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quarta-feira, 30 de março de 2011

30 de março de 2011 - JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO


DESTAQUE DE CAPA
Ex-vice José Alencar morre após luta de mais de uma década contra câncer
Empresário que acompanhou Lula em dois mandatos tinha 79 anos e estava internado em São Paulo; velório será em Brasília e Belo Horizonte

A luta de José Alencar, 79 anos, contra o câncer terminou ontem. O ex-vice-presidente da República morreu às 14h41, no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, em decorrência de falência de múltiplos órgãos, depois de resistir, por mais de 13 anos, a um câncer na próstata. Tinha à sua volta a mulher, Mariza, os três filhos e os netos. Ao longo de mais de uma década, foi submetido a 17 cirurgias. A brava resistência de Alencar à doença, que sensibilizou todo o País, sempre foi enfrentada com realismo e extremo senso de humor.
"Eu não tenho medo da morte. O homem tem de ter medo é de perder a honorabilidade, especialmente na vida pública. O homem que não perde a honorabilidade não morre. Não morre para os filhos, os ancestrais, os amigos, os patrícios. Agora, quando o camarada faz coisa errada, em vida pode se considerar morto, porque ninguém quer se aproximar dele. Quando Deus quer levar, leva, independentemente do câncer", declarou em entrevista ao Estado, em 2009.
Empresário bem sucedido em Minas Gerais, Alencar foi o fiador da aliança política que aproximou o setor produtivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e viabilizou a eleição do petista em 2002. Nos oito anos do governo Lula, (2003-2010), o mineiro foi um recordista: ocupou interinamente a Presidência por 450 dias, exatos um ano e 85 dias.
O governo federal decretou luto oficial de sete dias. O corpo de Alencar deve sair hoje às 6h30 de São Paulo, em avião da FAB para o Palácio do Planalto, onde será velado a partir das 10 horas. O sepultamento deverá ser amanhã, em Belo Horizonte. Em Brasília, o corpo do ex-vice-presidente será transportado em carro aberto do Corpo de Bombeiros por uma das principais via da capital federal. Haverá também velório no Palácio da Liberdade, amanhã. O governo de Minas também decretou luto oficial de sete dias.
A presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula foram informados da morte de Alencar em Portugal. Ambos chegam hoje ao Brasil para participar do velório. O presidente em exercício, Michel Temer, afirmou que Alencar enfrentou o câncer com "galhardia exemplar". "Embora enfrentasse uma tragédia pessoal, ele soube revelar a harmonia interior. O Brasil perde uma de suas grandes e expressivas figuras, tanto no setor empresarial como no setor público", disse.

Homenagem. A última aparição pública de Alencar foi na cerimônia do aniversário de São Paulo, quando recebeu a Medalha 25 de Janeiro e, emocionado, conseguiu falar por nove minutos. "Deus sabe o que faz e aceitaremos sua decisão de bom grado. Se eu morrer agora, tenho até que me sentir um privilegiado, pois está todo mundo rezando e torcendo por mim. Não posso me queixar se eu morrer", declarou na ocasião, ao lado de Lula e Dilma.
Alencar lutou até o fim, trabalhando mesmo enquanto estava internado para se recuperar de cirurgias ou se submeter a sessões de quimioterapia, sempre otimista.
Cada vez que recebia alta e deixava o hospital, caminhando ou numa cadeira de rodas, explicava à imprensa, sem rodeios, como estavam sua saúde e sua disposição de espírito.
A última internação foi na segunda-feira, quando o ex-vice-presidente apresentara um quadro de obstrução intestinal com perfuração abdominal e peritonite (infecção na membrana que protege a cavidade abdominal). Devido a seu estado crítico, os médicos descartaram qualquer procedimento cirúrgico. Nos últimos momentos de vida, Alencar recebeu apenas analgésicos para aliviar a dor.
Minutos antes de o hospital confirmar a morte, o médico-cirurgião Raul Cutait, que acompanhou Alencar ao longo da luta contra o câncer, afirmara que o paciente se preparava "para descansar".
Antes da última internação, Alencar passou os últimos 11 dias em seu apartamento da Alameda Itu, na capital, com a família. No ano passado, ele ficou vários dias internado na UTI, com idas e vindas entre o hospital e sua casa.

Filosofia
"Eu não tenho medo da morte. O homem tem de ter medo é de perder a honorabilidade, especialmente na vida pública. O homem que não perde a honorabilidade não morre. Não morre para os filhos, os ancestrais, os amigos, os patrícios. Agora, quando o camarada faz coisa errada, em vida pode se considerar morto, porque ninguém quer se aproximar dele. Quando Deus quer levar, leva, independentemente do câncer"

Em entrevista ao "Estado", em janeiro de 2009
"Deus sabe o que faz e aceitaremos sua decisão de bom grado. Se eu morrer agora, tenho até que me sentir um privilegiado, pois está todo mundo rezando e torcendo por mim. Não posso me queixar se eu morrer"
Durante homenagem no dia 25 de janeiro deste ano


Aliado fiel, apesar das críticas aos juros
Relação de Alencar com Lula foi marcada pela extrema confiança, mas sem abrir mão de convicções sobre a condução da política econômica

A passagem de José Alencar pela Vice-Presidência da República foi marcada pela lealdade a Luiz Inácio Lula da Silva, mas sem a completa submissão ao presidente. Alencar foi um dos poucos membros do governo a pedir a redução dos juros durante o primeiro mandato e a criticar a alta carga tributária.
Em pouco tempo, tornou-se uma voz dissonante da política econômica do então ministro da Fazenda, Antônio Palocci. Alencar, em consonância com sua biografia de empresário, defendia uma interferência política nas decisões econômicas do governo, principalmente em relação aos até então elevados juros praticados pelo Banco Central. Mas, ao ser questionado sobre sua pregação, respondia tratar-se de uma crítica "técnica".
Palocci, de seu lado, rebatia que não deveria haver critérios políticos para as decisões do Banco Central. Em 2008, Alencar disse em entrevista que as elevadas taxas de juros impediam o governo de fazer um efetivo corte de gastos públicos. Segundo ele, o governo Lula teria mais musculatura para enfrentar a turbulência global e poderia ter economizado cerca de R$ 300 bilhões se nos primeiros quatro anos não tivesse adotado uma política monetária "equivocada".
"Esse superávit primário, é uma excrescência. Esse adjetivo de superávit primário não existe. O Orçamento é um só. A rubrica de juros tem de estar arrolada nele. Tenho falado isso no governo há cinco anos", disse Alencar no ano passado, quando o ministro da Fazenda já era o atual, Guido Mantega.
Divergências à parte na área econômica, Alencar foi um aliado fiel de Lula em oito anos de governo. Como vice, bateu o recorde de mais de 450 dias de interinidade no exercício da Presidência - ou seja, substituiu Lula por mais de um ano, enquanto o titular viajava para fora do País.
Na primeira viagem do presidente ao exterior, em janeiro de 2003, abriu o Salão Nobre do Palácio do Planalto para festejar o compositor Ari Barroso, seu ídolo. Cantou trechos de Aquarela do Brasil. Gostava também das músicas de Noel Rosa e da voz de Orlando Silva.
Em 2004, acumulou a Vice-Presidência com o cargo de ministro da defesa, no qual permaneceu até 2006, a pedido de Lula. Mas nunca se sentiu à vontade no posto e pediu para ser substituído.
Alencar estreou na política em 1950, quando apoiou Getúlio Vargas para a Presidência da República e Juscelino Kubitschek para o governo de Minas. Em 1994, candidatou-se a governador, sua primeira eleição. Perdeu, mas voltou à cena em 1998, quando se elegeu senador pelo PMDB, com mais de 3 milhões de votos dos mineiros.
Ao se aliar a Lula para disputar a Presidência, como candidato do antigo PL, em coligação com o PT, Alencar brincou que, como o ex-metalúrgico do ABC, ele também era sindicalista, "só que do outro lado".

Ironia
Em 2008, bem-humorado, José Alencar disse que, de tanto ser homenageado, temia que não sobrassem homenagens a receber após a sua morte.

REPERCUSSÃO

CEZAR PELUSO - PRESIDENTE DO STF
"José Alencar demonstrou firmeza de caráter e força de vontade inquebrantável, que o levaram a tornar-se um dos líderes mais respeitados do Brasil contemporâneo"

OLAVO MACHADO JR. - PRESIDENTE da FIEMG
"Foi protagonista da história do País, guardião de princípios e valores só encontrados nos grandes estadistas. Por sua história, fibra e coragem, é exemplo e lição de vida"

ROBSON DE ANDRADE - PRESIDENTE da CNI
"Ele foi um industrial ousado e um líder empresarial que soube, com sabedoria e espírito empreendedor, construir o maior grupo têxtil do País. Perdemos um brasileiro exemplar"

ODILO SCHERER - CARDEAL ARCEBISPO DE SP
"Serviu exemplarmente o Brasil, como vice-presidente, e edificou a todos com seu amor à vida, sua dedicação ao povo, sua fé em Deus, coragem e serenidade para enfrentar a longa enfermidade"

JOSÉ SARNEY - PRESIDENTE DO SENADO
"Perdemos um grande brasileiro, um grande político, um gladiador pela vida, um homem que tinha coragem de discordar, concordar, de ser solidário. Ele deixa o seu exemplo pessoal"

MARINA SILVA - EX-SENADORA
"Acredito que todos que acompanharam seu drama foram positivamente influenciados pela forma como encarou a doença, com tranquilidade e transparência"


Traslado do corpo de José Alencar começa às 6h30
30 de março de 2011 | 6h 31

BRUNO LUPION - Agência Estado

O carro funerário com o corpo do ex-vice-presidente José Alencar deve deixar às 6h30 o Hospital Sírio-Libanês, na região central de São Paulo, rumo ao Aeroporto de Congonhas, acompanhado por batedores do Exército.
O trânsito será parcialmente interditado durante o percurso, que passará pelas avenidas 9 de Julho, Brasil, 23 de Maio e Rubem Berta. Há expectativa de que o governador do Estado, Geraldo Alckmin, acompanhe o trajeto.
Uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) com o corpo de Alencar decola por volta das 7h para Brasília. Na capital federal, o trajeto entre o aeroporto e o Palácio do Planalto será em caminhão aberto do Corpo de Bombeiros.

30 DE MARÇO DE 2011 | 0H 00

NOTAS & INFORMAÇÕES
O teste diplomático de Dilma

Dentro de duas semanas a presidente Dilma Rousseff estará na China, maior parceira comercial do Brasil. Cerca de 300 empresários deverão acompanhá-la. Aproveitarão a viagem presidencial para explorar novas oportunidades comerciais ou, no mínimo, para entender melhor as condições de acesso ao mercado chinês. O Brasil exporta para a China quase exclusivamente produtos básicos e bens intermediários e importa maciçamente bens manufaturados. A composição das trocas será com certeza um dos temas principais das conversações e haverá cobranças de lado a lado. A primeira viagem da presidente brasileira para um grande parceiro fora da América do Sul será um teste importante para a diplomacia do novo governo.
Autoridades chinesas têm cobrado o reconhecimento de seu país como economia de mercado. Em 2004, durante visita do presidente Hu Jintao a Brasília, o governo brasileiro prometeu aquele status à economia chinesa, se fossem cumpridas certas condições econômicas.
Mas a cooperação bilateral praticamente se resumiu, durante a maior parte do tempo, a um comércio em grande parte sujeito às condições fixadas pela China. Investimentos só apareceram bem mais tarde. Além disso, a instalação de uma fábrica da Embraer na China produziu resultados decepcionantes, porque os interesses do governo chinês não coincidiram, afinal, com os da empresa brasileira.
O reconhecimento da China como economia de mercado continua fora da pauta brasileira, avisaram funcionários de Brasília. A presidente Dilma Rousseff tentará limitar-se à discussão de outros assuntos, embora seja muito difícil, neste momento, descartar a hipótese de uma cobrança chinesa. Não está claro se o governo brasileiro mudará de ideia, se uma contrapartida atraente for posta sobre a mesa, ou se a diplomacia do novo governo simplesmente decidiu abandonar a promessa de 2004.
Esse detalhe é importante, porque o compromisso assumido pelo presidente Luiz Inácio da Silva, há sete anos, foi, mais que um excesso, uma imprudência.
Reconhecer um país como economia de mercado implica aceitar certas limitações à política de defesa comercial. A China obviamente não é uma economia tão sujeita a regras de mercado quanto a maior parte das outras associadas à Organização Mundial do Comércio (OMC). Não era preciso assumir um compromisso tão grave para intensificar o comércio e estabelecer maiores laços econômicos com a China. Outros países também ampliaram os negócios com o mercado chinês sem formular promessas com implicações tão sérias.
Ao assumir aquele compromisso, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva certamente levou em conta bem mais que os interesses comerciais e de cooperação econômica. A promessa precipitada refletiu também uma concepção particular - e ingênua - de alianças estratégicas. O Brasil era importante para a China como fornecedor de matérias-primas e alguns bens intermediários, mas o governo chinês jamais atribuiu ao País um status semelhante ao atribuído às maiores potências capitalistas, a começar, naturalmente, pelos Estados Unidos. Isso era evidente, menos, é claro, para os terceiro-mundistas de Brasília.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, nunca deixou de participar, à sua maneira, dessa visão juvenil de mundo. Só muito recentemente ele passou a referir-se também ao governo chinês como manipulador do câmbio. Até então, acusações desse tipo eram dirigidas às autoridades americanas, como se as chinesas não houvessem decidido muito antes manter o yuan depreciado.
A presidente Dilma Rousseff deu alguns sinais de realismo na avaliação dos interesses brasileiros e das formas de cooperação compatíveis com as possibilidades e aspirações do País. Em Portugal, seus contatos com as autoridades, na visita interrompida pelo falecimento do ex-vice-presidente José Alencar, valeriam como mais uma indicação do estilo diplomático do novo governo brasileiro.
Mas o primeiro grande teste fora da América do Sul deverá mesmo ocorrer durante a visita à China. Até agora, a autoridades chinesas se mostraram muito mais lúcidas que as brasileiras na concepção e na defesa de seus interesses nacionais.


Em guerra com Kadafi

As ações Aéreas e navais das Forças da Otan na Líbia nos últimos dias dissiparam as dúvidas que ainda pudessem subsistir em relação ao objetivo último da resolução sobre o país norte-africano que as potências ocidentais submeteram ao Conselho de Segurança das Nações Unidas há duas semanas. O documento, aprovado sem os votos de Brasil, Rússia, Índia e China, autorizou o uso de "todas as medidas necessárias" para impedir que o coronel Muamar Kadafi levasse a cabo o extermínio dos civis que se levantaram contra a sua ditadura de 41 anos e das populações que lhes pudessem ser simpáticas.
Mas a partir do momento em que, para todos os efeitos práticos, a Otan assumiu o papel de aviação rebelde líbia - abrindo caminho com os seus bombardeios para a insurgência reconquistar posições perdidas no leste do país e avançar a oeste, rumo à cidade natal do tirano, Sirte - confirmaram-se os prognósticos de que a intervenção humanitária embutia a meta de acabar com o regime de Kadafi e interferir na sua sucessão. Inicialmente, a coalizão anglo-franco-americana atacou as tropas que estavam para tomar Benghazi, a "capital rebelde", onde o autocrata prometeu chacinar os seus inimigos.
A ameaça da atrocidade iminente legitimou os ataques. As bases militares atingidas ao mesmo tempo por mísseis lançados do Mediterrâneo eram outro alvo implícito na decisão do Conselho de Segurança de impor na Líbia uma zona de exclusão Aérea a fim de salvar vidas civis dos caças de Kadafi. Já o bombardeio do complexo que abriga o reduto do ditador na capital, Trípoli, claramente foi além do já amplo mandato concedido pela ONU. A ofensiva foi suspensa depois das críticas da Liga Árabe, que apoiara o bloqueio aéreo. "Queremos proteger os civis e não bombardear mais civis", reagiu o secretário-geral do organismo, Amir Moussa.
Com o passar dos dias, enquanto os EUA confirmavam a intenção de transferir o comando das operações à Otan e a aliança anunciava que a Força Aérea líbia deixara de existir, poderia parecer que os ataques só seriam mantidos para salvaguardar as populações civis na mira de Kadafi. Mas isso, acompanhado das exortações para que o tirano se vá, seria pouco para os governos francês e britânico que tomaram a iniciativa da intervenção contra o seu até recentemente sócio comercial. O que ele continuaria a ser não fosse a revolta que o converteu em estorvo para os interesses de Paris e Londres no petróleo líbio - e em oportunidade para fazer bonito perante a rua árabe.
Do outro lado do Atlântico, um vacilante Barack Obama, contrastando com a determinada secretária de Estado Hillary Clinton, custou a se engajar na operação da qual ele mais do que depressa queria deixar de ser a figura de proa. Agora, Obama conta uma história diferente. Falando pela primeira vez sobre a Líbia aos americanos, em rede nacional, ele se apresentou como o líder efetivo da mobilização armada contra um déspota que não hesitaria em perpetrar um massacre contra o seu povo. "Como presidente", vangloriou-se, "recusei-me a esperar as imagens de matanças e valas comuns para então agir."
Da mesma forma que diz ter feito o que não fez, Obama diz que não quer fazer o que fará - Forçar a "mudança de regime", como dizia seu antecessor Bush em relação a Saddam Hussein, no Iraque. Ele reconheceu o óbvio: os EUA não podem repetir na Líbia a aventura de uma invasão. Mas, disse eufemisticamente, os líbios ganharam "tempo e espaço" para decidir o seu destino. O fato é que, sem apoio militar como o que passaram a receber, e não mais por estritos motivos humanitários, os revoltosos não tendem a ser páreo para um Kadafi entrincheirado em meio às suas Brigadas de Defesa, disposto a resistir até o fim.
A lógica, portanto, aponta para mais operações de cobertura em apoio às carentes e desorganizadas Forças da insurgência. Mas uma coisa é fazê-lo em pontos como Ras Lanuf e Bin Jawad, afinal retomados. Outra será ir a Trípoli. Parece cedo demais para tratar da Líbia pós-Kadafi, como a coalizão começou a fazer ontem em Londres.


NACIONAL
Lobby afrouxa limite de terras a estrangeiros
Proposta em discussão prevê que grandes empresas do agronegócio tenham direito ao uso de áreas privadas no País sem a garantia de posse

Marta Salomon / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo

Lobby de grandes empresas do agronegócio - sobretudo dos setores sucroalcooleiro e de plantio de florestas - está fazendo o governo rever o limite legal para compra de terras por estrangeiros, que vinha se tornando mais rigoroso nos últimos meses. A proposta em debate é permitir o direito de uso da terra, mas sem a garantia de posse.
Segundo o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, a proposta de cessão de terras privadas por um período de 30 a 50 anos "está sendo construída" em debates que envolvem a Casa Civil e a Advocacia-Geral da União. "Precisamos de investimentos estratégicos no agronegócio", disse.
Rossi contou ter recebido representantes de empresas como Bunge, Cargill e Cosan preocupados com os limites impostos a estrangeiros desde agosto do ano passado, quando um parecer da AGU fez valer os limites a estrangeiros fixados na década de 70 a empresas brasileiras com controle de capital ou de gestão em mãos de estrangeiros.
No início do mês, a AGU tentou fechar brechas ao avanço de estrangeiros por meio de dois avisos. Um deles mandou bloquear negócios de compra, por estrangeiros, de empresas que detenham terras no Brasil. O outro cobrou da Comissão de Valores Mobiliários informações sobre a participação de capital estrangeiro nas empresas.
O Estado tentou falar com Martus Tavares, executivo da Bunge, um dos interlocutores do governo na negociação, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. Tavares foi ministro do Planejamento no segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Restrição. A legislação prevê que estrangeiros não podem ter mais do que 100 módulos de exploração, por empresa. Estrangeiros da mesma nacionalidade não podem possuir mais do que 10% da área de um município. O controle sobre empresas brasileiras com capital estrangeiro foi dispensado durante o governo FHC.
Wagner Rossi contou que a preocupação levada ao chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, não diz respeito a investidores que buscam especular com a compra de terras no Brasil. "O que nos despertou preocupação são os investimentos em áreas estratégicas, empresas que trazem projetos agroindustriais, geram empregos. Não podemos pôr esses projetos na mesma vala comum dos investimentos especulativos", argumentou.


Bolsonaro ataca negros e gays na TV
Deputado critica homossexuais e liga relacionamento inter-racial a ''promiscuidade'' no programa ''CQC''; Preta Gil afirma que irá à Justiça

Lucas de Abreu Maia, André Mascarenhas e Eduardo Bresciani - O Estado de S.Paulo

O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) afirmou, em entrevista ao programa CQC na segunda-feira à noite, na TV Bandeirantes, que seria uma "promiscuidade" um filho dele se apaixonasse por uma negra. O parlamentar também atacou as cotas raciais e os homossexuais. A cantora Preta Gil, criticada pelo parlamentar durante o programa, decidiu processá-lo. Bolsonaro ontem recuou de parte das declarações, mas voltou a provocar a cantora.
No programa, ao responder a perguntas pré-gravadas, o parlamentar disse que, se pegasse um filho fumando maconha, o torturaria. À indagação sobre a hipótese de ter um filho gay respondeu: "Isso nem passa pela minha cabeça, eu dei uma boa educação, fui pai presente, não corro esse risco." Questionado sobre as cotas, foi contundente: "Eu não entraria em um avião pilotado por um cotista nem aceitaria ser operado por um médico cotista."
Na sequência, o deputado foi indagado por Preta Gil, filha do compositor e ex-ministro Gilberto Gil, sobre o que ele faria se seu filho se apaixonasse por uma negra. "Ô Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco", respondeu. "Meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambiente como, lamentavelmente, é o teu."

Processo. "Racismo é crime! E ele assume que o é!", escreveu a artista no Twitter, ao anunciar que processaria Bolsonaro. "Não farei somente por mim e pela minha família, que foi ofendida e caluniada por ele, mas também por todos os negros e gays deste país."
Capitão reservista do Exército, Bolsonaro já se envolveu várias vezes com polêmicas relacionadas ao período do regime militar. Chegou a defender o fuzilamento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Diante da forte repercussão das declarações ao CQC, ele alegou ter se equivocado na resposta. Disse ter entendido que a pergunta era se seu filho namorasse uma pessoa do mesmo sexo.
"Foi um mal-entendido, eu errei. Como veio uma sucessão de perguntas, eu não ouvi que era aquela pergunta, foi um equívoco. Entendi que a pergunta era se meu filho tivesse um relacionamento com gay, por isso respondi daquela forma", disse. "Na verdade, quando eu vi a cara da Preta Gil eu respondi sem prestar atenção."
Questionado sobre qual seria sua resposta à pergunta feita pela cantora, o deputado voltou ao ataque: "Eu responderia que aceito meu filho ter relacionamento com qualquer mulher, menos com a Preta Gil."
O deputado também reagiu quando foi indagado se sua postura ofensiva contra os homossexuais não poderia lhe tirar votos. "O dia em que eu me preocupar com eleitor eu viro vaselina. Não quero me preocupar com um eleitor que quer que eu chame ele de bonitinho. Não quero voto de ignorante."
Conselho de Ética. Ele próprio decidiu protocolar um requerimento para ser ouvido pelo Conselho de Ética. "Não vou deixar ninguém aparecer em cima disso. Eu mesmo vou pedir para me explicar lá." Frisou que já foi processado no conselho cerca de 20 vezes durante seus seis mandatos e foi absolvido em todas.

REAÇÃO
JAIR BOLSONARO - DEPUTADO (PP-RJ)
"Ô Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco. Meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambiente como, lamentavelmente, é o teu"
"Foi um mal-entendido, eu errei. Na verdade, quando eu vi a cara da Preta Gil eu respondi sem prestar atenção"

PRETA GIL - CANTORA
"Racismo é crime! E ele assume que o é! Não farei somente por mim e pela minha família, que foi ofendida e caluniada por ele, mas também por todos os negros e gays deste país"


Grupo na Câmara lança ofensiva para punir deputado

Lucas de Abreu Maia, André Mascarenhas e Eduardo Bresciani - O Estado de S.Paulo

As declarações do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) ao CQC provocaram reações indignadas do movimento de combate ao racismo, de entidades ligadas à defesa dos gays, da Ordem dos Advogados do Brasil e de personalidades do mundo artístico. Na Câmara, um grupo de 19 deputados iniciou um movimento pela punição do parlamentar.
O grupo pediu ontem mesmo que a corregedoria da Casa analise a conduta de Bolsonaro. O corregedor, Eduardo da Fonte, é do partido de Bolsonaro. Fazem parte desse movimento deputados de PSOL, PT, PDT, PC do B e PSB. Eles pedirão aos presidentes de seus partidos que assinem em conjunto representação para que o caso seja também submetido ao Conselho de Ética. Além disso, deverão protocolar no Ministério Público representação para que Bolsonaro seja investigado pelo crime de racismo. Serão encaminhadas ainda ações aos Ministérios dos Direitos Humanos e Igualdade Racial.
Antes mesmo da manifestação do grupo de parlamentares, a OAB do Rio de Janeiro já anunciara que pediria processo no Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro parlamentar. "As declarações do deputado Jair Bolsonaro são inaceitavelmente ofensivas, pois têm um cunho racista e homofóbico, incompatível com as melhores tradições parlamentares brasileiras", afirmou o presidente da OAB/RJ, Wadih Damous.
Ativista do movimento gay, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) classificou as palavras de Bolsonaro como "crime de racismo". "Ele terá de responder por seu crime e imoralidade", afirmou. Brizola Neto (PDT-RJ) também classificou as declarações de Bolsonaro como criminosas. "Jair Bolsonaro cometeu crime de racismo e isso tem de ter consequências na Câmara."
O presidente da ONG Educafro, frei David Santos, disse que vai tomar "as medidas necessárias" contra Bolsonaro. "É uma pena que tenhamos um parlamentar que sofra da doença do racismo", afirmou. "Bolsonaro tem uma visão vazia e desinformada sobre as cotas."
Nilton Luz, coordenador da Rede Nacional de Negras e Negros LGBT, afirmou que a organização apoiará a ação judicial de Preta Gil. "Nosso papel é mobilizar a sociedade contra essas declarações."


ANOS DE CHUMBO
Ministério Público faz busca em casas de Curió

O Ministério Público Federal vasculhou ontem em Brasília dois endereços do oficial da reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o major Curió. Documentos, um computador e uma arma sem registro foram apreendidos. Curió admitiu que pelo menos 41 militantes foram executados após serem dominados por patrulhas do Exército entre 1972 e 1975.


AVIAÇÃO
Controladores de voo negam culpa em acidente da Gol
Pilotos do Legacy serão ouvidos pela Justiça por videoconferência; colisão entre jato e Boeing deixou 154 mortos em 2006

Vannildo Mendes / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo

Em depoimento à Justiça Federal, ontem, os controladores de voo Jomarcelo Fernandes dos Santos e Lucivando Tibúrcio de Alencar negaram responsabilidade no acidente aéreo entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, que matou 154 pessoas, em agosto de 2006, em Mato Grosso.
O Ministério Público manteve a acusação de atentado à segurança do tráfego aéreo, por agir com "negligência e omissão", segundo a procuradora da República Amalícia Hartz. Se condenados, eles podem pegar de 2 a 5 anos de reclusão, mais multa.
Eles estavam de serviço na hora do acidente na torre de Brasília e não tiraram os aviões da rota de colisão. A asa do Legacy rasgou a fuselagem do Boeing, que caiu. Avariado, o Legacy conseguiu pousar em segurança.
Hoje e amanhã, a Justiça toma por videoconferência os depoimentos dos pilotos do Legacy, os americanos Joseph Lepore e Jan Paladino, que vivem nos Estados Unidos. Eles respondem pelo mesmo crime, por terem desligado o transponder do Legacy, equipamento que auxilia na localização das aeronaves e poderia ter evitado o acidente.
Segundo o juiz federal Murilo Mendes a fase processual termina após esses depoimentos. A sentença deve sair em abril.
Jomarcelo estava no comando na hora em que o Legacy sobrevoou Brasília. Ele passou para o colega que o rendeu, Lucivando, a informação errada de que a aeronave voava a 36 mil pés. Jomarcelo também ignorou o aviso de Lepore de que voavam a 37 mil pés. Ele disse que tem nível de proficiência 1 em inglês, em uma escala de até 5. A legislação internacional exige nível 4.
Lucivando chorou ao lembrar do acidente e disse que percebeu tarde que os aviões estavam em rota de colisão. A aeronave já estava na chamada zona cega, onde instrumentos de radar não funcionam, perto da Serra do Cachimbo. E disse que não recebeu, por falhas que não soube explicar, os pedidos de orientação feitos pelos pilotos do Legacy.


Brasil faz acordo aéreo com Canadá e México
Pelos termos negociados, não haverá mais limite de voos entre empresas brasileiras e desses dois países

Glauber Gonçalves / RIO - O Estado de S.Paulo

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) fechou ontem acordos de "céus abertos" com o Canadá e o México. Na prática, a partir de agora não haverá mais limites ao número de voos entre o Brasil e os dois países. Os termos acertados na negociação são semelhantes aos do acordo firmado com os Estados Unidos este mês. O objetivo é aumentar o número de ligações aéreas internacionais e a quantidade de cidades brasileiras atendidas.
"A expectativa é de que, com a eliminação dos limites que os acordos anteriores continham quanto ao número de voos e a quantidade de cidades que podiam ser atendidas, seja confirmado o aumento do volume de passageiros e da conectividade que já temos visto nos últimos anos", disse o superintendente de relações internacionais da Anac, Bruno Dalcolmo.
Até agora, havia um limite de sete frequências mistas (passageiros e carga) por semana entre o Brasil e o Canadá. Embora nenhuma empresa brasileira voe nessa rota, a aérea canadense Air Canadá já atingiu o limite da cota permitida ao país. O entendimento, além de acabar com a restrição de frequências, também estabeleceu a liberdade tarifária nos voos entre os dois países.
Já o acordo com o México, embora também busque dar maior abertura ao mercado, não permite aumento de capacidade nos aeroportos de Guarulhos e da Cidade do México, por causa da infraestrutura deficiente desses terminais.
O número de voos entre as demais cidades brasileiras e mexicanas, no entanto, foi liberado. O acordo prevê ainda a possibilidade de arrendamento e intercâmbio de aviões entre empresas aéreas dos dois países.
Para Dalcolmo, o México deve atrair a atenção de empresas brasileiras a partir de agora. "Por enquanto não há nenhum pedido formal, mas acredito que as companhias nacionais terão interesse nessa rota", disse ao lembrar que a Avianca (ex-OceanAir) e a Varig já voaram para o país.

Rússia. Na mesma leva de renegociação de acordos, o Brasil também reviu o entendimento que tinha com a Rússia. Com o país, a Anac não estabeleceu uma relação de céus abertos, mas ampliou de três para sete o número de frequências semanais. Desde janeiro, a companhia russa Transaero voa para o Brasil no limite permitido anteriormente.
Hoje, dos 82 acordos internacionais firmados pelo Brasil, 20 são de céus abertos. O próximo a ser assinado com a cláusula de liberação total do número de voos será com a União Europeia. Com isso, o número de países do bloco para os quais se poderá voar partindo do Brasil subirá de 15 para 27.
Na avaliação de Dalcolmo, a liberalização trazida ao mercado brasileiro com os acordos não deve deixar as empresas brasileiras em desvantagem em relação às companhias estrangeiras. "As empresas nacionais estão cientes de que essa é uma tendência mundial e estão preparadas para concorrer com as empresas estrangeiras", disse, lembrando que a TAM é segunda em número de passageiros transportados para os Estados Unidos e para a Europa.


Aeroporto 100% privado é improvável, diz diretor da Anac
Possibilidade demandaria a criação de inúmeras novas regras, inviabilizando o projeto por um longo tempo
29 de março de 2011 | 19h 45

Silvana Mautone, da Agência Estado

SÃO PAULO - O diretor de Infraestrutura Aeroportuária da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Rubens Carlos Vieira, considera improvável que seja autorizada a construção de um novo aeroporto 100% privado em São Paulo, como chegou a ser novamente aventado pelo governo federal ao longo do ano passado.
Segundo ele, para que fosse possível conceder a autorização para a construção de um aeroporto totalmente privado, seria necessário criar inúmeras novas regras. "A Anac não recebeu nenhum pedido, então não tenho como antecipar qual seria a decisão. Mas penso que eu teria de realizar uma chamada pública para ver se mais alguém teria interesse em construir um aeroporto em São Paulo", disse.
Na sua avaliação, isso inviabilizaria o projeto por um longo tempo. "Não seria uma autorização comum. Seria uma autorização contratual cuja fronteira com uma concessão seria uma linha extremamente tênue." Vieira participou hoje, em São Paulo, de um evento do setor de turismo.


PANORAMA ECONÔMICO

PARAGUAI
Falha em Itaipu causa apagões em cidades
Uma falha numa linha de transmissão que fornece energia da Hidrelétrica de Itaipu deixou sem serviço as principais cidades do Paraguai, informou a Administração Nacional de Eletricidade paraguaia. A energia foi restabelecida na capital Assunção 20 minutos depois da interrupção, e os técnicos trabalhavam para solucionar o problema em outras regiões do país.



PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO
Pressão para antecipar Jirau causou revolta

Leonencio Nossa - O Estado de S.Paulo

O ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, avaliou ontem que a revolta dos operários da usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, ocorreu no momento em que o consórcio construtor tentava antecipar a entrega da obra. Em entrevista no Planalto, Carvalho disse que o governo não vai tolerar nos canteiros de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) trabalho "indecente" e a contratação de "gatos", intermediários que recrutam operários.
"De fato, em Jirau, a decisão da empresa de antecipar a entrega da obra provocou maior concentração de trabalhadores", afirmou. "Eu fiz a ponderação de que era o caso de rever o contingente para diminuir a tensão." A avaliação de que a mudança no cronograma das obras pode ter sido uma das causas da revolta dos operários de Jirau foi levantada, em entrevista ao Estado, pelo procurador regional do Trabalho em Rondônia, Francisco Cruz. A construtora Camargo Corrêa sempre negou essa possibilidade.
Carvalho informou que o governo, agora, pretende fazer um trabalho preventivo para evitar violações de direitos trabalhistas nas obras da Usina de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará. Ao relatar o encontro que teve com empresários e sindicalistas para discutir a revolta no canteiro de Jirau, na semana  passada, ele informou que o governo montará comissões tripartites em todas as grandes obras do PAC. Na quinta-feira, governo, empresas e sindicatos voltam a se reunir para discutir problemas trabalhistas nos empreendimentos. "Vamos tentar nos antecipar na questão de Belo Monte, para que o Estado dê condições de segurança e saúde em Altamira", afirmou o ministro.

Divergência. Carvalho também disse que o governo não compactuará com trabalho indecente e desumano nas obras de infraestrutura. Ele observou que, na primeira fase, o PAC iniciou 14 mil obras. Agora, a previsão é que esse número seja aumentado. Os participantes do encontro de ontem admitiram que há, nas obras do PAC, uma atuação de "gatos". "Todo mundo falou mal do gato", relatou o deputado Paulinho Pereira da Silva (PDT-SP), da Força Sindical.
"Somos absolutamente contra o gato", afirmou o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Safady Simão. O representante das empresas, no entanto, reclamou que os sindicalistas não aceitam discutir proposta para legalizar a terceirização nas obras, o que, segundo ele, reduziria a atuação dos "gatos". O encontro no Planalto expôs uma divergência no setor da construção. A empresa Camargo Corrêa ressaltou, nos últimos dias, que o problema ocorrido em Jirau foi um ato "criminoso" e de "vandalismo". Já Simão, que representa também empresários da construção de prédios e de outros setores da construção, admitiu "eventuais problemas" nas relações de trabalho em Jirau e nos canteiros do PAC em Pecém, Ceará, e Suape, Pernambuco, embora "pontuais". "É preciso apurar com rigor o que está ocorrendo nessas mega obras", disse.

Juntando forças
Funcionários de Jirau e Santo Antônio e o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Rondônia elaboraram pauta com 10 reivindicações que serão apresentadas às empreiteiras.


TENSÃO NO ORIENTE MÉDIO
Coalizão internacional estuda armar rebeldes para ajudá-los a depor Kadafi
Interpretação da Resolução 1.973 é a de que civis não estarão seguros enquanto ditador líbio estiver no poder; distribuição de armas deve atrair mais críticas de países como China e Rússia, que condenam os bombardeios atualmente sob o comando da Otan

Andrei Netto - O Estado de S.Paulo
CORRESPONDENTE / PARIS

Chanceleres de mais de 40 países, reunidos ontem, em Londres, discutiram formas de armar os rebeldes líbios para que eles possam derrubar o regime de Muamar Kadafi - agora, um dos objetivos declarados da coalizão. A discussão, que ainda está sendo travada nos bastidores, foi admitida por representantes dos Estados Unidos e da França, dois países líderes da operação militar iniciada no dia 19. Segundo americanos e franceses, os insurgentes provavelmente não conseguirão derrubar o ditador líbio por conta própria.
As discussões sobre o envio de armas aos rebeldes não constaram do comunicado final da reunião de chanceleres, mas foram a iniciativa mais importante do dia em Londres. A possibilidade foi levantada pela primeira vez pela embaixadora americana nas Nações Unidas, Susan Rice, que afirmou em entrevista à rede de TV ABC que os objetivos dos EUA são "comprimir os recursos de Kadafi cortando seu dinheiro, seus mercenários e suas armas, e fornecer assistência aos rebeldes e à oposição".
A revelação repercutiu à tarde em Londres. À imprensa, o chanceler britânico, William Hague, desconversou, afirmando que o fornecimento de armas aos rebeldes não esteve na pauta do evento "e não é parte de nenhum acordo hoje". Mas o chanceler francês, Alain Juppé, não fugiu da polêmica. Segundo ele, a coalizão, por enquanto, se atém à aplicação da Resolução 1.973 da ONU, mas está aberta à questão. "Estamos prontos para discutir isso com nossos parceiros", disse, justificando a iniciativa com uma sentença: "Kadafi não tem futuro na Líbia". No início da noite, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, confirmou que o debate está em curso, reiterando que o eventual fornecimento de armas seria legal. A resolução que permitiu a intervenção na Líbia autoriza o uso de "todos os meios necessários" para evitar que Kadafi massacre a população civil. A interpretação dos membros da coalizão é a de que os civis não estarão seguros enquanto o ditador permanecer no poder.

Divergências. A proposta deve abrir um novo foco de críticas internacionais às operações da coalizão. China e Rússia denunciam os bombardeios, agora liderados pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Segundo o chanceler russo, Serguei Lavrov, os bombardeios contra instalações e comboios militares líbios vão além da criação de uma zona de exclusão aérea e são ilegais, pois buscam possibilitar o avanço das tropas rebeldes para Trípoli. Ontem, Fredrik Reinfeldt, primeiro-ministro da Suécia - país que participa da coalizão com oito aviões -, também levantou suspeitas de abuso ao afirmar ao seu Parlamento que a missão sueca não irá além do respeito da zona de exclusão aérea.
Também chamou atenção em Londres a pouca presença de representantes da Liga Árabe, organização que pedia a intervenção internacional na Líbia. De seus 24 países-membros, apenas 7 compareceram. Países como Egito e Argélia nem sequer enviaram representantes. Entre os participantes, houve pelo menos dois importantes consensos: Kadafi deve deixar o poder e novas sanções internacionais precisam ser adotadas com urgência. Além disso, os chanceleres anunciaram a criação de um "grupo de contato", que incluirá representantes da coalizão, para trabalhar na coordenação política com a ONU, a União Africana, a União Europeia, a Liga Árabe e o Conselho Nacional de Transição (CNT).

Carta dos rebeldes
Rebeldes líbios apresentaram em Londres compromisso de convocar eleições no "pós-Kadafi".

DESACORDO

França e Catar
Está disposta a discutir ajuda militar aos rebeldes. País árabe sugeriu a venda de armamento e se ofereceu para ajudar rebeldes a vender o petróleo líbio

EUA e Grã-Bretanha
A possibilidade de armar opositores está em aberto

Suécia, Rússia e China
Criticam o desrespeito à resolução da ONU, mas Estocolmo participará das operações

Países Árabes
Liga Árabe, que pediu a intervenção militar à ONU, está rachada. Ontem, apenas 7 países, dos 24 membros, foram representados em Londres. Catar e Emirados Árabes integram coalizão


Gabinete renuncia e Assad promete mudanças na Síria
Presidente fará pronunciamento e deve decretar fim do Estado de emergência, vigente desde 1963 - uma das exigências da oposição

Gustavo Chacra - O Estado de S.Paulo
CORRESPONDENTE / NOVA YORK

Em meio a gigantescas manifestações a favor do regime dias após protestos de opositores, o gabinete ministerial da Síria apresentou sua renúncia ao presidente Bashar Assad. Buscando conter a crise, o líder sírio deve dar mais um passo hoje ao anunciar o fim do estado de emergência em discurso à nação em Damasco.
Segundo autoridades sírias, além de levantar as medidas de exceção, que é uma das principais reivindicações de seus opositores, Assad deve oferecer "significantes concessões políticas".
Especula-se que esse poderá ser um dos mais importantes discursos já realizados no mundo árabe. O analista americano Andrew Tabler, do Washington Institute, acredita ser difícil que Assad faça "concessões que não sejam aceitas pela estrutura do regime". "Ele vive um dilema", afirmou.
A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, adota uma posição ambígua sobre a situação na Síria. No domingo, afirmou que "parlamentares dos dois partidos (Republicano e Democrata) consideram Assad um reformista. O líder sírio se encontrou com uma série de autoridades americanas nos últimos meses e desenvolveu uma amizade pessoal com John Kerry, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado. Ao mesmo tempo, Hillary condenou ontem "a repressão brutal aos manifestantes sírios, em particular a violência e a morte de civis nas mãos das forças de segurança".
Na avaliação do governo americano, amparada por analistas, o fim do regime na Síria poderia ter consequências ainda mais graves para o Oriente Médio do que na Líbia. O país, localizado entre Líbano, Iraque e Israel, é dividido em linhas sectárias e étnicas bem mais acentuadas do que no Egito, na Líbia, na Tunísia e no Iêmen.
Em artigo publicado ontem no site da revista Foreign Policy, o historiador americano Patrick Seale, biógrafo de Hafez Assad, pai de Bashar, afirmou que "os EUA deveriam perder menos tempo pensando na Líbia e observando mais a Síria, um país que realmente pode ter implicações para os interesses americanos".
"Se a situação se deteriorar na Síria, devem ocorrer violentas demonstrações sectárias e toda a região poderá ser consumida em uma orgia de violência", escreveu Seale. Bashar Assad, apesar de ser um líder secular, pertence à minoria alauita, que representa 12% da população e teria um poder desproporcional na Síria.
A renúncia do gabinete é considerado um ato simbólico. O mais importante para a população síria seria o fim do estado de emergência vigente desde 1963, quando Assad sequer era nascido. Essa lei permite que o regime prenda opositores, censure a imprensa e proíba manifestações.
Para a oposição, que se organiza aos poucos, a saída dos ministros é inócua, já que o poder nunca foi importante em um Estado centralizado ao redor de Assad e seus familiares. "Não é sobre o governo, mas sobre suas políticas. Os ministros não são os que decidem as coisas. É o presidente. Ele faz as políticas", disse Abdel Majid Manjouni, membro de um partido opositor de Aleppo, segunda maior cidade síria. Uma reportagem do Washington Times indica que Ammar Abdulhamid, considerado um liberal com boas conexões nos EUA, poderá liderar a oposição.




CUBA
Carter visita Raúl para melhorar relações

O ex-presidente americano Jimmy Carter reuniu-se ontem com o presidente cubano, Raúl Castro, com a esperança de reduzir as tensões entre Havana e Washington. Raúl se mostrou disposto a dialogar com os EUA sobre qualquer questão em "condições de igualdade". Carter deve se encontrar hoje com Fidel Castro, alguns ex-presos políticos, a blogueira Yoani Sánchez, além de opositores. Carter conversou com funcionários cubanos sobre o caso do contratado americano Alan Gross, condenado a 15 anos de prisão no dia 12 por espionagem, mas disse que não estava em Cuba para negociar a libertação dele.


ARGENTINA
Ministra se explicará a juiz por caso ''Clarín''
Justiça argentina quer saber por que Casa Rosada não tentou evitar cerco a jornais

Marina Guimarães - O Estado de S.Paulo
CORRESPONDENTE - BUENOS AIRES

A ministra argentina de Segurança, Nilda Garré, vai ter de explicar na Justiça os motivos pelos quais não tentou evitar o piquete de caminhoneiros que impediu a circulação da edição dominical dos jornais "Clarín" e "Olé" e provocou atrasos na distribuição do "La Nación".
O juiz civil Gastón Matías Polo Oliveira intimou a ministra para justificar o não cumprimento da determinação legal que garante a circulação dos jornais. A intimação, assinada na segunda-feira, estabelece um prazo de três dias, a vencer hoje, para que Nilda Garré preste os esclarecimentos.
Ontem, em entrevista a várias rádios de Buenos Aires, a ministra criticou o bloqueio. Mas ela reforçou a estratégia do governo da presidente Cristina Kirchner de desvincular-se do caso, atribuindo o bloqueio a um problema sindical com as empresas. "Se há alguém que aproveita o conflito sindical para outra coisa, a verdade é que repudio essa possibilidade", afirmou.
"Liberdade garantida". Nilda opinou que a liberdade de imprensa não foi afetada pelo episódio e negou ter sido omissa, como acusou o Clarín. "Eu não permiti nenhum bloqueio", disse, acrescentando que "a liberdade de expressão no país está totalmente garantida".
O editor-geral do Clarín, Ricardo Roa, disse ao Estado que "não existe nenhum conflito trabalhista ou pendência com sindicatos em nenhuma das empresas do Clarín".
Independentemente das causas que levaram ao bloqueio, o Grupo Clarín obteve, em 21 de janeiro, uma medida cautelar para garantir as providências necessárias que impedissem qualquer tipo de bloqueio à empresa, que publica os jornais Clarín e Olé.
O Clarín recorreu à Justiça após ter sofrido quatro bloqueios anteriores, sendo que um deles durou seis noites. Todos provocaram atrasos na distribuição dos jornais e impediram a circulação parcial de exemplares. O La Nación também foi alvo de bloqueios.
A forte repercussão do caso levou à convocação do Conselho de Segurança Interior. Integrado pelo Ministério de Segurança, secretários da área de cada província e representantes das forças se segurança federais e dos distritos, o conselho realizou, ontem, sua primeira reunião para discutir o caso.

Falta de segurança. Pesquisas de diferentes consultorias da Argentina apontam para uma ampla rejeição aos bloqueios e mostram que a insegurança é a principal preocupação da população local.
De acordo com a agência oficial de notícias, Télam, durante a reunião, Nilda Garré reconheceu, pela primeira vez, que "se registrou um aumento do delito e dos níveis de violência no país".
Segundo a ministra, "não somente houve um crescimento da delinquência comum, mas também subiu a criminalidade protagonizada por organizações criminosas".

REAÇÕES

SIP
A Sociedade Interamericana de Imprensa classificou como "um atentado grave à liberdade de imprensa" o bloqueio da distribuição de jornais na Argentina. O presidente da entidade, Gonzalo Marroquín, disse ter ficado "perplexo"

Associação de Entidades Jornalísticas da Argentina
A Adepa considerou que "os pilares republicanos foram abalados" na Argentina. Para a Cooperativa de Provisão de Imprensa Argentina, "tal atitude condenável evidencia a falta de garantias constitucionais" aos jornalistas
Repórteres sem fronteiras Em nota, a entidade internacional "expressa sua completa desaprovação pelo bloqueio que impediu a distribuição de três jornais: "Clarín", "Olé" e "La Nación"". "Dificultar a distribuição de um jornal constitui um ataque à liberdade de publicação, que é um componente da liberdade de expressão"

ANJ
A Associação Nacional de Jornais emitiu uma nota em que classificou a ação como "intolerante e antidemocrática" e acusou o governo de ser cúmplice dos sindicalistas.


Chávez: prêmio por ''defesa da mídia''
Universidade argentina homenageia o líder ''por compromisso com valores democráticos''

Marina Guimarães - O Estado de S.Paulo

Mesmo já tendo fechado pelo menos 34 rádios da Venezuela e controlar 750 meios de comunicação do país, o presidente Hugo Chávez recebeu ontem da comunidade acadêmica da Argentina um prêmio por defender a liberdade de imprensa. No segundo dia de sua visita ao país, o líder venezuelano foi homenageado pela faculdade de jornalismo da Universidade Nacional de La Plata "por seu compromisso inquestionável e autêntico em defender a liberdade dos povos, os direitos humanos e ser consistente com a verdade e os valores democráticos".
O Prêmio Rodolfo Walsh foi criado em 1997 "para estimular a excelência jornalística e o compromisso com a verdade, a ética, os valores e a militância profundamente social". Os homenageados são aprovados por um conselho acadêmico. A decana Florencia Saintout argumentou que a premiação ainda reconhece Chávez por "consolidar da unidade latino-americana".
Para homenagear o líder venezuelano, a categoria Presidentes Latino-americanos pela Comunicação foi criada pelos organizadores. A premiação ocorre dois dias depois de o Clarín ter sido impedido de circular.


JAPÃO
Premiê adota ''alerta máximo'' no Japão
Detecção de plutônio no solo e de água altamente radioativa aumentam os riscos de vazamento na usina nuclear de Fukushima

O governo japonês declarou ontem que o país está em "estado de alerta máximo" por causa dos problemas na central nuclear após a detecção de plutônio e de água altamente radioativa no local, que obrigou a interrupção temporária dos trabalhos de contenção da crise.
Durante uma reunião no Parlamento, o primeiro-ministro japonês, Naoto Kan, reconheceu que a situação continua "imprevisível". "A situação do acidente nuclear não nos permite baixar a guarda", disse Kan. "Continuaremos a acompanhar tudo com toda atenção."
O premiê também fez um mea culpa sobre a escolha do local para se construir uma usina nuclear. "Não podemos negar que a avaliação do risco de um grande tsunami na época da construção foi amplamente equivocada", disse Kan, que prometeu reformar as normas de segurança nuclear no país.
A Agência de Segurança Nuclear e Industrial do Japão informou ontem que as barras de material físsil nos reatores número 1, 2 e 3 na usina atômica de Fukushima estão danificadas e existe uma alta possibilidade de haver algum vazamento de suas estruturas de contenção. Autoridades disseram que seguiam tentando resfriar os reatores para impedir uma catástrofe nuclear.
Segundo o porta-voz do governo, Yukio Edano, no momento, a única alternativa para conter o vazamento de radiação é seguir bombeando água para resfriar os reatores. "Continuar o resfriamento é inevitável. Nós precisamos priorizar a injeção de água", afirmou.
Cerca de 300 engenheiros continuam trabalhando ininterruptamente para minimizar os danos. Ontem, três funcionários da central nuclear foram expostos a uma radiação 10 mil vezes superior ao normal. Dois deles foram hospitalizados em razão de queimaduras nos pés causadas pela radiação.
Técnicos acreditam que as barras de material físsil tenham derretido parcialmente, enchendo os tanques que armazenam os bastões já usado. De acordo com eles, os resíduos dessa operação se acumularam nos porões das salas das turbinas conectadas aos reatores e encheram os túneis, tornando arriscado o trabalho das equipes para reparar os sistemas de resfriamento necessários para estabilizar a usina. Em apenas um túnel há 6 mil metros cúbicos de água contaminada.
Outro indício de problemas é a presença de plutônio, que indica danos nas barras de combustível. Especialistas apontam que o material tenha vazado do reator 3, que utiliza plutônio. Segundo Hidehiko Nishiyama, porta-voz da agência nuclear japonesa, a descoberta de plutônio no solo das instalações de Fukushima mostra como são sérios os danos nos reatores.
"O plutônio não será liberado a menos que o material atinja temperaturas muito altas", disse Nishiyama. "O fato de ele ter avançado sobre várias camadas de barreiras de segurança demonstra a seriedade do acidente." O porta-voz, porém, negou que quantidade de plutônio detectada seja prejudicial à saúde.
A agência de proteção ambiental dos EUA, no entanto, alertou que a exposição ao plutônio é uma ameaça "extremamente séria à saúde", pois ele fica no corpo durante décadas, expondo órgãos e tecidos à radiação e aumentando o risco de câncer.
O anúncio aumentou o temor de contaminação do meio ambiente e dos produtos alimentícios fabricados na região. Na segunda-feira, equipes detectaram plutônio em cinco análises de terra feitas há uma semana no solo da central de Fukushima.
Ontem, o governo japonês fez um pedido na Organização Mundial do Comércio para que não haja "discriminações injustas" a suas exportações de alimentos. Países como Austrália, Cingapura, Rússia, Canadá e Filipinas já impuseram restrições aos produtos japoneses,
Autoridades da China, dos EUA e da Coreia do Sul informaram ontem que detectaram níveis baixos de radiação na água da chuva por causa do acidente no Japão.
AP e REUTERS


OPINIÃO
Lições de Fukushima

*Gilles Lapouge - O Estado de S.Paulo

A população japonesa é corajosa, eficaz e orgulhosa. Quando, no dia 18, a França propôs enviar ao Japão 130 toneladas de material de alta tecnologia, em particular robôs concebidos para operações em ambiente perigoso e extremo, as autoridades do Japão agradeceram com elegância e recusaram a oferta. Não sabiam para que esses robôs poderiam servir no desastre das centrais de Fukushima.
Ontem, os japoneses já se mostravam menos orgulhosos. Os três grupos franceses especializados em energia nuclear (Areva, EDF e a CEA), responderam ao pedido de ajuda da Tokyo Power Company, que administra a central de Fukushima.
Não sabemos se os especialistas da Areva estão levando os tais robôs e as 130 toneladas de material ou se essa será apenas uma missão de aconselhamento, com os engenheiros franceses oferecendo uma "nova visão" sobre o acidente, graças à longa experiência da França na área nuclear.
Dias antes, a Areva já tinha enviado ao Japão 100 toneladas de ácido bórico, substância que absorve nêutrons, para ser misturado à água destinada ao resfriamento dos reatores, além de equipamentos de uso individual, como máscaras, luvas e aparelhos respiratórios.
Paralelamente, na França as dúvidas recaem sobre o estatuto e os perigos do átomo. Claro que, apesar do respeito aos ecologistas franceses, não existe no país uma rejeição em massa à energia nuclear para fins civis como ocorre na Alemanha. Em Paris, o desastre de Fukushima vem provocando um debate centrado menos na necessidade da energia nuclear e mais nas cautelas impostas por esse tipo de fonte energética.
Nesse ponto, uma opinião predomina: a infelicidade dos japoneses deixou à vista de todos o que há muitos anos se suspeitava: uma irresponsabilidade escandalosa das autoridades japonesas, uma despreocupação criminosa na escolha dos locais para a instalação dessas usinas, uma falta total de transparência desde o início da catástrofe e, enfim, o sacrifício deliberado dos interesses coletivos (a população japonesa) em detrimento de interesses privados (da Tokyo Power Company).
O enorme abalo moral que sacode o mundo depois dessa "marcha para o apocalipse" iniciada com a explosão dos reatores de Fukushima levou muita gente a questionar a necessidade da energia nuclear.
Os mais radicais, como o Partido Verde alemão, exigem um abandono puro e simples da energia nuclear civil. Na França, os incrédulos são mais sutis. E se perguntam se, depois do desastre no Japão, temos o direito de deixar a gestão dessa área para empresas privadas - cuja lógica, por definição, é a "rentabilidade". Somente o Estado seria capaz de dominar e controlar essa aterradora energia. /
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

*É CORRESPONDENTE EM PARIS


COPA 2014
CBF expõe racha com a Fifa ao rebater Blatter
Ricardo Teixeira diz que não há confrontos entre políticos nas cidades-sede e as obras estão no prazo previsto

Sílvio Barsetti / RIO - O Estado de S.Paulo

As desavenças entre a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a Fifa ficaram mais expostas ontem quando o presidente da entidade nacional, Ricardo Teixeira, decidiu responder com mais contundência as críticas feitas anteontem pelo presidente da Fifa, Joseph Blatter, aos preparativos da Copa do Mundo de 2014. Em comunicado no site oficial da CBF, Teixeira rebateu declarações de Blatter e afirmou que o ritmo das obras para o Mundial estão dentro do prazo previsto.
De acordo com sua assessoria de imprensa, a CBF esperou a publicação ontem no Estado da entrevista exclusiva de Joseph Blatter a Jamil Chade, em Genebra, para se manifestar com mais detalhes. Teixeira desconsiderou, por exemplo, a alegação de Blatter de que existe uma "guerra política entre prefeitos e governadores" no País, o que estaria atrasando o cronograma das obras. "Desconheço que haja qualquer confronto entre prefeitos e governadores em qualquer uma das 12 sedes da Copa do Mundo de 2014", registrou Teixeira.
Ele ressaltou que a Fifa "testemunha" há anos um trabalho integrado entre o poder público, o Comitê Organizador Local (COL) e a própria Fifa na preparação do Mundial e enfatizou "a dedicação" da presidente Dilma Rousseff e o papel do ministro do Esporte, Orlando Silva, no processo político que vai consolidar a realização da Copa no País.
Teixeira negou que haja risco de o Maracanã não servir à Copa das Confederações de 2013, como disse Blatter, e citou uma reunião recente com o vice-governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, na qual recebeu garantias de que as obras no estádio vão estar concluídas a tempo para a realização do torneio em 2013.

São Paulo. Outro ponto destacado pelo presidente da Fifa na entrevista dizia respeito ao atraso da cidade de São Paulo, referindo-se notadamente à questão do estádio. No documento, Teixeira reiterou que o COL e a CBF trabalham "de forma intensa e integrada" com o comitê paulista e todos os segmentos envolvidos no projeto do estádio (Itaquerão) "para equacionar as últimas questões técnicas".
"Temos a garantia por parte dos envolvidos de que o estádio (Itaquerão) também será entregue no prazo previsto", acrescentou o dirigente, que refez o convite público a Blatter para visitar o Brasil e conferir o andamento das obras visando ao Mundial.
Uma das declarações de Blatter que mais incomodaram a cúpula da CBF também foi contestada por Teixeira. O presidente da Fifa cobrou anteontem "uma pressão maior por parte da CBF para garantir que as obras sejam feitas". Em tom didático, Teixeira o rechaçou: "Não é papel da CBF pressionar governantes, ainda mais quando não há nenhum motivo para tal".
Disputa pela Fifa. Por trás dos ataques de Blatter a Ricardo Teixeira está um disputa política pelo controle da Fifa nos próximos anos. Blatter é candidato à reeleição em junho, enquanto Teixeira já sinalizou que vai apoiar o presidente da Confederação Asiática de Futebol, Mohamed Bin Hamman. Recentemente, Blatter e Teixeira tiveram outro embate político.
O suíço defendeu a candidatura dos Estados Unidos para o Mundial de 2022, enquanto Teixeira trabalhou pela vitória do Catar, o que acabou ocorrendo. O presidente da CBF teria um acordo com Hamman para que em 2015 o asiático o apoiasse à presidência da Fifa.

A RESPOSTA
Ignora eventuais disputas políticas entre prefeitos e governadores nas 12 sedes da Copa do Mundo de 2014
Contesta a informação de que o Estádio do Maracanã não vai estar pronto para a Copa das Confederações de 2013, como insinuou Joseph Blatter
Alega que o estádio na cidade de São Paulo, em Itaquera, embora a obra no local não tenha começado, também vai ficar pronto dentro do prazo previsto
Esclarece que não cabe à CBF o papel de pressionar governantes e enaltece a colaboração da presidente Dilma Rousseff
Num gesto político, e com ponta de ironia, convida o presidente da Fifa, Joseph Blatter, para vir ao Brasil e ver de perto "o progresso" que ele mesmo destacou durante reunião entre a Fifa e Comitê Organizador Local (COL) do Mundial, no início do mês, em Zurique, que as partes anunciaram como sendo a primeira para tratar da Copa

CONTRA-ATAQUE
RICARDO TEIXEIRA - Presidente da CBF e do COL
"Não é papel da CBF pressionar governantes, ainda mais quando não há motivo para tal"
"Temos a garantia por parte dos envolvidos de que o estádio (Itaquerão) será entregue no prazo previsto"
Ministro também bate duro em cartola da Fifa
Um dia depois de tentar amenizar, Orlando Silva reage e retruca todas as acusações feitas por Joseph Blatter

BRASÍLIA

O ministro do Esporte, Orlando Silva, demorou um pouco, mas respondeu ontem as críticas feitas no dia anterior pelo presidente da Fifa, Joseph Blatter, à preparação para a Copa de 2014. "Para o governo, a Copa é hoje. Ninguém está mais preocupado com a realização do Mundial do que o Brasil"", disse Silva.
A declaração foi uma resposta direta ao dirigente suíço, por ter dito que "a Copa é amanhã, mas os brasileiros pensam que é só depois de amanhã"". Blatter também disse que o Brasil, há pouco mais de três anos para o Mundial, está mais atrasado do que estava a África. "É inadequado. Equivale a comparar banana com laranja"", devolveu Silva, para enfatizar que os problemas dos dois países são diferentes.
A "ofensiva"" do ministro ocorreu depois de sua participação na primeira audiência pública sobre as obras do Mundial, realizada pela manhã em Brasília. Anteontem, em São Paulo, ele havia amenizado as críticas, dizendo que iria convidar Blatter para visitar o Brasil e ver as obras.
Ontem, ele reiterou que 70% dos projetos de mobilidade urbana precisam começar neste ano. "O cronograma deve ser seguido à risca ou não conseguiremos finalizá-las a tempo"", alertou.
Orlando Silva disse que Blatter, ao atacar o Brasil, quis "desviar o foco"" dos problemas da Fifa. "Há um processo eleitoral em curso"", lembrou, sobre o pleito de junho. O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, apoia o candidato de oposição a Blatter.

29 DE MARÇO DE 2011 | 13H 25

Paes rebate Blatter e vê obras da Copa 'avançando bem'

GUSTAVO URIBE - Agência Estado

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), avaliou nesta terça-feira, em São Paulo, que os investimentos para a Copa do Mundo de 2014, no Brasil, avançam bem e disse ter recebido com estranheza a crítica do presidente da Fifa, Joseph Blatter, de que as obras no País estão atrasadas. Na última segunda, o dirigente máximo do futebol mundial disse que falta um "avanço real" na infraestrutura para a realização do torneio e considerou que o Brasil está mais atrasado do que a África do Sul estava na mesma época de preparação que antecedia a Copa de 2010.
"Tirando a questão dos aeroportos, que é público e notório que nós temos de avançar, eu acho que está indo mundo bem a questão dos estádios. Não acho que seja justa (a crítica). Acho que o Brasil está avançando bem", disse Paes, após participar de um debate com empresários paulistas do Lide - Grupo de Líderes Empresariais, no Seminário Oportunidades de Investimentos no Rio de Janeiro. "É uma mudança repentina de opinião do presidente Blatter, que causa alguma estranheza porque, até ontem (segunda-feira), ele estava achando tudo ótimo. Não sei se tem a ver com política interna da Fifa", acrescentou.
Após o evento, contudo, Paes considerou válida a cobrança do Blatter, mas disse ter certeza de que o País realizará uma boa Copa do Mundo. "É claro que cobrar é importante, mas temos de avançar em aeroportos. A própria presidente Dilma Rousseff reconhece essa questão, mas eu tenho certeza de que o Brasil vai realizar uma boa Copa do Mundo."
O prefeito do Rio antecipou também que pedirá ao presidente da Autoridade Pública Olímpica (APO), Henrique Meirelles, que seja realizada uma parceria uma parceria público-privada (PPP) para as obras do Parque Olímpico de 2016, na capital fluminense. "Muito provavelmente, nós vamos fazer uma parceria público-privada. Estou esperando discutir essa possibilidade com o Henrique Meirelles", afirmou.
Num discurso de cerca de 20 minutos, para um plateia formada na maior parte por empresários paulistas, Paes voltou a criticar a estrutura aeroportuária do Rio, a qual chamou de "escândalo" e "vergonha", e a de São Paulo. "É uma rodoviária de quinta malcuidada. Está é a melhor definição do Aeroporto do Galeão. O aeroporto de Guarulhos não fica muito atrás disso."
Na sessão de perguntas dos empresários, ele defendeu a concessão da administração dos aeroportos brasileiros à iniciativa privada. "É inviável aquilo sugerido pelo governo federal. Não há gestor que vá para a Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária), não vai resolver", disse. "Vai estar cheio de amarras e dificuldades."


CADERNO2
Heróis do Brasil
Longa-metragem conta os bastidores da participação dos pracinhas brasileiros na 2.ª Guerra

Flavia Guerra / AVIANO, ITÁLIA

Há quem diga que todos os filmes de guerra já foram feitos, que filme de guerra virou gênero clichê. E que o Brasil não sabe fazer nem mesmo guerra, que dirá um filme de guerra. Vicente Ferraz e sua equipe tentam derrubar todos os clichês com A Montanha, longa-metragem sobre os bastidores da participação dos pracinhas brasileiros na 2.ª Guerra - um episódio histórico traumático para as famílias dos participantes e ainda hoje pouco esclarecido. Diretor do premiado Soy Cuba, o Mamute Siberiano, Ferraz decidiu rodar o filme em solo italiano, real cenário da luta dos soldados brasileiros, numa coprodução que uniu três países: Itália (Verdeoro) e Portugal (Stopline Films), que entram com 40%, e o Brasil (Primo Filmes e Três Mundos Produções), com 60%. Do elenco, liderado pelos brasileiros Daniel de Oliveira (Cazuza, Zuzu Angel), Julio Andrade (Cão sem Dono e Hotel Atlântico), Thogum (Filhos do Carnaval, Tropa de Elite, Bruna Surfistinha) e Francisco Gaspar (A Casa de Alice, Caixa 2), participam o italiano Sergio Rubini, o alemão Richard Sammel e o português Ivo Canelas.
A batalha de comandar mais de 60 profissionais de nacionalidades diferentes, num ambiente pouco familiar e descobrir o lugar do Brasil no conflito que mudou a ordem social parece, ironicamente, manter semelhanças com a luta narrada em A Montanha. Sem contar a batalha que ainda será travada para arrecadar R$ 3 milhões dos R$ 8 milhões previstos no orçamento do filme.
Na 2.ª Guerra, o Brasil uniu-se aos aliados, ao lado dos EUA, Inglaterra e França, contra os países do Eixo - Alemanha, Itália e Japão. A Força Expedicionária Brasileira enviou à Itália mais de 25 mil soldados, a maioria jovens pobres e despreparados que tiveram, quase de repente, de aprender a combater e a conviver com o frio, o medo e com um idioma estrangeiro. No filme, quatro pracinhas perdem-se na neve e acabam encontrando um correspondente de guerra e dois soldados desertores: um italiano que quer se juntar à resistência e um alemão cansado da guerra. Assim, passam a formar um estranho grupo de deserdados de várias nacionalidades.
O Estado acompanhou a equipe de filmagem nos Alpes italianos, na região de Friuli-Venezia Giulia, quase fronteira com a Eslovênia, com a tão almejada paisagem nevada, essencial para as principais sequências do filme. Ali, a pequena cidade de Aviano abriga a base da equipe do filme, e também a base do Exército americano e da Otan. Enquanto o filme era rodado, tropas americanas se preparavam para o ataque aéreo na Líbia. A movimentação militar local podia ser sentida nas entrelinhas de um inglês pronunciado tão naturalmente quanto naturalmente também há mais ‘american dinners’ que trattorias italianas na cidade.


 FONTE: JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO

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