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sexta-feira, 25 de março de 2011

25 de março de 2011 - O GLOBO


DESTAQUE DE CAPA
Brasil muda e agora apoia investigar os abusos do Irã

O governo Dilma Rousseff distanciou-se claramente da postura do antecessor Lula em relação ao Irã, votando a favor de uma resolução que abre caminho para o Conselho de Direitos Humanos da ONU investigar as denuncias de violações do regime de Mahmoud Ahmadinejad. Em sua visita a Brasília, no sábado, Barack Obama pediu o apoio de Dilma a resolução, mas não obteve resposta. Na votação de ontem, ficou clara a divisão: entre os sete que apoiaram o regime dos aiatolás, estão países com sérios problemas de direitos humanos, como Cuba, Paquistão e China, que temem ser alvo de uma resolução semelhante. "Este não é um voto contra o Irã. É um voto a favor do fortalecimento do sistema de direitos humanos", justificou a representante do Brasil, embaixadora Maria Nazareth Farani Azevedo.


Brasil se afasta do Irã em direitos humanos
País vota a favor de resolução da ONU que abre investigação de denúncias de violações pelo governo de Ahmadinejad

Deborah Berlinck e Eliane Oliveira

Ogoverno de Dilma Rousseff pôs fim à postura de paciência do governo Lula em relação ao Irã e mudou ontem claramente de tom quanto ao país, votando a favor de uma resolução que abre o caminho para o Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, investigar as numerosas denúncias de violações imputadas ao governo de Mahmoud Ahmadinejad.
A resolução, proposta por Washington, foi aprovada por 22 votos contra 7. Um alto funcionário do governo brasileiro disse que o presidente americano, Barack Obama, pediu pessoalmente no seu encontro em Brasília com Dilma Rousseff que o Brasil fosse coautor da resolução. Dilma não teria respondido. Fez mistério até o momento da votação, quando o Brasil sinalizou que, se havia uma política entre brasileiros e iranianos, esta foi fortemente abalada.
O voto contrasta com a decisão do Brasil de optar, em novembro passado, pela abstenção na votação de uma resolução num comitê da Assembleia Geral condenando o desrespeito aos direitos humanos no Irã. A medida pedia o fim dos apedrejamentos, as perseguições a minorias étnicas e os ataques a jornalistas. Durante o governo de Lula, houve mesmo um empenho pessoal do então presidente brasileiro e do primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, na tentativa de mediar uma solução para o programa nuclear iraniano, visto com desconfiança pelo Ocidente.
Na votação ficou clara a divisão: entre os sete que apoiaram o Irã estão países com sérios problemas de direitos humanos e que temem um dia ser alvo de uma resolução semelhante, como Cuba, Paquistão e China. Outros 14 países, dos 47 que formam o Conselho - se abstiveram, e quatro não compareceram ao voto. O próximo passo será nomear um relator especial para investigar as violações no Irã - o que não deve acontecer antes de julho.
- Este não é um voto contra o Irã. É um voto a favor do fortalecimento do sistema de direitos humanos - justificou a representante do Brasil no conselho, a embaixadora Maria Nazareth Farani Azevedo.

Embaixadora diz que país persa se fechou
Segundo ela, o voto é coerente com a mensagem de Dilma Rousseff, de que direitos humanos são um elemento central da política externa e interna do Brasil. Mas é também coerente - insistiu - com as posições do governo no Conselho de Direitos Humanos. A embaixadora lembrou que o Brasil já havia votado a favor de resoluções similares no passado. E justificou a abstenção do Brasil na antiga Comissão de Direitos Humanos da ONU (atual Conselho) em 2001 dessa forma: o Brasil se absteve porque o Irã se mostrou aberto ao diálogo, recebendo oficialmente seis relatores entre 2001 e 2006. Mas diante da recusa do país em receber visitas, o Brasil voltou a favorecer a existência de um mecanismo de monitoramento sobre o país persa.
- O Irã se fechou, e por isso votamos a favor do mandato do relator especial - justificou a representante brasileira.
A embaixadora negou que o voto seja parte de uma barganha diplomática para que o Brasil obtenha uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.
- Achar que o voto sobre o mandato do Irã é passível de troca para a entrada do Brasil no Conselho de Segurança é diminuir muito a importância do Brasil. O país tem todas as credenciais para almejar a uma cadeira permanente do Conselho, e não são os direitos humanos que serão negociáveis - disse.
A votação durou apenas alguns minutos. Num discurso antes da votação, a embaixadora citou a pena de morte no Irã como uma "preocupação particular" do governo brasileiro. Numa entrevista ao jornal americano "Washington Post" assim que foi eleita, Dilma Rousseff considerou a condenação à morte de Sakineh Ashtiani por apedrejamento um ato "medieval". Essa declaração foi o primeiro indício de que o novo governo mudaria o tom em relação ao Irã.
Eileen Chamberlain Donahoe, representante dos Estados Unidos no conselho da ONU, fez um discurso dizendo que a situação dos direitos humanos no Irã havia se deteriorado "dramaticamente" nos últimos anos.
O Irã, como esperado, classificou o voto como uma intrusão nas questões internas do país, e teve apoio do Paquistão, que falou em nome da Organização da Conferência Islâmica - órgão que representa as nações muçulmanas e tem base na Arabia Saudita.
- Por uma questão de princípio, o Paquistão não apoia mandatos contra um país - disse o embaixador paquistanês Zamir Akramele. - Nenhum país no mundo pode afirmar que tem um histórico imaculado em matéria de direitos humanos."
Outro que partiu em defesa do Irã foi Cuba. O embaixador Rodolfo Rodriguez criticou o que chamou de "apetite imperialista" do Ocidente , e queixou-se de que na época do xá do Irã - apoiado pelos EUA e derrubado pelos aiatolás - havia repressão, mas ninguém dizia nada.
- (A votação) é apenas um pretexto para fundamentar uma política de hostilidade e eventualmente um ataque militar contra o Irã. Cuba não se silenciará diante desta situação - afirmou o cubano.


ENTREVISTA: GUSTAVO VALE
'Se a Copa fosse hoje, não teria problema'
Novo presidente da Infraero diz que há ociosidade nos aeroportos em certos horários e que investimentos resolverão

Patrícia Duarte

BRASÍLIA. De sua sala na sede da Infraero em Brasília, o novo presidente da estatal que administra os aeroportos brasileiros, Gustavo Vale, monitora em tempo real os principais terminais do país num telão. Percebe que, em horários alternativos, até os terminais mais movimentados ficam praticamente vazios. Por isso, está convencido de que "se a Copa fosse hoje, não teria problema": "Dá para jogar uma partida de futebol no saguão!", brincou, ao ver os poucos passageiros que passavam pelo Aeroporto de Brasília na hora do almoço. Vale, que foi diretor do Banco Central por oito anos, adiantou que a Infraero pode diminuir tarifas para atrair empresas aéreas para o Galeão, que sofre com o baixo movimento.

É mais difícil elevar os juros ou lidar com as demandas e críticas contra os aeroportos brasileiros?
GUSTAVO VALE: Completamente diferentes e ambas as coisas são difíceis. A diferença que eu faço basicamente é que, em aeroporto, (as decisões) atingem todas as pessoas que, de uma forma ou de outra, dependem do transporte aéreo, uma parte dentro da sociedade brasileira. Mexer com a política macroeconômica atinge a sociedade como um todo. Mas aqui, por ser uma empresa onde as atividades são mais dinâmicas, requer decisões mais rápidas e urgentes.

Diante da urgência, quais as principais questões a enfrentar?
VALE: O maior problema da Infraero, sem dúvida nenhuma, é o crescimento da demanda, que veio de forma muito mais rápida do que se imaginava (a alta de 35% em 2010), mas não foi acompanhado dos investimentos necessários. (A expansão) Deve baixar para 12% ou 13% ao ano e se estabilizará nos próximos 4 ou 5 anos, na faixa de 230 milhões (passageiros) ao ano. O plano de investimento da Infraero, na faixa de R$5,3 bilhões (13 aeroportos) em 4 ou 5 anos, contempla esses números.

Os recursos são públicos ou também há dinheiro privado?
VALE: Públicos. Os processos de concessão, de Parceria Público Privada (PPP) e abertura de capital (da Infraero) estão sendo analisados, mas não podemos esperar o processo maturar para começar investimentos.


A verba já está garantida?
VALE: Já está garantida com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e recursos próprios.

Os investimentos vão incluir os "puxadinhos" (módulos temporários para aumentar área de embarque)?
VALE: Evidente. É um apelido carinhoso (risos). Os módulos operacionais são usados no mundo todo.

Então esses recursos são suficientes para atender a demanda? Dá para entender que os privados não seriam tão necessários...
VALE: Não dá para entender isso não pois há algumas coisas nas quais a presença privada é extremamente importante, principalmente nos aeroportos que necessitam de novo terminal. Estamos falando de aumento de capacidade, de reforma de pista. A Infraero contratou uma empresa especializada na montagem de projetos de PPP visando à construção do terceiro terminal de Guarulhos. A empresa construirá o terminal e terá a exploração comercial por um período, em lojas, lanchonetes....

O governo tem falado em vários tipos de concessão, mas isso passa também pelos grandes aeroportos?
VALE: Pode passar. Não há decisões, pelo menos não chegaram a mim. Tudo pode acontecer.

Já há um cálculo de quanto será necessário investir?
VALE: Ainda não. Nosso problema é mais de velocidade, pois estamos sujeitos à lei das estatais, a iniciativa privada traria velocidade, pois não tem de licitar obras.

A Infraero havia solicitado ao governo um regime especial como o da Petrobras.
VALE: Isso não me preocupa porque temos de seguir a lei. Temos um trabalho de antecipação dos probemas. A reforma de Confins (BH), por exemplo, foi suspensa pelo Tribunal de Contas da União. Nos reunimos, mexemos no projeto e a obra acabou autorizada. Está andando no ritmo adequado? Não. Entendemos que, por causa desses processos, as grandes empreiteiras não estão participando das licitações da Infraero. Só pequenas e médias, e estão com cerca de 60% das obras atrasadas.

Com 60% das obras atrasadas e a Copa chegando, a situação não preocupa?
VALE: Tanto a Copa quanto as Olimpíadas, é evidente que preocupa, mas não é a questão principal. Nós temos vantagens com a Copa que normalmente passam desapercebidas. Vai envolver 12 cidades e sabemos com dois anos de antecedência quantas pessoas vêm. Ela é limitada à capacidade dos estádios e ao interesse nos jogos. E mais: grande parte dos usuários de Copa vem em voos fretados que você pode colocar chegando nos horários de vale (movimento lá embaixo). Estamos vendo Guarulhos agora (12h30m de ontem), que é o mais saturado. Se chegar voo fretado para a Copa agora, não faz a menor diferença.

Então, mesmo que não houvesse os investimentos de agora, a Copa não seria problema?
VALE: É difícil dizer uma coisa que vai acontecer daqui a três anos. Mas eu digo que, se a Copa fosse hoje, não teria problema.

E Olimpíadas do Rio?
VALE: Olimpíadas preocupam um pouco mais porque é num lugar só, concentra o fluxo de passageiros. Tanto é que o Galeão é a nossa preocupação. Ele está operando com 70% da capacidade e as obras em andamento vão fazer com que o Galeão tenha plena capacidade de atender a demanda até 2018.

Mas o Galeão está quase às moscas. Como incentivar as empresas a voarem para lá?
VALE: Uma possibilidade é reduzir as tarifas aeroportuárias (para as empresas) Mas a Infraero não tem autonomia, nem pode ter, de fazer com que o aeroporto seja ou não usado. O governo do Rio também pode ajudar, apesar de ainda não haver nenhum estudo conjunto. Uma coisa poderia ser (o Rio dar) subsídio ao combustível. Mas, com a criação da Autoridade Pública Olímpica (APO), vamos ter um canal. Eu vejo a criação da APO como uma forma de revitalizar o Rio como ponto comercial e turístico do Brasil.

A abertura de capital da Infraero vai sair mesmo?
VALE: Está em estudo e é desejável para o governo e a Infraero. Mas não pode ser antecedente a tudo que temos de fazer, deve ser paralela.
JOGOS MILITARES
Engenhão e São Januário sob novo controle
Comitê organizador assume em julho operação dos dois estádios, mas Fla-Flu do Brasileiro está mantido

Claudio Nogueira

A organização dos jogos Mundiais militares, que serão disputados em julho, no Rio, vai assumir o gerenciamento do Engenhão no dia 10 de julho, assim que se encerrar o clássico entre Flamengo e Fluminense, pela nona rodada do Campeonato Brasileiro. O mega evento militar acontece entre os dias 16 e 24 de julho. O Engenhão e São Januário serão cedidos ao evento.
- Os contratos de cessão dos dois estádios estão assinados desde 2009, com o Botafogo, o Vasco e a CBF. A abertura, no dia 16, o encerramento, dia 24, as provas de atletismo, de 18 a 22, e as finais masculinas do futebol, no dia 23, tudo isso será no Engenhão - afirmou o coronel do Exército José Ricardo Paschoal, gerente de Esportes Coletivos dos jogos. - Em São Januário, o futebol, no feminino, será nos dias 21 e 23 de julho.
Segundo o coronel, no acerto feito com os clubes, o uso do Engenhão e de São Januário será compartilhado com o Comitê Organizador dos jogos militares (CPO) de 23 de junho a 10 de julho. De 11 a 25 de julho, não haverá partidas nesses estádios.
- Eles serão de uso exclusivo dos jogos militares - afirmou o coronel.
Segundo o gerente de Esportes Individuais, coronel Mauro Secco, um núcleo inicial de trabalho formado pela gerência de Instalação e de Competição começará a trabalhar no Engenhão já a partir do mês de abril, com a concordância do Botafogo. No torneio de futebol dos jogos Mundiais militares, haverá 12 seleções masculinas e oito femininas.
- O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, nos garantiu a cessão do estádio entre os dias 10 e 25 de julho. Nesse período, o Engenhão será utilizado somente para os jogos. No caso de São Januário, será usado apenas nos dias 21 e 23. Foram tomadas as medidas para atender aos jogos militares, que são maiores que os jogos Pan-Americanos de 2007 - disse Paschoal.

Clássico servirá de teste
Mas, como será a ocupação do estádio, se no dia 10 de julho haverá um Fla-Flu?
- Por ser o primeiro dia da utilização do estádio pelos jogos, não haverá problema. Se fosse entre 10 e 25 de julho, não teríamos condições de abrir para a partida. Mas, sendo no dia 10, o Engenhão ficará reservado para os jogos Mundiais militares logo depois do Fla-Flu. Este clássico vai servir para nossa observação - respondeu o coronel.
Paschoal garantiu que a organização não vai pagar aluguel ao Botafogo e ao Vasco.
- Estaremos pagando aos clubes pelo custo operacional de seus estádios, incluindo quadro móvel, segurança, luz, água, gás, telefone. Mas não sei informar a quanto chega esse pagamento. No Engenhão, não há necessidade de obras, e em São Januário, serão remodeladas algumas salas técnicas, como a do delegado do evento - explicou.
Segundo o oficial, também serão utilizados outros campos de futebol, como os do Ciaga, na Avenida Brasil; do 26 º Batalhão de Paraquedistas, na Vila Militar; da EsEfex, na Urca; e da Universidade da Força Aérea, no Campos dos Afonsos.
Caso o Fla-Flu tivesse de ser retirado do Engenhão, a CBF e os clubes teriam problemas, porque de acordo com o regulamento da entidade, um clássico só pode ser realizado em estádios com capacidade para mais de 20 mil espectadores e dotados de sistema de monitoramento. Atualmente, no estado do Rio, apenas o Engenhão cumpre as exigências. São Januário não dispõe desse sistema e hoje tem capacidade para 18 mil torcedores. Já o Estádio da Cidadania, em Volta Redonda só dispõe de 18 mil lugares.
Em sua quinta edição, os jogos Mundiais militares do Conselho Internacional do Esporte Militar, o CISM, serão o maior evento esportivo militar do país, com seis mil atletas e dois mil delegados de mais de 100 países. Serão 20 modalidades, incluindo seis militares, como os pentatlos naval, militar e aeronáutico, além de orientação, paraquedismo e tiro. Anfitrião, o Brasil vai participar com 250 atletas.


ANNA RAMALHO

Antes tarde...
A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou ontem o Uruguai pelo desaparecimento forçado, em 1976, de María Claudia García Iruretagoyena de Gelman e o nascimento em cativeiro de sua filha Macarena Gelman, vítima da Operação Condor, durante a ditadura militar uruguaia.

...do que nunca
María Claudia Garcia Iruretagoyena, com 19 anos de idade e sete meses de gravidez, foi sequestrada na Argentina e transferida para um centro clandestino de detenção em Montevidéu, no Uruguai. Ali deu à luz uma menina em novembro de 1976. Permaneceram juntas até dezembro do mesmo ano – desde então, María Claudia está desaparecida.


OPINIÃO
O direito à verdade

Mário Conforti - advogado

A discussão sobre a pertinência da instauração, neste momento, da Comissão da Verdade se dá sob equivocado foco. A preocupação maior deve ser, ou pelo menos deveria ser, a efetiva garantia de informação aos parentes das vítimas sobre o paradeiro de seus queridos entes, muitos dos quais sumariamente executados pela ditadura militar que dirigiu o Brasil entre 1964 e 1985.
Por que a necessidade de informar a sociedade sobre o destino dos morto s pela ditadura militar está sendo encarada sob a ótica dos acusados e não sob a ótica das vítimas? Deve-se esclarecer de uma vez por todas que não se trata, como querem fazer crer alguns, de mero revanchismo. Não! O que se espera é a obediência do Estado brasileiro às garantias fundamentais, consagradas na Magna Carta, dos cidadãos que até hoje sofrem com a falta de informação sobre o paradeiro de seus parentes. A abertura dos arquivos da ditadura militar é uma questão de respeito aos direitos humanos.
A Constituição federal de 1988 estabelece como fundamento do estado democrático de direito o respeito à dignidade da pessoa humana (inciso III, do artigo 1o-). Dignidade é, por exemplo, saber o que aconteceu com um pai que sumiu nesse período.
De modo que é dever do Estado, e não desse ou daquele governo, elucidar as obscuridades ocorridas durante a ditadura militar. É preciso que se dê transparência sobre os sinistros acontecimentos desse período, quando milhares de brasileiros e brasileiras sofreram agressões físicas, foram sequestrados, estuprados e torturados, muitas vezes até a morte, por agentes do "Estado". A ocultação dessas informações representa manifesta violação aos direitos humanos da própria sociedade brasileira, o que é inaceitável.
Não obstante o Estado brasileiro ser signatário de diversos tratados internacionais sobre direitos humanos, como, por exemplo, o Pacto de São José da Costa Rica (1969), recepcionados pela atual Constituição federal (artigos 1o-III, 4o- , II e 5o- e seus parágrafos), já transcorreram 26 anos desde a queda do regime militar ditatorial sem que seus arquivos fossem abertos. Por tais fatos, em novembro passado, o Estado brasileiro foi condenado no julgamento do caso sobre a Guerrilha do Araguaia, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
A quase totalidade da sociedade brasileira continua desconhecendo uma parte da história nacional que jamais deveria ser esquecida. E, para que não esqueçamos desse período sombrio, não se pode compactuar com a ocultação da verdade. O esclarecimento das mortes dos militantes de esquerda e demais vítimas do regime de exceção, principal objetivo da Comissão da Verdade, servirá como verdadeira conciliação da sociedade brasileira, em especial para os militares, cuja imagem continua manchada desde o fim da ditadura.
Logo, os militares deveriam ser grandes interessados na abertura dos arquivos da ditadura, a fim de que se desfaça qualquer vínculo entre aqueles que cometeram atrocidades em nome da "democracia" e a atual geração de militares.
É inconcebível a inexpressiva adesão da sociedade civil e da mídia em geral ao principal objetivo da Comissão da Verdade. Até quando mães e pais serão privados do direito fundamental de sepultar os restos mortais de seus filhos e filhas? Até quando os filhos e filhas desconhecerão o destino de seus pais? Opor-se à Comissão da Verdade é opor-se à Constituição e, consequentemente, aos valores fundamentais escolhidos pela própria sociedade.


DECISÃO NO SUPREMO
Futuro incerto para Ficha Limpa
Presidente do TSE diz que lei está em vigor, mas que mudanças podem ocorrer até 2012

Carolina Brígido

O julgamento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu anteontem que a Lei da Ficha Limpa não pode ser aplicada às eleições de 2010 não foi o ponto final nas discussões sobre o assunto. A legislação ainda pode sofrer alterações, se alguns dos artigos forem questionados na Corte. Na sessão de quarta-feira, quatro ministros já reclamaram da possibilidade de declarar alguém inelegível por ato praticado antes da edição da lei - renúncia ao mandato, por exemplo. Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e o presidente do STF, Cezar Peluso, citaram esse tema como um problema:
- Essa exclusão da vida pública com base em fatos acontecidos antes do início de vigência da lei é uma circunstância histórica que nem as ditaduras ousaram fazer. As ditaduras cassaram. Nunca foi editada uma lei para a pretexto de punir fatos praticados antes de sua vigência - ponderou Peluso.
- Tem que ter cuidado com isso. Se você puder apanhar fatos da vida passada para atribuir efeitos futuros, talvez não haja limites. A questão é a vida pregressa? Tudo bem, a lei tem que anteceder a esses fatos. Todos estamos a favor da depuração da vida pública. Agora, é preciso respeito às instituições - disse Gilmar ontem.
Gilmar também reclamou do tempo de inelegibilidade previsto para quem foi condenado por improbidade administrativa. Segundo a Lei da Ficha Limpa, a perda dos direitos políticos é contada a partir da condenação por órgão colegiado, sem a necessidade de trânsito em julgado (ou seja, mesmo que ainda seja possível recorrer da condenação). No entanto, a pena prevista na Lei de Improbidade Administrativa é aplicada apenas após o julgamento final. Na soma das duas penalidades, um político pode ficar inelegível por mais de 30 anos.
- É natural que a suspensão dos direitos políticos seja só depois do trânsito em julgado, e agora já se aplica de forma antecipada. Me parece que aqui precisa haver um ajuste - disse Gilmar.

OAB questionará STF sobre constitucionalidade
Sobraram críticas também aos parlamentares: Gilmar criticou o que chamou de falta de prudência do Congresso por ter aprovado uma lei em ano eleitoral, pois ela teria criado "ilusões". Agora, os votos dados aos fichas-sujas serão validados e eles poderão assumir os cargos hoje ocupados por outros parlamentares.
- É preciso ter prudência. Não se deve aprovar lei no período eleitoral para que não se vendam ilusões. É quase que uma placa de advertência (a Constituição). O tribunal mostrou que não vai chancelar aventuras - concluiu Gilmar.
O ministro Ricardo Lewandowski, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), esclareceu que a única conclusão do julgamento de quarta-feira é a de que a Lei da Ficha Limpa não tem validade para 2010. Sobre o futuro, "não tem nada seguro", disse:
- Essa foi a única decisão tomada. O Supremo não se pronunciou sobre a constitucionalidade da lei. Formalmente, a lei está em vigor e se aplicará às eleições de 2012. Mas não significa que ela esteja imune a futuros questionamentos.
O ministro Carlos Ayres Britto, que votou pela validade imediata da lei, disse ter esperanças de que a norma vigore nas eleições de 2012. Ele acha que, num eventual julgamento de constitucionalidade, a lei não será derrubada:
- Ninguém é inocente ou ingênuo para perceber que, sobre a aplicabilidade da lei nas eleições de 2012, haverá sempre questionamento. Pelo que se percebeu ontem no STF, o clima é de reconhecimento da constitucionalidade de todo o texto da Ficha Limpa. Não se conseguiu a plenitude da eficácia da lei, pelo menos no plano temporal, mas o conteúdo da lei deverá ser aplicado sem maiores questionamentos em 2012.
Para esclarecer dúvidas sobre a constitucionalidade da lei, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcanti, disse que a entidade estuda entrar com uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADC):
- O Supremo já disse que a lei valerá para as próximas eleições. A OAB já pensa em se antecipar e entrar com uma ADC para definir a questão. O fato é que, quem quiser se eleger, terá que ter ficha limpa - disse Ophir.
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, aposta que haverá mudanças na lei:
- A Ficha Limpa ainda terá que evoluir, porque o mérito da solução bate muitas vezes de frente com presunções de inocência que todos têm no processo de decisão judicial. É um processo que tem que ser muito bem equilibrado, para evitar que haja inocentes condenados por antecipação, a pior situação possível - opinou.


COMBATE AOS FOCOS
Dengue avança em meio a falhas
Diagnósticos errados e despreparo de atendentes complicam combate à doença

Maria Elisa Alves e Vinícius Lisboa

Em meio ao aumento do número de casos de dengue e à chegada do vírus 4, que pode provocar uma epidemia no próximo verão, já que todos os moradores do Rio estão vulneráveis, as vítimas do Aedes aegypti ainda encontram dificuldades, como diagnósticos errados e despreparo de atendentes do serviço de informações sobre a doença. Além disso, o combate aos focos do mosquito tem deixado a desejar. Na casa das duas irmãs que contraíram o vírus 4, no bairro de Cafubá, em Niterói, nenhum agente de combate a endemias foi visto nos últimos meses. Ontem, porém, quando as jovens infectadas já estavam até curadas, o cenário era outro: 15 agentes do Ministério da Saúde cedidos à prefeitura percorreram a área. Além de buscarem criadouros, eles pulverizavam inseticida nas casas da região.
Numa primeira vistoria, não acharam nada errado. Mas, numa segunda inspeção no mesmo dia, foram encontradas na casa das irmãs Bárbara Brito, de 21 anos, e Caroline Graça, de 22, larvas de mosquito dentro de bromélias.

Piscina abandonada causa preocupação
Em Niterói, onde os primeiros casos do vírus 4 foram detectados, o controle de criadouros é feito por agentes de saúde que têm que visitar entre 800 e 1.200 casas a cada dois meses, segundo José Mauro de Souza, que coordena o trabalho na Região Oceânica. No entanto, o dentista Luiz Carlos Graça, pai das jovens infectadas, sequer lembra a última vez em que um agente esteve em sua casa. Este ano, afirmou, não ocorreu visita alguma.
Vizinha das vítimas, Edilene Muti, de 43 anos, tem levado desde a última quinta-feira a filha, Cristiane, de 15, à emergência do Hospital Mário Monteiro, em Piratininga, onde ela já ficou no soro duas vezes. Em frente à casa da família, uma piscina abandonada acumula água parada.
- Eu fico preocupada com essa piscina, porque minha filha está com dengue e meu filho de 10 anos também já teve - disse Edilene.
Ontem, enquanto o fumacê passava nas ruas da região, Luiz Carlos contava que, além da ausência do poder público, quem contrai dengue enfrenta outro problema: o despreparo dos médicos. Segundo o dentista, Bárbara e Caroline, ao sentirem dor de cabeça no carnaval, foram ao Hospital Santa Marta. Lá, fizeram exame de sangue e tiveram o diagnóstico de dengue confirmado. Dois dias depois, como pioraram, as irmãs voltaram ao hospital. Para espanto de Luiz Carlos, receberam novo diagnóstico. Uma médica afirmou que Bárbara tinha uma virose e Caroline, infecção urinária. A assessoria do hospital informou não ter conseguido entrar em contato com a administração da unidade para comentar o caso.
Após as filhas receberem o novo diagnóstico, Luiz Carlos pediu ajuda a uma prima, médica de família. Ambos decidiram não seguir o tratamento proposto, que incluía um antibiótico para Caroline.
- Saí do hospital rindo porque sabia que a médica estava errada. Eu tinha outra pessoa para me dar as recomendações certas. Mas e quem não tem? Os médicos devem aprender a diagnosticar. Deve ser falta de conhecimento - criticou Luiz Carlos.
No dia seguinte, as irmãs foram a uma Clínica de Família de Niterói. Carolina ficou internada por três dias no Hospital das Clínicas de Niterói. Bárbara não precisou ser hospitalizada.
Quem não tem um médico amigo para tirar dúvidas e procura ajuda no serviço de atendimento da prefeitura do Rio (pelo 1746) encontra dificuldades, como revelou um teste feito ontem à tarde pelo GLOBO. O primeiro problema é que, no princípio, o telefone fica mudo, como se a ligação não tivesse sido completada. Só depois de mais de um minuto entra uma gravação, perguntando se o morador quer falar sobre poda de árvores, multas, IPTU, dengue e outras opções.

Atendente deu informação errada
Durante o teste, numa das ligações, um repórter disse ter olhado sites sobre a dengue e lido que um dos sintomas era algo que ele não conhecia - petéquias (manchas avermelhadas na pele). A atendente disse que ia pesquisar do que se tratava e informou, minutos depois, não ter achado no sistema a informação. Em outra ligação, a atendente informou que diarreia era um sintoma de dengue em crianças de até 12, 13 anos, e que adultos não apresentavam esse problema, o que não é verdade. Num terceiro atendimento, o atendente deus todas as informações sobre sintomas corretamente e insistiu para que o repórter procurasse um médico. Também foi adequado o atendimento para denúncia de possíveis focos de dengue. Desde o início do ano, a capital já registrou 9.559 casos de dengue.
FONTE: JORNAL O GLOBO

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