Pesquisar

segunda-feira, 28 de março de 2011

27 de março de 2011 - CORREIO BRAZILIENSE


POLITICA
Panteão ainda órfão de heroínas
Reforma do monumento criado por Oscar Niemeyer aliada a um impasse sobre a inclusão de Chico Mendes na lista de homenageados trava a entrada das três primeiras representantes femininas no Livro de Aço dos Heróis Nacionais

Alessandra Mello

Em tempos de Dilma Rousseff na Presidência, três mulheres estão na batalha para ter o nome gravado como primeira heroína da Pátria. A enfermeira Ana Néri, a guerrilheira Anita Garibaldi e a soldado Maria Quitéria já tiveram os nomes aprovados pelo Congresso Nacional para figurar no rol dos heróis nacionais, mas nenhuma consta do Livro de Aço dos Heróis Nacionais. Nele estão apenas os nomes de Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Marechal Deodoro da Fonseca, D. Pedro I, Duque de Caxias, José Plácido de Castro (que lutou pela anexação do Acre ao território brasileiro), Almirante Tamandaré (patrono da Marinha), Almirante Barroso (comandou a Batalha do Riachuelo), Santos Dumont e José Bonifácio de Andrada. Em 2008, o Congresso aprovou ainda a inclusão da palavra heroínas no nome oficial do livro, o que também ainda não ocorreu.
Desconhecido por grande parte da população, o Livro dos Heróis é uma das atrações do Panteão da Pátria e da Liberdade, monumento de Oscar Niemeyer erguido na Praça dos Três Poderes. O Panteão está fechado há cerca de dois anos para uma reforma que parece não ter fim. Esse é um dos problemas que impedem a entronização das heroínas brasileiras. Mas não é o único.
Outro entrave é a polêmica envolvendo a aprovação do nome de Chico Mendes para a lista dos notáveis. Assassinado em 1988, o seringueiro acriano foi transformado em herói por iniciativa da então senadora Marina Silva (PV-AC). O projeto de lei indicando seu nome foi aprovado em 2004. No entanto, em 2007, o Congresso aprovou lei estabelecendo que o registro só poderá ser efetuado 50 anos depois do falecimento do laureado, com exceção para mortos em campos de batalha.

2038
De acordo com esses critérios, Chico Mendes só poderia ter o nome no livro em 2038. Depois da aprovação do nome do seringueiro, outras 10 personalidades viraram heróis, entre elas as três heroínas citadas e o ex-presidente Getúlio Vargas. Porém nenhuma teve o nome gravado. Procurada pela reportagem, a ex-senadora Marina Silva (PV-AC) não comentou a polêmica.
O Panteão enfrenta, ainda, um limbo administrativo. O monumento é controlado e mantido pela Secretaria de Cultura do DF, mas quem legisla sobre os nomes na relação de heróis são os deputados e os senadores. O governador do DF, Agnelo Queiroz (PT), não nomeou o novo administrador do museu. Hoje, o espaço é comandado interinamente pelo professor Tony Marcelo. Antes de assumir a função, ele era responsável por um trabalho com alunos de escolas que visitavam o local. “O problema da entronização dos novos heróis é a discussão se o nome de Chico Mendes entra ou não. Enquanto não se resolve, tem uma lista esperando para ter os nomes gravados no livro”.

Memória e exaltação
O Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves foi erguido na Praça dos Três Poderes, em Brasília, para homenagear todos os que se destacaram em defesa do Brasil. Projetado por Oscar Niemeyer, o memorial tem 2 mil metros quadrados e três pavimentos. A pedra fundamental foi lançada pelo então presidente da França, François Mitterrand, em 15 de outubro de 1985. O Livro de Aço dos Heróis Nacionais fica no salão central.

QUEM JÁ ESTÁ NO LIVRO DE AÇO

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes
Líder e mártir da Inconfidência Mineira

Zumbi dos Palmares
Líder do Quilombo dos Palmares
Marechal Deodoro da Fonseca
Responsável pela Proclamação da República e primeiro presidente do Brasil

D. Pedro I
Primeiro imperador e também primeiro chefe de Estado e de governo do Brasil

Duque de Caxias
Patrono do exército brasileiro

José Plácido de Castro
Lutou pela anexação do Acre ao território brasileiro

Almirante Tamandaré
Patrono da Marinha brasileira

Almirante Barroso
Comandante da força naval brasileira na Batalha do Riachuelo, em 1865

Alberto Santos Dumont
Patrono da Aeronáutica e da Força Aérea Brasileira

José Bonifácio de Andrada e Silva
Naturalista, estadista e poeta brasileiro conhecido como Patriarca da Independência


BRASÍLIA-DF

Por Luiz Carlos Azedo
Com Leonardo Santos 

Campanha
Petistas da Câmara não desistiram de defender em público a candidatura do ex-deputado José Genoino para ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). Nem que seja só pró-forma, consideram que tal deferência pode ajudar a lustrar a imagem do companheiro, que é réu no processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF). Benquisto entre os comandantes militares, apesar de ser um ex-guerrilheiro do Araguaia, Genoino é assessor especial do ministro da Defesa, Nelson Jobim.

Violência
De acordo com o censo da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), cerca de 70% das crianças e adolescentes que dormem na rua sofrem violências dentro de casa. Além disso, 30,4% usam drogas ou álcool

Autocrítica
Circula entre militares um informe dando conta de que os comandantes do Exército no Sudeste e no Nordeste se manifestarão publicamente em defesa do golpe de 31 de março 1964. Aproveitarão também para criticar a Comissão da Verdade. Não se conformam com a exclusão da data do calendário oficial das Forças Armadas, nem com a instalação da comissão. O problema é que ninguém faz autocrítica: nem comandantes militares que apoiaram a tortura e a eliminação física como método de repressão, nem os integrantes do governo que cometeram o equívoco político de partir para a luta armada contra o regime ditatorial.


MEIO AMBIENTE
Encruzilhada atômica
Governo precisa encontrar um local para depositar o lixo radioativo das usinas de Angra. As piscinas que resfriam o combustível só suportam mais material até 2021. Cronograma para a construção de depósitos não deve ser cumprido

Vinicius Sassine

Procuram-se, em algum canto brasileiro, cidades interessadas em receber definitivamente — por séculos a fio — 578,6 toneladas de combustível altamente radioativo, usado pelas usinas nucleares Angra 1 e Angra 2 para gerar energia. A busca inclui municípios dispostos a acolher também 7,4 mil tambores abarrotados de papéis, vestimentas, filtros e resinas contaminados por índices baixos e médios de radioatividade. O tempo é curto para as candidatas se manifestarem e serem selecionadas. As piscinas que resfriam o combustível usado em Angra 1 e 2 suportam mais material radioativo somente até 2021. No galpão da mais antiga usina nuclear brasileira, Angra 1, só resta 16,7% de espaço. O lixo atômico terá de ir para algum lugar. Só não se sabe, até agora, para onde.
O funcionamento dos dois reatores nucleares, que contribuem com 1,9% da energia gerada no país, causou, ao longo das últimas três décadas, um problema incômodo, que desafia as autoridades responsáveis pela energia nuclear no Brasil. Os rejeitos radioativos estão abrigados no espaço físico de Angra 1 e Angra 2 desde o início das atividades das usinas.
Os primeiros 59 tambores com lixo atômico de Angra 1 foram gerados em 1982. Angra 2 produziu 38 tonéis em 2002 e não parou mais. Mas a principal preocupação é com o combustível usado e descartado dos reatores direto às piscinas de resfriamento. À base de urânio enriquecido, o material tem alto nível de radioatividade e longo tempo de duração. Esses restos devem ficar pelo menos 10 anos nos tanques. Em Angra 1, estão depositados há quase 30 anos.
Tanto os resíduos de baixa e média atividade quanto o combustível precisam deixar o complexo de Angra dos Reis (RJ). A comissão responsável pelo programa nuclear brasileiro definiu um cronograma para a construção dos depósitos definitivos e o apresentou ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2008. O cronograma trazia datas para a construção dos depósitos. O espaço para os rejeitos de baixa e média atividade deveria começar a ser edificado em 2014. Já as obras do depósito de combustível usado deveriam ter início em 2019. A cidade que vai acolher esse material, conforme o cronograma precisaria ser selecionada três anos antes.
Prorrogação
A Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), responsável pela destinação final dos rejeitos, admitiu ao Correio que o cronograma não será cumprido. Será necessário prorrogar prazos, o que deve gerar um impasse. Mesmo se o cronograma previsto fosse cumprido, a Eletrobras Eletronuclear — a quem cabe administrar as usinas — ficaria cinco anos sem ter como depositar o combustível usado, caso os reatores continuem a funcionar. “Se os depósitos não forem construídos, será necessário parar as usinas”, afirma o coordenador de Comunicação e Segurança da Eletronuclear, José Manuel Diaz.
As piscinas de Angra 1 e 2 têm capacidade para abrigar combustível usado até 2021. O depósito definitivo, pelo cronograma original, deveria começar a receber o rejeito em 2026. “O problema no mundo inteiro é o combustível usado. A gente nem pensou ainda nas cidades (que vão abrigar os rejeitos). É necessário primeiro achar um sítio geológico adequado”, diz o presidente da Cnen, Odair Gonçalves. “O sítio das usinas não vai ser descomissionado (quando ocorre a desativação) nos próximos 50 anos. Temos tempo para isso.”
Diante da indefinição sobre um depósito definitivo, a Eletronuclear planeja construir uma terceira piscina de resfriamento em Angra. Uma possibilidade para reduzir o volume de rejeitos é a incineração. Não há qualquer previsão oficial de reciclar o combustível — que ainda guarda 40% de energia —, a exemplo do que fazem Japão e países da Europa.

Compensações
Três municípios já se dispuseram a receber os rejeitos de baixa e média atividade, em troca de royalties e outras compensações financeiras, mas a Cnen não diz quais são as cidades, nem as regiões. Quando um dos depósitos de Angra 1 esteve próximo de ficar lotado, com 94% de ocupação, a Eletronuclear precisou fazer uma supercompactação dos resíduos para obter mais espaço para o lixo. No caso do combustível usado, não faltará espaço, afirma José Manuel Diaz, da Eletronuclear. “Está tudo dentro das normas e convenções internacionais.” O problema principal é a piscina de resfriamento de Angra 2. Funcionando há menos de 10 anos, já teve 35% do espaço ocupado. A dificuldade na destinação dos rejeitos é um dos aspectos que será verificado in loco por uma comissão de senadores. A visita a Angra dos Reis está prevista para quarta-feira.


ECONOMIA
Prazo maior para nomeação de aprovados
Diante do corte de verbas que interrompeu processos seletivos, ministérios e empresas públicas esticam a validade de provas
Cristiane Bonfanti
Com a suspensão de concursos públicos e de nomeações nos governos federal e distrital, devido ao arrocho fiscal, vários órgãos estão lançando mão de uma possibilidade prevista em edital para ganhar tempo e conseguir repor o quadro de funcionários. Na esperança de uma reavaliação do aperto, estão prorrogando ao máximo a validade dos certames. Da semana passada para cá, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o Hospital das forças armadas (HFA) e a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) estenderam o prazo em que os candidatos podem ser nomeados. Mesmo estando fora do corte de verbas públicas, o Banco do Brasil também recorreu ao expediente.

No Ministério do Trabalho, o concurso aberto em 2009 para selecionar 234 auditores fiscais teve seu prazo dilatado por oito meses, a contar de 1º de março último. Já o processo seletivo para os cargos de agente administrativo, administrador e economista, que expiraria no dia 20, foi prorrogado por dois anos.
Julian Barros, professor do Complexo Educacional Damásio de Jesus, explicou que a prorrogação da validade dos concursos é a melhor opção para se garantir a reposição do quadro, quando há aprovados além do número de vagas efetivas oferecidas em edital. “Quando houver necessidade, o órgão tem a alternativa de convocar esses candidatos”, afirmou. “Realmente, a extensão dos prazos é uma forma de se conseguir preencher postos abertos, por exemplo, por aposentadorias e demissões. Enquanto isso, os alunos precisam aproveitar o tempo para se dedicar aos estudos”, observou a coordenadora do IMP Cursos, Taís Lira.

Esperança
Quem fez o concurso do Hospital das forças armadas (HFA) em 2008 deve manter a esperança. A unidade prorrogou por dois anos a validade do certame que ofereceu 1.314 vagas e formação de cadastro de reserva para cargos de níveis médio e superior no D F. A vigência do edital se encerraria em abril. Organizada pelo Instituto Cetro, a seleção abriu 446 vagas de médico e 193 para as áreas de enfermagem, farmácia, física, serviço social, psicologia, fonoaudiologia e fisioterapia. As outras 675 oportunidades foram para nível médio. As remunerações variaram de R$ 2 mil a R$ 3.350.
A Caesb prorrogou por um ano a validade do concurso para os cargos de níveis fundamental, médio, técnico e superior. A vigência do certame se encerraria em 31 de março, mas o órgão considerou necessário convocar mais aprovados. Organizado pela Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão de São José do Rio Preto (Faperp), o processo seletivo ofereceu 49 vagas e formação de cadastro de reserva para os postos de agente e técnico. Até o momento, 88 concursados foram convocados para assumir cargos de nível superior, 83 para funções de nível médio, 78 para ocupações de nível fundamental e 66 para técnicos. Já o Banco do Brasil anunciou a prorrogação por um ano dos concursos para cadastro de reserva de escriturários realizados no ano passado, para os estados de São Paulo, Bahia, Goiás, Minas Gerais e Pará. Mais de 215 mil pessoas se inscreveram nas seleções.


OPINIÃO
It is here now

Maurício Corrêa 
Advogado

A visita do presidente dos EUA ao Brasil vai além de um mero gesto protocolar. Guarda sentido com o desejo de recompor o domínio de espaços perdidos. É difícil dizer se o cenário criado se deu por culpa de um, de outro, ou se de ambos os países; ou, ainda, se diretamente de seus presidentes. Lula chegou a dizer num gesto de carinho por Obama, por ocasião da reunião do G-20, em Londres, em abril de 2009, que ele se parecia fisicamente com um dos nossos da Bahia. O presidente americano retribuiu com afago o ego do interlocutor, ao afirmar que ele era o cara, “o político mais popular da Terra”.
As relações entre ambos, contudo, se deterioraram quando o presidente brasileiro afiançou ter autorização de Obama para intermediar entendimentos com Ahmadinejad sobre a pendenga de enriquecimento de urânio. O mundo aguardou com ânsia os resultados da missão. A confirmação do mandato para Lula agir em seu nome não se deu, Obama sumiu e o acordo se acabou. Como ordena a arte de fazer política, nunca se deve trancar as vias de comunicação entre políticos, embora o ex-presidente brasileiro não tivesse comparecido em momento algum da visita do presidente americano. Certo resíduo de mágoa deve haver no brasileiro, afinal foi ele o único entre todos os ex-presidentes a não comparecer ao jantar oferecido pela presidente da República ao ilustre visitante.
A imprensa dos EUA não perdoou Obama por ter feito “um passeio turístico” pelo país do carnaval em momento delicado por que passa o mundo. Devia ter permanecido no país para melhor acompanhar o drama do maremoto ocorrido no Japão e o ataque dos aliados à Líbia. A visita, entretanto, visualiza alvo bem mais circunstancialmente definido do que o ímpeto acusatório expresso pela imprensa americana. Centra-se na preocupação com um país que ocupa o quinto lugar em extensão territorial entre todos os países do planeta, com prolíferas riquezas minerais e robusto agronegócio; possui uma população que se aproxima dos 200 milhões de habitantes e um graúdo mercado consumidor; além do mais, saiu da estagnação econômica atávica do passado e começa a dar sinais de desenvolvimento. É fato recorrente que se há de reconhecer.
A constatação desse quadro pode ser feita pela ascensão de classes sociais primárias que migraram para outras de níveis mais altos. Os reflexos do fenômeno se comprovam pelas viagens que pessoas desses estamentos passaram a fazer, como se pode observar da superlotação de passageiros nos voos da aviação comercial. Viagens não só para dentro do território nacional, mas, também, para o exterior. Dezenas de navios estrangeiros frequentam atualmente a costa do país com muitos milhares de turistas a bordo. Segundo noticiário veiculado na semana passada pela mídia nacional, mais de 54 mil vistos temporários foram concedidos nos últimos meses para cidadãos estrangeiros poderem trabalhar como tripulantes em embarcações durante a temporada de verão. Some-se, ademais, aos empregados alienígenas os empregados nacionais, que devem corresponder a 25% de toda a relação de contratados para trabalhar nos navios. Destaque-se, por justiça, que a inclusão dessa obrigatoriedade se deve à atuação do Ministério Público do Trabalho encarregado da fiscalização das relações de trabalho nos portos e navios que operem em turismo na costa brasileira.
O EUA não deram conta de que o Brasil precisava crescer. Impuseram restrições às exportações de produtos nacionais, até mesmo àqueles constantes da lista tradicional de venda para consumo de seu mercado interno. Esqueceram-se de que o país, com suas potencialidades de crescimento, tinha que buscar alternativas para seus produtos em outros mercados compradores. Foi nesse contexto que a China pouco a pouco se transformou na maior parceira comercial do Brasil, desbancando a antiga primazia dos EUA. As perspectivas de aumento das exportações para esse país são cada vez mais visíveis. Além da China, também a Índia está a abrir as portas para as exportações nacionais. Deve se tornar, na medida em que o povo melhora o padrão de vida, como já acontece, atraente mercado para absorção de produtos do Brasil. É um mercado de quase 1,2 bilhão habitantes de que o país não deve jamais se descuidar.
Os EUA perderam terreno nas relações bilaterais de comércio com o Brasil. Com a recuperação da economia nacional, pode-se dizer que são eles os mais prejudicados com a redução das transações. A presença de Obama no Brasil tem o escopo de tentar buscar de volta negócios ultimamente negligenciados. Sua visita não é somente de passeio e de cortesia. Não veio aqui apenas como presidente de um grande país, mas, sobretudo, como emissário da inteligência de uma nação que quer reconquistar a confiança e os negócios perdidos. Ninguém melhor do que o próprio presidente, com o seu charme e simpatia, para traduzir esse sentimento. Sentimento de quem sabe que não pode abandonar o velho aliado e parceiro do sul do continente. Daí a profusão de gentilezas nos pronunciamentos. O discurso no Theatro Municipal é mais do que conspícuo. Por isso repetiu que o Brasil não é mais o país do futuro. “It is here now.”


BAIXA PRIORIDADE
Obama na América Latina
Visita do presidente foi mostra de boa vontade, mas não muda a posição subalterna da região no horizonte diplomático dos EUA

Isabel Fleck 

No início do discurso que pronunciou no Chile, endereçado a toda a América Latina, Barack Obama disse saber que não era o primeiro presidente dos Estados Unidos a “prometer um novo espírito de parceria”. Com isso, reconheceu a dificuldade que os mandatários americanos têm demonstrado, ao longo de décadas, para posicionar o continente como tema de fato importante na agenda externa dos EUA. Nem o carisma ou a aparente boa vontade de Obama, demonstradas em seu périplo de cinco dias pela região, vão mudar isso.
A decisão de não cancelar a viagem nem encurtá-la, mesmo com o início de sua primeira guerra, na Líbia, foi vista pelos governos de Brasil, Chile e El Salvador como mais do que uma gentileza: foi uma demonstração da importância que a região alcançou. Para alguns especialistas, no entanto, a viagem para no simbolismo puro e simples, e a América Latina seguirá como tema secundário para Washington nos últimos dois anos de governo Obama. À exceção, é claro, do Brasil, que oferece saídas para alguns dos principais problemas dos americanos hoje: a grave crise econômica, que teima em não ceder, e os altos índices de desemprego.
“O Brasil, agora, está sendo diferenciado dentro da região. Isso pôde ser visto nos discursos de Obama e no comunicado conjunto. O presidente colocou o Brasil como uma potência regional que tem peso global. Foi um reconhecimento público”, observa Rubens Barbosa, que foi embaixador em Washington entre 1999 e 2004. Para o diplomata, no entanto, foi “decepcionante” a fala de Obama destinada à região. “Ficou claro que a América Latina não tem prioridade lá. Uma das propostas que ele apresentou em Santiago foi aumentar para 100 mil o número de estudantes latino-americanos nos EUA”, ressalta Barbosa.
Entre um elogio e outro à democratização que se consolida na região, Obama pontuou alguns temas-chave da política dos EUA para a América Latina, como a luta contra o narcotráfico, a segurança e a promoção do comércio — mas sem grandes compromissos em qualquer um deles. Ele mencionou a necessidade de investir em programas de prevenção de crimes e sobre o trabalho que Washington já vem realizando com o México e a Colômbia no combate aos cartéis. Também reconheceu que a demanda por drogas, principalmente dos EUA, movimenta o tráfico, e disse que os EUA propuseram aumentar em US$ 10 bilhões o financiamento para programas de educação, prevenção e tratamento de usuários no país. E só.

Herança paternalista
Para a professora Cristina Pecequilo, da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp), Obama não conseguiu sair do tom “paternalista” tão adotado por seus antecessores para a região. “É aquele discurso que parabeniza, mas fica sempre dizendo que tem que fazer as coisas de uma mesma maneira”, avalia a especialista. Mudanças à vista, nem pensar. “Essa será uma grande frustração na América Latina, a manutenção de uma agenda basicamente unilateral”, afirma.
De fato, Obama deverá ter pouco ou quase nenhum tempo para voltar em pensar na vizinhança nos seus dois últimos anos de governo. Ele acaba de iniciar a sua própria guerra, na Líbia, e ainda não conseguiu encerrar as duas de George W. Bush, no Iraque e no Afeganistão. Também não fechou a prisão de Guantánamo, o primeiro compromisso assumido ao chegar à presidência, e o processo de paz entre Israel e Palestina acumula retrocessos sob seu governo. Sem contar os enormes desafios internos, com um pesado deficit, desemprego elevado, uma reforma na saúde que ainda não engrenou e pendências sobre a questão da migração. Além da corrida à Casa Branca, que indiretamente já começa este ano e estará no centro das preocupações de Obama até 2012.
O especialista Peter Hakim, presidente do Interamerican Dialogue, defende que é preciso esperar para ver os resultados. “Os EUA vão aprovar os acordos comerciais com a Colômbia e o Panamá e permitir o acesso de caminhões mexicanos às suas estradas, como exigido pelo Nafta? Se não, o Brasil e outros países continuarão cautelosos sobre o prosseguimento de acordos econômicos”, afirma. Para ele, a falta de um avanço sério na reforma das leis de imigração continuará sendo fonte permanente de tensão entre os EUA e seus vizinhos, em especial o México. Mas Obama também continuará jogando para o público interno, que visivelmente não compreendeu a razão dessa viagem, nem a insistência em fazê-la em um momento de turbulências, dentro e fora do país.

Sinal de interesse
A viagemde Barack Obama pela América Latina, passando por Brasil, Chile e El Salvador, demonstra o interesse da Casa Branca em se reaproximar da região, avaliou o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. “Acredito que foi uma demonstração de interesse em retomar o diálogo construtivo com a região”, afirmou Patriota em La Paz, onde se reuniu com o presidente boliviano Evo Morales (D). “Essa viagem mostra o reconhecimento de que somos uma região que não apresenta problemas, e sim soluções, em um mundo que passa por tantas turbulências.”


Brasil é outra coisa

Na visão de especialistas, a viagem de Barack Obama deve ser examinada em dois momentos distintos: a visita ao Brasil e a passagem pelo resto da região. A diferenciação teria sido feita pelo próprio presidente americano, que explicitou, em vários momentos, a importância que o gigante sul-americano alcançou no horizonte dos EUA. Na última sexta-feira, Obama foi mais uma vez agradável com o governo brasileiro: telefonou para a presidente Dilma Rousseff, em meio ao caos da ofensiva na Líbia, e reiterou o convite para que ela vá a Washington.
Para o embaixador Roberto Abdenur, que representou o Brasil nos EUA no primeiro mandato de Lula, a visita de Obama a Brasília explicitou o resultado de um processo de diferenciação que os EUA têm feito. “O olhar americano para o Brasil, nos últimos 10 anos, vem se sofisticando, e muito é pela ação de nomes como o embaixador Thomas Shannon. Hoje, para eles, existe a América Latina e o Brasil”, afirma.
Abdenur considerou a visita um “salto qualitativo” na relação entre os dois países, pelo conteúdo das conversas entre os dois lados e pelo “denso” conteúdo do comunicado conjunto. “Foram assinados 10 acordos que abarcam as mais diversas áreas, inclusive as ditas sensíveis, como energia nuclear, ciência e tecnologia e cooperação espacial”, observa. O embaixador lembra ainda que, na diplomacia, são “muito importantes” os gestos simbólicos — como o fato de Obama ter se antecipado à visita de Dilma aos EUA.
Seu antecessor em Washington, Rubens Barbosa, também considerou o diálogo produtivo, e a visita, conduzida de maneira “pragmática e sem ideologias”. “Foram discutidas coisas concretas, apesar de algumas ainda estarem no nível das intenções. Mas o acordo sobre biocombustível para aeronaves, por exemplo, é um mercado de US$ 300 bilhões”, afirma. Ele cita a cooperação espacial também como um ponto importante, por abrir possibilidade de restabelecer o programa brasileiro, com o lançamento de foguetes a partir da Base de Alcântara. “Sem os EUA, isso não existe.”
Na opinião de Cristina Pecequilo, contudo, Obama não fez mais do que um “papel de mercador”, vindo ao Brasil para conseguir soluções para seus problemas econômicos. “Ele poderia ter oferecido algo mais, já que estão pedindo tanto: pré-sal, empregos (por meio do aumento nas exportações ao Brasil)”, critica. “Não há nenhum grande impedimento, por exemplo, para os EUA apoiarem um assento permanente para o Brasil no Conselho de Segurança. Será que não estava na hora de falar sobre isso mais assertivamente?”, questiona. (IF)

O que ficou para depois
Alguns dos pontos que ficaram em aberto na agenda Brasil-EUA nessa viagem podem ser tratados na visita da presidente Dilma Rousseff a Washington, que deve ocorrer entre agosto e outubro

Vistos
O governo e, em especial, o empresariado brasileiro ainda esperam que o país entre no grupo dos que não necessitam de vistos para entrar nos EUA. O Brasil já tem uma boa taxa de aprovação, e o assunto continuará sendo discutido por meio da embaixada em Washington, segundo o Itamaraty

Previdência
Devido à dificuldade de integrar dois sistemas previdenciários tão diferentes e de definir detalhes sobre os cálculos atuariais, a assinatura de um acordo foi adiada

Etanol
Tema controverso, foi deixado de molho enquanto os dois presidentes se aproximam. A Casa Branca argumenta que uma redução nas tarifas de importação do combustível brasileiro, bem dos subsídios pagos aos produtores americanos, depende do Congresso dos EUA.


DIPLOMACIA
Carter faz visita a Raúl em Cuba

O ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter chega nesta terça-feira a Cuba para se reunir com o presidente Raúl Castro. No encontro, os dois devem conversar sobre como melhorar as relações entre os dois países. Carter, que tem uma fundação com o seu nome e é ganhador do prêmio Nobel da Paz, ficou conhecido nos últimos anos por seu papel de mediador na África e na Coreia do Norte, além de contribuir com a democratização na América Latina. A viagem foi feita a convite do governo cubano e termina no dia 30. É provável que Carter também tenha uma reunião com o ex-presidente Fidel Castro, com quem se encontrou, em Cuba, em maio de 2002. A Casa Branca espera que o veterano político democrata possa interceder pela libertação do americano Alan Gross, 61 anos, condenado há duas semanas por espionagem.


COLÔMBIA
Exército mata 15 rebeldes das Farc

Pelo menos 15 guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) morreram quando enfrentavam uma ofensiva do Exército nas montanhas do sudoeste do país, perto da cidade de Tacueyó. O presidente Juan Manuel Santos elogiou as forças de segurança, em sua conta do Twitter, por aplicarem “outro golpe contra as Farc no aniversário de três anos da morte de Tirofijo” — referência a Manuel Marulanda, fundador e líder histórico da guerrilha, que era octogenário e sofreu um ataque cardíaco. Na última quinta-feira, 10 combatentes da guerrilha foram mortos em confrontos. Na semana passada, os rebeldes mataram quatro policiais e assaltaram um banco estatal. Os combates se intensificam na Colômbia, seis semanas depois de uma trégua para a libertação de seis reféns, com a ajuda do Brasil.
 FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Nenhum comentário:

Postar um comentário