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quarta-feira, 30 de março de 2011

30 de março de 2011 - MONITOR MERCANTIL


OPINIÃO
Comissão da verdade, da aparência ou da dúvida?

Se tivermos a curiosidade de verificar em qualquer dicionário, o significado de "verdade", teremos: conformidade com o real, exatidão, realidade, coisa verdadeira, principio certo, representação fiel de alguma coisa da natureza, caráter, cunho. Procedendo da mesma maneira com relação ao significado de "real" teremos: que existe de fato, verdadeiro.
Um conceito remetendo ao outro e vice-versa. Num plano linear, sem grandes mergulhos intelectuais, e tangenciando o " rés do chão": há a minha verdade, a verdade do outro e a "verdadeira" verdade, intrínseca ao objeto ou fato.
Sem maiores considerações já resulta claro que intitular-se uma comissão como a da "Verdade" denota pretensão, despreparo, falta de preocupação e discriminação com outras verdades (a verdade em si, a verdade dos outros etc.).
Ainda no plano superficial, corre-se o risco de termos uma comissão, dependendo do numero de membros e de sua composição ideológica (sentido amplo), que, ao final, dispondo de inúmeras verdades, não atinja, minimamente, o que se procura apurar.
Num plano filosófico o tema pode nos remeter a Nietzsche: "Como o mundo-verdade se tornou enfim uma fábula? Não passa de um preconceito moral acreditar que a verdade é melhor que a aparência... Todos amam as suas verdades. Seria contrário a seu orgulho e iria também contra o seu gosto, se a verdade devesse ser uma verdade para todos, o que foi até hoje o desejo secreto e a segunda intenção de todas as aspirações dogmáticas... Minha opinião é minha opinião para mim: não me parece que outro deva ter facilmente direito a isso". Em contraponto a isto, o filosofo ensina: "Há uma ingenuidade na mentira que é indicio de boa fé".
Depois disso, outro filosofo, Foucault, ensinou: "Não utilizem o pensamento para dar a uma prática política um valor de verdade... Primeiramente o desafio último da história humana, para além até mesmo do poder, da economia etc., é a verdade: que regime pensaria em confessar-se falso? Em segundo lugar, o conhecimento histórico, de seu lado, se quiser levar até o fim suas análises de uma determinada época, deve alcançar, para além da sociedade ou da mentalidade, as verdades gerais nas quais os espíritos dessa época estavam, a própria revelia, encerrados (a imagem de peixes no aquário).
Foucault pensa que "não existem verdades gerais, trans-históricas, pois os fatos humanos, os atos ou as palavras não provêm de uma natureza, de uma razão que seria sua origem, nem tampouco refletem fielmente o objeto a que se remetem".
Transcorridos quase 50 anos, busca-se apurar o quê? A verdade ? Que verdades? Não se discute que todos têm direito a enterrar seus cadáveres ou a prantear os seus mortos. O que cabe perguntar é qual será a verdade que a Comissão da Verdade busca?
Seria necessária uma comissão para isto? E se tudo resultar no final num tremendo fracasso? Há risco de alguns ministros se desmoralizarem, diante da história? Ao contrário, supondo que se consiga apurar tudo que se pretenda e supondo mais ainda, que não tivesse havido anistia, a quem responsabilizar? Pois que, se não se busca responsáveis, busca-se o quê? A espada de Dâmocles sobre alguns, a ameaça enrustida, a criação do perseguido-perseguidor? O quê?
Para achar basta procurar. Instituir grupos especiais para localizar num trabalho mais de pesquisa e, a esta altura, arqueológico seria mais objetivo que uma comissão. Ainda assim, e dentro destas suposições, como comparar responsabilidades definidas numa estrutura rígida, hierarquizada com a de grupos, então na clandestinidade, com lideranças ocultas ou difusas?
Na primeira teríamos como especificar os autores de ordens descabidas que resultaram em uma ou diversas mortes. Na segunda, todos seriam responsáveis por qualquer morte do "outro lado". Assim teríamos riscos de culpar nossa presidente, José Genoino, Franklin Martins, José Dirceu e que tais.
É preciso que os "geniais" inventores desta comissão - na nossa opinião fadada ao fracasso - tenham um pouco mais de visão histórica e política. Numa nação em paz seria conveniente mexer inadequadamente neste assunto?
Procuremos nossos mortos com o equilíbrio e seriedade que eles merecem. Não fujamos do tema mas lembremo-nos, com realismo e sem ameaças, que a história política dá voltas inesperadas.
Como dizem os filósofos, "as coisas trazem em si o germe do seu contrário. Não vamos lavar as mãos da sujeira inerente a toda a ação política", mas lembremo-nos que ela é inerente. Se não for inevitável, afaste-se. Se for, prepare-se, pelo menos, quando o vento for contrário, para a sujeira e para a decepção que ela gera.

Osvaldo Nobre - Autor dos livros Brasil - país do presente, Bric ou RIC e Década de Transformações

FONTE: MONITOR MERCANTIL

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