus gastos em R$ 50,1 bilhões. Mas deixa evidente que havia muito a moralizar nesse campo. Nos corredores dos ministérios, comenta-se que as diárias de viagens ao exterior são uma forma de engordar o salário dos funcionários mais graduados.
Segundo a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, as viagens eram autorizadas por funcionários de nível hierárquico mais baixo. Centralizar a decisão no ministro é uma forma de apertar o controle.
Para que essa centralização não se transforme em um problema de gestão para os ministros, eles estão autorizados a delegar a tarefa ao secretário-executivo, que é uma espécie de vice-ministro que cuida das atividades administrativas da pasta.
Algumas viagens, no entanto, só poderão ser autorizadas pelos próprios ministros. Isso será feito no caso do servidor que ficar fora mais de dez dias corridos ou 40 dias intercalados. Também isso será preciso quando mais de dez funcionários forem para um mesmo evento.
FISCALIZAÇÃO
Tática da oposição vai mirar a classe média
Ideia de PSDB e DEM para se contrapor ao Planalto é fazer blitze de fiscalização sobre serviços públicos e defender consumidores prejudicados
Marcelo de Moraes - O Estado de S.Paulo
Um jantar reunindo parlamentares do PSDB e do DEM selou na noite de terça-feira a consolidação da estratégia de ação das bancadas dos dois partidos na Câmara para tentar enfraquecer o governo federal. A ideia é ampliar a fiscalização sobre serviços públicos e defender medidas que beneficiem diretamente consumidores prejudicados por eventuais atos e omissões do governo da presidente Dilma Rousseff.
Dentro dessa estratégia, o alvo principal é a classe média, mas serão feitas ações que, calcula a oposição, poderão ter efeito sobre as camadas de renda mais baixa da população. Uma das propostas é fazer uma espécie de blitz em hospitais públicos espalhados pelo País e denunciar o mau funcionamento.
"Essa conversa serviu para afinar nossa estratégia", confirma o líder do DEM na Câmara, Antonio Carlos Magalhães Neto (BA). "Chegamos a um consenso de que é importante fiscalizarmos a prestação de serviços que o governo deixa de fazer e mostrar isso para a opinião pública. E isso pode ser feito, de fato, com essas visitas a hospitais públicos, por exemplo, expondo o que o governo deixa de realizar, mas acaba não sendo visto."
O líder do PSDB na Câmara, deputado Duarte Nogueira (SP), também participou do encontro, realizado na casa do deputado Pauderney Avelino (DEM-AM), e concorda com a estratégia. "Queremos qualificar nossos argumentos como oposição. Precisamos ser mais substantivos e menos adjetivos. Aliás, o governo é que tem apelado para o adjetivismo ultimamente", avalia.
Duarte concorda que as blitze que a oposição pretende realizar poderão ter um efeito bastante positivo. "É importante fiscalizar os atos do governo ou a falta deles e oferecer esse material para a sociedade. Pretendemos sim dar visibilidade a isso, mostrando as imagens do que for encontrado."
Modelo. Para o presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), essa estratégia pode garantir maior interação com a população. Ele lembra que o site do partido bateu recorde de acessos quando disponibilizou o modelo de requerimento para os consumidores entrarem com ação na Justiça contra a Infraero por conta de prejuízos causados pelo apagão aéreo. "Esse tipo de reação recebe resposta imediata. É esse contato com a sociedade que a oposição precisa buscar", diz.
OPERAÇÃO SATIAGRAHA
Arapongas da Abin na Satiagraha foi ilegal, afirmam ministros
MARIANGELA GALUCCI e FAUSTO MACEDO, de O Estado de S. Paulo
A participação de 76 arapongas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na Operação Satiagraha foi ilegal, concluíram os ministros Adilson Macabu (desembargador convocado) e Napoleão Nunes Maia Filho, da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Eles acolheram os argumentos da defesa do banqueiro Daniel Dantas, que em habeas corpus requereram a anulação das provas obtidas pela Polícia Federal e a extinção da ação penal que condenou o dono do Grupo Opportunity a 10 anos de prisão por corrupção. O julgamento no STJ foi interrompido pelo ministro Gilson Dipp, que pediu vista dos autos.
O engajamento dos agentes da Abin é um ponto emblemático da Satiagraha, desencadeada em julho de 2008 pela Polícia Federal. Durante a fase de interceptação telefônica e monitoramento de Dantas e outros alvos da missão, o delegado Protógenes Queiroz, agora deputado (PC do B-SP), recrutou os arapongas e a eles passou a incumbência de analisar as escutas.
A aliança PF/Abin abriu caminho para a defesa requerer a anulação dos procedimentos de escuta telefônica, interceptação telemática de e-mails e da ação controlada - etapas da investigação que embasaram o processo criminal que levou Dantas ao banco dos réus. O Ministério Público Federal pediu anulação da ação penal com base na clandestinidade da atuação da Abin.
Adilson Macabu, relator, votou pela concessão do habeas corpus - o ministro Maia Filho o acompanhou. O relator avalia que o inquérito contém vícios que "contaminam" todo o processo. Para Macabu, foi irregular a mobilização dos quadros da Abin, sob coordenação de Protógenes, pois foge das atribuições legais da agência criada para assessorar a Presidência da República.
ECONOMIA
BC volta a elevar taxa Selic em 0,5 ponto
Comitê de Política Monetária confirma expectativas do mercado e taxa de juro vai a 11,75% na segunda reunião do governo Dilma Rousseff
Fabio Graner - O Estado de S.Paulo
Com a presença de dois novos integrantes (Altamir Lopes e Sidnei Marques) e duração de quase quatro horas, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu por unanimidade elevar pela segunda vez seguida a taxa básica de juros em 0,5 ponto porcentual. Assim, a Selic subiu para 11,75% ao ano, nível mais alto em dois anos.
A alta dos juros ficou dentro do previsto pela maioria dos analistas do mercado financeiro, embora parte deles considerasse que a taxa deveria subir mais, diante da inflação e expectativas em alta. Na prática, apesar de a decisão ter vindo dentro das previsões, o BC está em choque com o pensamento de grande parte do mercado, que gostaria de ver uma atuação mais forte.
O comunicado da decisão foi curto: "Dando seguimento ao processo de ajuste das condições monetárias, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa Selic para 11,75% ao ano, sem viés". Em janeiro, o BC disse que a alta do juro, junto com as "ações macroprudenciais", contribuiria para convergir a inflação para a trajetória da meta.
Com o aumento na taxa básica, o BC dá sequência ao esforço de combate à escalada inflacionária. Embora não tenha sido mencionado no comunicado, a dosagem utilizada é coerente com o discurso recente de que a estratégia de controle de preços do BC tem ajuda das ações de aperto no crédito e na oferta de dinheiro (macroprudenciais) e também do reforço na política fiscal, refletida no corte de R$ 50 bilhões em despesas do orçamento.
A definição dos juros também está relacionada, ainda que de forma implícita, à preocupação de não desacelerar demais a economia. Há grande preocupação no governo de que o crescimento do País não seja muito inferior a 4%, taxa considerada abaixo do potencial. Para o mercado, em média, o potencial seria de 4,5%, número relativamente alinhado com o pensamento do Banco Central.
Desconhecimento. O economista sênior da gestora Franklin Templeton, Carlos Thadeu Filho, avaliou que a alta de 0,5 ponto decorre do fato de o BC ainda não saber o real impacto das medidas macroprudenciais sobre a economia. "Por navegar no desconhecido, o BC optou por esse ajuste, embora a piora nas expectativas de inflação merecesse um ajuste de 0,75 ponto", disse Thadeu.
O economista-chefe do Banco Cooperativo Sicredi, Alexandre Barbosa, concorda que a deterioração das expectativas de inflação demandava aperto maior. Ele salientou, contudo, que a alta de 0,5 ponto mostra um BC de fato atuando contra a alta da inflação, mas dentro da aposta de ação combinada em várias frentes da política econômica.
Barbosa avaliou que ainda não há elementos suficientes para se dizer qual a magnitude da desaceleração econômica. Dessa forma, o fato concreto, na visão dele, é que as vendas do varejo e o mercado de trabalho mostram demanda muito aquecida que precisa ser contida.
Para o economista-chefe do BES Investimento, Jankiel Santos, a decisão de ontem mostra que o BC está dando menor importância à piora das previsões de mercado para a inflação e prefere apostar nas próprias perspectivas. "O que você faz quando ninguém acredita em você? Você continua a andar a falar e reforçar o seu credo. Isso é o que a autoridade monetária aparentemente decidiu fazer."
AVIAÇÃO
Piloto morre em queda de monomotor
Evandro Fadel - O Estado de S.Paulo
O piloto Vitor Ascânio Caldonazo, de 61 anos, morreu ontem às 9h30 quando o monomotor modelo Bonanza, prefixo PT-OIS, caiu quando ele tentava decolar do Aeroporto Bacacheri, em área residencial de Curitiba. O avião atingiu um escritório próximo à pista. Duas pessoas que trabalhavam no local saíram ilesas. No mesmo terreno há outra casa, onde três moradores também saíram sem ferimentos.
Farmacêutico, Caldonazo pilotava aviões havia cerca de 30 anos. Seu destino ontem era Pará de Minas, em Minas Gerais.
Pouso de emergência. Pane em uma turbina em pleno voo interrompeu a viagem que uma aeronave da companhia panamenha Copa Airlines fazia entre Los Angeles e Cidade do Panamá, na tarde de terça-feira. O avião fez pouso de emergência em Guadalajara, no México. Ninguém ficou ferido.
O voo CM 473 levava cerca de 120 passageiros, inclusive brasileiros, que fariam escala no Panamá para voltar a São Paulo. O complemento da viagem estava previsto para a tarde de ontem. A aeronave apresentara problemas ainda em Los Angeles. Uma ave entrou na turbina quando o avião chegava à cidade, na segunda-feira. / COLABOROU UBIRATAN BRASIL
CONFINS
Cachorro invade pista e fecha aeroporto em MG
O Aeroporto Internacional de Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte, ficou fechado por meia hora na manhã de ontem, depois que um cachorro invadiu a pista. Segundo a Infraero, o cão, de pequeno porte, interrompeu pousos e decolagens entre 11h20 e 18h48. Nenhum voo chegou a ser cancelado, mas alguns voos tiveram pequenos atrasos. Funcionários não conseguiram pegar o cachorro, que fugiu.
DIRETO DA FONTE
Sonia Racy
Pelos céus
Consta que Luciano Coutinho, do BNDES, levou para Dilma o novo projeto para os aeroportos brasileiros. Incluindo unidades a ser construídas e geridas pela iniciativa privada.
A presidenta teria gostado.
In english
Newton Lima, deputado federal, e Oswaldo Barba, prefeito de São Carlos, foram à Brasília. Pediram a internacionalização do aeroporto da cidade.
Vai andar?
TENSÃO NO ORIENTE MÉDIO
Recusa de pilotos de atacar rebeldes marca derrota de forças pró-Kadafi
Falta do apoio aéreo às tropas do ditador líbio é decisiva em batalhas-chave na região leste da Líbia
Lourival Sant’Anna, enviado especial
BREGA - Sem o apoio da Força Aérea líbia, cujos pilotos não acataram a ordem de bombardear alvos rebeldes, tropas leais ao presidente Muamar Kadafi fracassaram na quarta-feira, 2, na tentativa de retomar instalações petrolíferas do vilarejo de Brega, 230 km a oeste de Benghazi, a principal cidade controlada pelos rebeldes.
Pelo menos 14 pessoas morreram e 29 ficaram feridas no combate que se seguiu à ocupação da refinaria e da pista de pouso por integrantes das Forças especiais e mercenários, repelidos por combatentes e soldados rebeldes. O saldo não inclui mortos e feridos levados pelas Forças do governo ao baterem em retirada.
A recusa dos pilotos da Força Aérea líbia de atacar não só os civis, mas até mesmo alvos militares controlados pelos rebeldes, teve papel decisivo na derrota de ontem das Forças leais a Kadafi.
A ofensiva contra Brega foi precedida de pelo menos duas missões destinadas a destruir a Base de Hania, em Ajdabiya, a principal da região, onde estão armazenadas centenas de granadas propelidas por foguetes (RPGs, na sigla em inglês), bombas e munição para peças de artilharia.
O Estado constatou que a base permanece intacta. Moradores e combatentes relataram que, tanto na segunda-feira quanto ontem, os aviões despejaram suas bombas em áreas desertas perto da base. O piloto de ontem pousou seu avião no deserto, aproximadamente a 40 quilômetros de Ajdabiya, e combatentes oposicionistas saíram em caminhonetes para resgatá-lo.
O repórter testemunhou os combatentes provenientes de Brega chegando à base, enchendo cinco carros de RPGs e retornando ao povoado situado a 70 quilômetros, onde desalojaram os soldados e mercenários leais a Kadafi.
Batalha
De acordo com combatentes e moradores de Brega ouvidos pela reportagem, os integrantes das Forças especiais e mercenários negros africanos chegaram às 6h30 locais, em cerca de 130 caminhonetes 4 x 4, e ocuparam a pista de pouso e a refinaria, matando dois de seus seguranças na entrada.
Brega tem apenas 2 mil moradores, mas é estratégica, porque fornece gasolina e gás a Benghazi, a segunda maior cidade do país, com 1 milhão de habitantes. Daqui parte também o gasoduto submarino para a Itália. Brega representava ainda um avanço das Forças leais ao governo na direção do leste. A ofensiva foi apoiada por um avião de guerra, aparentemente um Sukhoi russo, e por peças de artilharia montadas sobre as caminhonetes.
O reforço dos combatentes anti-Kadafi começou a chegar a Brega por volta de meio-dia, vindo de Ajdabiya, 70 km a leste, e de Benghazi. A maioria era de civis armados com fuzis Kalashnikov. Havia também soldados do Exército rebelde. Pelo menos dez caminhonetes com peças de artilharia e um caminhão com quatro baterias antiAéreas passaram na estrada de Ajdabiya para Brega, a caminho do contra-ataque. Um tanque foi estacionado de cada lado na entrada de Ajdabiya, ornada por um arco do triunfo de metal verde, remanescente da arquitetura triunfalista de Kadafi.
Com a chegada do reforço, parte dos soldados e mercenários pró-Kadafi saiu da refinaria, invadiu a Universidade Al-Nejm al-Sata e fez reféns cerca de 40 pessoas - na maioria, mulheres e filhos dos professores, que estavam no alojamento -, relataram várias testemunhas. Os civis foram colocados como escudos humanos na frente da universidade, enquanto soldados e mercenários disparavam contra os combatentes rebeldes, que temiam responder ao fogo e atingir os reféns.
Reforços
Insurgentes vieram buscar granadas propelidas por foguetes (RPGs), disparadas dos ombros, na Base de Hania, em Ajdabiya, voltaram a Brega e passaram a atacar a universidade e a refinaria de vários flancos, juntamente com os reforços do Exército rebelde. Os soldados das Forças especiais leais a Kadafi e mercenários bateram em retirada por volta das 17h30 locais (12h30 em Brasília), levando feridos, possivelmente mortos e entre sete e oito reféns, segundo relatos feitos ao Estado. Eles fugiram nas suas caminhonetes 4x4 pelas areias do deserto, na direção do sul. Parte dos combatentes saiu ao seu encalço. O repórter viu o avião despejando bombas entre os soldados e mercenários e os rebeldes, que por isso recuaram.
Os combatentes observaram que o piloto não tinha intenção de matá-los, mas apenas garantir a fuga dos governistas, caso contrário o saldo de mortos e feridos teria sido muito maior. Uma das bombas fez uma grande cratera na beira da estrada. Vários combatentes anti-Kadafi entraram nela brandindo seus fuzis e gritando: "Allah-u-Akbar" ("Deus é grande").
Enquanto isso, muitos deles viviam aflições pessoais. Hussein Abdullah, de 20 anos, contou que seu pai estava entre os reféns transformados em escudos humanos na Universidade Al-Nejm al-Sata. Trabalhador de uma mina de alumínio, ele tinha um ferimento no pescoço. Abdullah voltou em disparada para Brega, a fim de salvar seu pai. O Estado não o encontrou depois do combate.
Confrontos deixam para trás tenebroso rastro de morte e sangue
Lourival Sant'Anna - O Estado de S.Paulo
O destino das tropas pró-Kadafi é incerto. Moradores de Brega disseram que há quatro campos de petróleo naquela direção, o primeiro deles a 120 km. Depois desses campos, está a cidade de Awjilah. "Talvez eles queiram tomar o controle dos campos", especulou o engenheiro Mohamed al-Borju, que trabalha na fábrica da Alcatel aberta há um ano em Brega.
No necrotério do hospital de Brega, o repórter do Estado viu dez corpos. Dois deles integravam as tropas leais ao governo: um líbio, pertencente à tribo de Kadafi, Al-Gaddadfa, segundo os funcionários do hospital, e um negro, identificado como mercenário nigeriano.
Entre os mortos estava um garoto de 15 anos, que segundo os funcionários era um pastor de ovelhas desarmado. Um irmão dele, também criança, foi ferido, assim como uma mulher.
Todos os feridos foram levados em ambulâncias para Ajdabiya e Benghazi, porque o hospital de Brega não tem condições de atendê-los. Quatro corpos de rebeldes foram levados para suas cidades de origem - Azzuwaytinah e Al-Baida.
Quatro dos mortos tiveram parte do corpo desfigurado por estilhaços de bombas.
"Veja o que Kadafi faz", disse o médico Abdul Fatah Mograbi, de 34 anos, abrindo a porta da câmara funerária para o repórter do Estado: "Leva nosso petróleo, nosso sangue e nos dá apenas bombas". Lá fora, homens gritavam: "Eles são mártires queridos por Alá".
A noite caiu sobre Brega; e a atmosfera era de celebração. Os moradores e os combatentes que vieram ajudá-los sentiam orgulho de ter rechaçado as forças de Kadafi, durante 41 anos considerado invencível.
Brasileiro se isola para escapar de bombardeio
Mecânico de aviões de estatal petrolífera, André Luis Poças não consegue deixar Brega, cidade que foi alvo de violentos ataques do regime de Kadafi
Lourival Sant"Anna - O Estado de S.Paulo
No interior da Refinaria Sirt, em Brega, ocupada ontem pelas forças do governo e recuperada horas depois pelos rebeldes, está o único brasileiro que permanece na Líbia, com exceção de diplomatas e jornalistas: o mecânico de aviões André Luis Claro Poças.
O ataque abortou dois planos de resgate de Poças, funcionário da estatal líbia Petroair, encarregada do transporte aéreo de trabalhadores do setor de petróleo. A empresa pretendia levá-lo ontem para outra refinaria, a 100 quilômetros de Brega, onde ele embarcaria em um avião.
A pista de pouso da cidade não pode ser usada, pois foi danificada no início dos confrontos, há duas semanas. O combate suspendeu também um plano alternativo, da embaixada do Brasil em Trípoli, de levá-lo por terra para Benghazi, a 230 quilômetros de Brega.
Poças contou que acordou às 7h33 (2h33 em Brasília) com o barulho do avião de guerra e estrondos das bombas e tiroteios, que lhe pareceram vir da pista de pouso. Às 13 horas, (8 horas em Brasília), ouviu o barulho de confrontos vindo do lado da refinaria. Ele continuou dentro de casa, de onde não sai há 12 dias.
O mecânico, de 44 anos, mora na Líbia desde 2007, quando o país adquiriu o primeiro jato RJ-170 da Embraer. Em 2010, a Petroair comprou mais dois aviões. Desde o início dos confrontos, os três aviões foram levados para o aeroporto militar de Mitiga, em Trípoli. Ele alterna 28 dias de férias no Brasil com 28 de trabalho na Líbia. Voltou de férias dois dias antes do início dos confrontos.
PARA LEMBRAR
Segundo cálculos do Itamaraty, havia cerca de 600 brasileiros na Líbia quando se iniciaram os protestos contra o regime de Muamar Kadafi. A comunidade brasileira concentrava-se em Benghazi e em Trípoli. A maior parte dos brasileiros deixou a Líbia de avião e foi para a Europa, mas outros foram de navios até países do sul da Europa, como Malta e Grécia.
Arsenal americano a caminho do país tem ''helicóptero-avião''
Osprey decola com hélices em posição vertical e voa a 500km/h; armamento nunca foi usado em combate
Roberto Godoy - O Estado de S.Paulo
Pela primeira vez, os marines americanos poderão usar na Líbia em larga escala as aeronaves Osprey, que estão a bordo do navio de desembarque anfíbio Kearsarge, juntamente com entre 400 e 800 militares.
O modelo V-22 decola como um helicóptero e voa com a velocidade de um avião. A asa é móvel: na subida e descida é mantida na posição vertical, com hélices voltadas para cima. No ar, a disposição é horizontal. Leva 24 marines armados e uma tonelada de equipamento. Em condições de combate a velocidade é de 500 km/hora e o alcance fica na faixa dos 680 quilômetros. O armamento regular é a metralhadora .50 ou um canhão .308.
Osprey, a "Águia do Mar", é resultado de um programa caro: de 1985 até 2009 custou US$ 27 bilhões. Cada aeronave operacional não sai por menos de US$ 67 milhões. A encomenda total feita à Boeing é de 458 unidades.
Líbia convida Brasil para ser observador da crise política
Andrei Netto - O Estado de S.Paulo
O regime de Muamar Kadafi convidou ontem formalmente o Brasil a integrar uma missão de observadores que acompanharia a crise entre opositores e o governo da Líbia. A proposta foi feita por autoridades do governo ao embaixador brasileiro em Trípoli, George Fernandes, durante um encontro para celebrar o "Dia do Povo" - data de refundação da Líbia, há 34 anos.
O convite ao Brasil foi estendido à União Africana e ao bloco da Conferência Islâmica. Mas dificilmente a missão de observadores, conforme os planos de Kadafi, será levada adiante.
As relações entre o regime de Kadafi e o Brasil ganharam impulso com o governo Luiz Inácio Lula da Silva, que visitou a Líbia em 2003. Pouco antes, desembarcara no Brasil Saadi Kadafi, um dos oito filhos do ditador, que comandava a seleção de futebol da Líbia. "Lula esteve várias vezes com meu pai nos últimos anos e eles têm simpatia um pelo outro", disse Saadi na época.
Na ONU, o governo Lula esteve ao lado da Líbia em votações polêmicas. Em 2003, os dois países apoiaram uma resolução da extinta Comissão de Direitos Humanos que determinou a expulsão da ONG Repórteres Sem Fronteiras, que luta pela liberdade de imprensa no mundo. O texto tinha sido proposto pela Líbia depois que ativistas do grupo fizeram um protesto contra a presença do país na presidência do órgão de direitos humanos.
Mediação. A Venezuela informou ontem que o presidente Hugo Chávez conversou com Kadafi por telefone sobre a formação de uma comissão de paz internacional para tentar mediar a crise na Líbia. Na terça-feira, Chávez acusou EUA e Otan de promover uma solução militar para a crise.
EUA querem consenso para intervenção
Secretário de Defesa americano, Robert Gates, diz que país não entrará sozinho em outra guerra; Washington aguarda uma decisão na Otan
Denise Chrispim Marin - O Estado de S.Paulo
Os Estados Unidos apostam na obtenção de consenso na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) sobre uma eventual intervenção militar na Líbia, como forma de evitar uma ação unilateral e a transformação desse país em uma "Somália gigante".
Ontem, a secretária de Estado Hillary Clinton mudou sua posição e mostrou-se reticente à imposição de uma zona de exclusão aérea pelos EUA - iniciativa com intenção de dar cobertura à ação dos rebeldes líbios. O secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates, manteve a pressão sobre o governo de Muamar Kadafi ao assinalar que há várias opções. Mas Gates enfatizou que o governo americano não entrará sozinho em outra guerra.
"Se movermos mais tropas, quais serão as consequências para o Afeganistão, para o Golfo Pérsico? E quais outros aliados estão preparados para atuar conosco (na Líbia)? Nós temos também de pensar com franqueza sobre o uso da força militar dos EUA em outro país do Oriente Médio", afirmou o secretário de Defesa americano.
Dois navios anfíbios e 400 marines estão a caminho do Mar Mediterrâneo, por ordem do presidente americano, Barack Obama. Até ontem, o Pentágono dizia não ter informações sobre o local onde essas forças deverão ser aportadas.
Entre as opções estratégicas dos EUA estão o abastecimento de armas aos rebeldes líbios e uma discreta parceria com a Liga Árabe. Mas ambas as medidas são avaliadas com cautela pelo Pentágono.
O fornecimento de armas é uma demanda dos rebeldes da Líbia, ainda não atendida pelo governo Obama, mas estimulada com força por líderes do Partido Democrata no Senado. Entre eles, o senador Joe Lieberman, para quem o momento atual é de "ação, não de discursos".
A Liga Árabe abriu uma alternativa aos EUA, ontem, ao anunciar uma possível adoção de uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia, em parceria com a União Africana.
Na semana passada, o governo líbio foi suspenso da organização por causa da sua reação violenta aos protestos pró-democracia. "A Liga Árabe não vai ficar de braços cruzados enquanto o sangue de nossos irmãos líbios é derramado", declarou ontem o egípcio Amr Moussa, presidente da entidade.
Conveniência. A Otan ainda não chegou a um consenso sobre o uso da força contra o governo líbio, segundo enfatizou Gates.
A França pretende refletir sobre a conveniência de uma guerra no Mediterrâneo. A Alemanha opõe-se mais claramente ao possível conflito. Já a Grã-Bretanha acredita ser inevitável uma ação militar.
"Uma de nossas maiores preocupações é a Líbia cair no caos e se tornar uma Somália gigante", disse Hillary aos senadores americanos, referindo-se ao fato de o país do Norte da África ser considerado uma área livre para abrigo de ativistas da Al-Qaeda e outros grupos fundamentalistas islâmicos.
A principal dificuldade para a Otan fechar uma posição comum está na ausência de uma autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas que permita a ação militar.
A resolução aprovada na semana passada pelo organismo internacional impôs sanções contra a Líbia, mas ficou distante de uma ação mais rigorosa.
Otan estuda plano usado nos Bálcãs nos anos 90
Denise Chrispim Marin - O Estado de S.Paulo
A imposição de uma zona de exclusão aérea sobre o território da Líbia ainda é tema polêmico na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), mas a aliança militar ocidental já estuda planos para uma intervenção nos moldes da realizada nos Bálcãs entre 1993 e 1995.
Se for eventualmente adotada, a medida prevê o abate de qualquer avião ou helicóptero líbio que decole, além de ataques contra baterias antiaéreas de Trípoli. Dessa forma, impediria o ataque líbio às forças rebeldes e lhes daria vantagem para operar em solo. Da mesma forma, evitaria qualquer tipo de ameaça aérea contra civis.
CANAL DE SUEZ, EGITO
Navios do Irã voltam a passar por Suez hoje
Os dois navios de guerra iranianos - cuja passagem pelo Canal de Suez em direção à Síria foi considerada uma "provocação" por Israel - voltarão ao Mar Vermelho pelo mesmo caminho na manhã de hoje, informou um funcionário local. Desde a Revolução Islâmica, de 1979, nenhuma embarcação iraniana havia passado pelo canal. Os barcos chegaram à Síria no dia 23. De acordo com o governo do Irã, os navios não realizaram nenhum tipo de exercício militar - como tinha sido noticiado -, mas uma viagem levando uma "mensagem de paz e amizade" ao mundo. / REUTERS
VISÃO GLOBAL
Os árabes estão prontos para a democracia?
Há tempos, persiste um estereótipo grosseiro segundo o qual alguns povos - árabes, chineses e africanos - seriam incompatíveis com o princípio democrático
*Nicholas D. Kristof, The New York Times - O Estado de S.Paulo
Será que o mundo árabe não está preparado para a democracia? Há tempos persiste um estereótipo grosseiro segundo o qual alguns povos - árabes, chineses e africanos - seriam incompatíveis com a democracia. Muitas pessoas no mundo temem que o "poder do povo" possa brotar do caos como na Somália, da guerra civil como no Iraque ou da opressão como no Irã.
Esta concepção foi alimentada pelos ocidentais e, o que é mais triste, por alguns líderes árabes, chineses e africanos. Portanto, enquanto grande parte do Oriente Médio está em revolta hoje, abordaremos sem rodeios uma indagação politicamente incorreta: será que os árabes são politicamente imaturos para adotar a democracia? Esta preocupação é o subtexto de grande parte da ansiedade que as pessoas sentem hoje, de Washington a Riad. É inquestionável que há riscos: a derrubada do xá do Irã, de Saddam Hussein no Iraque, de Tito na Iugoslávia, levaram a uma nova opressão e ao derramamento de sangue.
Em 1997, os congoleses comemoraram a deposição do ditador que estava no poder havia muito tempo, mas a guerra civil que se seguiu desde então é a mais mortífera desde a 2.ª Guerra. Se a Líbia se tornar um novo Congo, se o Bahrein se transformar num satélite do Irã, se o Egito passar a ser controlado pela Irmandade Muçulmana - é possível que o cidadão comum sinta saudades do antigo opressor.
"Antes da revolução, éramos escravos; agora somos escravos dos antigos escravos", declarou Lu Xun, escritor chinês, depois da derrota da dinastia Qing. É este o futuro do Oriente Médio? Não acredito. Além disso, na minha opinião, este raciocínio é um insulto ao mundo que ainda não se libertou.
Nas últimas semanas, no Egito e no Bahrein, experimentei um grande sentimento de humildade diante dos homens e das mulheres corajosos que vi desafiando o gás lacrimogêneo ou as balas em nome da liberdade que para nós é ponto pacífico. Como podemos afirmar que estas pessoas não estão prontas para a democracia pela qual estão dispostas a morrer? Nós, americanos, cuspimos clichês a torto e a direito sobre liberdade.
Símbolos da revolução. Os defensores da democracia no Oriente Médio estão suportando torturas inimagináveis como preço por sua luta, mas não desistem. No Bahrein, ex-prisioneiros políticos contaram que suas mulheres foram levadas para a cadeia e colocadas na frente deles. Depois os policiais disseram que se eles não confessassem, elas seriam violentadas.
Isso, ou torturas mais convencionais, costumam produzir confissões temporárias e, no entanto, durante anos ou décadas, estes ativistas continuaram sua luta pela democracia. E nós perguntamos se eles estarão suficientemente maduros para a democracia? A linha que, este ano, une o movimento pela democracia da Tunísia ao Irã, do Iêmen à Líbia, é a coragem inabalável.
Nunca esquecerei de um homem cujas pernas haviam sido amputadas que vi na Praça Tahrir, no Cairo. Enquanto os capangas de Hosni Mubarak atacavam com pedras, paus e coquetéis Molotov, este jovem não hesitou e empurrou sua cadeira de rodas para a linha de frente. E nós duvidamos de sua compreensão do que seja democracia? No Bahrein, vi uma fileira de homens e mulheres avançarem desarmados na direção das forças de segurança, quando, um dia antes, as tropas haviam aberto fogo sem piedade.
Alguém ousará dizer que estas pessoas são demasiado imaturas para a democracia?
Sem dúvida, encontrarão obstáculos pela frente. Os americanos levaram seis anos depois da Guerra Revolucionária para eleger um presidente e por pouco os EUA não se dividiram na década de 1860. Quando a Europa Oriental se tornou democrática depois das revoluções de 1989, na Polônia e na República Checa a transição não apresentou problemas, mas a Romênia e a Albânia suportaram o caos durante anos.
Em geral, depois de alguns erros, os países encontram seu caminho. Educação, riqueza, relações internacionais e instituições da sociedade civil poderão ajudar. Por outro lado, hoje, Egito, Líbia e Bahrein estão em melhores condições para exercer a democracia do que a Mongólia ou a Indonésia na década de 90 - e a Mongólia e a Indonésia hoje têm uma história de sucesso.
Há poucos dias, o premiê britânico, David Cameron, visitou o Oriente Médio e admitiu francamente que a Grã-Bretanha apoiou regimes autoritários por muito tempo para que se pudesse esperar a estabilidade. Admitiu que seu país acreditara na ideia sectária "de que árabes ou muçulmanos não podem exercer a democracia". E acrescentou: "Na minha opinião, trata-se de um preconceito que beira o racismo. É ofensivo e errado, é uma mentira".
E, no entanto, esta visão continua sendo apregoada pelas ditaduras árabes, particularmente a Arábia Saudita - e, evidentemente, pelos líderes da China e por quase todos os déspotas africanos. É lamentável que os ocidentais se mostrem tão intolerantes, mas é ainda mais lamentável que os líderes do mundo em desenvolvimento expressem esse tipo de preconceito a respeito de seu próprio povo.
No século 21, não existe alternativa viável à ideia do poder popular. O professor William Easterly, da New York University, propõe uma norma de reciprocidade: "Eu não apoio a autocracia na sua sociedade porque não quero a autocracia na minha sociedade". Este deveria ser nosso novo ponto de partida.
Estou impressionado com a coragem que testemunhei e é mesquinho e absurdo sugerir que pessoas que morrem pela democracia não estão preparadas para exercê-la.
TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
*É COLUNISTA
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